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Fé e Liberdade:

O pensamento econômico da Escolástica Tardia


Alejandro A. Chafuen

Por Roberto Fendt

1. A ESCOLÁSTICA TARDIA

Chafuen inicia seu livro definindo a Escolástica e apontando seus maiores expoentes.
O termo Escolástica deriva do latim schola (escola). Por Escolástica Medieval se
entende tanto um movimento como um período intelectual que compreendeu cerca de
sete séculos, do ano 800 ao ano 1500 d.C., tendo seu apogeu nos séculos XII e XIII.
Denomina-se Escolástica Tardia o pe-ríodo entre 1350 e 1500 d.C. É o trabalho dos
escolásticos tardios, especialmente seus escritos sobre economia, que ser-vem de foco a
este livro.
São Tomás de Aquino (1226-1274) foi o mais importante autor escolástico, e entre os
mais conhecidos autores escolásticos estão São Bernardino de Siena (1380-1444), Santo
Antonino de Florença (1389-1459), Joannis Gerson (1362-1428), Conradus
Summenhart (1465-1511) e Sylvestre de Priero (falecido em 1523).
No livro, Chafuen denomina “Escolástica Hispânica” ao que geralmente é chamado
de “Escola de Salamanca”, já que muitos dos escolásticos hispânicos estudaram em
outras universidades da Espanha, como a Complutense no Alcalá de Henares.
Francisco de Vitória (c. 1495-1560) é chamado de o pai da Escolástica Hispânica.
Dominicano, estudou e ensinou na Sorbonne. Entre 1522 e 1546 ensinou na
universidade de Salamanca. Domingo de Soto (1495-1560), também dominicano,
estudou no Alcalá e foi professor de teologia em Salamanca. O seu tratado De Iustitia et
Iure continua a exercer influência significativa em várias comunidades eruditas. Martin
de Azpilcueta (1493-1586), dominicano, foi considerado um dos mais eminentes
conhecedores do direito canônico de seu tempo. Ensinou em Salamanca e Coimbra
(Portugal). O seu Manual de Confesores y Penitentes foi muito empregado no século
que se seguiu à sua publicação. Outros importantes Escolásticos dominicanos incluem
Domingo de Bañes (1528-1604), Tomás de Mercado (c. 1500-1575), Francisco Garcia e
Pedro de Ledesma. Entre os pensadores franciscanos destacam-se Juan de Medina
(1490-1546), Luis de Alcalá e Henrique de Villalobos (m. 1637), o bispo agostiniano
Miguel Salón (1538-1620), bem como Pedro de Aragón, Cristóbal de Villalón, Luis
Saravia de la Calle Veronese e Felipe de la Cruz.
Com a fundação da Sociedade de Jesus em 1540, pensadores jesuítas como Luis de
Molina (1535-1617), Juan de Salas (1553-1612), Leonardo Léssio (1554-1623), Juan de
Lugo (1583-1660), Pedro de Oñate (1567-1646), Juan de Matienzo (1520-1579), e
Antonio de Escobar y Mendoza (1589-1669) também fizeram significativas
contribuições. Alguns historiadores acreditam que a atitude com relação à economia
esposada pela Escolástica Tardia refletiu a atitude desses pensadores jesuítas.

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2. O ENFOQUE ESCOLÁSTICO DA ECONOMIA

Definida a Escolástica, o tema seguinte de Chafuen é a questão do embasamento do


enfoque escolástico da economia. A Escolástica baseou o seu enfoque da economia no
direito na-tural. São Tomás de Aquino definiu o direito natural como a “participação das
criaturas intelectuais na lei eterna” (Participatio legis aeternae in rationali creatura).
Por lei eterna entende-se o plano de Deus para levar sua criação ao seu destino final.
Desse ponto de vista, a lei moral natural constitui a participação do intelecto no plano de
Deus com relação ao que é certo e ordenado, isto é, a lei eterna.

Direito natural analítico e normativo. É possível distinguir dois ramos do direito


natural no pensamento escolástico: o direito natural analítico (o chamado direito da
natureza) e o direito natural normativo, ambos importantes para a ordem econômica e
social. Os escolásticos acreditavam que quanto mais as ações humanas fossem
acomodadas a ambos os ramos do direito natural, maiores seriam as perspectivas de
sucesso dessas ações.
O primeiro ramo do direito natural consiste no conjunto de leis universais e objetivas
a respeito da ordem criada. Podemos descobri-las, mas não desrespeitá-las. O direito
natural normativo, por outro lado, consiste em preceitos para a conduta moral
apropriada. É possível desrespeitar esses preceitos, mas ao custo de suportar as
conseqüências de desrespeitá-los. Foi a partir do conceito de lei natural analítica que os
escolásticos formularam o conceito de ordem econômica.

A natureza da ética. A ética, para os escolásticos, é uma disciplina normativa que


estuda a conduta humana voluntária. Foi através do estudo da natureza das coisas, por
processos analíticos, que os escolásticos chegaram à consideração do que é
naturalmente justo (justum naturale).
Para Aquino, todo o conhecimento da verdade é um tipo de irridatio e participatio da
lei eterna. Todas as leis que se constituem em conhecimento (isto é, leis verdadeiras) são
leis naturais (isto é, a participação da lei eterna na criatura racional). Para Luis de
Molina, um dos mais importantes escolásticos tardios, o que é naturalmente justo é o
que deriva da natureza das coisas (natura rei).

