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1. A ESCOLÁSTICA TARDIA
Chafuen inicia seu livro definindo a Escolástica e apontando seus maiores expoentes.
O termo Escolástica deriva do latim schola (escola). Por Escolástica Medieval se
entende tanto um movimento como um período intelectual que compreendeu cerca de
sete séculos, do ano 800 ao ano 1500 d.C., tendo seu apogeu nos séculos XII e XIII.
Denomina-se Escolástica Tardia o pe-ríodo entre 1350 e 1500 d.C. É o trabalho dos
escolásticos tardios, especialmente seus escritos sobre economia, que ser-vem de foco a
este livro.
São Tomás de Aquino (1226-1274) foi o mais importante autor escolástico, e entre os
mais conhecidos autores escolásticos estão São Bernardino de Siena (1380-1444), Santo
Antonino de Florença (1389-1459), Joannis Gerson (1362-1428), Conradus
Summenhart (1465-1511) e Sylvestre de Priero (falecido em 1523).
No livro, Chafuen denomina “Escolástica Hispânica” ao que geralmente é chamado
de “Escola de Salamanca”, já que muitos dos escolásticos hispânicos estudaram em
outras universidades da Espanha, como a Complutense no Alcalá de Henares.
Francisco de Vitória (c. 1495-1560) é chamado de o pai da Escolástica Hispânica.
Dominicano, estudou e ensinou na Sorbonne. Entre 1522 e 1546 ensinou na
universidade de Salamanca. Domingo de Soto (1495-1560), também dominicano,
estudou no Alcalá e foi professor de teologia em Salamanca. O seu tratado De Iustitia et
Iure continua a exercer influência significativa em várias comunidades eruditas. Martin
de Azpilcueta (1493-1586), dominicano, foi considerado um dos mais eminentes
conhecedores do direito canônico de seu tempo. Ensinou em Salamanca e Coimbra
(Portugal). O seu Manual de Confesores y Penitentes foi muito empregado no século
que se seguiu à sua publicação. Outros importantes Escolásticos dominicanos incluem
Domingo de Bañes (1528-1604), Tomás de Mercado (c. 1500-1575), Francisco Garcia e
Pedro de Ledesma. Entre os pensadores franciscanos destacam-se Juan de Medina
(1490-1546), Luis de Alcalá e Henrique de Villalobos (m. 1637), o bispo agostiniano
Miguel Salón (1538-1620), bem como Pedro de Aragón, Cristóbal de Villalón, Luis
Saravia de la Calle Veronese e Felipe de la Cruz.
Com a fundação da Sociedade de Jesus em 1540, pensadores jesuítas como Luis de
Molina (1535-1617), Juan de Salas (1553-1612), Leonardo Léssio (1554-1623), Juan de
Lugo (1583-1660), Pedro de Oñate (1567-1646), Juan de Matienzo (1520-1579), e
Antonio de Escobar y Mendoza (1589-1669) também fizeram significativas
contribuições. Alguns historiadores acreditam que a atitude com relação à economia
esposada pela Escolástica Tardia refletiu a atitude desses pensadores jesuítas.
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2. O ENFOQUE ESCOLÁSTICO DA ECONOMIA
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como o direito de cobrar juros, a adequação dos lucros, a ética da intervenção monetária
e a justiça dos impostos. Reconheciam a importância de estudar esses assuntos antes de
emitir juízos de valor sobre eles – estudá-los com objetividade e com todos os
instrumentos da razão disponíveis.
3. PROPRIEDADE PRIVADA
Pela sua importância para a discussão dos temas seguintes, Chafuen trata no terceiro
capítulo da propriedade privada. Na tradição tomista do direito natural, a Escolástica
Tardia deu grande importância à justificação da propriedade privada, afirmando com
Aquino que o direito de propriedade decorre da lei natural eterna.
Alguns dos primeiros autores escolásticos argumentaram que os bens deveriam ser
tidos em comum e condenaram os que possuíam riquezas. A Escolástica Tardia rejeitou
essa condenação, com base nas Escrituras e na análise da ação humana. À interpretação
de que Jesus havia condenado a riqueza, a Escolástica Tardia retorquiu que a entrada no
reino dos céus está negada aos que valoram os bens materiais mais que Deus (Mateus
10:37).
