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Macunaíma, de Mário de Andrade

Análise da obra

O romance Macunaíma (O herói sem nenhum caráter), de Mário de Andrade, foi editado em 1928,
embora tenha sido escrito em quinze dias, no final de 1926, numa fazenda da família, em Araraquara,
interior de São Paulo, para onde o escritor tinha ido passar uns dias. Levou consigo, naquela ocasião, os
apontamentos de anos de trabalho e pesquisa sobre folclore brasileiro. Portanto, o folclore, nas suas
múltiplas manifestações, vem a ser a trama de Macunaíma. Acumula um despropósito de lendas,
superstições, frases feitas, provérbios e modismos de linguagem, tudo sistematizado e
intencionalmente entretecido, “feito um quadro de triângulos coloridos em que os pedaços,
aparentemente juntados ao acaso, delineiam em conjunto a paisagem do Brasil e a figura do brasileiro
comum”, conforme assinala muito bem Cavalcanti Proença.
Mário de Andrade teve indecisões ao classificar o livro. Primeiramente, chamou-o “história” em um dos
prefácios, querendo aproximá-lo dos contos populares pelo muito que, de comum, possui com esse
gênero. Mas não era um título preciso e lembrou chamá-lo de “rapsódia”. De fato, apresenta como as
rapsódias musicais uma variedade de motivos populares. Rapsódia é a maneira de cantar dos rapsodos
gregos. São também rapsódias os antigos romances versificados e musicados, as canções de gesta de
Rolando, a Encantada Branca-Flor e, nos nossos dias, as gestas de cangaceiros, entoadas nas feiras do
Nordeste pelos cantadores. Daí a aproximação com as epopéias medievais.
Macunaíma é, sem dúvida, uma das expressões mais caracterizadoras do advento do Modernismo no
Brasil. A fúria demolidora que caracterizou a primeira fase do nosso Modernismo (1922 – 1928) está aí
em todos os sentidos: a estrutura do romance e a língua, principalmente, vem aí barbaramente
violentadas na sua feição tradicional e acadêmica. Mas tentemos esboçar aqui o panorama cultural da
época para que se entenda bem a literatura que vem expressa no texto genial de Macunaíma.
O livro é constituído pelo encontro de lendas indígenas (sobretudo as amazônicas, recolhidas e
publicadas pelo etnólogo alemão Koch-Grünberg) e da vida brasileira cotidiana, da mistura de lendas e
tradições populares. O espaço e o tempo são arbitrários, o fantástico assume um ar de coisa corriqueira
e o lirismo da mitologia se funde a cada passo com a piada, a brincadeira, a malandragem nacional, que
Macunaíma encarna (é o “herói sem nenhum caráter”).
A montagem do caráter de Macunaíma, síntese de um presumido modo de ser brasileiro, apóia-se na
obra de Paulo Prado, Retrato do Brasil (1926), em uma tentativa de definição de um caráter nacional,
que Paulo Prado descreve como luxurioso, ávido, preguiçoso e sonhador.
Há, também, a presença de Freud na abordagem psicanalítica dos mitos e dos costumes primitivos, que
as teorias do inconsciente e da mentalidade pré-lógica propiciaram.

Língua - Além desses aspectos de natureza social e étnica, destaca-se também em Macularam o
problema da língua portuguesa no Brasil. Como vimos, o Modernismo fez uma verdadeira revolução na
língua literária, dessacralizando-a da sua feição acadêmica e clássica. Os modernistas aproximam-na do
povo, incorporando a ela os modismos brasileiros – É o português do jeito que o brasileiro fala.

Foco narrativo e estrutura

Embora predomine o foco da 3ª pessoa, Mário de Andrade inova utilizando a técnica cinematográfica de
cortes bruscos no discurso do narrador, interrompendo-o para dar vez à fala dos personagens,
principalmente Macunaíma. Esta técnica imprime velocidade, simultaneidade e continuidade à narrativa
Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto

Análise da obra

Morte e Vida Severina, o texto mais popular de João Cabral de Melo Neto, é um auto de natal do
folclore pernambucano e, também, da tradição ibérica. Foi escrito entre 1954-55.
Naquela ocasião, Maria Clara Machado, que dirigia o teatro Tablado, no Rio, pedira que João Cabral
escrevesse algo sobre retirantes. O poeta escreveu, então, um grupo de poemas dramáticos, para
"serem lidos em voz alta" e os dedicou a Rubem Braga e Fernando Sabino, "que tiveram a idéia deste
repertório".
Morte Vida Severina tem como subtítulo Auto de Natal pernambucano e tem inspiração nos autos
pastoris medievais ibéricos, além de espelhar-se na cultura popular nordestina.
É por esse motivo que, no poema, João Cabral usa preferencialmente o verso heptassilábico, a chamada
"medida velha", ou redondilho maior, verso sonoroso e facilmente obtido.
Morte e Vida Severina estruralmente está dividida em 18 partes; no entanto, outra divisão muito nítida
pode ser feita quanto à temática: da parte 1 a 9, compreende-se o périplo de Severino até o Recife,
seguindo sempre o rio Capibaribe, ou o "fio da vida" que ele se dispõe a seguir, mesmo quando o rio lhe
falta e dele só encontra a leve marca no chão crestado pelo sol. Da parte 10 a 18, o retirante está no
Recife ou em seus arredores e sofridamente sabe que para ele não há nenhuma saída, a não ser aquela
que presenciou no percurso: a morte.
Sua linha narrativa segue dois movimentos que aparecem no título: "morte" e "vida". No primeiro, temos
o trajeto de Severino, personagem-protagonista, para Recife, em face da opressão econômico-social,
Severino tem a força coletiva de uma personagem típica: representa o retirante nordestino. No segundo
movimento, o da "vida", o autor não coloca a euforia da ressurreição da vida dos autos tradicionais, ao
contrário, o otimismo que aí ocorre é de confiança no homem, em sua capacidade de resolver os
problemas sociais.
O auto de natal Morte e Vida Severina possui estrutura dramática: é uma peça de teatro. Severino,
personagem, se transforma em adjetivo, referindo-se à vida severina, à condição severina, à miséria.
O retirante vem do sertão para o litoral, seguindo a trilha do rio Capibaribe. Quando atinge o Recife,
depois de encontrar muitas mortes pelo caminho, desengana-se com o sonho da cidade grande e do mar.
Resolve então "saltar fora da ponte e da vida", atirando-se no Capibaribe. Enquanto se prepara para
morrer e conversa com seu José, uma mulher anuncia que o filho deste "saltou para dentro da vida"
(nasceu).
Severino assiste ao auto de natal (encenação comemorativa do nascimento). Seu José, mestre carpina,
tenta demover Severino da resolução de "saltar fora da ponte e da vida".
Grande Sertão Veredas, de Guimarães Rosa

Análise da obra

É o único romance escrito por Guimarães Rosa, publicado no mesmo ano que Corpo de Baile (1956).
Obra-prima, traduzida para muitas línguas, é uma narrativa em que a experiência de vida e de texto
fundem-se numa obra fascinante, permanentemente desafiadora. O romance constrói-se como uma
longa narrativa oral. Riobaldo, um velho fazendeiro, ex-jagunço, conta sua experiência de vida a um
interlocutor, que jamais tem a palavra e cuja fala é apenas sugerida.
Conta histórias de vingança, seus amores, perseguições, lutas pelos sertões de Minas, Goiás, e sul da
Bahia, tudo isso entremeado de reflexões. As demais personagens falam pela boca de Riobaldo, valendo-
se de seu estilo de narrar e de suas características lingüísticas individuais.
As histórias vão sendo emendadas, articulando-se com a preocupação do narrador de discutir a
existência ou não do diabo, do que depende a salvação de sua alma.
O tempo é psicológico. A narrativa é irregular (enredo não linear), sendo acrescidos vários casos
pequenos. Narrado em primeira pessoa - narrador-personagem - utiliza-se do discurso direto e indireto
livre.
A trama ocorre no sertão mineiro (norte), sul da Bahia e Goiás. No entanto, por se tratar de uma
narrativa densa, repleta de reflexões e divagações, ganha um caráter universal - "o sertão é o mundo".

Linguagem

Em Grande Sertão: Veredas, Guimarães Rosa faz uma recriação da linguagem, "recondicionando-a
inventivamente, saindo do lugar-comum a fim de dar maior grandeza ao discurso. Nu da cintura para os
queixos (ao invés de nu da cintura para cima) e ainda Não sabiam de nada coisíssima (no lugar de não
sabiam de coisa nenhuma) constituem exemplos do apuramento da linguagem roseana.
Toda a narrativa é marcada pela oralidade (Riobaldo conta seus casos a um interlocutor), portanto, sem
possibilidades de ser reformulado, já que é emitido instantaneamente. Ainda tem-se as dúvidas do
narrador e suas divagações, onde é percebido a intenção de Riobaldo em reafirmar o que diz utilizando a
própria linguagem.
O falar mineiro associado a arcaísmos, brasileirismos e neologismos faz com que o autor de Sagarana
extrapole os limites geográficos de Minas. A linguagem ultrapassa os limites "prosaicos" para ganhar
dimensão poético-filosófica (principalmente ao relatar os sentimentos para com Diadorim ou a tirar
conclusões sobre o ocorrido através de seus aforismos):

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