A natureza da economia. Os seres humanos agem sempre com um propósito. A


ciência econômica consiste no estudo das implicações formais desse fato, não
questionando se essas ações são boas ou más; em si, não é uma ciência normativa (é
destituída de juízos de valor). Diferentemente, a política econômica consiste na
estruturação da ordem econômica de acordo com um arcabouço legal e requer primeiro
que se estabeleçam os valores morais que determinarão os seus objetivos.
A intenção principal dos escolásticos era estudar a ação humana de um ponto de vista
ético, consistente com o direito natural. A análise moral da política econômica era parte
de sua agenda, já que a política econômica está envolvida com a seleção de objetivos
econômicos (o que requer julgamentos de valor) e com a implementação desses
objetivos.

A influência da ética na economia. A ciência econômica descreve “o que é”. A ética


descreve “o que deveria ser”. As diferenças entre o que é e o que deveria ser, entre fatos
e valores, sublinham todo o domínio da ética normativa. Como teólogos morais, os
escolásticos tardios devotaram a maior parte de seus esforços à discussão do que é justo
e bom. Dessa perspectiva, é natural que eles tenham estudado questões econômicas

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como o direito de cobrar juros, a adequação dos lucros, a ética da intervenção monetária
e a justiça dos impostos. Reconheciam a importância de estudar esses assuntos antes de
emitir juízos de valor sobre eles – estudá-los com objetividade e com todos os
instrumentos da razão disponíveis.

A importância das teorias do direito natural. A Escolástica Tardia desenvolveu o


seu enfoque a partir do conceito tomista da inter-relação do direito natural, da ética e da
economia. Da perspectiva medieval, a aplicação do jusnaturalismo à ciência social não
fez mais do que postular a existência de uma ordem natural.

3. PROPRIEDADE PRIVADA

Pela sua importância para a discussão dos temas seguintes, Chafuen trata no terceiro
capítulo da propriedade privada. Na tradição tomista do direito natural, a Escolástica
Tardia deu grande importância à justificação da propriedade privada, afirmando com
Aquino que o direito de propriedade decorre da lei natural eterna.
Alguns dos primeiros autores escolásticos argumentaram que os bens deveriam ser
tidos em comum e condenaram os que possuíam riquezas. A Escolástica Tardia rejeitou
essa condenação, com base nas Escrituras e na análise da ação humana. À interpretação
de que Jesus havia condenado a riqueza, a Escolástica Tardia retorquiu que a entrada no
reino dos céus está negada aos que valoram os bens materiais mais que Deus (Mateus
10:37).
Os Doutores medievais também sustentaram a conveniência da propriedade privada
para a prosperidade com base em argumentos utilitaristas. Tomás de Mercado e Juan de
Mariana reconheceram a relação entre o auto-interesse e o maior cuidado que as pessoas
geralmente têm com sua propriedade. “Se a troca de bens fosse abolida”, afirmaram,
“seria impossível viver em sociedade, e todos viveríamos em aflição e angústia”, já que
a sociedade existe porque o homem não é auto-suficiente. “A escassez pode ser
superada pela troca mútua daqueles itens tidos em abundância por uns e por outros”.
Luis de Molina incluiu muitas passagens favoráveis à propriedade privada no seu De
Iustitia et Iure. “Se as coisas fossem tidas em comum”, afirmou, “seriam pobremente
cultivadas e administradas. A escassez se seguiria, e os homens lutariam uns com os
outros pelo uso e consumo dos bens. Os poderosos inevitavelmente explorariam os mais
fracos. Ninguém estaria interessado em servir o bem público, e ninguém concordaria em
executar aquelas tarefas que requerem mais esforço”. Do ponto de vista ético, De Soto
escreveu que se os bens fossem todos de propriedade comum, a virtude da liberalidade
desapareceria, já que “aqueles que não têm nada não podem ser liberais”. A virtude da
hospitalidade também se tornaria impossível, já que as casas seriam de propriedade de
ninguém. E observou que a propriedade privada permite o uso moral dos bens: “As
esmolas deveriam ser dadas dos bens privados e não dos bens comuns”, afirmaram. Para
a Escolástica Tardia a divisão dos bens era matéria do ius gentium, lei humana positiva,
que deriva de princípios diferentes dos princípios do direito natural. O ius gentium é “a
parte do sistema legal que se baseia nos costumes comuns prevalecentes entre os
diferentes povos”.
O pensamento da Escolástica Tardia em favor da propriedade privada pode ser assim
sumariado:
1. A propriedade privada ajuda a assegurar a justiça. Se os bens são tidos em comum,
seriam os homens maus “e mesmo os ladrões e avarentos” os que mais se aproveitariam,
consumindo mais que aportando para os bens comuns.