Os Doutores medievais também sustentaram a conveniência da propriedade privada
para a prosperidade com base em argumentos utilitaristas. Tomás de Mercado e Juan de
Mariana reconheceram a relação entre o auto-interesse e o maior cuidado que as pessoas
geralmente têm com sua propriedade. “Se a troca de bens fosse abolida”, afirmaram,
“seria impossível viver em sociedade, e todos viveríamos em aflição e angústia”, já que
a sociedade existe porque o homem não é auto-suficiente. “A escassez pode ser
superada pela troca mútua daqueles itens tidos em abundância por uns e por outros”.
Luis de Molina incluiu muitas passagens favoráveis à propriedade privada no seu De
Iustitia et Iure. “Se as coisas fossem tidas em comum”, afirmou, “seriam pobremente
cultivadas e administradas. A escassez se seguiria, e os homens lutariam uns com os
outros pelo uso e consumo dos bens. Os poderosos inevitavelmente explorariam os mais
fracos. Ninguém estaria interessado em servir o bem público, e ninguém concordaria em
executar aquelas tarefas que requerem mais esforço”. Do ponto de vista ético, De Soto
escreveu que se os bens fossem todos de propriedade comum, a virtude da liberalidade
desapareceria, já que “aqueles que não têm nada não podem ser liberais”. A virtude da
hospitalidade também se tornaria impossível, já que as casas seriam de propriedade de
ninguém. E observou que a propriedade privada permite o uso moral dos bens: “As
esmolas deveriam ser dadas dos bens privados e não dos bens comuns”, afirmaram. Para
a Escolástica Tardia a divisão dos bens era matéria do ius gentium, lei humana positiva,
que deriva de princípios diferentes dos princípios do direito natural. O ius gentium é “a
parte do sistema legal que se baseia nos costumes comuns prevalecentes entre os
diferentes povos”.
O pensamento da Escolástica Tardia em favor da propriedade privada pode ser assim
sumariado:
1. A propriedade privada ajuda a assegurar a justiça. Se os bens são tidos em comum,
seriam os homens maus “e mesmo os ladrões e avarentos” os que mais se aproveitariam,
consumindo mais que aportando para os bens comuns.
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2. A propriedade privada é útil para a preservação da paz e da harmonia entre os
homens. Sempre que os bens são tidos em comum, as disputas são inevitáveis.
3. A propriedade privada assegura que se tenha mais cuidado com o que é seu do que
com o que pertence a todos, conforme o provérbio medieval: “um jumento de
propriedade de muitos lobos é logo comido”.
4. A propriedade privada é conveniente para manter a ordem na sociedade e promove
a livre cooperação social.
5. Ninguém pode isolar-se dos bens temporais. O pecado original deu origem à
escassez, fonte dos problemas econômicos (isto é, a diferença entre necessidades
ilimitadas e recursos limitados).
O caso da extrema necessidade. Para os escolásticos, o uso dos bens para socorrer
os que se encontram em extrema necessidade (indigência) é uma exceção que confirma
a regra: e essa regra é que a propriedade privada está em conformidade com a natureza
humana e que ela promove e facilita a conservação da vida e da liberdade.
A extrema necessidade nos confronta com um problema econômico: há uma grande
demanda por ajuda aos indigentes, mas os meios são escassos para satisfazer essa
necessidade. É preciso escolher quem vai receber ajuda, e isso deve ser deixado à livre
vontade do dono.
Bañez explica que em casos em que alguém se encontra em situação de extrema
necessidade o uso de bens necessários para aliviar a sua sorte se torna comum, mas não
sua propriedade (“non sunt communia quantum ad dominium”): quem usa os bens de
outra pessoa adquire ao mesmo tempo um débito de igual valor com o proprietário
anterior. Martín de Azpilcueta, no seu célebre Manual de Confesores y Penitentes
(1556), acrescenta que não está provado que “a extrema necessidade em si não torna
ninguém senhor dos bens do vizinho sem o dever da correspondente restituição”.
Francisco de Vitória enfatiza que não é suficiente dizer que os bens de alguém são
supérfluos para tomá-los livremente. Por outro lado, a obrigação de dar aos pobres em
extrema necessidade não decorre de uma questão de justiça, mas da caridade.
Em suma, Deus criou os bens visíveis para que se possa viver de seu uso; a divisão
dos bens não pode nunca abolir essa primeira destinação dos bens materiais. Direitos à
vida e à liberdade são, nesse sentido, superiores aos direitos de propriedade. Esses
direitos se desenvolveram para preservar a vida e a liberdade. Em casos extremos,
quando esses direitos parecem estar em contradição, a vida e a liberdade devem
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prevalecer. A pessoa que se beneficiou desses bens (isto é, da caridade alheia) tem a
obrigação de restituí-los, o que prova que não é o domínio, mas o uso, que troca de
mãos.
