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BERNARDO SOARES

O QUOTIDIANO

Bernardo Soares reconhece que o fracasso que marca o seu


quotidiano decorre, em parte, da inaptidão para lidar com estas
questões pragmáticas da existência («Nunca aprendi a existir»).
Consciente desta sua característica, acredita que todos os seus
sonhos estão à partida condenados ao malogro- motivo pelo qual se
refugia numa atitude de inércia.

Considera que a condição de ser pensante o torna superior aos


indivíduos que o rodeiam- seres marcados pela inconsciência que
se contentam com uma existência marcada pela mediocridade. É por
este motivo que se refugia numa solidão voluntária.

DEAMBULAÇÃO E SONHO: O OBSERVADOR ACIDENTAL

Em vários fragmentos do livro, o enunciador percorre as ruas de


lisboa e regista as perceções que tem da cidade recordando o que
Cesário Verde tinha feito em «um sentimento do ocidental».

A deambulação permite observar e fazer registos sobre diferentes


lugares e elementos do real que se cruzam com o sujeito. A relação
desta personagem com a realidade em que vive e o lugar em que se
inscreve que o conduzem ao desassossego, que tem origem na
insatisfação, no tédio, no seu temperamento sonhador, nas
circunstâncias adversas da sociedade em que vive.

Os momentos descritivos e os narrativos são frequentemente o ponto


de partida para reflexões ou abrem portas para a imaginação e para
o mundo do sonho: o «eu» imagina-se «outro» noutro lugar que ele
próprio cria atrás da imaginação. No fundo, é no mundo onírico
que se procura por termo ao seu desassossego.
PERCEÇÃO E TRANSFIGURAÇÃO POÉTICA DO REAL

A perceção que o «eu» tem e regista do real é a que podemos


apelidar de objetiva.

É a imaginação que serve de ponte entre as paisagens exteriores e


o mundo interior e a realidade interior suplanta a exterior.
Assim, substitui o real exterior pelo interior. Há também as
paisagens e as experiências que foram interiorizadas pelo «eu» e
que são caracterizadas como suas: “certos quadros, sem sombra de
relevo artísticos, certas oleogravuras que havia em paredes com
que convivi muitas horas- passa a realidade dentro de mim”. Nestes
casos, o enunciador seleciona aspetos do mundo exterior que
transforma interiormente, de forma artística e imaginativa. O «eu»
transfigura assim o real, torna-o seu e/ou muda-lhe a forma pelas
palavras usadastransfiguração poética: “os bancos do elétrico, de
um entretecido da palha forte e pequena, levam-me a regiões
distantes, multiplicam-se-me em indústrias, operários…”

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