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2. A propriedade privada é útil para a preservação da paz e da harmonia entre os
homens. Sempre que os bens são tidos em comum, as disputas são inevitáveis.
3. A propriedade privada assegura que se tenha mais cuidado com o que é seu do que
com o que pertence a todos, conforme o provérbio medieval: “um jumento de
propriedade de muitos lobos é logo comido”.
4. A propriedade privada é conveniente para manter a ordem na sociedade e promove
a livre cooperação social.
5. Ninguém pode isolar-se dos bens temporais. O pecado original deu origem à
escassez, fonte dos problemas econômicos (isto é, a diferença entre necessidades
ilimitadas e recursos limitados).

Posse e uso da propriedade. Francisco de Vitória definiu “domínio” (dominium)


como a faculdade de usar uma coisa de acordo com as leis estabelecidas.
Uso e propriedade não se confundem. As trocas, entre os usos da propriedade, são
transferências de domínio. Domingo de Soto reconheceu que “não há nada tão de
acordo com a justiça natural como fazer valer a vontade de um homem que deseja
transferir o domínio [propriedade] de seus bens”. Além disso, “qualquer pessoa tem o
direito natural de doar e transferir as coisas que legalmente detém da forma que melhor
lhe aprouver.” De Soto acrescentou que se alguém pode ser proprietário porque tem
livre-arbítrio, por esse mesmo livre-arbítrio pode transferir esse domínio a qualquer
outra pessoa.
A despeito do direito natural à propriedade, de Soto afirmou que a lei pode restringir
a vontade do dono e mesmo privá-lo de seu bem contra sua vontade. Viver em
sociedade requer uma autoridade, cujas principais funções são defender a república e
administrar a justiça. Para desempenhar essas funções alguns bens precisam ser usados
pela autoridade (transferidos compulsoriamente sob a forma de impostos).

O caso da extrema necessidade. Para os escolásticos, o uso dos bens para socorrer
os que se encontram em extrema necessidade (indigência) é uma exceção que confirma
a regra: e essa regra é que a propriedade privada está em conformidade com a natureza
humana e que ela promove e facilita a conservação da vida e da liberdade.
A extrema necessidade nos confronta com um problema econômico: há uma grande
demanda por ajuda aos indigentes, mas os meios são escassos para satisfazer essa
necessidade. É preciso escolher quem vai receber ajuda, e isso deve ser deixado à livre
vontade do dono.
Bañez explica que em casos em que alguém se encontra em situação de extrema
necessidade o uso de bens necessários para aliviar a sua sorte se torna comum, mas não
sua propriedade (“non sunt communia quantum ad dominium”): quem usa os bens de
outra pessoa adquire ao mesmo tempo um débito de igual valor com o proprietário
anterior. Martín de Azpilcueta, no seu célebre Manual de Confesores y Penitentes
(1556), acrescenta que não está provado que “a extrema necessidade em si não torna
ninguém senhor dos bens do vizinho sem o dever da correspondente restituição”.
Francisco de Vitória enfatiza que não é suficiente dizer que os bens de alguém são
supérfluos para tomá-los livremente. Por outro lado, a obrigação de dar aos pobres em
extrema necessidade não decorre de uma questão de justiça, mas da caridade.
Em suma, Deus criou os bens visíveis para que se possa viver de seu uso; a divisão
dos bens não pode nunca abolir essa primeira destinação dos bens materiais. Direitos à
vida e à liberdade são, nesse sentido, superiores aos direitos de propriedade. Esses
direitos se desenvolveram para preservar a vida e a liberdade. Em casos extremos,
quando esses direitos parecem estar em contradição, a vida e a liberdade devem

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prevalecer. A pessoa que se beneficiou desses bens (isto é, da caridade alheia) tem a
obrigação de restituí-los, o que prova que não é o domínio, mas o uso, que troca de
mãos.

4. FINANÇAS PÚBLICAS

Chafuen discute nos capítulos seguintes os temas das finanças públicas, teoria
monetária, livre comércio, valor e preços, os dois conceitos de justiça, salários, lucros, e
juros e bancos.

A natureza da forma de governo. A Escolástica Tardia tratou da estrutura política


por acreditar que o entendimento das funções do governo influencia diretamente as
opiniões das pessoas sobre a legitimidade e montante da despesa pública. Para Juan de
Medina, como para muitos outros Doutores, o mais importante na política não era o
sistema, mas os direitos e as condições que as pessoas de uma dada sociedade poderiam
desfrutar.
Como a principal função do governo é promover a paz, é perfeitamente consistente
concluir que uma das principais funções do Estado é proteger a propriedade privada
como meio de obter a paz.
De acordo com Mariana, os governantes não são senhores da propriedade privada.
Podem baixar impostos para defender a república, combater o crime e punir a injustiça.
Mas se o rei tem domínio sobre esses bens (impostos e propriedade real), “o rei não é o
dono dos bens privados e não pode dispor deles (no todo ou em parte) sem o
consentimento do dono”. Agir de outra maneira seria tirânico e coercitivo, e daria causa
à excomunhão.

