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WILHELM VON HUMBOLDT

OS LIMITES DA AÇÃO DO ESTADO

Por Roberto Fendt

Introdução

O objetivo das páginas que se seguem é descobrir qual a finalidade das instituições do
Estado e quais os limites que devem ser estabelecidos para essas atividades.

Há dois objetivos principais a ter em mente em qualquer tentativa de estruturar ou


reorganizar as instituições políticas. Primeiro, determinar quem governará e quem será
governado, e organizar o funcionamento da administração; segundo, prescrever qual a
esfera de atuação do governo. Este último objetivo afeta diretamente a vida particular dos
cidadãos e determina os limites de sua atividade livre e espontânea.

Se examinarmos a história das organizações políticas, perceberemos ser difícil decidir os


limites exatos dentro dos quais suas atividades encontram-se restritas, já que não
encontramos, em nenhuma delas, a elaboração sistemática de qualquer plano deliberado,
fundamentado em princípios básicos.

Observaremos que a liberdade do cidadão sempre esteve limitada ou pela necessidade de


organizar e garantir uma constituição, ou pelo expediente de prover condições para a
existência moral e física da nação. Nos Estados antigos, quase todas as instituições
pertinentes à vida privada dos cidadãos tinham um caráter estritamente político. Já nos
Estados modernos, o propósito da ação que visa ao cidadão como indivíduo é o de
proporcionar-lhe o seu melhor bem-estar.

No que diz respeito às restrições à liberdade, somos levados a notar uma vasta diferença
entre os governos antigos e modernos. Os antigos dedicavam sua atenção à força e à cultura
do homem enquanto homem; os modernos preocupam-se, sobretudo, com o seu conforto,
prosperidade e produtividade. Os primeiros se preocupavam com as virtudes, os segundos
procuram a felicidade. É por isso que as restrições impostas à liberdade nos Estados antigos
eram, em certos aspectos importantes, mais opressivas e perigosas do que as que
caracterizam nosso tempo. As nações antigas apresentavam um caráter de uniformidade,
que não se devia tanto ao seu anseio por refinamento mais elevado e por uma
intercomunicação mais limitada, mas sim a uma educação comunitária sistemática de sua
juventude e ao estabelecimento deliberado de uma vida comunal dos cidadãos. Em nossa
época o homem encontra-se imediatamente menos restrito. Contudo, a influência das
circunstâncias ao seu redor é cada vez mais limitadora, ainda que pareça possível lutar
contra esses obstáculos externos com os nossos próprios recursos internos.

Por mais de uma vez se discutiu se o Estado deve ter como meta somente a segurança dos

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cidadãos, ou, mais genericamente, todo o bem-estar físico e moral da nação. A preocupação
com a liberdade da vida privada conduziu à primeira afirmação; a idéia natural de que o
Estado pode garantir algo mais que a mera segurança e de que um abuso na limitação da
liberdade é possível, mas não necessário, conduz à segunda. Esta é também a idéia
dominante tanto na teoria como na prática.

Capítulo 2
Do indivíduo e das mais elevadas finalidades de sua existência

O verdadeiro fim do Homem é o cultivo mais completo e harmonioso possível de suas


forças para integrá-las em uma totalidade. A liberdade constitui a primeira e indispensável
condição para esse desenvolvimento; a segunda condição essencial é uma variedade de
situações.

Cada ser humano só pode agir com uma faculdade dominante por vez; mas está nos poderes
do homem evitar a especialização, por meio de tentar unir as faculdades de sua natureza
exercidas distinta e separadamente. Isso é obtido pela cooperação mútua dos membros da
sociedade. É através da união social, por conseguinte, baseada nos desejos e capacidades
internas de seus membros, que cada um torna-se capacitado para participar dos ricos
recursos coletivos de todos os demais.

A utilidade formativa de tais associações repousa sempre sobre o grau em que se


mantenham, por sua vez, a independência dos associados e a internalidade da associação.
Porque, carecendo desta internalidade, um não pode compreender suficientemente o outro.
Ambas requerem, porém, a força dos indivíduos e uma diferenciação que não seja
demasiado grande, para que um seja capaz de compreender o outro; mas também não seja
demasiado pequena, para despertar alguma admiração pelo que o outro possui e o desejo de
transferi-lo também para si mesmo.

Esta força e esta diferenciação múltipla se unem na originalidade, e naquela em que em


última análise consiste toda a grandeza do homem, pela qual o individuo deve lutar sempre,
e o que nunca deve perder de vista quem deseja atuar sobre os homens: a peculiaridade da
energia e a formação cultural.

Portanto, a razão verdadeira não pode desejar para o homem condição outra que não a de
que não só cada indivíduo goze da mais ilimitada liberdade para desenvolver suas
peculiaridades, mas que também a natureza física tenha uma configuração que lhe deu
arbitrariamente cada indivíduo, segundo a medida de suas necessidades e de suas
inclinações, limitado somente pelas forças e pelos direitos individuais.