4. FINANÇAS PÚBLICAS
Chafuen discute nos capítulos seguintes os temas das finanças públicas, teoria
monetária, livre comércio, valor e preços, os dois conceitos de justiça, salários, lucros, e
juros e bancos.
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Princípios de tributação. Dizia Mariana que os impostos são uma calamidade para
as pessoas e um pesadelo para os governos. Para os primeiros, são sempre excessivos;
para os últimos, não são nunca suficientes.
Os Doutores da Igreja apontavam que a legislação tributária deve sempre atender os
requisitos de qualquer lei justa. Além disso, deve também atentar para outras
considerações: (1) há uma necessidade legítima para novas leis tributárias? (2) esse é o
melhor momento para baixar novos impostos? (3) os novos impostos propostos são
eqüitativos? e (4) os novos impostos propostos são moderados ou excessivos?
À luz de suas próprias circunstâncias políticas, a Escolástica Tardia analisou a carga
tributária com grande coragem. Os pensadores modernos podem dizer com Navarrete e
o rei Teodorico que “o único país agradável é aquele em que ninguém tem medo dos
coletores de impostos”.
5. TEORIA MONETÁRIA
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Inconvenientes causados pelo aviltamento da moeda. Para Mariana, a moeda,
juntamente com outros pesos e medidas, forma a base do comércio e dos contratos.
Citando Levítico 27:23, estipulou que “a pureza e o justo preço” da moeda deveriam ser
guardados em um templo. No décimo capítulo de seu tratado sobre a moeda, listou os
graves inconvenientes que se seguem a um processo de aumento artificial da oferta
monetária. A moeda foi “inventada para facilitar e ajudar o comércio”. A melhor moeda
é que melhor desempenha essa função. O aviltamento da moeda, portanto, contradiz
tanto a razão como a lei natural. Ao violar o direito de propriedade, é equivalente à
pilhagem. Mariana considerou o aviltamento uma prática “bárbara”. Aqueles que
propõem tal prática, escreveu, podem com justiça ser chamados de uma “praga na
república”.
6. COMÉRCIO
7. VALOR E PREÇO
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justas. Nesse processo, os pensadores medievais construíram teorias de preço e valor
notavelmente similares aos modelos neoclássicos.
Os Doutores medievais desenvolveram seus conceitos de valor e preço a partir dos
ensinamentos de Aristóteles. Na Ética a Nicômaco ele usou o termo grego chreia, que
era traduzido usualmente para o latim como indigentia (necessidade), embora possa ser
também traduzido como utilitas (uso). Os escolásticos geralmente trabalharam com a
primeira tradução, indicando que os preços dos bens não dependem da sua natureza,
mas de quanto servem para atender as necessidades da humanidade.
A Escolástica Tardia postulou que o valor que atribuímos aos bens depende da
utilidade que derivamos deles. Como nossas necessidades e desejos são subjetivos, a
utilidade também é subjetiva. São Bernardino afirmou que “as coisas têm dois valores:
um é natural [objetivo] e um é [principalmente] usado [com base na utilidade subjetiva].
Os bens objeto de compra e venda são avaliados pelo último critério. E esse valor de
uso pode ser considerado a partir de três perspectivas: (1) Virtuositas [valor objetivo de
uso]; (2) Raritas [escassez]; e (3) Complacibilitas [desejabilidade]”. É a diferença de
virtuositas que explica porque um cavalo bom consegue um preço maior que um cavalo
velho e improdutivo.
A explicação de São Bernardino a respeito da influência da escassez sobre os preços
resolve o paradoxo do valor: “A água é geralmente barata porque é abundante. Mas
pode ocorrer que, em uma montanha ou outro lugar, a água seja escassa, não abundante.
Pode muito bem ocorrer que a água seja muito mais valiosa que o ouro, caso o ouro seja
mais abundante nesse lugar que a água”. O terceiro elemento, complacibilitas, era
definido de maneira similar à estimação comum [do valor]. E, explicava, o que conta na
determinação do preço não é a complacibilitas particular, mas a comum.