Despesas do governo. Mariana claramente definiu o papel apropriado do governo


com relação à política tributária. “Ante de tudo, após reduzir toda despesa supérflua, o
príncipe deve baixar impostos moderados”, mantendo o orçamento equilibrado.
Domingo de Soto também aconselhou o príncipe a não exaurir o Tesouro, exortando-o a
não usar o dinheiro coletado com os impostos com despesas que não fossem necessárias
para o bem comum. Diego de Saavedra Fajardo (1584-1648) recomendou que o rei
mantivesse um orçamento não deficitário, no qual “as receitas deveriam ser maiores que
as despesas”.
De acordo com a Escolástica Tardia, as pessoas são muito mais descuidadas ao gastar
o dinheiro público do que ao gastar o seu próprio dinheiro. Isso leva a um processo
permanente de aumento de despesas. Em 1619 Pedro Fernandes Navarrete aconselhou,
para a preservação da monarquia espanhola, a moderação nos impostos. Criticou o vasto
número de pessoas vivendo na Espanha à custa de recursos públicos, “sugando como
harpias” a riqueza do reino, enquanto os pobres trabalhadores “quase não podiam se
manter, comendo pão de centeio e ervas”. Afirmou também que “quem baixa altos
impostos recebe de muito poucos”. À medida que o número de contribuintes se reduz,
“as costas daqueles poucos que ficam para pagar a carga tributária ficam mais fracas”. E
conclui que os governos que taxam pesadamente a produção são como o trabalhador do
campo que colhe as plantas junto com a colheita.
Para reduzir os gastos, Mariana sugeriu ao rei cortar “subsídios, prêmios públicos,
pensões, benefícios e empregos no governo”. E, se o príncipe acredita que conceder
privilégios lhe granjeará amigos, advertiu que “os homens são mais motivados pela
esperança que pela gratidão”.

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Princípios de tributação. Dizia Mariana que os impostos são uma calamidade para
as pessoas e um pesadelo para os governos. Para os primeiros, são sempre excessivos;
para os últimos, não são nunca suficientes.
Os Doutores da Igreja apontavam que a legislação tributária deve sempre atender os
requisitos de qualquer lei justa. Além disso, deve também atentar para outras
considerações: (1) há uma necessidade legítima para novas leis tributárias? (2) esse é o
melhor momento para baixar novos impostos? (3) os novos impostos propostos são
eqüitativos? e (4) os novos impostos propostos são moderados ou excessivos?
À luz de suas próprias circunstâncias políticas, a Escolástica Tardia analisou a carga
tributária com grande coragem. Os pensadores modernos podem dizer com Navarrete e
o rei Teodorico que “o único país agradável é aquele em que ninguém tem medo dos
coletores de impostos”.

5. TEORIA MONETÁRIA

A Escolástica Hispânica tratou também da natureza da moeda ao analisar os


fundamentos morais da atividade de mercado. Os Doutores desenvolveram sua teoria
monetária partindo do ensinamento de Aristóteles de que os inconvenientes da troca
deram origem ao dinheiro. A função principal da moeda, portanto, é servir de meio de
troca, podendo também ser utilizada como reserva de valor e unidade de conta. O
cálculo econômico, de acordo com De Soto, se tornaria impossível sem a moeda como
unidade de conta.

Moeda e preços. Os Doutores analisaram os efeitos de um aumento na oferta de


moeda (ou de um processo de aviltamento da moeda) sobre os preços. Juan de Mariana
apontou que “se o valor legal da moeda é reduzido, os preços de todos os produtos irão,
sem falha, aumentar na mesma proporção”.
No seu Manual de Confesores y Penitentes, Martín de Azpilcueta forneceu o que
muitos autores consideram a primeira formulação da teoria quantitativa da moeda:
“Tudo o mais constante, em países em que há uma grande escassez de moeda todos os
outros bens vendáveis, e mesmo o trabalho, são trocados por menos moeda do que
quando esta é abundante. (. . .) A razão disso é que a moeda vale mais onde e quando é
escassa do que onde e quando é abundante”.
A valoração da moeda pelas pessoas influencia seu valor de troca. Mas a utilidade,
sozinha, não é a fonte do valor econômico: utilidade e escassez, juntas, determinam o
valor econômico. Mercado especificou que, na troca de bens (escambo) e nas trocas
monetá-rias, o que importa não é o seu valor intrínseco, mas “o valor extrínseco, que é
acidental e depende da estimação [subjetiva]”. Molina explicou que “nas trocas
envolvendo dinheiro devemos levar em conta não o valor que está na sua natureza, mas
a estimação [subjetiva] daquele valor”.

O aviltamento da moeda e a propriedade privada. Muitos escolásticos tardios


desaprovaram o aviltamento da moeda como meio de redistribuir riqueza. Embora o rei
pudesse auferir benefícios de curto prazo dessa política, era muito mais importante a
manutenção de uma moeda sólida e estável. “Entre as coisas necessárias para um bom
governo e a paz no reino, uma delas é que o valor da moeda, e mesmo o seu selo e
desenho, devem ser duráveis e tão invariáveis quanto possível”, afirmou Mercado. Juan
de Mariana observou que quando o rei cunhava uma moeda nova, aviltada, cometia
“roubo infame e sistemático”.

