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janeiro de 2014  www.revistapesquisa.fapesp.

br

pequenas
empresas
Concessões à
inovação em 2013
foram as maiores da
história do Pipe

puberdade
precoce
Defeitos em gene
antecipam o início
do amadurecimento
sexual

alzheimer
Pesquisadores
tentam entender por
que alguns cérebros
resistem à demência

pinguins-de-
-magalhães
Fêmeas morrem mais Imagens em 3D
que machos durante
revelam segredos
migração anual
de cantora da
coleção egípcia do
entrevista
Ernst hamburger Museu Nacional
Histórias de um físico
na escola e no museu

A múmia de
Pedro II
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, SECRETARIA DA CULTURA, SECRETARIA DA EDUCAÇÃO
E CATAVENTO CULTURAL E EDUCACIONAL APRESENTAM

Conheça e
se reconheça.

EXPOSIÇÃO

Por Walter Neves. Em fevereiro no Catavento.

Parque Dom Pedro II, s/n° – Centro. Próximo aos metrôs Pedro II e S. Bento. www.cataventocultural.org.br

SECRETARIA SECRETARIA
DA EDUCAÇÃO DA CULTURA
organização social de cultura
fotolab

Memória natalina
O Natal passou, mas é inevitável a comparação com as bolas coloridas que enfeitam
a tradicional árvore natalina. Embora menos poéticas, as imagens acima podem
ser igualmente belas e são, definitivamente, mais práticas. O que se vê são placas de
fungos endofíticos – que se desenvolvem no interior dos tecidos de plantas sem
causar danos ao hospedeiro – isolados de folhas e raízes de manguezais, estudados
pelo seu potencial biotecnológico contra microrganismos que causam várias doenças.
O trabalho começou a ser realizado durante o doutorado de Fernanda Luiza de Souza
Sebastianes em 2007. Atualmente a pesquisa envolvendo o potencial biotecnológico
desses fungos vem sendo desenvolvida no laboratório do professor Paulo Teixeira
Lacava, na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), com a participação de
pesquisadores da Embrapa Meio Ambiente, de Jaguariúna, e da Escola Superior de
Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP).
Se você tiver uma imagem
relacionada à sua pesquisa, envie
para imagempesquisa@fapesp.br, Fotos enviadas por Paulo Teixeira Lacava, do Centro de Ciências Biológicas e
com resolução de 300 dpi (15 cm da Saúde da USFCar, e Fernanda Luiza de Souza Sebastianes, da Esalq-USP
de largura) ou com no mínimo
5 MB. Seu trabalho poderá ser
selecionado pela revista.

PESQUISA FAPESP 215 | 3


janeiro  n.215

16 60

Capa 40 Tecnologia
de informação
16 Imagens em 3D revelam os Programa em eScience busca
segredos da múmia de uma avanços do conhecimento e
cantora-sacerdotisa de 2.800 aplicações para extrair informação
anos, estrela da coleção egípcia original em meio a gigantescas
do Museu Nacional bases de dados

Entrevista 42 Políticas públicas


Quarta edição do Inventário
24 Ernst Hamburger florestal ampliará em 100 vezes
88
Natural de Berlim e o mais novo a resolução espacial da
ganhador do título de Cidadão vegetação nativa em São Paulo
Paulistano, o professor da USP
fala sobre física, educação e
divulgação científica
seçÕes CIÊNCIA

3 Fotolab 44 Endocrinologia
6 On-line POLÍTICA CIENTÍFICA Pesquisadores brasileiros
7 Carta da editora E TECNOLÓGICA identificam o primeiro gene
8 Dados e projetos associado a forma hereditária
9 Boas práticas 32 Financiamento de puberdade prematura
10 Estratégias Aumento de projetos aprovados
12 Tecnociência no programa Pipe mostra 50 Neurociência
88 Memória importância da inovação na Pesquisadores querem entender
90 Arte agenda das empresas de o que faz o cérebro de algumas
92 Ficção pequeno porte pessoas resistir aos efeitos
94 Resenhas do mal de Alzheimer
96 Carreiras 36 Indicadores
98 Classificados Cai proporção de empresas que 54 Genética
produziram inovações, mas Estudo revela que os Uro
aumenta articulação do setor atuais podem descender
capa 
foto eduardo cesar
privado para fazer pesquisa e dos primeiros habitantes do
desenvolvimento, mostra Pintec altiplano andino

4 | janeiro DE 2014
90 84

56 Ecologia 72 Óptica
Fêmeas de pinguins-de- Grupo de São Carlos constrói HUMANIDADES
-magalhães morrem mais equipamento robótico com
que machos durante laser para análise de elementos 80 Divulgação científica
migração anual químicos presentes no solo Exposição permanente sobre
e nas folhas evolução humana entra em
60 Biodiversidade cartaz no Catavento Cultural
Pesquisadores se mobilizam 74 Química em São Paulo
para aumentar em 20% a Teste com escâner indica se
população de onças-pintadas na o leite está adulterado 84 Demografia
mata atlântica em cinco anos Núcleo de Estudos de
76 Engenharia genética População da Unicamp lança
64 Oceanografia Novas linhagens da tradicional atlas sobre os 200 anos
Sedimentos do rio da Prata levedura e microrganismos de imigração em São Paulo
viajam quase 2 mil quilômetros silvestres podem aumentar
e chegam até o litoral de a produção de etanol
São Sebastião
78 Computação
66 Física Software contribui para
Técnica duplica quantidade a detecção e análise precoce
de dados que podem da retinopatia diabética
ser recuperados em um
sistema quântico

TECNOLOGIA

68 Pesquisa empresarial
Recém-inaugurado, o BRF
Innovation Center pretende se
tornar referência na criação
de novos negócios 44

PESQUISA FAPESP 215 | 5


on-line
w w w . r e v i s ta p e s q u i s a . f a p e s p. b r
Nas redes

Exclusivo no site Edson Zanin Barbosa_ Legal,


Erik Hersman / Wikicommons

mas rios são entidades vivas


inseridas num sistema igualmente
x A lista vermelha de espécies vivo e não se restringem à hidráulica
ameaçadas pode não ser a ferramenta ou processos biofísicos isolados!
ideal para a formulação de políticas (Impactos antecipados)
de conservação como acontece mundo
afora. Em artigo publicado na revista Marcelo Barros Buldogue_
científica PLoS One, pesquisadores Fascinante! Um dia, se eu ainda
da Universidade Federal de Goiás dispuser de energia vital, vou cursar
verificaram que a lista ignora aspectos física. Podem ter certeza…
ecológicos e evolutivos das espécies (Sopa primordial)
ameaçadas, o que comprometeria a
eficácia das medidas. No estudo, eles Giliard Godoi_ A inspiração de hoje
criaram um modelo para quantificar vem do professor Jacó Guinsburg.
o risco de extinção dessas espécies (Jacó Guinsburg: o editor da academia)
levando em conta a influência humana,
a dieta dos animais e o ambiente em Arara-azul-grande (Anodorhynchus hyacinthinus), Dilson Lockmann_ Sempre
que vivem, entre outros fatores. vulnerável e ameaçada de extinção
falo isso, mas a maioria não sabe
e pode ter problemas graves.
x A anta pretinha – já conhecida (Toxina da carambola é isolada)
pelos ribeirinhos da Amazônia – foi
apresentada como uma espécie nova, José Renato Mej_ É bom lembrar
a Tapirus kabomani (Journal of que o Brasil é o país que mais
Mammalogy, dezembro). Única espécie Rádio consome agrotóxicos.
de anta identificada em 150 anos, (Defensivos sob medida)
era considerada uma variação da anta Anéis dos
brasileira, Tapirus terrestris, maior
mamífero terrestre da América do Sul, troncos de árvores Marcos de Oliveira_ Esse é o
motivo de ser biólogo. É fascinante
com 2 metros de comprimento e guardam histórico como sempre temos o que aprender,
300 quilos, mas a pretinha é menor
(1,3 m) e mais leve (110 kg). do clima ao e a cada novo aprendizado temos
a certeza de que nada sabemos
Pesquisadores das universidades longo dos séculos e que ainda há muito a aprender.
federais de Rondônia (Unir) e de Minas (Voo ininterrupto de 200 dias)
Gerais (UFMG) começaram o trabalho
que levou à identificação há 10 anos.

Vídeo do mês
Biota aborda
biodiversidade
em ambientes Assista ao vídeo:
alterados
pelo homem

youtube.com/user/PesquisaFAPESP

6 | janeiro DE 2014
carta da editora
fundação de amparo à pesquisa do estado de são Paulo

Celso Lafer
Presidente

Eduardo Moacyr Krieger


vice-Presidente

Trânsitos, tempos, história


Conselho Superior

alejandro szanto de toledo, Celso Lafer,


Eduardo Moacyr Krieger, fernando ferreira
costa, Horácio Lafer Piva, joão grandino rodas,
Maria José Soares Mendes Giannini, Marilza
Vieira Cunha Rudge, José de Souza Martins,
Pedro Luiz Barreiros Passos, Suely Vilela
Sampaio, Yoshiaki Nakano

Conselho Técnico-Administrativo Mariluce Moura | Diretora de Redação


José Arana Varela
Diretor presidente

Carlos Henrique de Brito Cruz


Diretor Científico

A
Joaquim J. de Camargo Engler
Diretor Administrativo cho fascinante o rosto more- pertencente hoje à Universidade Fede-
no e sereno da cantora-sacer- ral do Rio de Janeiro (UFRJ). O ataúde,
dotisa egípcia que toma a capa ressalte-se, jamais foi aberto, mas nos úl-
issn 1519-8774 da primeira Pesquisa FAPESP de 2014. timos anos tornou-se uma fonte preciosa
Conselho editorial Detenho-me nos grandes olhos negros de informações sobre hábitos funerários
Carlos Henrique de Brito Cruz (Presidente), Caio Túlio Costa,
Eugênio Bucci, Fernando Reinach, José Eduardo Krieger,
Luiz Davidovich, Marcelo Knobel, Marcelo Leite,
sublinhados talvez a khol, cosmético dos egípcios relativamente às suas canto-
Maria Hermínia Tavares de Almeida, Marisa Lajolo, Maurício
Tuffani, Mônica Teixeira
multimilenar cuja formulação complexa ras-sacerdotisas, graças principalmente
comitê científico
incluía pequenas porções de compostos aos exames de tomografia computadori-
Luiz Henrique Lopes dos Santos (Presidente),
Adolpho José Melfi, Carlos Eduardo Negrão, Douglas
de chumbo (aparentemente para preve- zada por raios X que permitem ver em
Eduardo Zampieri, Eduardo Cesar Leão Marques,
Francisco Antônio Bezerra Coutinho, Joaquim J. de Camargo nir infecções), nas sobrancelhas grossas três dimensões as estruturas do corpo
e perfeitamente desenhadas, no nariz de preservadas num caixão há 2.800 anos.
Engler, José Arana Varela, José Roberto de França Arruda,
José Roberto Postali Parra, Lucio Angnes, Luis Augusto

Vale muito a pena conferir essa narrativa


Barbosa Cortez, Marcelo Knobel, Marie-Anne Van Sluys,
Mário José Abdalla Saad, Marta Teresa da Silva Arretche, talhe reto, nos belos lábios e na suavidade
Paula Montero, Roberto Marcondes Cesar Júnior,
Sérgio Luiz Monteiro Salles Filho, Sérgio Robles Reis
Queiroz, Wagner do Amaral Caradori, Walter Colli
arredondada do contorno da face e co- feita com graça e fluência.
Coordenador científico
mento en passant que ali está uma linda Por fim, encanta-me a possibilidade de
Luiz Henrique Lopes dos Santos
mulher, certamente no fulgor de sua ju- trazer aos leitores essa reportagem sobre
Diretora de redação Mariluce Moura
ventude. Mas Sha-amun-em-su, a dona Sha-amun-em-su justamente na passagem
editor chefe Neldson Marcolin
desse rosto pintado num ataúde que guar- de um ano para o outro, período em que de
da seu corpo mumificado e integra a co- hábito somos convocados a uma reflexão
Editores Fabrício Marques (Política), Marcos de Oliveira
(Tecnologia), Ricardo Zorzetto (Ciência); Carlos Fioravanti e
Marcos Pivetta (Editores espe­ciais); Bruno de Pierro e Dinorah
Ereno (Editores assistentes) leção egípcia do Museu Nacional, no Rio sobre o que fizemos ao longo do último
revisão Márcio Guimarães de Araújo, Margô Negro de Janeiro, não era jovem: morreu com ano e o que nos propomos a fazer neste
arte Mayumi Okuyama (Editora), Ana Paula Campos (Editora
de infografia), Maria Cecilia Felli e Alvaro Felippe Jr. (Assistente)
cerca de 50 anos, aproximadamente em novo que se nos oferece em branco, sobre
fotógrafos Eduardo Cesar, Léo Ramos
750 a.C., depois de anos a fio a entoar cân- o passar do tempo, sobre o trânsito do ser
Mídias eletrônicas Fabrício Marques (Coordenador) ticos sagrados em honra ao deus Amon. num dado intervalo de tempo. O que fas-
Internet Pesquisa FAPESP online Sua imagem aqui nesta edição resulta cina aqui é a oposição entre a fugacidade
de foto de Eduardo Cesar, profissional do tempo individual – e nenhum de nós
Maria Guimarães (Editora)
Júlio Cesar Barros (Editor assistente)
Rodrigo de Oliveira Andrade (Repórter)
que faz parte de nossa equipe há 14 anos. escapa, mais cedo ou mais tarde, dessa
Rádio Pesquisa Brasil
Biancamaria Binazzi (Produtora) Fascina-me também, é verdade, a angustiante sensação dos dias escorren-
Colaboradores Abiuro, Adriano Gambarini, Alexandre
Affonso, Ana Lima, Antonio Corrêa de Lacerda, Bernardo
própria história da presença dessa mú- do por entre os dedos – e a longa duração
Kucinski, Carolina Rossetti de Toledo, Catarina Bessel,
Daniel Bueno, Daniel das Neves, Evanildo da Silveira,
mia especial numa coleção museológica do tempo da história. Alguma consolação
Fabio Otubo, Igor Zolnerkevic, Márcio Ferrari,
Pedro Hamdan, Salvador Nogueira, Sandra Javera, brasileira e as possibilidades mais recen- sempre há na percepção de que há, senão
Valter Rodrigues, Yuri Vasconcelos, Zé Vicente
tes de desvendamento de seus velhos uma eternidade, pelo menos um longuís-
É proibida a reprodução total ou parcial
de textos e fotos sem prévia autorização segredos por meio de imagens em 3D, simo prazo na história que os seres huma-
Para falar com a redação (11) 3087-4210 vivamente narradas por nosso editor es- nos vêm construindo há milênios.
cartas@fapesp.br
pecial Marcos Pivetta, a partir da página Brevemente destaco ainda a reporta-
Para anunciar (11) 3087-4212 publicidade@fapesp.br
Para assinar (11) 3087-4237 16. Veja-se: dom Pedro II, durante uma gem de nosso editor de ciência, Ricardo
assinaturaspesquisa@fapesp.br
viagem ao Egito entre 1876 e 1877, deu de Zorzetto, sobre o que se vai descobrindo
Tiragem 43.700 exemplares
IMPRESSão Plural Indústria Gráfica presente ao soberano do país, o quediva a respeito da puberdade precoce (página
distribuição Dinap
Ismail, um livro sobre o Brasil e recebeu 44) e a reportagem de nosso colabora-
GESTÃO ADMINISTRATIVA INSTITUTO UNIEMP
PESQUISA FAPESP Rua Joaquim Antunes, no 727, em troca o esquife lacrado da cantora- dor Igor Zolnerkevic sobre a resistência
10o andar, CEP 05415-012, Pinheiros, São Paulo-SP
FAPESP Rua Pio XI, no 1.500, CEP 05468-901,
-sacerdotisa. O imperador conservou-o intrigante que alguns cérebros conse-
Alto da Lapa, São Paulo-SP ciosamente em seu gabinete até 1889. A guem opor ao avanço do mal de Alzhei-
Secretaria de Desenvolvimento Econômico,
Ciência e Tecnologia
proclamação da República motivou a in- mer (página 50).
Governo do Estado de São Paulo corporação do mimo ao acervo do Museu Desejo a nossos leitores bons momen-
Nacional, que desde 1892 ocupa a antiga tos com esta edição e um Ano Novo in-
residência da família imperial brasileira, teiro criativo e luminoso.