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justiça e a eqüidade requerem um aumento de preço, o interesse do pobre deve ser
protegido por outros meios: “eles devem ser ajudados com esmolas em lugar da venda
[significando o preço máximo]”. Ademais, quando preços altos ameaçam o pobre, seria
injusto punir o vendedor fixando o preço abaixo do justo mínimo, “especialmente
porque sabemos que em tempos de escassez e fome o pobre raramente pode comprar o
trigo ao preço fixado”.
Preços e eqüidade. O critério para julgar se havia justiça em uma transação era
determinar se ela tinha se iniciado e completado de forma voluntária, citando-se
freqüentemente o dito de Aristóteles de que “ninguém sofre justiça voluntariamente”. A
teoria de preços seguiu o mesmo raciocínio, como afirmou Vitória, referindo-se à justiça
e à legalidade na troca, que é baseada “no princípio universal e certo de que não sou
obrigado a beneficiar e agradar meu vizinho gratuitamente e sem lucro”.
8. JUSTIÇA DISTRIBUTIVA
A maior parte da reflexão dos Doutores medievais aparece em seus tratados sobre
justiça e direito (De Iustitia et Iure) e em seus livros sobre teologia moral. A questão da
justiça figura em quase todas as suas análises. Em geral, seguiam nessas questões os
ensinamentos de Aristóteles e São Tomás de Aquino.
São Tomás postulou duas formas de justiça: “Em primeiro lugar, existe a ordem de
uma parte com a outra, à qual corresponde a ordem de um indivíduo privado com outro.
Essa ordem é dirigida pela justiça comutativa, que trata dos acertos mútuos entre duas
pessoas. Em segundo lugar, existe a ordem do todo com relação a suas partes, à qual
corresponde a ordem daquilo que pertence à comunidade em relação a cada pessoa
individual. Essa ordem é dirigida pela justiça distributiva, que distribui os bens comuns
proporcionalmente. Daí a existência de duas espécies de justiça: distributiva e
comutativa”.
É importante observar que na tradição tomista, a justiça distributiva se refere
somente aos bens comuns. Como “o ato de distribuir os bens da comunidade não
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pertence a ninguém, mas a quem exerce a autoridade sobre esses bens”, a
responsabilidade por essa distribuição pertence ao governo.
O pensamento aristotélico, tomista e escolástico determina que a justa distribuição
dos bens comuns envolva a distribuição proporcional. De acordo com Molina, esse tipo
de justiça é o que “dá a cada membro da república o que pertence a ele quando os bens
comuns são divididos de acordo com uma proporção geométrica”.
Enquanto a justiça distributiva ocorre no contexto dos relacionamentos entre o
Estado e as pessoas, “a justiça comutativa dirige as relações entre duas pessoas”. A
teoria da Escolástica Tardia analisou os lucros, os salários e os aluguéis como matérias
de justiça comutativa, e aplicou regras similares às usadas para analisar os preços dos
bens. Os Doutores concluíram que o governo não tem competência para decidir sobre
salários, lucros e aluguéis. Como essas matérias não são regidas pela justiça distributiva,
elas devem ser determinadas pela estimação comum do mercado.
9. SALÁRIOS
10. LUCROS
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Esse corpo de opinião surgiu no contexto de controvérsia. Observando que as
atividades que podem produzir um ganho monetário estão sujeitas ao risco e à incerteza,
Duns Scotus esposou uma justificação dos lucros com base nos custos de produção.
Após provar a utilidade social dos comerciantes e homens de negócios, ele recomendou
que o bom príncipe assegurasse aos comerciantes preços altos o suficiente para cobrir
seus custos e seus riscos.
Contrários a essa posição, a grande maioria dos autores escolásticos tardios enfatizou
a inconsistência e os perigos inerentes às teorias de lucros baseadas em custos de
produção. São Bernardino de Siena concluiu ser legítimo que fabricante e comerciante
obtenham um lucro e que é impossível determinar o nível do lucro justo, observando
que “se é legal ter prejuízo, deve ser legal ter lucro”, já que isso é da natureza dos
negócios.
Mesmo o lucro no jogo não foi condenado pela Escolástica Tardia. Como observou
De Soto, o jogo é uma troca voluntária e, como tal, uma forma de contrato. Aqueles que
condenam esse tipo de contrato baseado no seu resultado incerto estão enganados,
“porque muitos negócios humanos lícitos estão confiados às incertezas da fortuna”.