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Inconvenientes causados pelo aviltamento da moeda. Para Mariana, a moeda,
juntamente com outros pesos e medidas, forma a base do comércio e dos contratos.
Citando Levítico 27:23, estipulou que “a pureza e o justo preço” da moeda deveriam ser
guardados em um templo. No décimo capítulo de seu tratado sobre a moeda, listou os
graves inconvenientes que se seguem a um processo de aumento artificial da oferta
monetária. A moeda foi “inventada para facilitar e ajudar o comércio”. A melhor moeda
é que melhor desempenha essa função. O aviltamento da moeda, portanto, contradiz
tanto a razão como a lei natural. Ao violar o direito de propriedade, é equivalente à
pilhagem. Mariana considerou o aviltamento uma prática “bárbara”. Aqueles que
propõem tal prática, escreveu, podem com justiça ser chamados de uma “praga na
república”.

6. COMÉRCIO

Na época dos Doutores, moralistas de diferentes países, idades e background há


muito tinham o comércio em baixa estima. A maioria dos escolásticos tardios
considerou o comércio moralmente indiferente, mas enfatizaram as vantagens do
comércio, voltando sua atenção, primeiro, para os argumentos críticos dos pais da Igreja
e dos canonistas.
Como era da tradição escolástica, Domingo de Soto estudou tanto os aspectos
positivos como os negativos do comércio, apontando argumentos em favor e contra a
moralidade dos negócios. Definiu contratos como obrigações e reconheceu que ambas
as partes de um contrato lucram com o acordo. Seguindo Santo Agostinho, afirmou que
os negócios “são como comer, um ato moralmente indiferente, que pode ser bom ou
mau dependendo dos fins e das circunstâncias”.

Comércio internacional. Uma das principais contribuições da Escolástica Tardia


com respeito ao comércio consiste no reconhecimento das vantagens do comércio
internacional livre sujeito às leis humanas, como Vitória destacou no seu De Indis et de
Ivre Belli Relectiones.
A lei natural eterna e a lei positiva humana (ius gentium) favorecem o comércio
internacional. Para Vitória, “o homem não é um lobo de outros homens” e “a natureza
estabeleceu laços entre os homens”. Por essa razão, qualificou as leis restritivas ao
comércio exterior, com o objetivo de excluir um país estrangeiro de participar do
benefício do comércio, de “iníquas e contrárias à caridade”.
Cristóbal de Villalón reconheceu que o comércio exterior beneficia aqueles que dele
participam, servindo, portanto, o bem comum. Sugeriu que “uma província que não
dispõe de um produto deveria comprá-lo onde esse produto é abundante. Isso permite
que as pessoas tenham acesso aos bens a um menor custo e trabalho e os aproveitem
com alegria e prazer”. O comércio de bens com negociantes estrangeiros é, para
Bartolome de Albornóz, o “contrato mais natural que existe na humanidade”.
Com base nesse argumento, Lessio advertiu que “se, sem justa causa, os magistrados
excluem os vendedores estrangeiros, e por essa razão o preço dos bens em questão sobe,
devem compensar os cidadãos pelo dano causado pelo aumento dos preços”.

7. VALOR E PREÇO

Valor e preço são conceitos essenciais à ciência econômica. A Escolástica Hispânica


analisou valor e preço para entender as condições morais para os preços justos e a trocas

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justas. Nesse processo, os pensadores medievais construíram teorias de preço e valor
notavelmente similares aos modelos neoclássicos.
Os Doutores medievais desenvolveram seus conceitos de valor e preço a partir dos
ensinamentos de Aristóteles. Na Ética a Nicômaco ele usou o termo grego chreia, que
era traduzido usualmente para o latim como indigentia (necessidade), embora possa ser
também traduzido como utilitas (uso). Os escolásticos geralmente trabalharam com a
primeira tradução, indicando que os preços dos bens não dependem da sua natureza,
mas de quanto servem para atender as necessidades da humanidade.
A Escolástica Tardia postulou que o valor que atribuímos aos bens depende da
utilidade que derivamos deles. Como nossas necessidades e desejos são subjetivos, a
utilidade também é subjetiva. São Bernardino afirmou que “as coisas têm dois valores:
um é natural [objetivo] e um é [principalmente] usado [com base na utilidade subjetiva].
Os bens objeto de compra e venda são avaliados pelo último critério. E esse valor de
uso pode ser considerado a partir de três perspectivas: (1) Virtuositas [valor objetivo de
uso]; (2) Raritas [escassez]; e (3) Complacibilitas [desejabilidade]”. É a diferença de
virtuositas que explica porque um cavalo bom consegue um preço maior que um cavalo
velho e improdutivo.
A explicação de São Bernardino a respeito da influência da escassez sobre os preços
resolve o paradoxo do valor: “A água é geralmente barata porque é abundante. Mas
pode ocorrer que, em uma montanha ou outro lugar, a água seja escassa, não abundante.
Pode muito bem ocorrer que a água seja muito mais valiosa que o ouro, caso o ouro seja
mais abundante nesse lugar que a água”. O terceiro elemento, complacibilitas, era
definido de maneira similar à estimação comum [do valor]. E, explicava, o que conta na
determinação do preço não é a complacibilitas particular, mas a comum.