PESQUISA FAPESP 215 | 7


Dados e projetos
Temáticos e Jovem Pesquisador recentes
Projetos contratados em novembro e dezembro de 2013

temáticos Pesquisador responsável: Sergio Instituição: Faculdade de Ciências Instituição: Faculdade de Ciências e
Ferraz Novaes Agrárias de Presidente Prudente/ Tecnologia de Presidente Prudente/
 Begomovírus e crinivírus em Instituição: Núcleo de Computação Unoeste Unesp
solanáceas: epidemiologia molecular Científica/Unesp Processo: 2013/04819-4 Processo: 2013/10002-0
e estratégias Processo: 2013/01907-0 Vigência: 01/11/2013 a 31/10/2017 Vigência: 01/12/2013 a 30/11/2017
Pesquisador responsável: Jorge Vigência: 01/12/2013 a 30/11/2018
Alberto Marques Rezende  Efeitos do exercício excêntrico  Caracterização dos mecanismos
Instituição: Escola Superior de na reabilitação do músculo de ação antidengue mediados pela
Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq)/ JOVEM PESQUISADOR esquelético de camundongos mdx microbiota intestinal de populações
USP após longo período de treinamento. naturais do mosquito Aedes aegypti
Processo: 2012/51771-4  Decifrando as grandes tendências Avaliações morfológica, funcional Pesquisador responsável: Jayme
Vigência: 01/12/2013 a 30/11/2018 de evolução molecular e morfológica e molecular Augusto de Souza Neto
nos Amoebozoa Pesquisadora responsável: Anabelle Instituição: Instituto de Biociências
 A matriz extracelular no Pesquisador responsável: Daniel José Silva Cornachione de Botucatu/Unesp
envelhecimento, no exercício e no Galafasse Lahr Instituição: Faculdade de Medicina Processo: 2013/11343-6
microambiente tumoral Instituição: Instituto de Biociências/ de Ribeirão Preto/USP Vigência: 01/11/2013 a 31/10/2017
Pesquisadora responsável: Heloísa USP Processo: 2013/07104-6
Sobreiro Selistre de Araújo Processo: 2013/04585-3 Vigência: 01/01/2014 a 31/12/2017  Teoria do funcional da densidade e
Instituição: Centro de Ciências Vigência: 01/12/2013 a 30/11/2017 aplicações em sólidos e átomos frios
Biológicas e de Saúde/UFSCar  Desenvolvimento de complexos de Pesquisadora responsável: Vivian
Processo: 2013/00798-2  Transformação genética de rutênio como sistemas catalíticos Vanessa Franca Henn
Vigência: 01/01/2014 a 31/12/2017 Urochloa brizantha visando aumentar duais na polimerização simultânea Instituição: Instituto de Química de
a tolerância a estresses abióticos ROMP/ATRP Araraquara/Unesp
 Centro de Pesquisa e Análise Pesquisadora responsável: Alessandra Pesquisador responsável: Valdemiro Processo: 2013/15982-3
de São Paulo Ferreira Ribas Pereira de Carvalho Junior Vigência: 01/01/2014 a 31/12/2017

Impacto e coautoria internacional em artigos de autores no Brasil, 1979-2013


Artigos com coautorias internacionais recebem até 3,6 vezes mais citações do que a média dos artigos dos autores no Brasil

País Número de artigos na base Brasil Citações por artigo Número de vezes em que as citações superam a
do InCites (1979 - 2013) média de todos os artigos de autores no Brasil
Brasil * 511.945 7,6 1,0
Austrália 4.617 27,4 3,6
China 3.588 26,8 3,5
Suécia 3.455 26,5 3,5
Japão 4.454 26,4 3,5
Holanda 4.987 26,0 3,4
Suíça 4.434 24,9 3,3
Bélgica 3.751 24,3 3,2
Rússia 4.140 23,1 3,0
Inglaterra 14.650 21,8 2,9
México 3.724 21,7 2,9
Canadá 9.393 21,3 2,8
Alemanha 13.750 21,3 2,8
Itália 9.701 21,1 2,8
França 17.077 19,5 2,6
Estados Unidos 52.508 19,5 2,6
Colômbia 3.025 17,8 2,3
Argentina 7.509 17,2 2,3
Espanha 9.920 16,6 2,2
Chile 3.399 15,0 2,0
Portugal 5.776 12,1 1,6

* A linha Brasil se refere ao total de trabalhos que contêm autores com endereço institucional no Brasil. Os dados referentes a outros países referem-se a trabalhos
nos quais pelo menos um dos autores tem endereço institucional no país indicado. Fonte: InCitesTM, Thomson Reuters (2013)

8 | janeiro DE 2014
Boas práticas
Artigos na prateleira
Membros da Academia Chinesa um deles não tinha histórico de
de Ciências manifestaram produção científica. Joanna Kargul,
preocupação depois que uma editora-chefe do periódico,
reportagem da revista Science disse à Science que, normalmente,
denunciou um esquema no país de se novos autores são incluídos
comercialização de autorias e nos papers, o autor principal deve
artigos científicos para publicação explicar a mudança ao editor:
em revistas indexadas. “Alguns “Isso não aconteceu com o artigo
pesquisadores estão conseguindo sobre câncer. E a mudança de
publicar bons papers em periódicos autoria não foi percebida pelo
de alto impacto, mas eles nem nosso radar de revisores”.
sequer sabem sobre o que seus Para Hans-Joachim Schmoll,
artigos falam”, disse Cao Zexian, editor da revista OncoTargets and
professor do Instituto de Física da Therapy, que também recebeu um

daniel bueno
academia, em Pequim, temendo artigo suspeito, muitos editores
que realizações de pesquisadores já estão se esforçando para avaliar
do país passem a ser alvo de com mais rigor o fluxo de artigos
desconfiança depois da denúncia. vindos da China. “Não conhecemos 193.733 em 2012, ficando atrás
Ao longo de cinco meses muito as universidades de lá, nem apenas dos Estados Unidos.
repórteres chineses, passando-se as clínicas e as instituições”, disse. Assim como ocorre em muitos
por cientistas ou alunos de A China é um dos países que países, na China quem consegue
pós-graduação, procuraram mais publicam artigos científicos publicar em inglês em revistas
27 empresas chinesas suspeitas no mundo. O número de artigos com fator de impacto elevado tem
de vender autorias de artigos já chineses no Science Citation Index mais chance de obter promoções
prontos. Vinte e duas delas disparou de 41.417 em 2002 para e financiamento.
ofereceram serviços fraudulentos.
No site Sciedit, especializado em
editoração científica, uma das
empresas chegou a anunciar, “É Imagens fraudadas
inacreditável: você pode publicar
artigos científicos sem precisar A revista Nature Medicine cancelou no Texas, Estados Unidos.
fazer experimentos”. Outra de seus arquivos um artigo sobre O artigo detalhava a função de
empresa flagrada foi a Wanfang esclerose múltipla publicado em duas substâncias, o receptor de
Huizhi, que atuava como 2010 e assinado por pesquisadores interleucina-7 (IL-7R) e o T-helper
intermediária entre pesquisadores da multinacional farmacêutica 17, em esclerose múltipla e continha
que tinham artigos aceitos para GlaxoSmithKline (GSK). Uma imagens de amostras de sangue
publicação e cientistas que investigação feita pela empresa em de indivíduos saudáveis e pacientes
precisam publicar. Segundo a junho apresentou evidências de com a doença. Uma das imagens
revista, os interessados chegam manipulação de dados. Um dos apresentava amostras de sangue
a desembolsar até US$ 26 mil para autores do trabalho, o chinês de indivíduos saudáveis, mas era
ter o nome em um artigo – valor Jungwu Zang, havia sido demitido legendada como proveniente de
superior ao salário anual de muitos sete meses atrás, mas se recusava pacientes com esclerose múltipla.
professores assistentes na China. a assinar uma declaração se Os autores também são
A Wanfang Huizhi ofereceu a comprometendo a colaborar com a suspeitos de duplicar outra
um dos jornalistas uma vaga de revista. Zang, que dirigia o centro imagem, apresentada como dois
coprimeiro autor em um paper de pesquisa em doenças resultados diferentes do estudo.
sobre câncer por US$ 14.800. neurodegenerativas da GSK na Os pesquisadores alegam que
O artigo foi publicado semanas China, acabou por assinar o houve falha no processo de edição
depois no Journal of Biochemistry documento em dezembro, junto da revista. Em nota, a GSK
& Cell Biology, apresentando dois com oito cientistas da empresa lamentou o ocorrido e confirmou
autores principais, sendo que e do Baylor College of Medicine, as irregularidades nas imagens.

PESQUISA FAPESP 215 | 9


Estratégias
Nova
conselheira
O governador Geraldo
Alckmin escolheu Marilza
Vieira Cunha Rudge,
vice-reitora da
Universidade Estadual
Paulista (Unesp), para
integrar o Conselho
Superior da FAPESP.
A nova conselheira, cujo
nome encabeçava a lista
tríplice encaminhada
ao governador, foi
nomeada para um
mandato de seis anos
em vaga aberta após o
término do mandato de
Herman Jacobus Cornelis
Voorwald. Graduada em
medicina pela Faculdade
de Ciências Médicas e
1 Biológicas de Botucatu,
O Cbers-3, Marilza é, desde 1971,
em preparação docente na Unesp –
Brasil quer antecipar Cbers-4 na China
semanas antes
atualmente é professora
do lançamento: titular de obstetrícia.
Parceiros no lançamento comitê de coordenação O Cbers-3 estava perda Ela foi responsável
de satélites de do programa Cbers equipado com quatro pela instalação da
observação da Terra em Pequim, na China, câmeras que iriam coletar Maternidade Escola do
desde 1999, Brasil e que também debateu imagens da superfície Hospital das Clínicas
China discutem a as causas da perda da Terra. O objetivo de Botucatu. Também
viabilidade de antecipar do Cbers-3. O satélite era monitorar desastres foi superintendente do

fotos 1 inpe 2 estúdio chello fotógrafo  3 WilsonDias / ABr  ilustraçãO  daniel bueno
a montagem e o foi lançado por um naturais e acompanhar Hospital das Clínicas
lançamento do Cbers-4 foguete chinês Longa alterações da cobertura (1999-2001) e diretora
(sigla para satélite Marcha 4B, do Centro vegetal, com aplicação da Faculdade de
sino-brasileiro de de Lançamentos de no combate a Medicina de Botucatu
recursos terrestres), Satélites de Taiyuan, desmatamentos e da Unesp (2001-2004).
depois do fracasso do China, mas uma falha na queimadas na Amazônia.
lançamento do Cbers-3, terceira e última etapa O Cbers-3 seria o quarto
no dia 9 de dezembro. do lançador impediu que satélite do programa
O Ministério da Ciência, entrasse em órbita. De a entrar em órbita e
Tecnologia e Inovação acordo com o Instituto substituiria o Cbers-2B,
(MCTI) gostaria de lançar Nacional de Pesquisas que encerrou suas
o novo satélite até o fim Espaciais (Inpe), o motor atividades em 2010. O
de 2014 ou até meados de propulsão do foguete programa sino-brasileiro
de 2015. No cronograma chinês foi desligado está, desde então, sem
original, o Cbers-4 11 segundos antes do satélites para produzir
deveria entrar em órbita previsto e impediu que imagens. O governo
Marilza
em dezembro de 2015. o satélite atingisse a brasileiro investiu
Rudge:
As datas foram discutidas velocidade mínima para R$ 160 milhões no mandato de
durante uma reunião do ser mantido em órbita. projeto, segundo o Inpe. seis anos 2

10 | janeiro DE 2014
Destaques do Jovem Cientista
A entrega da 27ª edição sobre mistura de águas
do Prêmio Jovem salinas como alternativa
Cientista, realizada em para a irrigação e
Brasília, reconheceu produção de forragem no
contribuições ligadas ao Nordeste. Edvan Pereira,
tema “Água: desafios da da Escola Estadual
sociedade”. Na categoria Ernestina Pereira Maia,
Mestre e Doutor, o em Moju, Pará, venceu na
vencedor foi Gustavo categoria Ensino Médio,
Meirelles Lima, da com um trabalho que
Universidade Federal usou o caroço do açaí
de Itajubá, com uma na filtragem de água 3

tese de doutorado em para o consumo. A entrega


engenharia elétrica O homenageado na agraciada pelo segundo do prêmio

sobre sistemas de categoria Mérito ano consecutivo na


em Brasília:
recursos
Sinal verde
abastecimento de água. Científico foi Eugenio categoria Mérito
O trabalho de José Foresti, professor da Institucional, por sua
hídricos
do Cern
Leôncio de Almeida Silva, Universidade de São contribuição à formação Depois de três anos
estudante de agronomia Paulo (USP), que dedicou científica do país. de negociações, a
da Universidade Federal mais de 40 anos de O prêmio é concedido Organização Europeia
Rural do Semi-Árido carreira desenvolvendo pelo Conselho Nacional para Pesquisa Nuclear
(Ufersa), ganhou na tecnologias relacionadas de Desenvolvimento (Cern), laboratório de
categoria Ensino à utilização dos recursos Científico e Tecnológico, física de altas energias
Superior pela pesquisa hídricos. A USP foi o CNPq. próximo a Genebra, na
Suíça, aceitou convidar o
Brasil a se tornar membro
associado do projeto.
Em carta à embaixadora
Centro de Regina Dunlop, delegada

inovação do ITA do Brasil em Genebra,


o diretor de pesquisa do
Cern, Sérgio Bertolucci,
Uma área de 30 mil metros quadrados diz que a proposta teve
no Parque Tecnológico de São José dos “aprovação unânime”
Campos abrigará uma unidade do Centro no conselho executivo da
de Inovação do Instituto Tecnológico de entidade. O tratado de
Aeronáutica (ITA), que está sendo cons- adesão será discutido nos
truída com apoio do Banco Nacional de próximos meses. Ao
Desenvolvimento Econômico e Social mesmo tempo, Israel se
(BNDES). No total, R$ 300 milhões estão tornou o 21º país – e o
sendo investidos na ampliação – valor primeiro não europeu –
que será aplicado ao longo de cinco anos. contribui para aumentar a competitivi- a se unir ao Cern.
A iniciativa faz parte da estratégia de dade”, diz o reitor do ITA, Carlos Américo O país cumpriu o estágio
expansão do ITA, que também prevê a Pacheco. Duas instituições internacionais obrigatório de dois
duplicação do número de vagas de gra- – o Instituto Fraunhofer IPK, da Alemanha, anos como membro
duação e de pós-graduação. O novo e a Universidade de Sheffield, da Ingla- associado, elevando suas
centro irá atuar no desenvolvimento de terra – são parceiras na formação do contribuições financeiras,
tecnologias inovadoras com aplicação centro e deverão participar de pesquisas. antes de conquistar o
na indústria aeroespacial e prestará ser- “Realizamos um evento recentemente status de membro pleno –
viços a empresas. “Na unidade do Parque no qual apresentamos o projeto para que dá ao país direito
Tecnológico o foco será na pesquisa em várias empresas que mostraram interes- de voto e permite que
manufaturas avançadas. Com isso, pro- se em colaborar com o ITA”, conta Pa- seus pesquisadores
cessos industriais, como a adequação de checo, citando como exemplo a Embraer. tenham acesso a mais
uma planta industrial a um novo produto, “Mas ainda buscamos apoio para fomen- oportunidades de
podem se tornar mais flexíveis, o que tar o Centro de Inovação”, diz o reitor. emprego no âmbito
da organização.