Capítulo 3
Sobre a solicitude do Estado para com o bem-estar positivo do cidadão

Tendo em vista as conclusões a que chegamos ao capítulo anterior, poderíamos proceder de


modo a derivar uma limitação ainda mais estrita à ação do Estado: qualquer interferência do
Estado em assuntos particulares – em que não ocorra qualquer violência aos direitos
individuais – deveria ser absolutamente condenada.

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Falo aqui do esforço do Estado para elevar o bem-estar positivo da nação, de seus cuidados
pela população do país, da manutenção dos habitantes, em parte através de hospitais, em
parte através do fomento da agricultura, da indústria e do comércio; de todas as operações
financeiras e monetárias, das proibições de importação e exportação, etc. Finalmente, de
todas as disposições para a proteção e compensação de danos produzidos pela natureza,
animadas pelo propósito de manter ou fomentar o bem-estar físico da nação.

O Estado pode ter duas finalidades: pode incentivar a felicidade ou somente querer impedir
o mal, aí incluído o mal dos próprios homens. Se limitar-se ao último, o Estado busca
somente a segurança; e me permitam contrapor o termo segurança a todas as demais
finalidades possíveis, que agrupo sob o nome de bem-estar positivo.

A diferença dos meios empregados pelo Estado dá também à sua ação uma extensão
diferente. O Estado procura obter seu fim diretamente, seja pela coação – leis prescritivas e
proibitivas, penas – ou por estímulos e exemplos; ou de maneira imediata, procurando
moldar a vida externa dos cidadãos e impedindo-os de atuar de outra forma; ou, finalmente,
procurando influir sobre seus corações e mentes para que estejam em conformidade com
ele. No primeiro caso, o Estado determina somente ações particulares; no segundo,
determina todo o modo de atuar; por fim, no terceiro, o caráter e o modo de pensar. O efeito
da limitação é, no primeiro caso, mínimo, no segundo, maior, e no terceiro, máximo, em
parte porque atua sobre as fontes de que brotam múltiplas ações, em parte porque a própria
possibilidade de ocorrência do efeito requer muitas medidas.

Sustento que todas essas disposições têm conseqüências nocivas e que são inapropriadas
para um verdadeiro sistema de sociedade organizada; um sistema que parta das mais altas
aspirações, embora de forma alguma incompassível com a natureza humana.

1. O espírito de governar predomina em todas as instituições estatais. Por muito sábio e


salutar que seja esse espírito, produz na nação uma uniformidade e uma maneira contida e
artificial de atuação. A sociedade passa a ser composta de vassalos isolados que entram em
relação com o Estado; isto é, com o espírito que domina em seu governo, e em uma relação
tal que o poder prevalecente do Estado reprime o livre jogo das energias individuais.

Por conseguinte, quanto mais atua o Estado, tanto mais semelhantes serão, não só todos os
agentes, mas também os pacientes. Essa é precisamente a aspiração dos Estados. Eles
querem bem-estar e tranqüilidade. Mas ambas se obtêm com facilidade justamente na
medida em que o indivíduo luta menos contra os outros. Só que o homem aspira e deve
aspirar a algo completamente diferente, à variedade e à atividade. Somente isso produz
caracteres diversificados e vigorosos; e por certo não haveria alguém tão degradado que
prefira para si mesmo bem-estar e felicidade à grandeza.

2. A segunda conseqüência nociva é a de que tais instituições estatais enfraquecem a


vitalidade da nação. Em geral, o entendimento do homem só se forma, como qualquer outra
de suas faculdades, graças à própria atividade. As instituições estatais, porém, trazem
sempre consigo maior ou menor coação, e mesmo quando não fosse esse o caso, de
qualquer forma habituam em demasia os homens a esperar das instruções a condução e a
ajuda alheia, em lugar de encontrar soluções por si mesmos.

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Sofrem ainda mais, sem dúvida, a energia da ação em geral e o caráter moral por uma ação
ampla do Estado. Quem é dirigido muito e com freqüência, sacrifica com facilidade e
voluntariamente o restante de sua própria vontade. Se sente liberado pelos cuidados que vê
em mãos alheias e crê fazer o suficiente com o esperar e seguir as suas diretivas. Com isso
se atrofiam suas percepções do mérito e do dever. Não somente se acredita livre de toda
obrigação que o Estado lhe imponha de maneira expressa, como se sente também liberado
de todo e qualquer esforço para melhorar sua própria situação. E procura burlar, na medida
do possível, as próprias leis do Estado, considerando cada evasão como um ganho.

3. É inestimável o ganho em grandeza e beleza que o homem obtém quando se esforça


incessantemente para que seu ser interior seja sempre a primeira fonte de toda sua ação.
Ocorre que a liberdade é a condição necessária sem a qual mesmo o empreendimento mais
espiritual não poderia produzir efeitos saudáveis dessa natureza. O que não foi escolhido
pelo próprio homem não se incorpora ao seu ser, permanece sempre alheio, não é feito com
energia propriamente humana, mas com habilidade mecânica.