A teoria do preço justo. A escolástica definiu o preço justo como o preço


determinado ou estabelecido pela estimação comum no mercado. Conradus
Summenhart acrescentou no seu de Contractibus a idéia de que não há um único preço
justo e que as coisas valem tanto quanto possam ser licitamente vendidas no mercado.
Não é a natureza da coisa que determina o preço justo, concordou Covarrubias.
Para os Doutores, o valor de troca depende do valor de uso. No entanto, esse valor de
uso não é uma qualidade objetiva, já que a utilidade está mais relacionada com os
humores e as preferências dos consumidores (complacibilitas) do que com uma
capacidade inerente dos bens de satisfazer as necessidades humanas (virtuositas). A
teoria utilitária do valor da Escolástica, portanto, é uma teoria subjetiva do valor,
antecipando a “descoberta” dos economistas no final do século XIX.

Controles de preços e preços legais. Para Raymond De Roover, “A Escolástica


tardia insistia que o preço justo era o preço determinado pela comunidade. Isso poderia
ocorrer de duas formas: ou regateando no mercado ou por decreto. O último
correspondia ao preço legal, por oposição ao ‘preço natural‘, que era determinado pela
‘estimação comum‘, isto é, pela valoração pelo mercado”.
A Escolástica Tardia nunca questionou o direito da autoridade pública de fixar um
preço “razoável”, mas ques-tionou a sua conveniência. De acordo com a justificação
escolástica da propriedade privada, era a lei humana que determinava a propriedade e o
uso de um determinado bem. A lei humana também reconhecia o direito do Estado de
restringir o uso e a posse da propriedade. O exemplo mais claro eram os impostos.
Como “o rei não tem o poder (potestas) de fazer coisas irracionais e injustas”,
Molina criticou a fixação arbitrária de preços. Quando de uma grande escassez de trigo,
seria irracional e injusto que o preço fosse o mesmo que em tempos de abundância. Se a

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justiça e a eqüidade requerem um aumento de preço, o interesse do pobre deve ser
protegido por outros meios: “eles devem ser ajudados com esmolas em lugar da venda
[significando o preço máximo]”. Ademais, quando preços altos ameaçam o pobre, seria
injusto punir o vendedor fixando o preço abaixo do justo mínimo, “especialmente
porque sabemos que em tempos de escassez e fome o pobre raramente pode comprar o
trigo ao preço fixado”.

Preços e eqüidade. O critério para julgar se havia justiça em uma transação era
determinar se ela tinha se iniciado e completado de forma voluntária, citando-se
freqüentemente o dito de Aristóteles de que “ninguém sofre justiça voluntariamente”. A
teoria de preços seguiu o mesmo raciocínio, como afirmou Vitória, referindo-se à justiça
e à legalidade na troca, que é baseada “no princípio universal e certo de que não sou
obrigado a beneficiar e agradar meu vizinho gratuitamente e sem lucro”.

Preços e conhecimento. Embora a Escolástica Tardia argumentasse que a ignorância


pudesse tornar uma troca involuntária, também observaram que é lícito obter lucros de
seu próprio conhecimento, bem como da ignorância alheia. O conhecimento ou a
ignorância de alguém não muda o “preço justo”. É a abundância ou escassez no
mercado que o afeta.

A teoria do monopólio. Para Molina, um monopólio existe quando “uma ou mais


pessoas obtêm um privilégio exclusivo de vender um bem” — implicando que os
monopólios derivam dos privilégios e os privilégios somente podem ser outorgados
pelas autoridades, como os resultantes de restrições às importações.
Em suas discussões sobre as restrições às importações, a Escolástica Tardia
raciocinava da mesma forma que os economistas pró-livre mercado contemporâneos.
Não somente os monopólios decorrentes de restrições às importações causam dano aos
demais comerciantes, que não podem importar os bens, mas causam dano também à
comunidade pelos preços mais altos. Os Doutores raramente criticaram os monopólios
em si. A existência de um vendedor solitário não era suficiente para provar ou que o
príncipe era injusto, ou que o monopolista havia chegado à sua posição por privilégio
ou fraude. Um monopólio não é injusto quando compra e vende ao preço justo, como
afirmou Pedro de Aragón.

8. JUSTIÇA DISTRIBUTIVA

A maior parte da reflexão dos Doutores medievais aparece em seus tratados sobre
justiça e direito (De Iustitia et Iure) e em seus livros sobre teologia moral. A questão da
justiça figura em quase todas as suas análises. Em geral, seguiam nessas questões os
ensinamentos de Aristóteles e São Tomás de Aquino.
São Tomás postulou duas formas de justiça: “Em primeiro lugar, existe a ordem de
uma parte com a outra, à qual corresponde a ordem de um indivíduo privado com outro.
Essa ordem é dirigida pela justiça comutativa, que trata dos acertos mútuos entre duas
pessoas. Em segundo lugar, existe a ordem do todo com relação a suas partes, à qual
corresponde a ordem daquilo que pertence à comunidade em relação a cada pessoa
individual. Essa ordem é dirigida pela justiça distributiva, que distribui os bens comuns
proporcionalmente. Daí a existência de duas espécies de justiça: distributiva e
comutativa”.
É importante observar que na tradição tomista, a justiça distributiva se refere
somente aos bens comuns. Como “o ato de distribuir os bens da comunidade não

