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20/05/2019 A Balbúrdia de Weintraub - 15/05/2019 - Educação - Folha

OPINIÃO

A Balbúrdia de Weintraub
Esclarecimento do ministro sobre redução de 3,4% na verba para universidades é
exemplo de balbúrdia como paradigma da falta de rigor

15.mai.2019 às 9h09
Atualizado: 15.mai.2019 às 15h45

Christian Ingo Lenz Dunker

SÃO PAULO Desde que a balbúrdia tornou-se método de governo, a retórica dos
cortes (https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2019/04/mec-estende-corte-de-30-de-verbas-a-todas-universidades-
federais.shtml) foi elevada a um novo nível ideológico. Digo isso como vice-chefe

do departamento de Psicologia Clínica da USP, tendo que explicar a meus


alunos se eles vão ou não ter suas bolsas de mestrado ou doutorado
(https://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2019/05/projetos-sao-cancelados-sem-aviso-e-cientistas-temem-apagao.shtml)

no semestre que vem.

Digo isso pensando nos ratos, pombos e cães empregados pela pesquisa em
Psicologia Experimental e que tiveram que ouvir, de nosso ministro da
educação: esperem até setembro para comer de novo. Balbúrdia
(https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2019/04/bloqueio-de-verba-de-3-universidades-federais-e-ilegal-e-ignora-

desempenho.shtml) vem
do grego “balbus” que quer dizer gago ou estrangeiro que
fala em uma língua que não entendemos.

Quando examinamos de perto o esclarecimento do ministro Weintraub sobre


a redução de 3,4% na verba contingenciável para as universidades
(https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2019/05/em-live-com-bolsonaro-weintraub-explica-cortes-da-educacao-com-

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chocolatinhos.shtml) temos um exemplo atual de balbúrdia como paradigma da falta


de rigor.

Seguindo a enunciação popularizada pelo PowerPoint de Dallagnol


(https://www1.folha.uol.com.br/poder/2017/04/1878941-em-livro-deltan-diz-que-repercussao-de-power-point-o-pegou-de-

surpresa.shtml)e consagrada pelos memes baseados em “quer que eu


desenhe?”, Weintraub se põe a demonstrar para as massas ignaras, que
comem kafta mas não leem Kafka (https://www1.folha.uol.com.br/colunas/sergio-
rodrigues/2019/05/a-metamorfose-de-w.shtml), o que o governo está a realizar. Sim, é neste
lugar que você é posto quando alguém traz uma centena de chocolates,
diante das câmeras, para fazer você ver quão pouco são 3,5 deste montante.
Perfeita coesão entre forma e conteúdo.

Como não pensar nas universidades como ícone da gordura, antípoda do


regime alimentar equilibrado e alegoria da massa adiposa que deve ser
cortada? 

Em meio ao desemprego e ao colapso econômico


(https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/05/governo-confirma-que-vai-revisar-alta-do-pib-para-menos-de-2-no-

ano.shtml), que não pode mais ser atribuído ao PT, quem não pode esperar para
comer o marshmallow não são os bancos, nem as lagostas do STF, mas... os
professores. Todo plano perfeito tem um pequeno detalhe que põe tudo a
perder.

Na pirotecnia de Weintraub sobra a metade de um chocolate, cortado ao


meio para criar o efeito de exatidão. Aqui o psicanalista não deixará de
perceber um enunciado denegatório. Enquanto diz que não vai cortá-lo, ele
parte o doce em dois, dizendo uma coisa e fazendo outra, ao vivo e em cores.

Contradição que Freud examinou ao analisar o caso do sujeito que diante de


uma mulher em seu próprio sonho diz, de forma exaltada e reativa: não é
minha mãe (o que permite imediatamente inferir que se trata da própria).
Este resíduo da conta, esta metade sobrante da operação, que Lacan
tematizou com a noção de objeto a, é a prova do truque mal feito. 

Rastro que o criminoso deixa na cena do crime para ser pego e satisfazer seu
sentimento inconsciente de culpa. Aquele estranho pedaço, com o qual não

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sabemos o que fazer, porque ele denuncia o conjunto sórdido do conjunto da


operação, é o pequeno indício de uma grande corrupção.

Qual não é nossa surpresa quando vemos esse resto ser comido pelo próprio
presidente em evidente e luxuriosa ganância. O comentário não poderia doer
mais aos ouvidos de qualquer psicanalista: “homem dando chocolate para
homem”. A piada de tonalidade homossexual coloca a céu aberto o
pensamento sexualizado dos envolvidos.

Freud escreveu livro sobre este tipo de anedota para mostrar como é nessas
pequenas piadas que se dizem grandes verdades. Afinal quem pensaria,
vendo um homem tomando um pedaço de chocolate do outro, em... sexo?

Claro que, como psicanalistas, não estamos autorizados a interpretar


ninguém fora da transferência e da associação livre daquela própria pessoa.
Mas é um exercício medieval de autocontenção acompanhar a balbúrdia
discursiva de Bolsonaro e seus ministros.

Atos falhos contínuos, sexualização errática, declarações em permanente


denegação, ambiguidades incompreensíveis e paródias involuntárias de si
mesmo. Nesse contexto, as perguntas mais óbvias da imprensa tornam-se
potenciais interpretações clínicas. Por exemplo, diante de um erro crasso,
que troca 500 milhões por 500 mil (https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2019/05/ministro-da-
educacao-diz-que-bloqueio-nao-e-corte-e-que-medida-pode-ser-revista.shtml), custo da avaliação do Saeb,

o ministro responde afirmando é isso mesmo, porque ele é capaz de “fazer


mágica”.

Quando vem a público para mostrar que os 30% de cortes em verbas não
obrigatórias para educação representam, na verdade, 3,5% de cortes no
montante geral dos gastos com universidades, sua confusão retórica é
evidente.

Sem um tradutor intérprete, especialista no idioma bolsonariano, o nosso


professor de notas medíocres e sem doutorado, engendra o efeito cômico de
que 30% de 100 seriam algo como 3, e não 30 unidades. Um ministro da
Educação que em vez de Inep é inepto segue rigorosamente a retórica da

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balbúrdia que elegeu seu chefe: inconsequência com a palavra, confiança na


desmemoria e corrupção interesseira da história.

Se há método nesta loucura, é certamente o método da balbúrdia.

Christian Ingo Lenz Dunker é psicanalista e professor do Instituto de Psicologia da USP

ENDEREÇO DA PÁGINA

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