PESQUISA FAPESP 215 | 11


Tecnociência
Inovação nacional
Com a distribuição de Entre os institutos de
prêmios que totalizaram ciência e tecnologia,
R$ 9 milhões, foram o ganhador foi o
anunciados em dezembro Centro de Pesquisa e
os vencedores da etapa Desenvolvimento em
nacional do Prêmio Finep Telecomunicações (CPqD),
de Inovação 2013. de Campinas, no interior
A Natura, de São Paulo, paulista, especializado
ganhou na categoria em soluções para a
grande empresa, pela área de tecnologia
contribuição em produzir da informação e
cosméticos inovadores e comunicação. A F123
sustentáveis. A Braile Consulting, de Curitiba,
Biomédica, de São José no Paraná, venceu na
do Rio Preto, no interior categoria tecnologia
paulista, venceu entre as assistiva por ter
Poeira de casas com cães médias empresas pela desenvolvido um software
série de instrumentos que possibilita a leitura
A exposição à poeira apresentaram uma médicos inovadores, de telas de computadores
de casas com cães pode proteção maior contra principalmente no para deficientes visuais.
modificar a composição substâncias causadoras segmento cardiológico. O prêmio de tecnologia
da microbiota – a de alergia (alérgenos) A pequena empresa social foi para a
comunidade de retiradas de baratas, ganhadora foi a Marina Fundação de Tecnologia
micróbios – do intestino em comparação com Borrachas, de Triunfo, do Estado do Acre
e proteger contra animais alimentados no Rio Grande do Sul, (Funtac), entidade que
alergias e asma, segundo com poeira de casa sem produtora de produz sementes e
estudo de pesquisadores cães. Os pesquisadores componentes de mudas de plantas nativas
dos Estados Unidos e do verificaram que a poeira borracha para as da Amazônia. O título
Canadá (PNAS, da casa com cães alterou indústrias de petróleo, de inventor inovador de
dezembro). Os autores a microbiota intestinal, gás e automobilística. 2013 ficou com o
desse trabalho já tinham aumentando a população O prêmio de inovação empresário José Roberto
verificado que crianças da bactéria Lactobacillus sustentável teve a do Amaral Assy, de
de casas com cães eram johnsonii. Em seguida, No laboratório empresa CBPak, da Caldas Novas, Goiás,
menos propensas a os animais que da Natura, cidade do Rio de Janeiro, por ter desenvolvido
óleos essenciais
desenvolver alergias na receberam L. johnsonii como vencedora pela um sistema dosador de
extraídos de
infância do que as que apresentaram uma plantas da produção de copos com sementes para plantio
moravam em casas sem resposta alérgica mais biodiversidade amido de mandioca. de cereais e leguminosas.
animais. Depois viram amena, quando expostos brasileira

que a poeira coletada a alérgenos de barata ou


de casa com cães vírus respiratório
continha uma variedade sincicial, dois fatores de
maior de bactérias do risco para a asma em
que a de casa sem crianças. Os especialistas
animais domésticos. vislumbram novas
Agora eles mostraram possibilidades de
que a poeira de casas tratamento de alergias
com cães ajuda a deter e infecções pulmonares
a inflamação alérgica. a partir desse estudo,
Camundongos jovens caso os resultados sejam
que receberam poeira aplicáveis a seres
de casas com cães humanos. 1

12 | janeiro DE 2014
O HIV e a morte explosiva das células de defesa
Uma vez no organismo, o vírus da imuno- agora, em dois artigos, as vias bioquími- plosiva: a célula se rompe e libera molé-
deficiência humana (HIV) inicia a elimi- cas de morte celular acionadas pelo HIV culas inflamatórias. Esse achado abre
nação das células de defesa, em especial (19 de dezembro, Science e Nature). A caminho para novas formas de combater
dos macrófagos, que deveriam combatê- equipe de Greene demonstrou que, depois o vírus. Os tratamentos atuais bloqueiam
-lo. É uma matança indireta, com efeito de penetrar nas células, o HIV aciona uma as proteínas produzidas pelo HIV. Os pes-
disseminado. O grupo liderado por Warner sequência de reações químicas que levam quisadores acham ser possível desenvol-
Greene, da Universidade da Califórnia em a célula à morte por piroptose. Assim ver compostos que atuem sobre as pro-
São Francisco, Estados Unidos, descreve como a apoptose, que ocorre com as cé- teínas dos macrófagos, evitando que
lulas velhas e doentes, a piroptose é uma morram. Um teste com células mostrou
forma de suicídio celular. Mas a apoptose que um composto experimental bloqueou
é silenciosa, enquanto a piroptose é ex- com eficiência a morte dos macrófagos.

Semáforos e carros
Os carros autônomos que veículos conectados
Gatilho deverão rodar no futuro uns aos outros por
molecular: sem motorista, apenas meio de uma rede sem
cópias do HIV
com passageiros, vão fio chamada de
(em rosa), que
acionam a morte necessitar, além de interveiculares ou Vehicle
2 por piroptose radares e comandos no Ad hoc Networks (Vanet).
próprio carro, de uma Nessas redes os carros
série de sistemas nas são equipados com um
ruas. Um deles começou conjunto de sistemas de
Cicatrizes da colisão a ser desenvolvido em envio e recepção de
Curitiba, no Paraná, pelo sinais. “Isso possibilita a
Um abismo submerso no queda do meteorito, na engenheiro eletricista cada veículo conhecer sua
golfo do México parece península de Yucatán. Rafael Miggiorin, do posição, a velocidade e a
esconder vestígios do Os pesquisadores Instituto de Tecnologia direção de outros carros
impacto do meteorito acreditam que o para o Desenvolvimento de um grupo e tomar
que deve ter causado sedimento acumulado (Lactec), em conjunto decisões em conjunto ou
a extinção em massa de sobre as rochas pode com professores da individualmente”, explica
plantas e animais há guardar registros de Universidade Tecnológica Miggiorin. “Nesse caso,
65 milhões de anos. fenômenos como a Representação Federal do Paraná o semáforo seria uma
fotos 1 léo ramos 2 CDC / A. Harrison; Dr. P. Feorino  3 MBAR  ilustraçãO  daniel bueno

Com imagens de sonar nuvem de poeira que se gráfica da (UTFPR). Ele desenvolveu espécie de gerente
escarpa do
captadas em um navio seguiu à colisão do um software que simula enviando comandos para
Campeche, no
oceanográfico, meteorito com a Terra. México: sinais largadas e frenagens os veículos largarem e
pesquisadores da Segundo eles, as rochas do choque do cooperadas, com os frearem.”
Universidade Nacional formadas antes, durante meteorito há 65
milhões de anos
Autônoma do México e e depois do impacto se
do Centro de Investigação espalham pelas bordas
Científica de Yucatán, sob do abismo submarino, 100 km
coordenação de Charlie também conhecido como
Paul, do Instituto de escarpa do Campeche.
Pesquisa Monterey As imagens estão no
Bay Aquarium (MBAR), Google Maps e no Google Provável
Estados Unidos, fizeram Earth. Os resultados do área do impacto

um mapa detalhado mapeamento foram


de um penhasco de apresentados em
4 quilômetros (km) de dezembro na reunião da
profundidade e 600 km American Geophysical
de comprimento Union (AGU), em São
próximo do local da Francisco, na Califórnia. 3

PESQUISA FAPESP 215 | 13


Energia do atrito Filme ativo
Aquele pequeno choque construindo se baseiam Uma substância
que quase todos já na troca de elétrons antimicrobiana obtida da
sentiram quando tocam entre dois materiais, um mostarda e nanotubos
principalmente em que doa e outro que de carbono foram os
metais depois de pisar recebe, quando ingredientes que a
num tapete num dia atritados. A repetição engenheira de alimentos
mais frio e seco contínua desse processo Marali Vilela Dias utilizou
é o tipo de energia que gera uma pequena para elaborar uma
pesquisadores do corrente que pode ser embalagem ativa contra
Instituto de Tecnologia aproveitada por microrganismos capaz
da Geórgia (Georgia eletrodos instalados de aumentar o tempo de
Tech), nos Estados no dispositivo. Esse 1 conservação de frangos,
Unidos, estão utilizando processo já era Dispositivo queijo, carnes e
para desenvolver conhecido, o que os de polímeros nesse demonstra derivados. Professora da
geração de
geradores capazes de pesquisadores liderados processo mas também Universidade Federal
eletricidade ao
recarregar celulares e pelo professor Zhong Lin tecidos e papel. Desde deslizar dois de Viçosa (UFV), de
fazer funcionar sensores Wang inovaram foi na o início dos estudos, materiais Minas Gerais, ela
autoalimentados. Eles forma de separação dos a equipe já conseguiu desenvolveu um filme
se utilizam da tribologia, dois materiais que um aumento de 100 mil plástico com polímero
ciência que estuda o provoca um melhor vezes na densidade de celulose e camadas de
atrito, o desgaste e a aproveitamento do fluxo elétrica dos geradores isotiocianato de alila,
lubrificação. Os da corrente elétrica. triboelétricos. O estudo como antimicrobiano.
geradores triboelétricos Eles estão utilizando foi publicado na revista Os nanotubos servem
que eles estão principalmente folhas ACS Nano, de novembro. para reforçar a
embalagem. “Utilizamos
o isotiocianato contra
vários microrganismos,
danosos aos alimentos”,
diz Marali. Para testar a
eficiência da embalagem,
ela inoculou a bactéria
Salmonella choleraesuis
na carne de frango
cozido e desfiado. “Os
resultados foram bons
com o frango embalado
durante 40 dias.”

Jovens infratores distinguem o certo do errado


Jovens infratores internados em centros longo de quase um ano (Frontiers in dáveis (um pai com um bebê no colo),
socioeducativos às vezes exibem indife- Psychiatry, novembro). “Esses jovens ti- neutras (um livro sobre uma mesa) ou
rença ao sofrimento alheio e desprezo às nham maturidade moral e sabiam distin- desagradáveis (pessoas mutiladas). Hou-
regras sociais, mas eles sabem – ou apa- guir o certo do errado”, diz Daniel Martins ve uma correlação entre o grau de frieza
rentam saber – diferenciar o certo do de Barros, psiquiatra da Universidade de medido no teste psicológico e a reação
errado. Um grupo de psiquiatras e psicó- São Paulo. “Mas não podemos confirmar emocional avaliada pelo teste fisiológico.
logos de São Paulo chegou a essa con- se esse conhecimento é original ou se Quanto mais a frieza e a indiferença dos
clusão depois de submeter 30 internos eles apenas o reproduziam porque tinham participantes se aproximavam das de
da Fundação Casa (antiga Febem), com ouvido alguém dizer.” Os adolescentes alguém com um quadro clássico de psi-
idade entre 18 e 21 anos, a testes psico- passaram também por um teste que mede copatia, menos eles sentiam o impacto
lógicos que avaliam o grau de psicopatia a atividade elétrica da pele e avalia a das imagens inquietantes, de conteúdo
e a capacidade de julgamento moral, ao resposta emocional ao ver imagens agra- afetivo negativo.

14 | janeiro DE 2014
A identidade dos vinhos
Um estudo sobre Rio Grande do Sul.
antocianinas – A concentração total
complementando as de antocianinas,
análises de isótopos eles verificaram, pode
– pode dificultar a variar de acordo com
falsificação de vinhos a origem geográfica,
e sucos de uva. o tipo de uva e o ano da
Antocianinas são safra (Food Chemistry,
pigmentos responsáveis fevereiro 2014).
pela variedade de cores Pode haver diferenças
em frutos, flores e folhas, mesmo dentro de uma
variando do vermelho- variedade: as uvas
-alaranjado ao azul – Cabernet Sauvignon
esses pigmentos, com cultivadas em Bento
os taninos pigmentados, Gonçalves, no Rio Grande
dão a cor avermelhada do Sul, apresentaram
aos vinhos tintos. uma concentração
Karina Fraige e Emanuel levemente maior do que
Carrilho, da Universidade as de São Carlos, em São
2 de São Paulo (USP), Paulo. O resultado mais
Lagoa da e Edenir Pereira-Filho, impressionante foi que
Velha: pinturas da Universidade Federal o teor de antocianinas
Arqueologia na Bahia rupestres agora
examinadas
de São Carlos (UFSCar), da variedade híbrida
examinaram por Maximo é cerca de
Por meio de escavação animais e vegetais. cromatografia líquida 10 vezes mais alto que o
iniciada em novembro Na primeira etapa e espectrometria de das outras variedades. As
do ano passado no do projeto, os massas os níveis de uvas Maximo, cultivadas
sítio arqueológico pesquisadores 20 antocianinas nas uvas mais intensamente no
Lagoa da Velha, no mapearam 67 sítios de de três variedades de Brasil, apresentam uma
município de Morro pinturas rupestres, onde uvas viníferas – Syrah, casca mais avermelhada
do Chapéu, na Bahia, encontraram objetos Cabernet Sauvignon e que as dos outros tipos,
arqueólogos e lascados que podem dar Merlot – e uma híbrida de ampliando seu potencial
antropólogos esperam novas pistas sobre os duas espécies, a Maximo, de uso na fabricação
entender melhor hábitos dos povos coletadas de vinhedos de sucos com alto
como viviam os antigos daquela região. de São Paulo, Bahia e poder antioxidante.
habitantes daquela A segunda etapa,
região há milhares de lançada em julho do
fotos 1 Inertia Films /Georgia Tech 2 SecultBA  3 eduardo cesar  ilustraçãO  daniel bueno

anos. As escavações ano passado, prevê,


integram um programa além das escavações,
de pesquisa e manejo a identificação e o
de sítios de arte rupestre estudo das pinturas
da Chapada Diamantina, e gravuras rupestres
realizado pelo Instituto encontradas.
do Patrimônio Artístico O sítio de Lagoa
e Cultural em parceria da Velha faz parte
com o Departamento da mesma formação
de Antropologia da geológica que abriga
Universidade Federal da a serra das Paridas,
Bahia. Originária de em Lençóis, onde os
bacia sedimentar, com pesquisadores já haviam
1,6 bilhão de anos, a encontrado pinturas
Chapada Diamantina rupestres de animais, Teste apurado:
é uma das mais ricas vegetais, formas teor de
antocianinas
regiões do Brasil em geométricas e humanas,
diferencia as
cavernas, pinturas feitas com pigmentos variedades
rupestres e fósseis vermelhos e amarelos. de vinhos 3

PESQUISA FAPESP 215 | 15


capa

O último ato
da favorita do
imperador
Marcos Pivetta

16 | janeiro DE 2014
Imagens em 3D
fotos 1 eduardo cesar 2 iugiro kuroki

revelam os
segredos da
múmia de uma
cantora-
-sacerdotisa de
Esquife de
Sha-amun-em-su,
cantora-sacerdotisa
2.800 anos,
do templo de Amon
e tomografia por
estrela da coleção
raios X de sua
múmia: proteção egípcia do Museu
na garganta para
preservar a voz Nacional

U
m livro por uma múmia. A troca foi
boa para dom Pedro II, estudioso da
cultura do antigo Egito. O impera-
dor deu uma obra sobre o Brasil e,
durante sua segunda viagem à terra
dos faraós entre 1876 e 1877, recebeu de presen-
te do quediva Ismail, então soberano local, um
esquife lacrado. Dentro do caixão de madeira
estucada e colorida havia a múmia de uma can-
tora-sacerdotisa que entoava cânticos sagrados
no templo dedicado ao deus Amon, em Karnak,
nos arredores de Tebas (atual Luxor). Essa mu-
lher morreu com cerca de 50 anos durante a XXII
dinastia, por volta de 750 a.C. O ataúde de Sha-
-amun-em-su, nome da cantora que significa
“os campos verdejantes de Amon”, permaneceu
no gabinete de Pedro II no palácio imperial da
Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro, até 1889.
Era um dos xodós do monarca, que, reza a lenda,
trocaria até algumas palavras com o esquife. Com
a proclamação da República, a múmia foi incor-
porada à coleção egípcia do Museu Nacional, que,
desde 1892, ocupa a antiga residência da família

PESQUISA FAPESP 215 | 17


real brasileira, hoje pertencente à Universidade te a XXII dinastia. Meresamun, que quer dizer
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Amon a ama”, foi uma quase contemporânea de
Mesmo sem nunca ter sido aberto desde que Sha-amun-em-su. Feito num estilo similar ao do
virou a morada final de Sha-amun-em-su, o es- caixão de sua colega de ofício que foi parar no Rio
quife se tornou nos últimos anos uma fonte pre- de Janeiro, o esquife hoje em poder do acervo do
ciosa de informações sobre como eram os hábitos Instituto de Estudos Orientais da Universidade
funerários adotados pelos egípcios para garantir de Chicago também nunca foi violado. Em seu
uma boa existência após a morte para suas can- interior há o corpo de uma jovem que morreu por
toras-sacerdotisas. volta dos 30 anos. Uma tomografia realizada no
Com o auxílio de exames de tomografia com- final de 2008 revelou que a boca e o pescoço da
putadorizada por raios X, que permitem ver em cantora estão revestidos com chumaços do que
três dimensões as estruturas internas preservadas parece ser terra fixada com algum tipo de ata-
por 2.800 anos no interior do caixão, a equipe do dura. Qualquer semelhança com a proteção no
arqueólogo Antonio Brancaglion Junior, curador pescoço de Sha-amun-em-su não deve ter sido
da coleção egípcia do Museu Nacional, descobriu mera coincidência. Brancaglion suspeita que a
recentemente que a garganta da cantora parece bandagem na região das cordas vocais presente
estar revestida por uma bandagem com resina. nas duas cantoras pode denotar um padrão espe-
Aparentemente os responsáveis pelo processo de cífico de mumificação para as mulheres respon-
mumificação de Sha-amun-em-su se preocupa- sáveis pela música no templo de Amon.
ram em proteger uma região vital para alguém Embora não pertencessem a famílias de nobres,
que soltava a voz em rituais sacros, habilidade as cantoras-sacerdotisas desse lugar sagrado vi-
que, de acordo com a religião dos antigos egípcios, nham de uma elite local, uma espécie de classe
também lhe seria útil no além. “Há pouquíssimas média alta. Em geral, aprendiam sua arte com as
múmias de cantoras no mundo, ainda mais dentro mães e não raro uma família fornecia sucessivas
de um caixão lacrado”, diz Brancaglion. “Outra gerações de cantoras. Mesmo não sendo neces-
que existe está em Chicago e também parece ter sariamente virgens, eram vistas como extrema-
uma proteção na garganta.” mente puras – a ponto de poderem exercer seu
O arqueólogo faz referência a Meresamun, tam- dom no interior de um edifício tão importante
bém cantora-sacerdotisa do templo de Amon, a e simbólico como o dedicado ao culto de Amon.
principal divindade egípcia naquele período, que Nas tomografias realizadas em Sha-amun-em-
viveu por volta de 800 a.C., igualmente duran- -su, feitas pelo radiologista Iugiro Kuroki sob