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pertence a ninguém, mas a quem exerce a autoridade sobre esses bens”, a
responsabilidade por essa distribuição pertence ao governo.
O pensamento aristotélico, tomista e escolástico determina que a justa distribuição
dos bens comuns envolva a distribuição proporcional. De acordo com Molina, esse tipo
de justiça é o que “dá a cada membro da república o que pertence a ele quando os bens
comuns são divididos de acordo com uma proporção geométrica”.
Enquanto a justiça distributiva ocorre no contexto dos relacionamentos entre o
Estado e as pessoas, “a justiça comutativa dirige as relações entre duas pessoas”. A
teoria da Escolástica Tardia analisou os lucros, os salários e os aluguéis como matérias
de justiça comutativa, e aplicou regras similares às usadas para analisar os preços dos
bens. Os Doutores concluíram que o governo não tem competência para decidir sobre
salários, lucros e aluguéis. Como essas matérias não são regidas pela justiça distributiva,
elas devem ser determinadas pela estimação comum do mercado.

9. SALÁRIOS

Os Doutores medievais consideraram os salários uma questão de justiça comutativa.


Usualmente, eles devotavam um capítulo de seus tratados sobre aluguéis (locatione) a
esse tema. Era natural e consistente para eles analisar a compra e venda de todos os
fatores produtivos (incluindo a contratação do trabalho) em conjunção com seus estudos
dos preços: “Adicionalmente a alugar seus pertences e as coisas que alguém lhe deu
para alugar, qualquer um pode alugar a si mesmo para prestar um serviço a outrem”.
A tradição de tratar os salários como matéria de justiça comutativa similar à troca de
outros bens econômicos é atribuída a São Tomás de Aquino, que afirmou que os salários
são a remuneração natural pelo trabalho. Análise similar foi desenvolvida por São
Bernardino e Santo Antonino.

O salário “justo”. No campo do trabalho, a questão do salário justo foi o problema


mais importante encarado pelos Doutores. Para tratar o problema, explicaram primeiro
como os preços e os salários eram determinados no mercado. A sua teoria dos salários é
perfeitamente consistente com a sua teoria dos preços.
De acordo com Luis de Molina, um salário apropriado reflete o salário usualmente
pago por trabalho semelhante em circunstância similar. Sublinhando a natureza
voluntária dos contratos, rejeitou a idéia de que os salá-rios deveriam ser baseados nas
necessidades dos trabalhadores. Definiu o justo preço infimum do trabalho como “o
menor salário determinado pela estimação comum” [isto é, pelo mercado]. Para provar
que um salário é justo não é necessário considerar as necessidades dos trabalhadores ou
seu nível de subsistência, mas, em lugar disso, os salários normalmente pagos por
trabalhos similares em circunstâncias semelhantes. “Isto é evidente porque, quando não
está claro que o contrato é injusto, deve-se ater a ele, e o que foi acordado entre as
partes deve ser considerado justo”, afirmou Molina.
A natureza voluntária do contrato de trabalho é um ponto importante da teoria da
Escolástica Tardia.

10. LUCROS

Como no restante de suas análises, a principal preocupação dos escolásticos com


relação aos lucros era a justificação moral. Para ser consistentes com sua teoria do valor
e preços, concluíram que os lucros são justificados quando são obtidos da compra e
venda ao preço justo.

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Esse corpo de opinião surgiu no contexto de controvérsia. Observando que as
atividades que podem produzir um ganho monetário estão sujeitas ao risco e à incerteza,
Duns Scotus esposou uma justificação dos lucros com base nos custos de produção.
Após provar a utilidade social dos comerciantes e homens de negócios, ele recomendou
que o bom príncipe assegurasse aos comerciantes preços altos o suficiente para cobrir
seus custos e seus riscos.
Contrários a essa posição, a grande maioria dos autores escolásticos tardios enfatizou
a inconsistência e os perigos inerentes às teorias de lucros baseadas em custos de
produção. São Bernardino de Siena concluiu ser legítimo que fabricante e comerciante
obtenham um lucro e que é impossível determinar o nível do lucro justo, observando
que “se é legal ter prejuízo, deve ser legal ter lucro”, já que isso é da natureza dos
negócios.
Mesmo o lucro no jogo não foi condenado pela Escolástica Tardia. Como observou
De Soto, o jogo é uma troca voluntária e, como tal, uma forma de contrato. Aqueles que
condenam esse tipo de contrato baseado no seu resultado incerto estão enganados,
“porque muitos negócios humanos lícitos estão confiados às incertezas da fortuna”.