4. A solicitude de um Estado para com o bem-estar positivo de seus cidadãos é nociva


porque tem que atuar sobre uma multidão heterogênea, prejudicando o indivíduo com
medidas que somente se adaptam a cada um com deficiências consideráveis.

6. Quem quer que tenha tido a oportunidade de relacionar-se com a alta administração do
Estado sabe, por experiência própria, como poucas medidas possuem de fato uma
necessidade imediata e absoluta. Daí se segue que é necessário uma quantidade excessiva
de meios, e esses meios são subtraídos da obtenção do fim propriamente dito. Não é só que
o Estado requeira maiores receitas, mas que requererá também os dispositivos mais
artificiais para a manutenção da segurança política, suas partes terão menos coesão e a
tutela do Estado terá que ser muito mais ativa. Daí surge um cálculo difícil e infelizmente
quase sempre omitido, sobre se as forças naturais do Estado são suficientes para a
implantação de todos os meios necessários. Se esse cálculo é incorreto, se produz um
desequilíbrio; então, novas disposições artificiais devem extremar as forças – um mal de
que padecem muitos Estados modernos, embora não somente por essa causa.

Não há que subestimar aqui um dano que toca de muito perto o homem e sua formação, isto
é, que a administração dos assuntos do Estado se enreda com ele de tal maneira que, para
não levar a uma confusão, se requer uma inacreditável quantidade de disposições
detalhadas e se necessita ocupar um número equivalente de pessoas. Destas, a maioria tem
somente que tratar com a burocracia. Com isso, não somente se subtrai do pensamento
muitas cabeças talvez capazes, e do trabalho real, muitas mãos que estariam mais utilmente
ocupadas com outras coisas, mas também suas forças espirituais padecem dessa ocupação
em parte vazia, em parte unilateral em demasia. Surge assim uma nova e generalizada tutela
dos assuntos do Estado, e esta depende dos servidores do Estado, que paga os seus salários,
que da nação. Com isso, os assuntos se tornam quase que inteiramente mecânicos e os
homens, máquinas; e a verdadeira habilidade e retidão diminuem junto com a confiança.

Se quisermos extrair um resultado dos argumentos precedentes, o primeiro princípio dessa


parte da presente investigação deve ser: que o Estado deve abster-se de toda interferência
pelo bem-estar positivo dos cidadãos, e não dar nenhum passo além do necessário para

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garanti-lhes a segurança frente a si mesmos e aos inimigos externos; que não limite a
liberdade deles com vistas a nenhum outro fim.

Capítulo 4
Da solicitude do Estado pelo bem-estar negativo do cidadão. Por sua segurança

O principal objetivo da criação do Estado é contra-restar o mal que surge do desejo que o
homem tem em transgredir seus próprios limites, e a discórdia produzida por tal
apropriação indevida dos direitos dos outros.

Mas, tal como se apresentam, as questões humanas são extremamente diferentes e tornam
sempre necessária a existência de algum tipo de poder superior. Isso porque, nessas
dissensões, um conflito emerge após o outro. O erro exige vingança, e esta, por sua vez,
representa um novo erro. Assim, torna-se necessário apreciar certos tipos de vingança que
não admitam qualquer outra vingança – e esta é a pena aplicada pelo Estado – ou pela
resolução da controvérsia em que as partes são obrigadas a aceitar, a saber, a decisão
judicial. Porque sem segurança é impossível para o homem desenvolver seus poderes ou
desfrutar dos frutos de assim fazer, visto que, sem segurança, não há qualquer liberdade.

Se eliminei muitas coisas da competência do Estado, já que a nação mesma pode fazê-las
muito bem sem incorrer numa série de males que advêm da interferência do Estado, devo,
pela mesma razão, orientar essa competência para a segurança, que é a única coisa que o
indivíduo não pode obter para si por seus próprios esforços independentes. Por isso, creio
que é possível expor como primeiro princípio positivo – um princípio a ser mais
cuidadosamente definido e limitado no que se segue – que a preservação da segurança,
tanto frente a inimigos externos como em relação a dissidências internas, constitui a
preocupação genuína e própria do Estado e deve ocupar a sua ação.

Capítulo 5
Sobre a solicitude do Estado pela segurança contra os inimigos externos

A guerra é, em minha opinião, um dos fenômenos mais saudáveis para a formação do


gênero humano e com desgosto vejo que ela se retira cada vez mais do cenário. É o extremo
certamente temível em que toda coragem ativa é provada e testada frente ao perigo, o
trabalho e a fadiga, que se transmuta logo em tão variados matizes da vida humana e é o
único que confere a toda a estrutura da fortaleza e a diferenciação sem as quais a facilidade
torna-se fraqueza e a unidade, vacuidade. A outras ocupações, também perigosas, como a
navegação, o montanhismo, etc., falta em maior ou menor grau a idéia de grandeza e de
renome, que está tão vinculada à guerra. E esta idéia não é fantasiosa. Ela se funda na
representação de uma força avassaladora.