18 | janeiro DE 2014
1 Montagem com
imagens do esquife,
da múmia e do
esqueleto da cantora

2 Múmias de gatos ao
lado de suas respectivas
ossadas reproduzidas
por uma impressora 3D:
tomógrafo e escâner a
1 serviço da egiptologia

orientação da paleopatologista Sheila Mendon- conteúdo interno constituído de um material


ça, da Fiocruz, numa clínica particular do Rio diferente: ossos, pedras, metais e, no caso de mú-
de Janeiro, também aparecem amuletos abriga- mias, até as tiras de linho usadas para proteger
dos dentro do caixão, inclusive o escaravelho- um corpo embalsamado. “Podemos desenfaixar
-coração, um símbolo ligado à ressurreição dos virtualmente uma múmia sem produzir nenhum
mortos. Composto por uma pedra verde ovalada dano ao material analisado”, afirma Jorge Lopes,
encaixada em uma placa de ouro que, como um coordenador do Núcleo de Experimentação Tri-
pingente, se prende a um cordão igualmente dou- dimensional (Next) da Pontifícia Universidade
rado, o escaravelho traz o nome da múmia escri- Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e pesquisa-
to em hieroglifos. Era colocado sobre o coração
da múmia ou no lugar dele caso o órgão tivesse
sido retirado no processo de embalsamamento.
“O coração era visto pelos antigos egípcios como
o lugar da inteligência e das emoções”, diz Bran-
caglion, também professor de letras orientais na
pós-graduação da Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo
(FFLCH-USP). Entre as revelações anatômicas
obtidas com as imagens de raios X chamou a
atenção uma curiosidade odontológica: a can-
tora tinha todos os dentes, com exceção de um.

Desenfaixar virtualmente
fotos  1 Simone Belmonte 2 Jorge Lopes

Amplamente usada na medicina para visualizar


ossos e tecidos moles sem a necessidade de fazer
uma incisão no paciente, a tomografia computa-
dorizada permite igualmente que os arqueólogos
e os antropólogos físicos enxerguem o interior
de um objeto de forma não destrutiva ou invasi-
va. Em função de regulagens feitas no aparelho,
cada rodada da tomografia pode destacar um 2

PESQUISA FAPESP 215 | 19


dor do Instituto Nacional
de Tecnologia (INT). “Ou
ainda mostrar o tamanho
do corpo embalsamado
em relação às dimensões
do caixão.”
Parceiro frequente dos
trabalhos feitos pela equi-
pe de Brancaglion, Lopes
coordenou a produção das
tomografias e a realização
de escaneamentos tridi-
mensionais do esquife de
Sha-amun-em-su e de ou-
tras peças da coleção egíp-
cia, além de objetos de ou-
tros setores do Museu Na-
cional, como dinossauros
e aves pré-históricas abri-
gados na seção de paleon-
tologia. Se a tomografia de
raios X é capaz de revelar 1
as entranhas de seres ou
objetos, o escaneamento
3D, que emite feixes de la-
ser ou de luz branca, consegue reproduzir com ri- humana há 2.800 anos. “A impressão 3D usa o
queza de detalhes os contornos de uma superfície. mesmo conceito empregado na construção das
Ambas as técnicas geram arquivos com dados pirâmides ou de uma casa”, afirma Lopes. “Um
Detalhe de caixão tridimensionais, as chamadas coordenadas or- objeto é construído por meio da adição de novas
de aproximadamente togonais, que podem ser usados para alimentar camadas às antigas, bloco a bloco. O princípio é
1.000 a.C. do acervo
uma impressora 3D. Assim é possível confeccio- velho. Apenas a tecnologia é moderna e mais pre-
do Museu Nacional
e viagem de Pedro II nar uma réplica em escala menor do esqueleto cisa.” Ao lado de Brancaglion, do paleontólogo
ao Egito: coleção de Sha-amun-em-su e das feições externas do Sergio Alex Azevedo, também do Museu Nacio-
da instituição tem colorido ataúde que o protege da curiosidade nal, e do médico Heron Werner Jr., Lopes é um
cerca de 700 peças
dos editores do livro Tecnologias 3D:
desvendando o passado, modelando
o futuro, que acaba de ser lançado.

Preservação digital
Produzir imagens tridimensionais
das peças que compõem uma cole-
ção de biologia ou de história natu-
ral virou um procedimento quase
obrigatório nos grandes museus do
mundo. Para pesquisadores das mais
diversas áreas, a existência de arqui-
vos digitais com as formas internas
e externas de um sarcófago do anti-
go Egito, de uma ossada humana da
Idade da Pedra, de um esqueleto de
dinossauro jurássico ou até de uma
nova espécie de besouro recém-des-
coberta representa um novo modo de
estudo e análise. As imagens e mo-
delos em 3D também são uma ferra-
menta de ensino, divulgação pública
e de preservação, ainda que digital,
das características de um objeto ou
2 monunento. “Houve um grande boom

20 | janeiro DE 2014
do emprego dessa tecnologia nos vam devorar colheitas.
últimos anos”, diz Lopes. “Os gatos eram vistos
Em novembro do ano passado, o como membros da fa-
Instituto Smithsonian, sediado em mília”, conta Branca-
Imagens de Washington, lançou uma iniciati- glion. “Quem os matas-
va chamada Smithsonian X 3D. Em se podia ser condenado
raios X revelam sua página na internet, a institui- à morte.” A preserva-
ção americana – que congrega 19 ção de felinos para uma
o interior de museus, 9 centros de pesquisa e o vida no além era uma
caixões e de Zoológico Nacional – disponibiliza prática tão dissemi-
ferramentas para visualizar e explo- nada entre os antigos
múmias e rar imagens tridimensionais de pe- egípcios que, no final
ças escaneadas de suas coleções, um do século XIX, uma
escaneamento enorme repositório com 137 milhões expedição encontrou
de objetos, obras de arte e exempla- cerca de 300 mil mú-
tridimensional res de diferentes espécies. Também mias de gato em apenas
reproduz a é possível baixar arquivos com mo- um sítio funerário, em
delagens e imprimir uma peça numa Beni-Hassan, na mar-
superfície de impressora 3D. Uma organização gem oriental do Nilo,
sem fins lucrativos sediada na Ca- centro do país. Vistos
peças e lifórnia, a CyArk, tem um grande como sem importân-
projeto global de escaneamento de cia por seus descobri-
monumentos monumentos do planeta que cor- dores modernos, os
rem risco de serem destruídos ou milhares de corpos de
são considerados patrimônios culturais da hu- felinos embalsamados
manidade. Locais como a antiga cidade maia de foram vendidos para
Chichen Itza, no México, ou o teatro Opera House uma empresa inglesa
4
em Sidney, na Austrália, fazem parte de sua lista que os teria usado co-
de construções que estão sendo escaneadas para mo fertilizante.
a posteridade.
O esquife da cantora é a peça mais chamati- Compra em leilão
va da coleção do Museu Nacional, mas não é a Apesar de pequena quando comparada aos acer-
única que já foi analisada por meio dessas novas vos de instituições da Europa, dos Estados Unidos
tecnologias. O Museu Nacional tem múmias de e do próprio Museu do Cairo, que conta com 120
gato, uma paixão egípcia. Algumas também já mil peças em suas dependências, a coleção egíp-
estão tomografadas e escaneadas. Ocultos pelas cia do Museu Nacional de aproximadamente 700
bandagens, os esqueletos de alguns desses feli- objetos funerários é a mais antiga e importante da
nos foram até reproduzidos por impressoras 3D. América do Sul. “Quase todo mundo pensa que ela
As novas tecnologias ajudaram, ainda, a enterrar começou com dom Pedro II, mas seu início se deu
de vez uma dúvida sobre uma peça de natureza com dom Pedro I”, conta Brancaglion. A coleção
obscura da coleção. Uma múmia que estava cata- começou a ser formada em 1826, quando Pedro
logada como pertencente a um humano recém- I adquiriu um grande lote de objetos do comer-
-nascido era, na verdade, de um gato. “Olhando ciante italiano Nicolau Fiengo. Esses lotes eram
bem a múmia, até dava para desconfiar de que a recompensa de pilhagens feitas por ocidentais
fotos 1 eduardo cesar 2 biblioteca nacional  3 e 4 brancaglion/facuri

não era de um bebê. Mas só tivemos certeza de- nos monumentos do antigo Egito. Oriundas basi-
pois da tomografia”, diz Brancaglion. A dúvida camente de tumbas de funcionários do império,
poderia ter sido elucidada antes com a violação que integravam uma espécie de classe média no
da múmia, mas, obviamente, essa estratégia de antigo Egito, as peças hoje no palácio da Quinta
trabalho estava fora de cogitação. da Boa Vista tinham originalmente como desti-
Sem exagero, os estudiosos estimam que mi- no final Buenos Aires, onde deveriam ter sido
lhões de felinos foram embalsamados, enrolados vendidas. Mas o primeiro monarca do império
em tiras de pano e sepultados de forma semelhan- brasileiro conseguiu arrematá-las em um leilão
te aos humanos no antigo Egito. Animal sagrado no Rio de Janeiro, durante uma escala em terras
para os antigos egípcios, o gato representava Bas- fluminenses do mercador europeu.
3
tet, a deusa da fertilidade. Havia também razões A maioria das peças é proveniente provavel-
práticas para o homem dedicado à agricultura mente da necrópole de Tebas. Além de Sha-
Estátuas de bronze
gostar desse ágil companheiro de quatro patas. -amum-em-su, há mais três múmias inteiras de
do Museu Nacional:
deus Amon (no alto) Um felino podia espantar ou até dar um fim em adultos, duas de crianças e partes embalsamadas
e faraó Menkheperre serpentes e sobretudo em ratos, que ameaça- de corpos humanos. A múmia de Kherima, uma

PESQUISA FAPESP 215 | 21


jovem que viveu no período de dominação ro-
mana do Egito entre os séculos I e II d.C., é con-
siderada rara. Cada braço e perna foi enfaixado
isoladamente, separado em relação ao resto do
corpo. “Há apenas nove múmias conhecidas no
mundo que receberam esse tratamento externo”,
diz Brancaglion.
A coleção também conta com tampas de cai-
xão, máscaras, amuletos, vasos e estátuas. Só
de um tipo de estatueta funerária, os shabtis,
há mais de 200 exemplares, que estimularam
uma ex-aluna de mestrado de Brancaglion a
estudar esses objetos em museus do exterior
(ver texto abaixo). Outra peça singular é a fi-
gura que aparece em uma estatueta de bronze
de 18,5 centímetros de altura, que se encontra
parcialmente destruída. Em seu saiote existe um
hieroglifo que contém a única menção conhe-
Estela de cida ao fato de o sacerdote Menkheperre, que
Senusret-Iunefer, viveu entre os séculos XI e X a.C., ter exercido
do final do século o poder como faraó. “Por isso, a imagem mistura
XIX a.C.: menção
mais antiga em
atributos reais e sacerdotais”, afirma Cintia Fa-
fonte egípcia do curi, que faz mestrado em arqueologia egípcia
termo asiático no Museu Nacional.

Servidores a serviço da múmia no além


A crença na vida eterna após a morte madeira ou pedra, muitas vezes com pessoa fazia um só shabti para ser
é um dos traços definidores da religião aspecto semelhante ao de uma enterrado com ela. A estatueta era
no antigo Egito e estimulou a adoção minimúmia. “Demoraram uns 500 anos como se fosse uma cópia dela e iria
de muitas práticas e amuletos para que os faraós passassem a fazer trabalhar em seu lugar após a sua
funerários que tinham como objetivo suas estatuetas funerárias”, diz a morte”, explica Cintia.
final permitir a ressurreição e tornar arqueóloga paulista Cintia Alfieri Gama Quando os faraós passaram a
mais leve uma segunda existência. Rolland, que faz doutorado sobre os adotar essa prática funerária, o
Os shabtis, estatuetas de 10 a 60 shabtis dos faraós na Escola Prática de número de shabtis em suas sepulturas
centímetros que dividiam as Altos Estudos da Sorbonne, em Paris. se multiplicou e as estatuetas
sepulturas com as múmias, são um Por que os homens mais poderosos assumiram o caráter de servidores do
dos artefatos mais representativos do antigo Egito, que não precisavam falecido em vez de ser uma réplica do
dessas crenças, ainda que envoltos trabalhar em vida, começaram a se morto. Alguns faraós tinham um shabti
em mistérios. Sua função era bem preocupar em ser enterrados com por dia do ano – a cada jornada no
conhecida: trabalhar no lugar do um séquito de servidores-estatuetas além um servidor diferente assumiria
morto no além, mais especificamente destinados a laborar em seu lugar no o trabalho que originalmente deveria
arar os campos sagrados de Osíris, além? Essa é a questão central que ser feito por seu senhor – e até
o deus da vida após a morte e do Cintia tentará responder em sua tese estatuetas-capatazes, encarregadas
mundo subterrâneo. depois de ter estudado no mestrado a de zelar pelo cumprimento desse
Diferentemente de boa parte dos coleção de 244 shabtis (originários de esquema de trabalho. Na tumba de
hábitos religiosos no antigo Egito, que túmulos de pessoas comuns e do faraó Tutancâmon, o famoso faraó-menino,
costumam surgir primeiramente entre Séthy I) do Museu Nacional. Durante o foram encontrados 417 shabtis de
os faraós e depois se disseminam entre Novo Império, entre os séculos XVI a.C. madeira (com ouro), faiança,
o povo, a confecção de shabtis fez o e XI a.C., período de esplendor do poder alabastro, granito e quartzito. Até
caminho inverso. Por volta de 2.000 dos grandes faraós, a quantidade de agora Cintia analisou 1.507 dessas
a.C., a elite começou a encomendar shabtis enterrados com as múmias dos estatuetas achadas em tumbas de
a artesãos a construção dessas ricos e poderosos aumentou faraós, que estão em museus da
pequenas figuras, feitas de barro, significativamente. “Originalmente, uma Europa, dos Estados Unidos e do Egito.