11. JUROS E BANCOS

A condenação dos juros. Vários tratados modernos analisam a oposição dos autores
escolásticos à cobrança de juros nos empréstimos — uma prática freqüentemente
referida como usura. Neste, como em muitos outros casos, os Doutores esposaram
argumentos tomistas, ao afirmar que: (1) o dinheiro é estéril; (2) os juros constituem um
preço cobrado por um emprestador pelo uso do dinheiro que já é detido pelo tomador; e
(3) os juros constituem um preço cobrado pelo tempo, um bem comum de todos.
O primeiro argumento segue Aristóteles, São Tomás e seus seguidores da escolástica
tardia e os canonistas: o dinheiro não tem valor em si. O segundo argumento parte da
natureza do dinheiro, ele é consumido no ato em que é usado. Como ocorre com outros
bens genéricos ou perecíveis (p. ex., pão ou vinho), o uso do dinheiro é portanto
inseparável de sua substância. Uma casa, por outro lado, pode ser alugada e permanece
usável após o término do contrato de aluguel. O seu uso, portanto, é distinto de seu
consumo. Portanto, alugar o dinheiro ou cobrar pelo seu uso constitui cobrar por uma
coisa que já não mais se tem. O terceiro argumento a respeito da usura invalida os juros
por defini-los como uma venda de tempo, que não constitui propriedade privada. O
argumento surgiu pela primeira vez no livro De Usuris, atribuído a São Tomás de
Aquino. Se a atribuição da autoria é verdadeira, São Tomás chegou muito perto de
descobrir a essência das taxas de juros (isto é, a preferência temporal). Contudo, pela
sua crença de que ninguém deveria cobrar pelo uso do tempo ele não prosseguiu nessa
linha de argumentação.
Por outro lado, os autores escolásticos concordavam com os juristas romanos em que
os argumentos de damnum emergens, lucrum cessans e poena conventionalis poderiam
justificar um pagamento a um emprestador. Damnum emergens assegura que o
emprestador tem direito a requerer do tomador compensação se incorrer em perdas
devidas ao empréstimo. De acordo com lucrum cessans, o emprestador pode requerer
compensação pelo ganho que deixou de auferir por não investir o dinheiro em outra
aplicação. Poena conventionalis impõe uma penalidade pelo pagamento tardio.
A concomitante aceitação do direito romano dos juros e da interdição tomista contra
ele levou a longos, complicados e inconclusos debates. Em 1637, Frei Felipe de la Cruz
lançou um livro dedicado exclusivamente ao problema dos juros. De todos os autores
escolásticos, ele demonstrou a atitude mais liberal com relação aos juros, ao afirmar que

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é lícito amealhar um lucro por justiça e por gratidão. Ninguém pode moralmente
condenar uma pessoa por dar um presente a outra em sinal de gratidão. Isso está de
acordo com a lei natural e eterna e é consistente com a justificação escolástica para a
propriedade privada.
Molina, Rebelo, Bonacina e Salón apontaram que a gratidão pode ser expressa em
termos monetários. Como o dinheiro presente vale mais que o direito a um dinheiro no
futuro, de la Cruz não condenou a prática comum de cobrar juros. Apontando que o
Reino de Valência gozava da permissão papal de cobrar taxas de juros de 10, 12 e 13
por cento, afirmou que se cidades e corporações de ofícios podiam se comportar dessa
forma, os cidadãos também deveriam poder fazer o mesmo.
De qualquer forma, como afirmou Schumpeter, “a doutrina da usura foi o calcanhar
de Aquiles da teoria econômica escolástica”, envolvendo os escolásticos e seus
sucessores nos séculos XVI e XVII em dificuldades insuperáveis.

Bancos e crédito. Para Molina, em sua atividade bancária e de criação de crédito os


banqueiros eram os reais donos do dinheiro que administravam. Quando recebiam um
depósito não se comprometiam a devolver o mesmo dinheiro, mas tão somente igual
soma de dinheiro. Sua única obrigação legal era ter essa soma disponível quando seus
depositantes a demandassem. Caso não conseguissem cumprir essa obrigação, teriam de
acrescer ao valor do depósito uma soma em dinheiro para compensar o dano causado ao
depositante por não tê-lo reembolsado em tempo. Como Molina já havia justificado o
desconto de documentos e muitas outras operações bancárias, podemos concluir com
Francisco Belda que ele “aprova uma a uma todas as possibilidades de criação de
crédito”.

12. A TEORIA ECONÔMICA DA ESCOLÁSTICA TARDIA COMPARADA COM


A “TEORIA ECONÔMICA LIBERAL CLÁSSICA”

No último capítulo de seu livro, Chafuen parte da premissa de que ações são o
resultado de idéias, e que ao estudar a história das idéias estamos estudando a origem
das ações. As idéias que deram origem ao que denominamos sociedade livre não
resultaram da geração espontânea. Em alguns casos é fácil ver o caminho que leva de
alguns pensamentos do final da Escolástica Medieval às idéias do liberalismo clássico.
Em outros, o caminho não está claro.
E conclui que não se pode provar que os escritos da Escolástica Tardia favoreceram o
livre mercado, nem podemos concluir que alguém deve ser um “liberal clássico” para
ser um bom cristão. A análise de Chafuen sugere que os autores modernos que
favorecem o livre mercado devem mais aos Escolásticos do que imaginam. O mesmo
pode ser dito da civilização ocidental.

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