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RIO DE JANEIRO/2014
Resenha de “Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente”, De Edward W.
Said
Said cunha o termo “Orientalismo” para dar conta de abarcar toda a produção de
conhecimento, em diversas áreas, sobre o Oriente1, principalmente a partir do final do
século XVIII. Sua argumentação central, e exposta aqui de forma resumida, é de que o
Oriente, tal qual visto em romances, poesias, estudos históricos, compêndios sobre
política e religião, cartilhas, etc., sobretudo pelos principais países colonialistas
modernos, quais sejam, o Reino Unido, a França e, posteriormente, os Estados Unidos2,
é uma invenção do Ocidente. Diante da centralidade do processo de descolonização
assumida após a Segunda Guerra Mundial, cujo uma das demandas principais era (e
ainda é) a autodeterminação dos povos, o estudo de Said vem na esteira daqueles que
passam a questionar os processos de colonização e as raízes deixadas nas mais diversas
esferas da vida.
1
Por Oriente, Said entende, neste estudo, basicamente o que se conheceu como Oriente Próximo (por
referência a proximidade com a Europa ocidental), principalmente os países árabes com forte influência
do Islã, estendendo-se, entretanto, algumas vezes, a países como a Índia. De qualquer forma, exclui desta
análise qualquer referência a China, ao Japão ou a Coreia.
2
Said reconhece a existência de outros países irradiadores de conhecimento sobre o Oriente, tais como
Itália, Rússia, Alemanha, Espanha, Portugal, dentre outros.
2
O termo Orientalismo, tal qual elaborado por Said, abarca três sentidos: (a)
acadêmico, no que diz respeito a toda produção acadêmica produzida sobre o Oriente3;
(b) ontológica e epistemológica, cujo contexto mais amplo dá conta da criação do termo
Oriente em oposição ao Ocidente; e (c) de dominação, já que o conhecimento produzido
sobre o Oriente, diz ele, serve, como um “estilo ocidental para dominar, reestruturar e
ter autoridade sobre o Oriente” (SAID, 2007: 29).
Said deixa claro que seu objetivo é mostrar que o Oriente, tal qual se conhece, é
uma construção histórica feita em oposição ao Ocidente, e que tal construção está
baseada num jogo de forças políticas, ou melhor, numa configuração de poder. Tal
configuração de poder se dá com o predomínio de determinadas formas culturais sobre
outras. Este aspecto, como sugere Said, é mais bem entendido com o conceito de
hegemonia de Antonio Gramsci: “é a hegemonia, ou antes, o resultado da hegemonia
cultural em ação, que dá ao Orientalismo a durabilidade e a força de que tenho falado
até o momento” (p. 34), diz ele.
3
“Falar da especialização erudita como um “campo” geográfico é, no caso do Orientalismo, bastante
revelador, porque não é provável que alguém imagine um campo simétrico chamado Ocidentalismo” (p.
86).
3
esta que se estende a todo arcabouço racional cientificista. Um autor nunca é imparcial
na delimitação de seu tema, e sua primeira aproximação é sempre marcada por visões
historicamente construídas sobre o objeto, no caso específico em tela, o Oriente.
4
ponto significa que “nós” devemos negar autonomia a “ele” - o país oriental – porque o
conhecemos e ele existe, num certo sentido, assim como o conhecemos” (p. 63).
Diferente do conhecimento pré-moderno produzido sobre o Oriente, o que se institui
chamar Orientalismo tem seu princípio histórico estabelecido com a “invasão
napoleônica do Egito em 1798, uma invasão que foi de muitas maneiras o modelo de
uma apropriação verdadeiramente científica de uma cultura por outra na aparência mais
forte” (p. 76), marcando, segundo o autor, as perspectivas culturais e políticas
contemporâneas da relação entre Oriente e Ocidente.
5
dessa nova perspectiva de estudos, propõe o autor que “investigar o Orientalismo é
também propor modos intelectuais de lidar com os problemas metodológicos que a
história apresentou, por assim dizer, no seu tema de estudo, o Oriente” (p. 163).
6
últimos dois séculos. A homogeneização e exterioridade do seu argumento, entretanto,
impossibilitam a compreensão que muitos dos discursos elaborados sobre o que ele
chama de Oriente tencionavam a própria construção homogeneizante e redutora deste
discurso, como, por exemplo, na centralidade da noção de alteridade cara à
antropologia5. Deve-se, portanto, ter uma apropriação atenta das idéias de Said, mas não
deixando de reconhecer a importância de sua argumentação e a centralidade que tem no
debate pós-colonial, fundamental para a construção crítica do conhecimento científico.
5
No pósfacio a edição de 1995, Said rebate algumas das críticas que foram feitas ao seu estudo, dentre
elas o suposto essencialismo e antiocidentalismo, críticas estas que rejeita veementemente. Outra crítica
central é sobre a suposta impossibilidade da construção de um conhecimento que não corrobore com o
imperialismo. Sobre isso ele afirma: “Em suma, é possível estudar a relação entre Orientalismo islâmico
ou árabe e a cultura européia moderna sem, ao mesmo tempo, associar todo orientalista, toda tradição
orientalista ou tudo que já foi escrito por orientalistas a um imperialismo apodrecido e sem valor. De
qualquer modo, nunca fiz tal coisa. É ignorância dizer que o Orientalismo é uma conspiração ou sugerir
que o “Ocidente” é mau (...). Por outro lado, é hipócrita suprimir os contextos culturais, políticos,
ideológicos e institucionais em que pessoas escrevem, pensam e falam sobre o Oriente, quer sejam
eruditos, quer não” (p. 458).