22 | janeiro DE 2014
Há ainda no acervo da instituição fluminen- costuradas pela equipe do Museu Nacional. Ao
se estelas funerárias, um tipo de monolito que lado da historiadora Violeta Pereyra, professora
contém desenhos e inscrições. Num desses blo- da Universidade de Buenos Aires e diretora da
cos líticos, conhecido como estela de Haunefer, missão arqueológica argentina em Luxor, Bran-
esculpido em rocha calcária entre 1300 e 1200 caglion deve visitar ainda neste ano a tumba de
a.C. na antiga cidade de Ábidos (Egito central), Neferhotep, um alto funcionário do antigo im-
há uma inscrição que é a primeira alusão co- pério egípcio que foi contemporâneo do faraó
nhecida a um ofício muito específico do antigo Tutancâmon e morreu por volta de 1350 a.C. Si-
Egito: o de “fabricante das colchas listradas” do tuado perto do Vale dos Reis, numa área que faz
faraó. Na estela de Senusret-Iunefer, também de parte da grande necrópole de Tebas, o túmulo é
Ábidos mas do final do século XIX a.C., aparece um dos maiores feitos por um indivíduo que não
o registro mais antigo do termo asiático numa tinha sangue real nem era nobre. Após o óbito de
fonte egípcia. seu construtor chegou a ser usado como tumba
Além de investir em trabalhos que empregam por outros indivíduos. Nos últimos dois sécu-
tecnologias modernas para estudar o mundo an- los, foi explorado por equipes de arqueólogos
tigo dos egípcios, Brancaglion se dedica a for- da França, da Inglaterra e dos Estados Unidos e
mar mestrandos e doutorandos para a egipto- foi também palco de incêndios.
logia, uma área de pesquisa em que o país não Desde 1999, Violeta tem a “chave” da tumba
tem tradição. Nesse sentido, são úteis as parce- e controla o acesso ao local. “Para ser sincera,
rias e iniciativas internacionais que estão sendo consegui a tumba porque ninguém a queria. Ela
estava toda mexida e suas pinturas escurecidas”,
afirma Violeta, que, ao lado de colegas alemães,
toca um trabalho pioneiro de restauração no in-
terior do monumento. A fuligem que cobria parte
dos hieroglifos e das pinturas das paredes, sobre-
tudo um mural com a representação do templo
de Amon em Karnak, vem sendo removida aos
poucos, nos últimos anos, com o auxílio de um
aparelho de laser. É a primeira vez que as autori-
dades egípcias autorizam o uso dessa tecnologia
em um processo de restauro de monumentos an-
Shabtis do faraó tigos. “Precisamos de um arqueólogo em nosso
Tutancâmon grupo e convidamos o Brancaglion”, diz Violeta.
(à dir.) e Estudiosa das populações pré-históricas bra-
exemplares de
sileiras, a arqueóloga e bioantropóloga Claudia
estatuetas
funerárias do Rodrigues-Carvalho, diretora do Museu Nacio-
Museu Nacional: nal, iniciou em 2009 um projeto de pesquisa
para todos os interessante com a missão arqueológica italia-
bolsos e classes
na em Luxor: entender a ação dos ladrões que
pilharam a grandiosa tumba de Harwa, situa-
da na necrópole de El-Assasif, perto de Tebas.
Esse personagem enigmático foi um alto fun-
cionário imperial que, segundo novas interpre-
tações, pode ter sido o governador de fato de
todo o sul do Egito no início do século VII a.C.
Durante a XXV dinastia, a região foi conquis-
tada pelos núbios e houve a ascensão ao poder
dos chamados faraós negros. Posteriormente,
a tumba foi muito usada, ao longo da história,
para abrigar novos sepultamentos. “Isso ocor-
reu durante muito tempo”, afirma Claudia, que
tentará estabelecer uma cronologia da ocupação
e da pilhagem do sepulcro.
Pilhar peças da antiga terra dos faraós foi uma
atividade que animou o colonialismo das grandes
potências e a ganância e a esperteza de alguns
indivíduos durante um bom tempo. Nada mais
natural que a ação dos usurpadores de relíquias
tenha virado hoje alvo de estudos. n

PESQUISA FAPESP 215 | 23


entrevista Ernst Hamburger

léo ramos
Um corajoso
cidadão paulistano
Mariluce Moura e Bruno de Pierrro

E
m 2 de dezembro passado a Câmara de Ve- físico e romancista inglês Charles Percy Snow
readores de São Paulo concedeu ao profes- (1905-1980) em Cambridge, Reino Unido, em
sor Ernst Wolfgang Hamburger o título de 1959. O trabalho do professor Hamburger na Es-
cidadão paulistano. Já não era sem tempo. tação Ciência e em relação a outros museus de
O garoto judeu que em 1936 chegou ao porto de ciência inscreve-se, observou Lafer, justamente
Santos com 3 anos de idade, parte de uma família nessa busca da sutura de um hiato pouco favorá-
que tratava de escapar a tempo do horror nazista vel ao desenvolvimento das sociedades humanas.
que varreria a Europa nos anos seguintes, vem Em sua fala emocionada após receber seu mais
contribuindo há mais de 50 anos com a produção novo diploma, o professor Hamburger insistiu IDADE 80 anos
do conhecimento, a educação e a divulgação da que estamos longe ainda do que o país precisa ESPECIALIDADE
ciência no Brasil, com os pés bem plantados na atingir no campo da educação e no da divulgação Física nuclear e
cidade que tornou sua de fato. Tanto que sequer da ciência. E com graça observou: “Estou com 80 educação científica
guarda memória de seus verdes anos na Alemanha. anos, até os 100 anos ainda tenho muito trabalho
FORMAÇÃO
Físico, com trabalhos importantes em física pela frente”. Na sequência, os trechos principais
Universidade de
nuclear, especialmente em espectroscopia nu- da entrevista que ele concedeu a Pesquisa FA-
São Paulo
clear, o professor Hamburger “teve papel funda- PESP cerca de três meses antes de se tornar por
(graduação), 1954
mental em mudar o rumo do Instituto de Física direito um cidadão de São Paulo.
University of
da Universidade de São Paulo (USP) na direção
Pittsburgh:
de se preocupar com a educação e em disseminar Professor, para começar, quais de seus traba-
doutorado (1959)
as informações resultantes da pesquisa científica lhos em física lhe parecem mais importantes?
e pós-doutorado
para a sociedade” , destacou o professor José Gol- Fiz vários trabalhos de que gosto muito, mas nada
(1967)
demberg, outro físico atuante na política científica de excepcionalmente importante, ao contrário de
brasileira, na saudação dirigida ao colega na ceri- alguns colegas. Fiz investigações da estrutura nu- INSTITUIÇÃO
mônia na Câmara de Vereadores. E foi aí mesmo clear, quer dizer, queria saber do que são formados Instituto de Física
que se mostrou “uma pessoa corajosa”, capaz de os núcleos atômicos. Queria entender a relação da USP
enfrentar as resistências, “os interesses criados” entre sucessivos núcleos na tabela periódica, ou
PRODUÇÃO
que todo esforço de transformação traz à cena. seja, como vão se formando os diferentes compos-
CIENTÍFICA
Cientista, o professor Hamburger muniu-se de tos da tabela. O berílio, por exemplo, é um átomo
35 artigos
sensibilidade para trabalhar também no sentido de lítio mais um próton. Isso é o que chamamos
publicados em
da superação do persistente hiato entre o co- de espectroscopia nuclear. Comecei meu traba-
revistas indexadas
nhecimento científico e aquele produzido pelas lho, ainda aluno de graduação, como estagiário na
10 livros publicados
humanidades, segundo o professor Celso Lafer, montagem do acelerador Van der Graaff, aqui na
7 orientações de
presidente da FAPESP, que igualmente o saudou USP, no final dos anos 1950. Era bolsista – aliás,
doutorado
na cerimônia na Câmara, recorrendo ao tema da sem bolsa. Fui da primeira turma de bolsistas de
conferência “As duas culturas”, proferida pelo iniciação científica do CNPq e, como o sistema

24  z  janeiro DE 2014


ainda estava sendo organizado, a bolsa estava entre as 20 melhores. Isso, graças mas produzimos também, através deles,
demorou 18 meses para chegar. a um professor americano que trabalhou o lítio 8, que é instável. Assim consegui-
aqui a convite do Sala e depois voltou pa- mos entender melhor como a estrutura
O senhor ficou esperando um ano e meio ra Pittsburgh. Foi mérito dele eu e Amé- do lítio 7 – que é o lítio 6 com um nêutron
pela bolsa? Trabalhando de graça? lia conseguirmos a bolsa e irmos para lá. a mais – está ligada à estrutura do lítio 6.
Ganhando muita experiência. O laborató- Casamos em 1956 e viajamos. Já namorá- Isso abria algumas questões: é simples-
rio era dirigido pelo professor Oscar Sala, vamos havia um ano. Éramos colegas no mente um nêutron a mais circulando ali
os trabalhos eram muito interessantes e curso de física da Faculdade de Filosofia. no núcleo? Como essa partícula circula?
as turmas eram então muito pequenas. A Tirando esse nêutron, o que tem a mais é
nossa, que se formou em 1954, tinha 12 Ambos fizeram o doutoramento em Pit- o puro estado do lítio 6 ou não é?
pessoas. A primeira turma foi a de 1938, tsburgh?
mesmo ano em que Schemberg se formou Ela fez o mestrado e eu fiz o doutorado. Sua intenção era identificar como circula-
na Politécnica. Nesta sala em que nos en- Amélia também trabalhava com física va especificamente esse nêutron a mais?
contramos, a propósito, estão todos os nuclear. No fim, já grávida, ela trabalha- Circular é uma palavra ligada ao modo
acervos documentais de Mário Schem- va com os dados colhidos no acelerador, de ver clássico. Na mecânica quântica,
berg: textos em determinadas caixas, fo- mas não ia mais lá. ele preenche todo o espaço, não é exa-
tografias em outras. Estou continuando o tamente uma trajetória. Eu quero en-
trabalho que Amélia estava fazendo, que é Sua tese de doutorado foi ligada a es- tender a estrutura do lítio 7, com 7 par-
tanto o acervo do Instituto de Física, an- sa experimentação com física nuclear, tículas, comparada com o lítio 6, com 6
terior à vinda de Schemberg partículas. Entender até que
para essa unidade – naquela ponto a partícula a mais que
época, Departamento de Fí- se acrescenta modifica a es-
sica da Faculdade de Filosofia trutura do lítio 6.
– como o acervo dele mesmo,
que a família passou aos cui- E qual foi a sua conclusão?
dados dela aqui no instituto. Ela confirmou o modelo mais
simples da física nuclear para
Como o senhor conseguiu
O Sala estava
núcleos leves, que é o mode-
seu estágio? lo de camadas, de partículas
Naqueles anos éramos pou- independentes. Numa descri-
cos, todo mundo se conhe-
cia, era um ambiente muito
começando um ção muito aproximada, não
exata, você pode imaginar

laboratório onde
familiar. No primeiro ano, co- que cada partícula dentro
nheci um aluno que estava se das sete partículas ali está se
formando, amigo da família, e movendo por um campo de
ele me contou que o Sala esta-
va começando um laboratório
eu talvez conseguisse força produzido pelas outras
seis livremente. Uma parte

um trabalho
onde talvez eu conseguisse do tempo o núcleo de lítio 7
um trabalho. Não havia ainda tem o núcleo de lítio 6 den-
nada na Cidade Universitária, tro dele num estado excita-
o laboratório era na avenida do, e não num estado funda-
Brigadeiro Luiz Antônio, no centro da não? Foi nesse momento que o senhor mental, e podemos quantificar isso. En-
cidade. Mas em 1951 ou 1952 começou a começou a trabalhar com reações de tão você constrói a tabela periódica dos
construção do acelerador Van der Graaff transferência de núcleo? núcleos, um após o outro, comparando
e passamos para a Cidade Universitária, Na prática foi. Eu tinha feito um pouco um com o outro. Mais tarde, comparan-
nesse mesmo local em que conversamos. aqui em São Paulo, mas na maior parte do os núcleos mais pesados, comparei o
Aqui tinha um laboratório anterior, do do tempo em que fui estudante o acele- chumbo 206 e o 207, o 207 e o 208, e o
professor Marcello Damy de Souza San- rador estava sendo construído. Começou 208 e o 209.
tos, que abrigava o acelerador Betatron. a funcionar em 1955. Então, as primeiras
experiências completas que fiz foi em Ainda estava em Pittsburgh?
Quando o senhor se formou, foi para os Pittsburgh, com uma máquina diferente, Eu voltara ao Brasil e depois tinha retor-
Estados Unidos. um cíclotron, em via de se tornar obso- nado para Pittsburgh. Quando houve o
Havia por aqui uma crise aguda e, quando leta, mas capaz ainda de produzir resul- golpe de 1964, todo mundo na Faculda-
Jânio Quadros foi eleito governador, os tados interessantes, significativos. A tese de de Filosofia ficou muito desanima-
salários caíram e muita gente foi embora de doutorado foi sobre reações nucleares do porque alguns fundadores da Física
das universidades. Em 1956 fui para os de deutério, mais precisamente de dêu- estavam sendo expulsos. Voltamos para
Estados Unidos fazer doutoramento em terons acelerados pelo cíclotron, incidin- Pittsburgh, eu numa posição de profes-
Pittsburgh, que não é uma grande uni- do sobre alvos de lítio. O lítio tem dois sor assistente visitante, enquanto Amélia
versidade, mas na área de física nuclear isótopos, lítio 6 e lítio 7, que são estáveis, foi trabalhar na Carnegie Mellon e mu-

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dou de campo: passou a trabalhar em E quais são as principais contribuições Gostaria de ouvi-lo comentar um episó-
física de estado sólido, uma passagem propiciadas por essas experiências? dio dos anos 1960, considerado polêmico,
interessante. A principal é exatamente a espectrosco- quando o senhor produziu alvo gasoso
pia nuclear, que é conhecer a estrutura de trítio, um isótopo de hidrogênio que é
Quando vocês voltaram, já tinham dos núcleos em termos dos seus compo- radioativo. Na época a comunidade cien-
quantos filhos? nentes. Os primeiros modelos supunham tífica ficou um pouco preocupada. Foi o
Em 1960 nasceu Esther, em 1961 nasceu um movimento ao acaso dos nêutrons senhor quem fez questão de que o expe-
Sonia, em 1962, Carlos, em 1964, Vera, e prótons. Isso foi sendo refinado e se rimento fosse feito em São Paulo, não?
um atrás do outro – e olhe que a Amélia verificou que há camadas de nêutrons e O trítio era importado e o guardávamos
tinha bastante coisas a fazer. O caçula, prótons se formando. Foi possível pre- com certa segurança. Ele é usado para fa-
Fernando, nasceu em 1970. ver reações e usar essa informação na zer uma reação que produz nêutrons de
teoria da formação das estrelas e dos 14 milhões de volts, que são usados para
O senhor fez uma outra pesquisa com elementos numa hipótese tipo Big Bang, outras experiências. Comecei essa expe-
o isótopo de magnésio. por exemplo. riência com o professor Sala pouco antes
Sim, mas não era inovador, outros tra- de ir para os Estados Unidos. E quando
balhos desse tipo já eram feitos, no lítio, O senhor trabalhou também com raios voltei, não sabia mais onde estava o trí-
depois no carbono, depois no magnésio, cósmicos numa fase, não? tio, ele desapareceu, mas ninguém ficou
conforme o interesse dos resultados e a Mas aí eu fiquei bem no começo. E foi doente que tenhamos sabido. Também
disponibilidade dos alvos. O magnésio tem bem mais tarde, nos anos 1990. não era uma grande quantidade como
vários isótopos estáveis que se naquele acidente em Goiás,
pode usar como alvo, de for- com o césio 137, em 1987. Nas
ma similar ao lítio 6 e lítio 7, histórias antigas da física há
magnésio 24, 25 e 26, chumbo o caso de uma professora dos
207 e 208 e assim por diante. Estados Unidos que estava
sempre anêmica e não se sa-
Seu interesse era sempre a bia por quê. Na gaveta dela
estrutura do núcleo. havia uma fonte radioativa