O ponto de vista de que a guerra é saudável e necessária mostra como, a meu juízo, ela
deve ser usada no Estado. Ao espírito que a apóia deve-se assegurar a liberdade para
difundir-se através de todos os membros da nação. Já isso fala contra os exércitos
permanentes. Além disso, eles e o tipo moderno de guerra estão em geral muito longe do
ideal que seria mais vantajoso para a formação do homem. Se geralmente o guerreiro, com
o sacrifício de sua liberdade, se converte em uma máquina, isso lhe ocorrerá em grau muito

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mais elevado com nosso sistema de condução da guerra, em que se conta cada vez menos
com a fortaleza, a coragem e a habilidade do indivíduo.

Terei sido muito infeliz na exposição de meus pontos de vista, se se considerar que defendo
que o Estado deve, de quando em quando, procurar um pretexto para a guerra. O Estado
não deve de forma alguma fomentar a guerra, mas se a necessidade o exige, tampouco deve
impedi-la; deve conceder plena liberdade ao influxo da mesma sobre o espírito e o caráter
para difundir-se através de toda a nação; e principalmente deve tomar as disposições
positivas para formar a nação para a guerra; ou quando estas forem absolutamente
necessárias, como, por exemplo, no treinamento dos cidadãos para o uso das armas, deve
dar-lhes uma orientação tal que estas não somente tragam consigo a coragem, a destreza e a
subordinação de um soldado, mas também inspirem o espírito de verdadeiros guerreiros, ou
de cidadãos nobres que estejam sempre preparados para lutar por sua pátria.

Capítulo 6
Sobre a solicitude do Estado para com a segurança mútua dos cidadãos. Os meios para
alcançar essa finalidade. As instituições para a reforma da mente e do caráter do
cidadão. A educação pública

A educação pública, isto é, aquela organizada e dirigida pelo Estado, é em muitos aspectos
questionável. Segundo os argumentos anteriormente expostos, a educação trata da formação
do homem na sua mais rica diversidade; mas a educação pública, mesmo quando quer
evitar o defeito da massificação moral dos cidadãos, promove sempre uma forma
determinada de desenvolvimento. Assim, se incorporam a ela todas as desvantagens que
expus na primeira parte desta investigação, e devo apenas acrescentar que essa limitação é
tão mais daninha quando diz respeito ao caráter moral, e que se há algo que exija
efetividade do indivíduo é precisamente a educação, que deve formar o indivíduo.

Certamente a educação é benéfica quando as condições do homem e do cidadão coincidem


tanto quanto possível; mas deixa por completo de ser saudável que o homem seja
sacrificado ao cidadão. Por isso, em minha opinião, deveria prevalecer uma formação
absolutamente livre do homem, orientada tão pouco quanto possível às condições civis.

Se se deseja proibir à instrução pública todo favorecimento positivo desta ou daquela


educação, se se quer obrigá-la a incentivar unicamente o próprio desenvolvimento das
forças do homem, isto não é realizável, já que o que possui unidade de ordenamento traz
consigo certa uniformidade de ação. Portanto, tampouco se vê sob esta hipótese a utilidade
de uma educação pública. Porque o seu propósito é só evitar que as crianças fiquem
inteiramente sem instrução; então, seria mais fácil e menos prejudicial impor tutores aos
pais negligentes ou subvencionar aos indigentes.

Além disso, a educação pública tampouco logra o propósito a que se destina, isto é, a
conformação dos costumes segundo o modelo que o Estado julga mais adequado para ele.
Por mais importante que seja e por muito que se exerça durante toda a vida a influência da
educação, sempre são mais importantes ainda as circunstâncias que acompanham o homem
em sua vida inteira. Por conseguinte, me parece que a instrução pública está inteiramente
fora dos limites em que o Estado deve manter sua ação.

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Capítulo 7
Religião

Além da educação dos jovens, existe um outro meio importante de exercer uma influência
sobre os costumes e o caráter de uma nação, através do qual o Estado se esforça por educar,
por assim dizer, o homem plenamente crescido, acompanha-o através do inteiro curso da
vida na sua maneira de pensar e agir, e tem por meta dar-lhe alguma direção específica e
previamente concebida, ou evitar prováveis desvios do caminho traçado. Estamos falando
da religião.

A história mostra-nos que todos os Estados têm feito uso desse tipo de influência, embora
por meio de propósitos bem diferentes, e em diferentes graus para agir sobre os costumes
através das idéias religiosas. Quando o Estado acredita que a moralidade e a religiosidade
estão inseparavelmente associadas e considera que pode e deve valer-se delas como forma
de influenciar, torna-se difícil que não prefira uma religião à outra. O Estado tende, por
conseguinte, a favorecer indiretamente as crenças que o beneficiem, suprimindo outras
possíveis crenças dos indivíduos. Devido à ambigüidade de todas as expressões, o Estado
seria obrigado a fornecer alguma interpretação definitiva do termo religiosidade, antes que
a pudesse aplicar como uma regra clara de conduta. Assim sendo, eu negaria, de maneira
absoluta, qualquer possibilidade de interferência do Estado em assuntos religiosos.