A condenação dos juros. Vários tratados modernos analisam a oposição dos autores
escolásticos à cobrança de juros nos empréstimos — uma prática freqüentemente
referida como usura. Neste, como em muitos outros casos, os Doutores esposaram
argumentos tomistas, ao afirmar que: (1) o dinheiro é estéril; (2) os juros constituem um
preço cobrado por um emprestador pelo uso do dinheiro que já é detido pelo tomador; e
(3) os juros constituem um preço cobrado pelo tempo, um bem comum de todos.
O primeiro argumento segue Aristóteles, São Tomás e seus seguidores da escolástica
tardia e os canonistas: o dinheiro não tem valor em si. O segundo argumento parte da
natureza do dinheiro, ele é consumido no ato em que é usado. Como ocorre com outros
bens genéricos ou perecíveis (p. ex., pão ou vinho), o uso do dinheiro é portanto
inseparável de sua substância. Uma casa, por outro lado, pode ser alugada e permanece
usável após o término do contrato de aluguel. O seu uso, portanto, é distinto de seu
consumo. Portanto, alugar o dinheiro ou cobrar pelo seu uso constitui cobrar por uma
coisa que já não mais se tem. O terceiro argumento a respeito da usura invalida os juros
por defini-los como uma venda de tempo, que não constitui propriedade privada. O
argumento surgiu pela primeira vez no livro De Usuris, atribuído a São Tomás de
Aquino. Se a atribuição da autoria é verdadeira, São Tomás chegou muito perto de
descobrir a essência das taxas de juros (isto é, a preferência temporal). Contudo, pela
sua crença de que ninguém deveria cobrar pelo uso do tempo ele não prosseguiu nessa
linha de argumentação.
Por outro lado, os autores escolásticos concordavam com os juristas romanos em que
os argumentos de damnum emergens, lucrum cessans e poena conventionalis poderiam
justificar um pagamento a um emprestador. Damnum emergens assegura que o
emprestador tem direito a requerer do tomador compensação se incorrer em perdas
devidas ao empréstimo. De acordo com lucrum cessans, o emprestador pode requerer
compensação pelo ganho que deixou de auferir por não investir o dinheiro em outra
aplicação. Poena conventionalis impõe uma penalidade pelo pagamento tardio.
A concomitante aceitação do direito romano dos juros e da interdição tomista contra
ele levou a longos, complicados e inconclusos debates. Em 1637, Frei Felipe de la Cruz
lançou um livro dedicado exclusivamente ao problema dos juros. De todos os autores
escolásticos, ele demonstrou a atitude mais liberal com relação aos juros, ao afirmar que
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é lícito amealhar um lucro por justiça e por gratidão. Ninguém pode moralmente
condenar uma pessoa por dar um presente a outra em sinal de gratidão. Isso está de
acordo com a lei natural e eterna e é consistente com a justificação escolástica para a
propriedade privada.
Molina, Rebelo, Bonacina e Salón apontaram que a gratidão pode ser expressa em
termos monetários. Como o dinheiro presente vale mais que o direito a um dinheiro no
futuro, de la Cruz não condenou a prática comum de cobrar juros. Apontando que o
Reino de Valência gozava da permissão papal de cobrar taxas de juros de 10, 12 e 13
por cento, afirmou que se cidades e corporações de ofícios podiam se comportar dessa
forma, os cidadãos também deveriam poder fazer o mesmo.
De qualquer forma, como afirmou Schumpeter, “a doutrina da usura foi o calcanhar
de Aquiles da teoria econômica escolástica”, envolvendo os escolásticos e seus
sucessores nos séculos XVI e XVII em dificuldades insuperáveis.
No último capítulo de seu livro, Chafuen parte da premissa de que ações são o
resultado de idéias, e que ao estudar a história das idéias estamos estudando a origem
das ações. As idéias que deram origem ao que denominamos sociedade livre não
resultaram da geração espontânea. Em alguns casos é fácil ver o caminho que leva de
alguns pensamentos do final da Escolástica Medieval às idéias do liberalismo clássico.
Em outros, o caminho não está claro.
E conclui que não se pode provar que os escritos da Escolástica Tardia favoreceram o
livre mercado, nem podemos concluir que alguém deve ser um “liberal clássico” para
ser um bom cristão. A análise de Chafuen sugere que os autores modernos que
favorecem o livre mercado devem mais aos Escolásticos do que imaginam. O mesmo
pode ser dito da civilização ocidental.
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