Meu interesse era


Combinada com o que cha- da qual ela não sabia. Em Pit-
mamos de mecanismo de tsburgh, o professor Allen,
rea­ção. Temos que entender responsável pelo cíclotron,
como a reação nuclear se dá
para poder extrair as infor-
sempre a estrutura do perdeu parte da visão. No cí-
clotron tem uma câmara de

núcleo, combinada
mações características da- vácuo, mais ou menos do ta-
quele núcleo e as informa- manho de uma mesa, redon-
ções que são do modo de in- da, e as partículas são soltas
teração. Todos os núcleos são
excitáveis, mas uns são mais,
com o que chamamos no centro. Olhando pela ja-
nela na câmara, era possível

mecanismo de reação
outros são menos. Uns têm ver que havia uma luzinha
um estado que é facilmente fraca azul onde as partículas
excitado, então participa da circulavam, porque o vácuo
reação, outros não têm. Então não era perfeito e os nêu-
se tem que corrigir por todos esses fatores Na mesma época em que o professor trons batiam nos átomos do gás. Allen
para extrair daí o que é característico do Carlos Escobar estava indo para a Uni- ia lá, enfiava um pedaço de ferro aqui,
núcleo, e não da reação. camp trabalhar com raios cósmicos? outro ali, para ajustar. Estava sendo ir-
Exato. Ele trabalhou em colaboração com o radiado. Não ficou completamente cego,
Quem eram os físicos de fora do Bra- pessoal da Argentina no Observatório Pierre mas sua visão ficou muito prejudicada.
sil que estavam seguindo esse mesmo Auger, que era um experimento muito mais
campo? ambicioso e complexo. A proposta do pro- Como teve início seu interesse pela fí-
Havia centenas. O acelerador de Pitts- fessor Elly Silva, com quem trabalhei, era sica? Aliás, como foram os seus primei-
burgh era muito ativo, era um cíclotron fazer uma coisa que nós mesmos pudésse- ros anos?
de 15 milhões de elétron-volts. Havia ou- mos gerenciar, um contador que indicasse Vim para o Brasil com 3 anos e não me
tros. Em Princeton, por exemplo, havia a direção de onde vinha o raio cósmico. Fi- lembro de nada da viagem nem da minha
um, mas apesar de Princeton ser uma zemos um contador pequeno e depois aca- fase na Alemanha antes. Nasci em Berlim,
universidade muito melhor que Pitts- bamos ganhando dos italianos um aparelho em 1933, no ano que Hitler chegou ao po-
burgh, nesse campo em particular eles que eles não usavam mais. Nós o montamos der. Meu pai era funcionário público, juiz
não eram tão bons assim. Na Califórnia, no terreno do IAG [Instituto de Astronomia, de direito, e era ferido da Primeira Guerra
em Paris, em Londres, estavam outros. Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP] Mundial. Tinha lutado no exército alemão
Havia 10 ou 20 laboratórios fazendo esse numa cúpula de um antigo telescópio óp- e fora atingido por uma granada. Um bra-
tipo de coisa. tico, mas a coisa não continuou. ço fora amputado e o outro estava todo

pESQUISA FAPESP 215  z  27


esfrangalhado. Apesar disso, conseguiu nadas. Muita gente importante hoje foi O que o senhor idealizava que dava para
terminar os estudos de direito. Diferente- criança do Lar. No começo, todos judeus, fazer com a física?
mente de outros judeus, não foi imediata- depois foram sendo admitidas crianças Tendíamos a não nos entusiasmar com a
mente demitido porque era herói de guer- da região. Hoje, quase a totalidade das física nuclear por causa da bomba. Mas
ra. Acabou sendo demitido em setembro crianças não é judia, mas ainda existe o ela estava no cume da sua importância na
de 1935 e nesse momento decidiu sair da lar. Fica no Alto da Boa Vista. sociedade humana, então não foi estranho
Alemanha. O ano de 1936 era o da Olimpía- irmos para essa área. Moysés foi para a fí-
da de Berlim e meu pai calculou que, nessa Onde o senhor estudou em seus primei- sica teórica, eu para a física experimental.
fase, os alemães ainda estariam querendo ros anos paulistanos?
mostrar uma face civilizada às outras na- Meus pais queriam uma educação mais Quando o senhor voltou pela segunda
ções. Ele procurou emprego em outros europeia. Eu e meus irmãos fomos para vez dos Estados Unidos, em 1967, como
países, mas, como era aleijado, era muito a escola inglesa. Fiz primário e ginásio foi sua inserção no Instituto de Física?
difícil. Nos Estados Unidos, por exemplo, na Escola Britânica e no Ginásio Anglo- Ainda não se chamava Instituto de Física
não aceitavam. Quando estudante, meu pai -Paulistano, que ainda fica no Jardim e ainda pertencia à Faculdade de Filoso-
tinha sido membro de uma fraternidade Paulistano. Éramos quatro, três rapazes fia. Fiz o doutorado nos Estados Unidos
na faculdade de direito, das poucas que e uma moça. Eu era o caçula. Meu irmão e em 1962 fiz a livre-docência, que é o
aceitavam judeus, e tinha um colega dessa mais velho, Hugo Hamburger, era en- próximo passo, na USP. E em 1967 fiz o
época que havia emigrado para o Brasil, genheiro, se formou na Poli. Trabalhou concurso para titular, fui candidato único
casara com uma brasileira, e de fora esta- numa firma de engenharia e depois teve e entrei. Tinha 34 anos.
va vendo muito claramente,
já que tinham mais acesso às Entrou como professor de
notícias, que eles precisavam física experimental?
sair. Fomos então para a In- Sim, a cadeira que existia era
glaterra, onde minha tia já ti- do Marcello Damy, que tinha
nha ido e, de lá, tomamos um se aposentado, e era de física
navio para Santos. Chegamos geral e experimental. Incluía
em outubro de 1936. física nuclear e muitas outras

Meu pai era herói de


áreas da física. E a área de físi-
Toda a sua família conse- ca experimental era responsá-
guiu escapar do massacre vel por todas as aulas de física
dos judeus sob Hitler.
A família mais próxima, sim.
guerra, mas era judeu. para todos os alunos das car-
reiras de física, de química, de

Quando foi demitido,


Um primo do meu pai, que matemática, de biologia. Era
tinha se convertido ao cris- a cadeira maior por causa das
tianismo, era pastor protes- suas obrigações didáticas. Ha-
tante, ainda assim foi preso
e morto.
decidiu sair da via um acordo de que todos os
professores do instituto, de

Alemanha
diferentes departamentos, po-
Sua família instalou-se em deriam dar as aulas de outros
São Paulo... departamentos. Nisso o Ins-
Instala-se com a ajuda do tituto de Física se distinguiu.
luis lorch, que era esse médico amigo a própria. Minha irmã, Adelaide, fez a O que tentamos fazer então foi melhorar
do meu pai. E também sob os auspícios Escola de Sociologia e Política, era so- os laboratórios de física, porque a parte
dele se forma a Congregação Israelita cióloga. Migrou para os Estados Unidos, experimental e a parte teórica eram feitas
Paulista, a CIP. O emprego que meu pai casou, teve filhos lá e já faleceu. Meu ir- muito independentemente. O aluno não
conseguiu foi como secretário-executivo mão imediatamente mais velho, Stefan, sabia que a experiência que ele estava fa-
da CIP. lorch era o presidente. Minha ainda é vivo, mas já aposentado. zendo estava ligada a uma teoria. Estimu-
mãe, Lotte, era dona de casa, mas muito lei muito as experiências de demonstra-
ativa, e fundou com outra senhora, dona Como o senhor se interessou pela física? ção, aquelas em que não é necessário cada
Ida Hoffman, no Bom Retiro, um Lar de Depois que saí do Anglo-Paulistano, fui aluno fazer, mas que professor faz em aula
Crianças para ajudar imigrantes alemães aluno do Colégio Estadual Presidente para mostrar um efeito ou um fenômeno.
que estavam chegando em grande núme- Roosevelt. Tive uma amizade muito for- Isso torna as aulas mais interessantes e
ro, tinham que trabalhar e não tinham te com o Moysés Nussenzveig. Estudá- enriquece o cabedal dos alunos.
com quem deixar os filhos. Minha mãe vamos física juntos e nos interessamos
era diretora, mas, como era dona de casa, por física juntos. Ele não fez vestibular Nesse tempo, nos anos 1970 e 1980, o
não ficava lá presente e havia uma pes- porque ganhou uma bolsa para um cur- senhor levava adiante o trabalho de
soa responsável que dormia no Lar. Toda so na França, voltou depois e entrou no professor e, paralelamente, o de pes-
noite falava por telefone com dona Ida curso de física. Eu fiquei aqui e entrei quisador. Enquanto isso, o que Amélia
sobre cada uma das 60 crianças inter- no curso de física. estava fazendo?

28  z  janeiro DE 2014


Estava fazendo experiências também. Mas com a degradação de salários de de vista pedagógico era engajá-lo numa
Além disso, essa foi uma época de im- professores dos ensinos fundamental e pesquisa. A física é muito mal ensinada
plantação da pós-graduação. O curso médio, esse pessoal que se engajou nos quando é ensinada como uma coleção
de física tinha dois ramos: bacharelado, cursos de ginásio e científico foi para de fórmulas que você tem que aplicar.
voltado para pesquisa, e licenciatura, as faculdades... Me lembro de que, no ginásio do Estado,
voltada para o ensino médio e ensino de Ficavam algum tempo no colégio, mas tínhamos um professor de matemática
ciências. Não havia pós-graduação pa- quando começaram a surgir vagas na chamado Antônio Alves Cruz. Ele dava as
ra o pessoal da licenciatura. Havia uma universidade eles foram procurar es- fórmulas da matemática e cada fórmula
possibilidade de fazer na Faculdade de sas vagas. tinha um número. Ele chamava um aluno
Educação, mas com conteúdo de física para resolver na lousa e dizia: “Fórmula
muito pequeno, porque enfatizavam a O ensino fundamental e médio se res- número 23”. Você tinha que decorar a
pedagogia. Propus então, em 1969, antes sentem da falta de bons professores de fórmula e o número dela. Ele era muito
da reforma, uma área na pós-graduação ciência... exigente. Das cinco turmas da primeira
sobre o ensino de física. Depois foi am- Sem dúvida. Principalmente de física. É série, reduzia para uma na segunda série,
pliado para ensino de ciências e ficou um problema de nossa época. Tanto na reprovavam-se quatro. Era terrível. Os
sob responsabilidade da Faculdade de Faculdade de Filosofia quanto no Insti- alunos que aguentavam entravam numa
Educação e dos institutos de Física, Quí- tuto de Física a evasão do curso de física universidade. O colégio formava gente
mica e Biologia. Teve colaboração do é muito grande, e continua grande. Di- muito qualificada. Mas era muito ruim
professor Claudio Z. Did, da Física, e minuiu um pouco, mas continua. Formá- para os 80% que ele reprovava.
das professoras Carolina Bori
e Maria Inês Rocha e Silva. Como evoluíram as iniciati-
vas para formar professores
Aí começa todo um trabalho de ciências?
seu e da Amélia também so- A Faculdade de Filosofia foi
bre o ensino de física e que explicitamente fundada com
depois vai se encontrar com duas finalidades: formar pro-
a divulgação científica. Fale fessores para o ensino com-
um pouco dessa atividade.
Em 1960, junto
plementar e formar pesqui-
Eu tive uma experiência pré- sadores. E deu toda a atenção
via no início dos anos 1960, para formar pesquisadores, o
quando, junto com o Ibec
[Instituto Brasileiro de Edu-
com o Ibec, organizei que foi ótimo, mas não con-
seguiu a outra parte. A USP

uma série de
cação, Ciência e Cultura], or- não aceitou o desafio de for-
ganizei uma série de aulas de mar professores para a rede
física nuclear para o público. estadual. Para isso tinha de
Fizemos uma série de expe-
riências de radioatividade ali
aulas de física nuclear ser uma escola bem maior e
mais eficaz. Ela se especia-

para o público
e isso teve bastante sucesso e lizou em ser uma escola de
repercussão. Encheu o audi- ponta e não de massa. Tinha
tório. Essa foi minha primei- de ser uma escola de massa
ra experiência em divulgação de ponta, mas esse desafio
científica e deve ter sido em 1962 ou 1963. vamos um terço dos ingressantes, agora não foi encarado. Agora estão tentando
E por que surgiu esse movimento forte chegamos à metade. Assim mesmo, me- fazer isso com ensino a distância. Toma-
em relação ao ensino? Naquela época, o tade das vagas são desperdiçadas. Tornar ra que dê certo, mas é difícil.
salário do professor secundário não era o curso muito interessante no primeiro
tão ruim, de modo que muitos dos que ano pode ajudar o aluno a superar aquele Quando é que seu interesse pelo ensino
saíam do Instituto de Física iam dar aula. desafio. A grande evasão se dá no fim do se vincula com as atividades de divul-
Entre bacharelado e licenciatura, a segun- primeiro ano e no segundo ano. gação científica?
da era mais procurada. Bacharelado era Comecei quando o José Goldemberg era
para ser pesquisador em física e professor Foi por essa razão que o senhor deu uma reitor e o Museu de Tecnologia já exis-
universitário. Mas não era época ainda de grande atenção aos alunos de primeiro tia. Foi construído pelo professor Fran-
muitas universidades. Quem se formas- ano que se destacavam, colocando-os cisco de Paula Machado de Campos, que
se bacharel não tinha um emprego certo como coautores de artigos seus e os in- conseguiu as verbas, construiu o prédio
nos anos 1970. Então em 1969 fizemos a centivando a fazer iniciação científica? e nunca conseguiu fazer o museu. Até
pós-graduação em ensino, na época com Foi um dos mecanismos para segurar o que um diretor da Cesp [Companhia
a professora Carolina Bori. Hoje tem cen- bom aluno? Energética de São Paulo] inventou de fa-
tenas de mestres e doutores no ensino de Não foi tanto para segurar o bom alu- zer uma exposição sobre energia e con-
física. Nosso curso, inicialmente, formava no. Eu achava que o melhor jeito de fa- venceu Machado de Campos a abrigá-la.
mestres. Doutores só há 10 ou 15 anos. zer o aluno aproveitar o curso do ponto Eu fiquei responsável pela parte da USP

pESQUISA FAPESP 215  z  29


nessa grande exposição. Construímos ainda estão muito distantes da realida- Não senti grandes dificuldades. Mas, no
aqui no Instituto de Física uma série de de das pessoas. E quando os alunos de caso da Estação, a situação dela dentro
aparelhos, fizemos painéis explicativos rede pública vão é porque a escola le- da USP não estava clara. O que eu mais
e a exposição foi um grande sucesso. va. Ao mesmo tempo, exposições como sentia falta era da presença de professo-
Com 70 mil visitantes na época, ficou aquela sobre Einstein em 2008, na Oca, res e de pós-graduandos fazendo teses
aberta seis meses. Antes disso também têm recorde de público. É uma ques- etc. Ela era um corpo estranho, não es-
teve a passagem do cometa Halley, em tão de classe, ou uma questão de novas tava dentro da máquina acadêmica. Os
1986, e fizemos uma grande exposição linguagens na divulgação que acabam próprios funcionários não se sentiam
sobre o cometa junto com o professor atraindo o público? funcionários da USP porque o museu era
Augusto Damineli Neto, do IAG, e Ro- É um conjunto. O Catavento vai muito longe da Cidade Universitária. Ela tinha
berto Kishinami, no prédio de Geogra- bem, está sempre cheio, e é comandado que ter sido absorvida nas atividades
fia e História. Teve 70 mil visitantes, por um diretor de banco. Então a questão acadêmicas. Tinha um grande número de
formava fila de 10 ônibus aqui na USP. da gestão talvez seja muito importante, na monitores que eram estudantes de gra-
Depois foi mais ou menos natural eu Estação Ciência foi. Mas mesmo o Cata- duação. Tentamos fazer uma disciplina
ser convidado para a Estação Ciência. vento – o maior museu de São Paulo, em de aplicação prática para que eles tives-
frequência, entre os estaduais – atrai 500 sem créditos acadêmicos, isso chegou a
Como foi a experiência na Estação mil visitantes anuais, enquanto no maior ser aprovado no Conselho Universitário,
Ciên­cia? museu do México este número atinge 2 mas nunca foi implementado.
Foi muito interessante. A Estação Ciên- milhões. Devíamos ter quatro vezes mais
cia está fechada, lamentavel- Qual o fato que o senhor
mente. Não me arrependo do destaca na administração
esforço que fiz ali. Foi inte- da Estação Ciência?
ressante, mas não consegui Teve muitas coisas. Teve
implantar uma coisa mais uma exposição sobre a es-
permanente. cravatura no Brasil, que foi
muito importante, em 1995.
Está fechada para reforma, Foi uma professora da An-
não?
O Catavento vai
tropologia que cuidou. Eu
É, para reforma, e não conhe- fazia todo ano um gran-
ço qual a perspectiva. O pes- de encontro de ensino de
soal que estava lá se espalhou
por outros órgãos, então não
muito bem, está ciên­cias em que cada grupo
apresentava seus trabalhos,

sempre cheio.
sei o que vai ser. que era para tentar motivar
escolas e fábricas de mate-
Há um problema com os rial didático. Tínhamos um
museus de ciência no Bra-
sil, não? Salvador teve o
É comandado por um site muito ativo, ganhou vá-
rios daqueles prêmios da
primeiro museu de ciência
diretor de banco
época.
do país em 1978, o Museu
de Ciência e Tecnologia no O senhor saiu em 2003. Con-
Parque de Pituaçu, criado tinuou no conselho?
pelo então governador Roberto Santos. visitantes. Conversando com Sérgio Frei- Não aceitei, porque achei que nove anos
Tão logo Antônio Carlos Magalhães tas, o diretor do Catavento, ele diz que por eram suficientes.
reocupou a cadeira de governante fe- enquanto acha outras coisas mais impor-
chou o museu. Aqui temos problemas tantes e não pretende aumentar o núme- Mas o senhor não ficou como uma es-
com a Estação Ciência, enfim, em sua ro de visitantes. A área é limitada e é um pécie de conselheiro?
visão, qual é a questão com os museus problema de logística complicado. Tem Eu frequentava a Estação. Logo depois
de ciência no país? que ter muito mais funcionários e moni- de mim assumiu o professor Wilson Tei-
Isso vale para todos os museus, não só tores. Ao mesmo tempo, se você tivesse xeira, da Geologia. Nessa época eu ainda
os de ciência. Veja o Museu do Ipiranga, uma museologia mais moderna, ajudaria. estava responsável pelo projeto Mão na
que precisou ser fechado para reforma. Mas não tem. Não há um costume de ir Massa, que também não continuou. É
Um dos aspectos, acho que era o Nélson a museus. Aqui as escolas são tão ruins difícil entender como uma instituição
Rodrigues que falava, é o nosso comple- que ganham prioridade em relação aos grande e poderosa como a USP vai fa-
xo de vira-lata, a falta de orgulho. Um museus. Elas estão numa situação muito zendo coisas que não entendemos.
bom museu mostra o orgulho de uma ruim. O museu pode ser formidável, mas
sociedade por seu passado. na divisão das verbas recebe muito pouco. Quando o senhor olha os seus muitos
anos de trabalho e múltiplas ativida-
Mas há estudos recentes sobre as dinâ- Quando o senhor estava na Estação Ciên- des, a qual parte se sente mais ligado
micas dos museus que mostram que eles cia que dificuldades enfrentou? afetivamente?