Assim sendo, posso proceder ao estabelecimento do princípio, sem dúvida de modo algum
novo, de que tudo que diz respeito à religião existe para além da esfera da atividade do
Estado e de que a escolha de clérigos, assim como tudo o que se relacione com o culto
religioso em geral, deve ser deixado ao livre juízo das comunidades a que se referem, sem
qualquer supervisão especial da parte do Estado.

Capítulo 8
Aprimoramento da moral

Os últimos meios utilizados pelo Estado para reformar os costumes, de acordo com a sua
concepção da manutenção da segurança, são a influência de leis especiais e suas
promulgações. Mas como estas constituem medidas indiretas em face da virtude e da
moralidade, provisões especiais dessa natureza não podem fazer mais do que coibir certas
ações particulares dos cidadãos, ou limitar aquelas que, embora sem infringir diretamente
os direitos dos outros, são imorais ou suscetíveis de conduzir à imoralidade.

A imoralidade tem por origem uma excessiva propensão da alma ao sensual; ou a


desproporção geral entre os desejos e os impulsos dos homens, e os meios de satisfação que
sua posição externa dispõe. Pareceria consistente com a verdadeira finalidade do Estado
confinar a luxúria a seus devidos limites, já que ela é a fonte da qual nascem todos os
conflitos entre os homens.

As impressões, inclinações, e paixões que têm como fonte imediata os sentidos são aquelas
que primeiro e mais violentamente se mostram na natureza humana. O sensual e o espiritual
estão ligados por um vínculo misterioso, sentido por nossas emoções, mas escondido de

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nossos olhos. A vida moral é a província específica da fria razão. Portanto, é apenas a idéia
do sublime que nos capacita a obedecer às leis absolutas e condicionais, ambas humanas,
por meio do sentimento e com um desinteresse divino, através da máxima ausência de toda
referência subseqüente à felicidade ou ao infortúnio. Quando a lei moral nos obriga a
considerar cada homem como um fim em si mesmo, ela acaba por fundir-se com aquele
sentimento pelo belo que ama animar o mais simples dos barros, de modo que até mesmo
nele possa regozijar-se numa existência individual.

Não importa o quão ansiosamente o homem possa se esforçar por manter-se preso ao
prazer, ou o quanto ele possa tentar representar a si mesmo numa união constante entre a
felicidade e a virtude, mesmo sob as condições as mais desfavoráveis, sua alma ainda assim
permanece viva para a grandeza da lei moral. O sensualismo, com todas as suas
conseqüências benéficas, encontra-se entrelaçado com o inteiro tecido da vida humana e
suas buscas. Gostaria de angariar para ele uma maior liberdade e estima. No entanto, não
cabe esquecer que o sensualismo é também a fonte imediata de inúmeros males físicos e
morais. Até mesmo sob o ponto de vista moral, ele só é benéfico numa relação apropriada
com o exercício das faculdades espirituais; ele facilmente exerce uma preponderância
prejudicial.

Concluindo, em razão dos princípios desenvolvidos, que desaprovam qualquer eficácia


estatal direcionada para metas positivas e que se aplicam aqui como com força particular, já
que é precisamente o homem moral aquele que sente mais profundamente cada uma das
restrições, refletindo, além disso, sobre o fato de que, se existe um aspecto do
desenvolvimento que mais que qualquer outro deve sua mais alta expressão de beleza à
liberdade, esse é precisamente o cultivo do caráter e da moral. Nesse caso, a justiça do
princípio que se segue tornar-se-á suficientemente óbvia: o Estado deve abster-se por
completo de qualquer tentativa de atuar direta ou indiretamente sobre os costumes ou o
caráter da nação, a não ser quando isso possa se tornar inevitável como uma conseqüência
natural de outras medidas absolutamente necessárias; e que tudo que possa favorecer esse
propósito, em particular toda medida especial sobre a educação, religião, leis da luxúria,
etc., está absolutamente fora dos limites de suas atividades.

Capítulo 9
A solicitude do Estado pela segurança definida mais precisa e positivamente.
Desenvolvimento adicional da idéia da segurança

Agora que completei as mais importantes e difíceis partes da presente investigação e me


aproximei da solução do grande problema que ela envolve, torna-se necessário rever o
progresso obtido até este ponto e tentar resumir seus resultados.

Primeiro, os cuidados do Estado devem ser retirados de todo objeto que não estiver
imediatamente relacionado com a segurança interna e externa dos cidadãos. Segundo, essa
mesma segurança foi representada como um objeto real da atividade do Estado; por fim,
concordou-se que não é permissível para a promoção desse objetivo que o estado seja
concebido para atuar sobre os costumes e o caráter da nação, para desviá-la para ou de
qualquer curso particular.