30  z  janeiro DE 2014


Todas são importantes e em nenhum O senhor fez um encontro no ano pas- os outros não são cientistas. Tenho as-
dos meus trabalhos consegui uma coisa sado que reuniu familiares de várias cendentes. Meu avô, Hugo Liepman, foi
permanente. Eu contribuí nessas várias partes do mundo... neurologista importante. Foi o descobri-
áreas, mas o ensino de física continua Foi em minha casa e também em Ca- dor das relações entre afasia e apraxia. A
ruim e o número de alunos de física que tuçaba. Eu moro aqui pertinho da USP, família é muito antiga e os membros se
se formam continua baixo. Você tem que em frente à Casa do Bandeirante. Foi acostumaram a escrever memórias. Mi-
ver tudo isso em perspectiva histórica. uma sorte conseguirmos comprá-la em nha mãe escreveu as memórias da família
O número de professores de física au- 1967, hoje não conseguiríamos. Mas so- dela e do meu pai. Meu bisavô escreveu
mentou muito. Não tanto quanto deveria, bre o encontro: eu tinha dois primos, a da família dele. São coisas interessan-
mas aumentou. O número de museus de um físico e o outro químico. Um ficou tes. Ele escreveu sobre o pai dele, que
ciência e a atividade deles aumentaram. na Inglaterra e o outro, um pouco mais era filho de um mascate, no interior da
Fui cofundador da Associação Brasileira velho, como os ingleses tinham medo Alemanha hoje, naquele tempo Prússia
de Centros e Museus de Ciências, que que entre os emigrados tivessem espiões ou Polônia, não sei. O mascate vendia
nem existia. O país anda de uma forma e mandaram todos nessa condição para coisas, mas quem sustentava a família
não linear e você tem que confiar no zi- o Canadá, foi mandado para o Canadá. era a mãe, no fim do século XVIII. Aí a
guezague que vai indo na direção certa. Depois ele voltou, se alistou no exérci- mãe morreu e a família resolveu que o
to inglês, lutou contra os nazistas, mais pai não tinha condição de sustentar o
Uma coisa curiosa é que, sendo o se- adiante foi intérprete nos julgamentos filho, então ele foi mandado para Ber-
nhor físico e Amélia física, os seus fi- de Nuremberg. Voltou para a Alemanha lim às custas de outras famílias. Conse-
lhos lidem com divulgação guiu ser aprendiz numa fá-
e comunicação. brica de tecidos. Os tecidos
Todos eles. Esther ensina ci- vinham de Manchester, então
nema na Escola de Comuni- ele foi mandado para lá para
cações e Artes, a Sonia é pro- conhecer a fábrica. Quando
dutora de filmes, na Gullane, estava na Inglaterra foi de-
o Cao é diretor de filmes, a cretado, por Napoleão, o blo-
Vera é produtora cultural e queio continental. Então Da-

O ensino de física
o Fernando é fotógrafo. vid Liepman, tataravô, alugou
um navio, encheu de tecidos,
Qual foi o lado de vocês que deu a volta na Europa, pas-
influenciou esse caminho?
Não sei. Tive um cunhado,
continua ruim e o sou por Gibraltar e chegou na
Turquia, que não dependia de

número de alunos
irmão de Amélia, o cenógra- Napoleão. Lá descarregou o
fo e artista plástico Flávio navio, formou uma caravana
Império, que certamente e foi voltando por terra para
influenciou. Talvez nossas
conversas no almoço sobre
que se formam o centro da Europa. Passou
pela Itália, pegou a peste,

continua baixo
física e sobre a universidade sobreviveu, chegou a Viena.
não fossem sempre anima- Como vendeu os tecidos to-
doras. Só Esther se aventu- dos por um preço muito bom,
rou na universidade e está fundou a fortuna da família.
muito bem. Vera agora vai fazer mestra- Oriental, fez doutoramento e se tornou
do ou doutorado na Comunicações. Ela reitor na universidade. Os filhos dele mo- O senhor já começou a escrever as me-
inventou um curso de direção de arte ram em Berlim ainda. Um deles veio para mórias da sua família?
que fez muito sucesso aqui e no exterior. esse encontro familiar. Isso foi ideia de Não.
uma prima dos Estados Unidos e vieram
O senhor diria que as trajetórias dos cerca de 50 pessoas ao todo, 25 daqui e Quais são seus planos?
seus filhos de alguma forma motivavam 25 da Alemanha, Inglaterra e Estados Fiz uma lista de 20 coisas urgentes.
também algumas iniciativas suas e da Unidos. Ficamos num hotelzinho em
Amélia? Nesse sentido da divulgação, Catuçaba, perto de São Luís do Parai- Qual é a mais importante delas?
da escrita, de apresentar ao mundo o tinga. Eles gostaram muito. Todas são. Tenho que fazer uns repa-
que faziam na ciência. ros na minha casa. Mas a mais urgente
Certamente tinha uma influência, mas Na sua família predominam os profis- é colocar em ordem meus papéis, que
eu nunca tinha pensado nisso. A gente sionais de ciências? incluem as cartas que minha avó trocou
sempre pensa que é origem e não conse- Nos Estados Unidos não é o caso, na Ale- com uma amiga. Minha mãe guardou e
quência. Um exemplo é a série de filmes manha também não. Tem uma prima que são muito esclarecedoras e interessan-
Minuto científico que meu filho Carlos é professora num museu de biologia em tes. Pedi ajuda a uma secretária que me
(Cao) dirigiu para a TV Cultura e Esta- Berlim. Outra prima é professora na Uni- ajudou, mas ficou um montede papéis
ção Ciência. versidade de Potsdam, de sociologia. Mas para eu classificar. n

pESQUISA FAPESP 215  z  31


política c&T  Financiamento y

Um salto
consistente
Recorde de concessões de auxílios no programa
Pipe em 2013 mostra avanço do interesse
das empresas de pequeno porte por inovação

Fabrício Marques e Bruno de Pierro

U
ma plateia atenta e interessada composta por 150
empreendedores e pesquisadores de várias cidades
paulistas esteve durante três horas no auditório da
FAPESP, em São Paulo, na manhã do dia 18 de dezem-
bro passado, para conhecer em detalhes o Programa de Pes-
quisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe), uma iniciativa
da FAPESP criada em 1997 que já desembolsou mais de R$ 180
milhões para apoio a 1.368 projetos inovadores desenvolvidos
em microempresas e empresas de pequeno porte com sede no
estado de São Paulo. Esse tipo de encontro, batizado de Diálogo
sobre Apoio à Pesquisa para Inovação na Pequena Empresa,
vem sendo realizado periodicamente para divulgar o programa
e esclarecer dúvidas sobre a formulação de propostas – e é
um dos fatores que ajudam a explicar o salto na quantidade
de bons projetos aprovados no Pipe no ano passado.
O número de concessões no programa Pipe em 2013 foi o
maior da história do programa – foram 174 projetos em 2013,
superando o recorde anterior, de 165 concessões em 2006 (veja
quadro). “Houve um avanço tanto de empresas interessadas
quanto de projetos com qualidade. O interesse em conhe-
cer o programa e tirar dúvidas vem gerando mais propostas

32  z  janeiro DE 2014


Pesquisa em pequenas empresas
Evolução das solicitações e das concessões de Auxílios à Pesquisa – Pipe

451 449

n Solicitações 388
369
n Concessões

349 333

319
281
284
229
217
220
206
165 174

156
ilustraçãO catarina bessel

96 97 101 110
98 89
77 72 108
58 61
31 35 40 69 73
54
30

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

pESQUISA FAPESP 215  z  33


consistentes”, diz Sérgio Robles Reis de deve ter vínculo com a empresa e dedicar
Queiroz, professor do Departamento pelo menos 24 horas semanais ao proje-
de Política Científica e Tecnológica do to. Podem participar empresas com no
Instituto de Geociências da Unicamp e máximo 250 empregados, com sede no
coordenador adjunto da área de Pesquisa estado de São Paulo, e que tenham um
para Inovação da FAPESP. projeto de pesquisa a desenvolver que
aponte para uma inovação.

O
utros fatores também ajudam a Uma fonte de inspiração para o Pipe
entender o interesse crescente foram os programas SBIR (Small Busi-
pelo programa. Desde 2012 o Pi- ness Innovation Research), dos Estados
pe passou a oferecer quatro oportunida- Unidos. Estabelecidos por força de uma
des no ano para submissão de propostas lei de 1982, que determinou a criação de
– contra três ciclos de análise anterior- iniciativas de fomento à inovação em
mente. Muitos dos empreendedores que pequenas empresas em agências com
estiveram na FAPESP no dia 18 deverão orçamento superior a US$ 100 milhões,
apresentar propostas no primeiro ciclo eles existem atualmente em várias insti-
de análise de 2014, que disponibilizará tuições que apoiam a pesquisa, como a
R$ 15 milhões para projetos e está aberta Nasa, a National Science Foundation e
até o dia 3 de fevereiro. Sempre que um os National Institutes of Health. O im-
novo edital é lançado, a FAPESP publica pacto econômico do Pipe foi medido por
anúncios em jornais da capital e do inte- uma avaliação de seus projetos realiza-
rior paulista divulgando a nova oportu- dos entre 1997 e 2006, feita pelo  Grupo
nidade, o que também vem contribuindo de Estudos sobre
para ampliar a demanda. Uma parceria Organização da
com o Centro das Indústrias do Estado Pesquisa e da
de São Paulo (Ciesp) igualmente vem aju- Inovação (Geo-
dando a divulgar o Pipe  no interior do pi), vinculado à Cada R$ 1,00 alocado pela FAPESP
estado – já houve projetos aprovados em Unicamp, e en-
117 municípios paulistas, embora se re- comendado pe- no programa entre 1997 e
gistre uma concentração nas cidades de la FAPESP.
São Paulo, Campinas, São Carlos, Ribeirão Um artigo pu-
2006 gerou R$ 10,50 de retorno
Preto e São José dos Campos. “E há, natu- blicado em 2011
ralmente, uma preocupação crescente das na revista  Re-
empresas com inovação. Elas procuram search Evalua-
cada vez mais os programas governamen- tion, cujo autor principal foi Sérgio Sal- empreendedores conseguem implantar
tais existentes de fomento à inovação. Por les Filho, professor da Unicamp e um uma cultura de pesquisa que acaba ten-
isso, para os próximos anos, eu apostaria dos coordenadores do Geopi, mostrou do reflexos positivos em outras áreas da
num crescimento contínuo do Pipe”, diz que  cada R$ 1 alocado pela FAPESP no empresa”, diz Sérgio Queiroz.
Queiroz. “Em 2014, nosso desafio será programa gerou R$ 10,50 de retorno. Uma das empresas que tiveram um
garantir que o desempenho de 2013 se Quando se contabilizam também os in- projeto Pipe aprovado em 2013 foi a
mantenha e revele uma tendência.” vestimentos nos projetos feitos pelas InGene Biotecnologia, de São Paulo,
O Pipe apoia com recursos não reem- próprias empresas e outras fontes, a rela- que busca desenvolver um novo teste
bolsáveis projetos de empresas que en- ção é de R$ 5,98 para cada R$ 1 aplicado. de diagnóstico genético a ser utilizado
volvam inovação tecnológica com po- por casais que querem ter filhos, para

A
tencial comercial e disponham de uma criação de empregos qualifica- avaliar se têm alguma mutação reces-
equipe de pesquisa com capacidade para dos é outro fruto importante do siva em comum e por isto apresentam
enfrentar os desafios propostos.  Quem Pipe: as empresas com projetos risco aumentado de terem filhos com
recebe os recursos da Fundação é o pes- Pipe aumentaram em 29% o número de alguma doença genética. “Isso já existe
quisador responsável que trabalha den- empregados e criaram oportunidades no mercado, mas no nosso projeto esta-
tro da empresa. Os projetos incluem des- profissionais para pesquisadores. O cres- mos propondo uma metodologia nova,
de os estudos sobre a viabilidade técnica cimento do contingente de funcionários mais moderna, capaz de reduzir os cus-
e comercial de uma ideia criativa, conhe- com nível de graduação foi de 60% e o tos do exame e ser mais acessível”, diz
cida como fase 1, com duração prevista de profissionais com doutorado, de 91%. a biomédica Juliana Cuzzi, responsável
de nove meses, até o desenvolvimento Cerca de 60% dos projetos avaliados ge- pelo laboratório da empresa e uma das
da pesquisa, a fase 2, com duração de raram inovações tecnológicas, índice participantes do projeto, cujo pesquisa-
até 24 meses. Na fase 1, o valor máximo considerado bastante satisfatório. Há dor principal é o geneticista molecular
de financiamento previsto é de R$ 200 resultados, porém, que só são percebidos Péricles Assad Hassun Filho, diretor da
mil para cada projeto. Na fase 2 chega a nas visitas que os coordenadores do Pipe empresa. O projeto aprovado é um Pipe
R$ 1 milhão. O pesquisador responsável fazem às empresas financiadas. “Alguns fase 1 e o objetivo é avaliar se o processo

34  z  janeiro DE 2014


Nas empresas
com projetos
Pipe, o número
de empregados
é aplicável e viável – com término previs- ção do tráfego de trens ware que ajudasse a
to para agosto de 2014. O projeto já havia (ver Pesquisa FAPESP cresceu 29% e planejar a circulação
sido apresentado em 2012, mas para um nº 136), em que recebeu dos trens em sua ma-
outro programa, o Pipe/Pappe, e foi de- auxílio do Pipe para de-
o contingente lha ferroviária. O tra-
negado. “Depois da primeira tentativa, senvolvimento do proje- de funcionários balho foi realizado e
aprimoramos a proposta e tivemos su- to, além de duas bolsas inspirou uma disser-
cesso”, diz Ana Carolina Laus, bióloga para pesquisadores. O com doutorado tação de mestrado e
e pesquisadora do projeto. sistema computacional uma tese de doutora-
O programa Pipe/Pappe apoia projetos CFlex Movement Plan- subiu 91% do que deram origem
para a fase 3, em que a ideia e o protótipo ner mostrou-se capaz à empresa. “Um pon-
já foram suficientemente desenvolvidos de reduzir em até 18% to altamente positi-
e a empresa se dedica, então, a investir o tempo de parada dos vo de ter um projeto
num plano de negócios para lançá-lo. O trens nos pátios para realizar cruzamentos selecionado pelo programa Pipe é que a
Pipe/Pappe é resultado de um acordo de e ultrapassagens, e foi adquirido por várias avaliação rigorosa feita por pares na FA-
cooperação entre a FAPESP e a Finan- operadoras. No novo projeto, a empresa PESP mostra ao mercado que estamos
ciadora de Estudos e Projetos (Finep), quer dar um passo adiante. “Queremos trilhando o caminho certo”, diz Plínio.
do governo federal. No plano nacional, usar o software que temos hoje funcio- A depender da capacidade da empre-
atribui-se ao Pipe a inspiração para o nando e criar uma nova infraestrutura sa, ela pode ter mais de um projeto Pipe
surgimento de um programa semelhante sobre esse algoritmo, que permita tomar aprovado simultaneamente, desde que
em nível federal, o Programa de Apoio à decisões com informações globais”, afirma envolvam desafios de pesquisa diferen-
Pesquisa em Empresas (Pappe), iniciati- Plínio Roberto Souza Vilela, pesquisador tes e pesquisadores responsáveis distin-
va da Finep lançada em 2004. No estado responsável pelo projeto. “Hoje nosso sis- tos. É o caso da Chemyunion Química,
de São Paulo, em razão da existência do tema permite ao algoritmo tomar decisões de São Paulo, que atualmente tem três
Pipe, FAPESP e Finep criaram um for- com base em informações locais, quando projetos em andamento, todos de fase 1,
mato para a implementação do Pappe ele calcula um planejamento viável para envolvendo o desenvolvimento de um gel
com características diferenciadas, que os trens. Uma decisão local significa ter com líquido orgânico para aplicação em
constituíram o programa Pappe-Pipe um recorte limitado do que o trem pode cosméticos e de um extrato vegetal que
III, em que empresas financiadas pelo fazer. Com a pesquisa, queremos que seja apresenta propriedades despigmentan-
Pipe receberam recursos para a fase 3. possível gerar um planejamento que le- tes, e o uso de nanopartículas para apli-
ve em conta informações globais sobre a cação num cosmético para o cabelo. “Já