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A atividade do Estado só pode estender sua influência a ações que impliquem avanço sobre
de uns sobre os direitos dos outros; para a tarefa de decidir nos casos de direito em disputa;
e para corrigir a infração e punir o infrator. A idéia de segurança, abarcando tão somente a
segurança contra a agressão de inimigos externos e contra o espírito agressivo dos
concidadãos, varia em extensão e aplicação, já que podemos entendê-la como a segurança
contra uma particular forma ou grau de influência coercitiva, ou contra alguma infração
específica de direitos.

Os cidadãos estão seguros em um Estado se, no exercício dos seus direitos de pessoa e de
propriedade, não são perturbados por usurpação alheia; por essa razão, chamo segurança a
certeza da liberdade sob a lei. Esta determinação não foi introduzida ou escolhida por mim
de forma arbitrária. Pois somente as transgressões reais do direito tornam necessário outro
poder além daquele de que o próprio indivíduo dispõe; apenas aquilo que detém tais
violações proporciona um ganho líquido para a verdadeira formação do homem, em
circunstâncias que qualquer outro empenho do Estado põe obstáculos em seu caminho;
somente isso flui finalmente do princípio infalível da necessidade, já que tudo o mais está
erigido sobre a base insegura de vantagens calculadas segundo verossimilhanças enganosas.

Aqueles cuja segurança deve ser preservada são, de um lado, os cidadãos, em toda
igualdade, e por outro, o próprio Estado. A segurança do Estado tem um objetivo da maior
ou menor importância dependendo da extensão de seus direitos e de seus limites, e essa
determinação depende, em conseqüência, da determinação da finalidade da mesma.

A segurança é perturbada por ações que usurpam por si mesmas o direito alheio, ou por
ações que levam ao temor dessa usurpação. Cabe ao Estado proibir ou tentar impedir os
dois tipos de ações; quando ocorreram, deve cuidar para que no futuro sejam menos
freqüentes, mediante uma reparação legal do dano causado ou mediante penas. Daqui se
originam as leis policiais, civis e criminais. A isso se adiciona um outro objeto; refiro-me
aos que ainda não alcançaram ainda a idade de madureza e a aqueles a quem alguma
loucura ou deficiência mental priva do uso de suas forças humanas. Cabe ao Estado cuidar
igualmente da segurança deles.

Capítulo 10
Sobre a solicitude do Estado pela segurança com relação às ações que se relacionam
diretamente com o agente apenas (leis policiais)

Para cuidar da segurança dos cidadãos, o Estado deve proibir ou limitar aquelas ações
relativas imediatamente só ao agente, cujas conseqüências infringem os direitos dos outros,
isto é, menoscabam sua liberdade ou sua propriedade sem o consentimento deles ou
contrariamente a eles, ou aquelas das quais se possa verossimilmente temer isso;
verossimilhança que em todo caso deve levar-se em consideração a magnitude do dano que
se teme e a importância da limitação da liberdade que se seguiria a uma lei proibitiva.
Qualquer limitação adicional da liberdade, ou decorrente de outros pontos de vista, se
encontra fora dos limites da ação do Estado.

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Capítulo 11

Da solicitude do Estado pela segurança com relação às ações que se relacionam


diretamente com o agente apenas (leis policiais)

Onde o homem não permanece dentro do círculo de seus poderes e de sua propriedade, mas
empreende ações que afetam diretamente a terceiros, a preocupação com a segurança impõe
ao Estado as seguintes obrigações:

1. Com relação às ações realizadas sem o consentimento ou contra a vontade de terceiros,


ele deve proibir que os terceiros sejam prejudicados no gozo de seus poderes ou na posse de
sua propriedade; no caso de transgressão, deve obrigar o culpado a reparar o dano
ocasionado, mas deve impedir que o prejudicado, com ou sem esse pretexto, exerça uma
vingança privada.

2. As ações que são realizadas com o livre consentimento de terceiros devem ser
restringidas dentro dos mesmos limites, limites estes não mais estreitos que os prescritos
para as ações mencionadas no caso anterior.

3. Se entre as ações mencionadas anteriormente há algumas das quais resultam futuros


direitos e responsabilidades das partes (compromissos unilaterais ou mútuos de vontade,
contratos, etc.), o Estado deve proteger o direito de aplicação quando o contratante for
capaz de tomar decisões, desde que o contrato se refira a objetos à disposição da parte
transferente, e tenha sido transferido com pleno poder de decisão. Contudo, em caso algum
quando as últimas condições estiverem ausentes ou quando uma terceira pessoa viesse a ser
injustamente restrita sem seu consentimento ou contra sua vontade.

4. Mesmo no caso de contratos válidos, se tais obrigações


pessoais, ou, ainda mais, se tal relação pessoal contínua segue-se como é calculado para
restringir a liberdade dentro de limites bem estreitos, o Estado precisa facilitar a liberação
do contrato, mesmo contra a vontade de uma parte e sempre de acordo com o grau de dano
causado por essa restrição ao cultivo interno de si mesmo. Daí que, nos casos em que o
desempenho de deveres que emergem da relação encontra-se intimamente relacionado com
a sensibilidade, o Estado deverá conceder sempre o poder de liberação incondicionada.
Contudo, onde quer que (a limitação sendo ainda algo estreita) essa conexão não se revele
tão íntima, é necessário permitir o poder de retirada após o lapso de certo tempo, desta vez
sendo determinada de acordo com a importância da restrição e a natureza daquilo que foi
restringido.

5. Se alguém quer dispor de seus bens em caso de morte, seria aconselhável permitir que
nomeasse o herdeiro imediato, mas sem permitir que se acrescente nenhuma condição
limitante do poder daquele que herda para que disponha dos bens de acordo com seu livre
arbítrio e desejo.

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6. É, contudo necessário proibir quaisquer disposições dessa natureza, decidir sobre alguma
ordem de sucessão ab intestato e fixar a porção que cabe à família do testador.

7. Embora contratos pactuados entre vivos se transferiram aos seus herdeiros e devam ser
cumpridos, na medida em que modificam aquilo que foi deixado atrás, o Estado deve não
apenas impedir qualquer extensão adicional desse princípio, mas seria também eficaz em
limitar certos contratos que ocasionam relações íntimas e restritivas entre as partes (como,
por exemplo, a divisão de direitos sobre uma coisa entre várias pessoas) ao período de vida
apenas; ou, pelo menos, facilitar a dissolução pelos herdeiros de uma ou outra parte. Isso
porque, embora as mesmas razões não se apliquem como no caso precedente das relações
pessoais, ainda que a vontade dos herdeiros seja menos livre, a continuação da relação é
infinitamente longa.

Capítulo 12

Sobre a solicitude do Estado para com a segurança tal como manifestada na decisão
jurídica de disputa entre os cidadãos

Um dos principais deveres do Estado é a investigação e resolução das controvérsias legais


dos cidadãos. Ele atua nisso em lugar das partes e tem como única finalidade protegê-las de
exigências injustificadas, por um lado, e, por outro, dar apenas àquelas cujo devido peso e
consideração só poderiam ser obtidos pelos próprios cidadãos, de alguma forma prejudicial
à ordem pública. Durante o processo de investigação, por conseguinte, o Estado deve
consultar os desejos das partes – tanto quanto esses estejam apoiados nos mais estritos
princípios de justiça – mas precisa impedir tanto um quanto o outro de usarem meios
injustos contra si mesmos.

A decisão do juiz, em casos de direitos contestados, só pode ser proferida se exigências


legais particulares houverem sido satisfeitas. A partir disso surge a necessidade de uma
nova classe de leis, a saber, aquelas que são concebidas para especificar certas exigências
da validade das transações legais. Ao formatar tais leis, o legislador precisa ser guiado por
dois objetivos apenas: prover a autenticação de transações legais e facilitar a prova
necessária nos processos; em segundo lugar, ser cuidadoso para não cair no extremo oposto,
ou seja, tornar as transações difíceis demais. Além do mais, não deve nunca impor
regulamentações onde poderiam quase significar torná-las impossíveis.

Capítulo 13

Sobre a solicitude pela segurança tal como manifestada na pena de transgressão das leis
do Estado (leis penais)

Um dos principais meios para a manutenção da segurança é a punição dos transgressores


das leis do Estado. O Estado deve infligir penas a toda ação que cause dano aos direitos dos
cidadãos e também a toda ação pela qual se transgrida alguma de suas leis.

A pena mais grave deve ser a mais branda possível, segundo as circunstâncias particulares

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de tempo e de lugar. A partir dessa, todas as demais penas devem ser determinadas, em
proporção aos delitos cometidos. É por essa razão que a pena mais grave deve ser reservada
a quem viola o direito mais importante do próprio Estado; uma menos severa a quem
inflige um direito igualmente importante de um cidadão individual; e, por último, uma
ainda mais branda a quem só transgrediu uma lei cujo propósito seja impedir uma infração
meramente possível.

Toda lei penal só pode ser aplicada a quem a transgrediu com intenção ou com culpa, e
unicamente na extensão em que demonstrou falta de respeito ao direito alheio.

Na investigação de delitos cometidos, o Estado pode utilizar os meio adequado à finalidade;


mas nenhum daqueles que tratem o cidadão que é meramente suspeito como se já fosse um
criminoso, nem tampouco qualquer outro meio que viole os direitos do homem e do
cidadão, que o Estado deve respeitar até mesmo sendo o criminoso, ou que tornaria o
Estado culpado de uma ação imoral.

O Estado deve apenas adotar dispositivos especiais de prevenção aos crimes ainda não
cometidos, na medida em que tais dispositivos sejam para evitar a perpetração iminente. E
todos os outros, não importa se concebidos para contra-restar as causas do crime ou para
evitar as ações, inofensivas em si mesmas, mas que conduzem frequentemente a ofensas
criminais, encontram-se completamente fora dos limites de ação do Estado.

Se parecer haver contradição entre esse princípio e aquele estabelecido em relação às ações
dos indivíduos, não se deve esquecer que a questão anterior aplicava-se às ações que em
suas conseqüências imediatas haveriam provavelmente de infringir os direitos dos outros, e
que aqui estamos considerando aquelas a partir dos quais, a fim de produzir este efeito, uma
ação subseqüente precisa prosseguir.

Capítulo 15

Medidas para a manutenção do Estado. Finalização da teoria

De modo a poder realizar até mesmo os objetivos mais limitados, o Estado precisa auferir
receita suficiente. Existem, ao que parece, apenas três fontes de receita estatal:

1. A propriedade que tem sido reservada ao Estado, ou subsequentemente adquirida;

2. Impostos diretos;

3. Impostos indiretos.

Toda propriedade do Estado tem conseqüências perniciosas. Ao se tornar proprietário, ele


necessariamente se envolve em muitas relações privadas, ao mesmo tempo em que preserva
todos os atributos peculiares. Ou seja, o poder do Estado, que lhe é conferido apenas para
servir às necessidades de segurança, assume um papel em casos em que a segurança não
constitui problema. A taxação indireta possui também conseqüências nocivas. A experiência

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ensina-nos que a multiplicidade de instituições é exigida para bem dispô-las e agilizá-las. E
todas essas, de acordo com o nosso raciocínio prévio, devem ser inquestionavelmente
desaprovadas. A taxação direta é então tudo que resta. E deveria incidir não somente sobre
a agricultura, mas também sobre os frutos do trabalho.

Se, no entanto, o sistema de taxação direta ao qual estamos reduzidos não for injustamente
condenado como o pior e mais entravado dos sistemas financeiros, não devemos esquecer
que o Estado, cuja atividade circunscrevemos tão estreitamente, não necessita de grandes
receitas e que o Estado que não possua interesses especiais voltados para si mesmo, além
daqueles de seus cidadãos, estará mais garantido pelo apoio dado por uma nação livre e, por
conseguinte, de acordo com a experiência de todas as épocas, mais próspera.

Capítulo 16

Aplicação prática da teoria proposta

Para o fruto mais formoso do espírito, a realidade não está nunca suficientemente madura; o
ideal deve estar sempre ante os olhos de todo criador como um modelo inalcançável. Essas
razões recomendam, pois, ainda que para as teorias mais conseqüentes e menos duvidosas,
um cuidado mais que rotineiro em sua aplicação.

Os princípios mais gerais da teoria de todas as reformas deveriam ser talvez os seguintes:

1. Não deveríamos nunca tentar transferir princípios puramente teóricos para a realidade,
até que esta última não ofereça quaisquer outros obstáculos à consecução de resultados aos
quais os princípios deveriam sempre conduzir, na ausência de interferência externa.

2. Para realizar a transição das circunstâncias presentes àquelas que foram planejadas, cada
reforma deveria ser permitida a proceder, tanto quanto possível, das mentes e pensamentos
dos homens.

No começo deste ensaio observei que o homem se inclina mais à dominação que à
liberdade, e que uma estrutura de domínio não apenas agrada aos olhos do senhor que a
estimula e protege, mas até mesmos os servos são estimulados pelo pensamento de que
fazem parte de um todo que se eleva bem acima da vida e da força de gerações isoladas.
Onde esta perspectiva é ainda predominante para cativar a admiração dos homens, a energia
deve desvanecer-se, e surgem a negligencia e a inatividade quando se quer obrigar o
homem a atuar somente em si e para si, unicamente no espaço que suas próprias forças
abarcam e pela duração do tempo de sua vida.

Mas é verdade que esse é realmente o único caminho no qual o homem pode atuar em
tempo e espaço ilimitados, embora ele o faça indiretamente. Ele lança sementes que
brotarão espontaneamente, em vez de erigir estruturas que mostram diretamente as marcas
de sua mão. E é necessário um nível mais elevado de cultura para elaborar seus próprios

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resultados, em vez de algo que as estabeleça de uma vez por todas. É esse grau de cultura
que mostra que o tempo está maduro para a liberdade. Mas a capacidade de liberdade que
surge de tal grau de cultura não é um lugar algum perfeita. E essa perfeição, quero crer, está
destinada a permanecer para além do alcance da natureza sensual do homem, que sempre o
dispõe a se apegar a objetos externos.

Com vistas aos limites de sua ação, o Estado deve se esforçar por manter a condição real
das coisas tão próxima quanto possível daquelas prescritas pela verdade e pela teoria justa,
e desde que não esteja em oposição às razões da verdadeira necessidade. As possibilidades
consistem no fato de que os homens estão preparados para receber as conseqüências
salutares que sempre acompanham sua operação desimpedida. As razões da necessidade
que podem surgir em oposição são: a liberdade, uma vez assegurada, não é vista no sentido
de destruir essas condições, sem as quais não apenas todo progresso subseqüente, mas até
mesmo a existência em si encontra-se em perigo. Em ambos os casos o julgamento do
estadista precisa ser formado a partir de uma comparação cuidadosa entre o presente estado
de coisas e a mudança contemplada, assim como entre suas respectivas conseqüências.

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