T
ambém há empresas com proje- circulação de trens.” tivemos cinco projetos Pipe no passado,
ilustraçãO catarina bessel

tos aprovados recentemente que A CFlex tem vínculos com a univer- dois deles na fase 2, com produtos já lan-
já tiveram experiências anteriores sidade desde o seu surgimento. No fi- çados”, diz Cecília Nogueira, gerente de
com o programa. A CFlex Computação nal dos anos 1990, a Vale encomendou a pesquisa e desenvolvimento da empresa.
Flexível Aplicada, de Campinas, desen- três professores da Unicamp, Fernando “A FAPESP deu um suporte significativo
volveu em 2004 um algoritmo que auxilia Gomide, Rafael Mendes e Luís Gimeno para alavancar a nossa pesquisa e hoje
na tomada de decisões sobre a organiza- Latre, o desenvolvimento de um soft- 6,5% do lucro é investido em inovação.” n

pESQUISA FAPESP 215  z  35


Indicadores y

Ambiente adverso
Cai proporção de empresas que produziram
inovações, mas aumenta articulação para fazer
pesquisa e desenvolvimento, mostra Pintec

Fabrício Marques

A
Pesquisa de Inovação (Pintec) alguns setores. “Na indústria têxtil, side- internas de pesquisa e desenvolvimento
de 2011, divulgada em dezem- rúrgica e de papel há uma queixa sobre das empresas está relacionado com po-
bro pelo Instituto Brasileiro de a desarticulação de cadeias produtivas líticas públicas”, diz, ressaltando ainda
Geografia a Estatística (IBGE), causada pela concorrência da China”, dados como o crescimento do percentual
mostra que o resultado do esforço de afirma Pinheiro. de indústrias que haviam cooperado com
inovação das empresas brasileiras, me- Em contrapartida, a Pintec 2011 tam- algum tipo de parceiro (10,1% em 2006-
dido pelo aprimoramento de processos bém mostra que a articulação e o inves- 2008 para 15,9% em 2009-2011) e das
e o lançamento de produtos, foi menor timento do setor privado para inovar empresas que estabeleceram vínculos
no período de 2009 a 2011 quando com- melhoraram no triênio – o que o habilita com universidades (13,4% para 16,7%).
parado com os dados de 2006 a 2008. a alcançar resultados melhores no futu- Houve um comportamento desigual
De um universo de 128.699 empresas ro. No caso das indústrias, por exemplo, dos diferentes setores da indústria em
pesquisadas, dos setores industrial, de os dispêndios em atividades internas relação à intensidade de pesquisa e de-
serviços e de eletricidade e gás, 35,7% de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) senvolvimento, observa André Furtado.
lançaram produtos ou implementaram em relação à receita líquida de vendas “Há setores que avançaram bastante e
processos considerados novos ou bas- chegaram a 0,71% em 2011, ante 0,62% outros que até retrocederam”, diz. Na
tante aprimorados. No triênio anterior, a medido em 2008. O apoio do governo e o indústria extrativa, por exemplo, os dis-
proporção de empresas inovadoras che- suporte de políticas públicas à inovação pêndios em atividades internas de P&D
gara a 38,1%. Tomando-se em separado avançaram. No período de 2006 a 2008, em relação à receita líquida de vendas
as indústrias, que representam quase o percentual de empresas industriais avançaram de 0,3% para 0,4%, compa-
90% da amostra, as inovadoras foram inovadoras que utilizaram ao menos um rando a Pintec de 2011 com a de 2008.
35,6% do total da Pintec 2011, menos instrumento de apoio governamental “Talvez, nesse caso, não seja resultado de
que os 38,1% observados na pesquisa de foi de 22,8%. Já no período de 2009 a políticas públicas, mas do crescimento
2008. “As condições macroeconômicas, 2011 esse quinhão cresceu para 34,6%. O das exportações”, avalia.
que eram mais favoráveis no período da economista André Tosi Furtado, profes- Em outros setores ligados a commo-
Pintec anterior, de 2006 a 2008, deterio- sor da Unicamp, afirma que os dados da dities, como a indústria de papel e celu-
raram em 2009 e parecem ter exposto as Pintec desmentem a percepção de alguns lose, o crescimento do dispêndio foi de
empresas a um ambiente mais adverso”, setores de que os estímulos do governo à 0,29% para 0,42%. Em setores de média
diz o gerente da Pintec, Alessandro Pi- inovação não surtem efeito. “O governo intensidade tecnológica, diz o professor,
nheiro. A apreciação do câmbio também está chegando até essas empresas. Es- também houve um aumento significativo.
pode ter influenciado os resultados de tá claro que o aumento das atividades Na indústria metalúrgica, de 0,21% para

36  z  janeiro DE 2014


A taxa de inovação cai
Percentual de empresas
38,6%
brasileiras que inovaram
em produtos ou processos,
segundo as três últimas 2008

edições da Pintec
35,7%

2011
34,4%

2005 Fonte ibge

0,42%. “Um destaque negativo ocorreu na Investimentos em P&D crescem em vários setores da indústria
indústria de alimentos, cujo investimen- Incidência sobre a receita líquida de vendas dos dispêndios realizados nas atividades internas
to caiu de 0,24% para 0,12%”, observa. de P&D em alguns setores industriais (%)
Já na indústria de produtos químicos foi
de 0,55% para 1,11% – o grande destaque, 2,39
Farmoquímicos e farmacêuticos
nessa categoria, foi na fabricação de sa- 1,44
1,39
bões, detergentes, produtos de limpeza, Informática, eletrônicos e ópticos
1,29
cosméticos, produtos de perfumaria e de Veículos automotores, 1,28
higiene pessoal, que atingiu 3,68% de dis- reboques e carrocerias 1,51
pêndios em atividades internas de P&D Coque, derivados de 1,12
petróleo e biocombustíveis 0,87
em relação à receita líquida de vendas. A
1,11
indústria de cosméticos, uma das que mais Produtos químicos 0,59
investem em P&D no país, é apontada co- Máquinas, aparelhos e 1,01
mo fundamental para esse desempenho. materiais elétricos 1,01

“As empresas se organizaram, contra- Máquinas e equipamentos


0,73
n 2011
0,46
taram pesquisadores e investiram mais 0,60
n 2008

recursos em inovação, o que é altamente Fumo


0,72
positivo. Mas, devido a uma série de obstá- Metalurgia
0,45
0,21
culos, até perdemos competitividade”, diz
0,42
Carlos Eduardo Calmanovici, presidente Papel e celulose 0,29
da Associação Nacional de Pesquisa e De- 0,40
Extrativas
senvolvimento das Empresas Inovadoras 0,13

(Anpei). Calmanovici chama a atenção pa- Produtos de metal


0,39
0,27
ra o aumento do custo para inovar. “Com 0,25
ilustração bruno nogueira

a disputa entre as empresas por recursos Têxteis


0,17
humanos qualificados para fazer P&D, o Bebidas
0,22
0,08
custo de contratar ficou mais caro”, afir-
0,17
ma. “Isso, somado a outros custos que Móveis
0,16
atingem as empresas de modo geral, co- 0,12
Alimentos
mo o tributário e a falta de infraestrutura, 0,24 Fonte  pintec 2011

pESQUISA FAPESP 215  z  37


controlar a inflação. As empresas tam-
os principais gargalos
bém enfrentam o custo Brasil, que se tra-
Importância atribuída aos problemas e obstáculos para inovar, pelas empresas que implementaram
inovações de produto ou processo entre 2009 e 2011
duz em infraestrutura precária e custo
trabalhista. Os efeitos desses obstáculos
são maiores que os efeitos dos estímu-
81,5 los”, afirma Brito Cruz. Tudo isso, ele
Elevados custos de inovação 83,2
81,7 observa, dificulta a busca por inovação
48,2
no tecido empresarial brasileiro.
Rigidez organizacional 81,5 “Há empresas com estratégias para
34,8
inovar que conseguiram avançar. Outras
Riscos econômicos excessivos
73,6
80,0
também tinham estratégias, mas tiveram
71,3 de reduzir. O exemplo clássico é a Petro-
72,1 bras, que passou a enfrentar problemas
Falta de pessoal qualificado 23,5
72,5
de caixa. A Pintec reflete essas contra-
dições”, afirma. Brito Cruz observa que
68,5
Escassez de fontes
4,3 o dispêndio empresarial em P&D, co-
de financiamento 63,1 mo percentual do PIB, caiu em relação a
Dificuldade para se 46,7 2000. Em 2000, o dispêndio empresarial
16,6
adequar a padrões 44,4 era de 0,5%. Em 2011 oscilou para 0,48%.
“Há diferença entre o que acontece em
32,2
Escassez de serviços técnicos 11,1 São Paulo e nos demais estados do país.
46,1
Em São Paulo, o percentual cresceu de
Escassas possibilidades 43,5 0,8% para 1%, no resto do Brasil caiu de
3,6
de cooperação 41,6 0,34% para 0,23%. E na FAPESP obser-
30,0
vamos um aumento de interesse de em-
Falta de informação sobre tecnologia 11,9
46,1
presas em atividades de pesquisa e de-
senvolvimento cooperativas com uni-
28,1
Falta de informação sobre mercado 7,4 versidades, inclusive com substancial
37,7 avanço qualitativo para projetos mais
36,1 ousados e de longa duração”, afirma. Os
Fraca resposta aos consumidores 1,7
36,5 n Serviços selecionados Indicadores de ciência, tecnologia e inova-
n Eletricidade e gás ção da FAPESP projetavam para 2011 um
2,8
Centralização da atividade inovativa
0,0
n  Indústria
valor despendido em atividades internas
em outra empresa do grupo 1,9
Fonte  pintec 2011 de P&D por empresas brasileiras de R$
19,855 bilhões. O valor aferido pela Pintec
ficou muito próximo dessa projeção: R$
19,545 bilhões. “Sabemos que existe uma
fez com que as empresas investissem mais Contradições relação do dispêndio de P&D com a for-
sem obter resultados proporcionais ao in- Para o diretor científico da FAPESP, Car- mação bruta de capital fixo, e o adotamos
vestimento.” Segundo a Pintec, o número los Henrique de Brito Cruz, os resultados na metodologia dos nossos indicadores”,
de pesquisadores nas indústrias, entre da Pintec refletem contradições das po- diz Brito Cruz, referindo-se ao indica-
graduados e pós-graduados, foi de 37.737 líticas brasileiras no campo da inovação. dor que mede o quanto as empresas au-
profissionais em 2011 e cresceu 29% em “Por um lado, a mão esquerda dessas mentaram os seus bens de capital. Já as
relação à Pintec anterior. É certo que a políticas oferece às empresas programas projeções dos Indicadores do Ministério
amostra de indústrias entrevistadas foi de apoio e de estímulo à inovação como de Ciência, Tecnologia e Inovação eram
ampliada, mas numa proporção menor: nunca ofereceu antes”, afirma, referindo- superiores ao dado da Pintec, em torno
15,1%. Segundo a pesquisa, a queixa so- -se a programas de subvenção econômica de R$ 23,591 bilhões para 2011.
bre a falta de pessoal qualificado ganhou da Finep, aos programas da FAPESP de O número de empresas que inovaram
importância no ranking de gargalos à ino- parcerias com empresas, a programas apenas aprimorando seus processos au-
vação. No caso da indústria, o problema de inovação em pequenas empresas e a mentou em relação à Pintec anterior: elas
era o sexto mais relevante no período de parcerias da Finep com fundações es- eram 15,3% do total e passaram a 18,3%
2003 a 2005. Passou a ocupar a terceira taduais de apoio à pesquisa. “Já a mão em 2011. Já as empresas que inovaram
posição no período 2006-2008. Já na Pin- direita do governo torna o uso desses apenas em produto, que eram 6% do to-
tec 2011 foi o segundo mais importante instrumentos difícil ou impossível por tal em 2008, caíram para 3,9%. Empresas
para a indústria: 72,5% delas atribuíram parte das empresas, pois elas se veem que inovaram tanto em produto quanto
importância alta ou média à falta de pes- diante de obstáculos macroeconômicos. em processo decresceram de 16,8% em
soal qualificado, obstáculo apenas supe- Há instabilidade das regras da economia, 2008 para 13,4% em 2011. A queda no
rado pelo custo de inovar, apontado por que mudam com frequência, dependen- resultado atingiu com mais intensida-
81,7% das empresas do mesmo segmento. do do que o governo precisa fazer para de, por exemplo, as empresas maiores,

38  z  janeiro DE 2014


O peso das parcerias
A indústria de cosméticos, observa
João Furtado, também fornece um exem-
Importância atribuída aos parceiros em relações de cooperação, pelas empresas que implementaram
inovações de produto ou processo entre 2009 e 2011
plo simbólico das dificuldades de inovar.
“O Brasil é o segundo maior produtor do
mundo de esmalte para unha, mas não fa-
39,7 brica um único frasquinho de vidro para
Fornecedores 27,9
76,5 esmalte, porque o preço da energia invia-
biliza essa produção. O que há de errado
Universidades ou 18,7 num país que precisa importar 700 mi-
70,4
institutos de pesquisa 30,5 lhões de vidrinhos?”, indaga. “O preço
da energia é um dos problemas. Mas há
62,5
Empresas de consultoria 16,2
outros, como o custo de fazer pesquisa e
29,1 desenvolvimento nas empresas, maior no
Brasil do que na China ou na Índia”, diz.
46,2
Clientes e consumidores 10,3 João Furtado acredita que falta ambição
59,4
às políticas brasileiras de inovação. “Na
6,9
Coreia do Sul, por exemplo, o governo
Outra empresa do grupo 37,9 estabeleceu metas ambiciosas, pensando
9,0
em quais setores da indústria o país se tor-
Centros de capacitação e 19,6 naria líder. No Brasil ainda não há nada
assistência técnica
14,7
36,3
parecido”, diz. Ele cita o dado da Pintec
segundo o qual 65,4% das inovações em
Instituições de testes, 22,4 produtos das empresas de eletricidade
23,6
ensaios e certificações 35,3
n Serviços selecionados
e gás são feitas em parceria com outras
n Eletricidade e gás empresas e instituições de pesquisa, ante
Concorrentes 16,9
23,0 n  Indústria um índice de apenas 5,6% das indústrias.
25,9 Fonte  pintec 2011 “O percentual é alto porque a legislação
estabelece gasto compulsório em pesquisa
e desenvolvimento no setor elétrico. A po-
lítica pública tem um forte efeito indutor
"Os efeitos dos obstáculos são maiores nesse caso, mas os investimentos são feitos
de forma pontual, porque a lei determina
do que os efeitos dos estímulos", afirma assim. Mas poderia haver um desenho di-
ferente. Em vez de pulverizar os recursos
Brito Cruz, diretor científico da FAPESP e produzir inovações de baixo risco, uma
parte do dinheiro poderia ser canalizada
para 10 grandes projetos de pesquisa em
aquelas com mais de 500 funcionários. do que nas pesquisas anteriores. “Como energia. A ousadia e a articulação com o
O percentual de inovadoras nesse estra- a estruturação das equipes de P&D sig- futuro seriam diferentes”, afirma.
to caiu de 71,9% do total em 2008 para nifica contratar pessoas mais aptas, que Carlos Calmanovici, o presidente
55,9% em 2011. “Com a sobrevalorização acompanham editais e se dedicam a essa da Anpei, acredita que os resultados
do real em relação ao dólar no período, função, é possível que as respostas atuais da próxima Pintec possam ser mais
setores mais sujeitos à concorrência de tenham mais acurácia”, afirma. A segun- favoráveis. “Alguns obstáculos, como
produtos importados certamente foram da hipótese é que, apesar de o esforço a apreciação do câmbio, foram ame-
os mais penalizados, o que comprometeu governamental e privado ter crescido, o nizados, e surgiu um programa ambi-
principalmente a inovação em produto”, ambiente segue pouco propício à inova- cioso, o Inova Empresa, da Finep e do
analisa Calmanovici, da Anpei. ção. “A gente gostaria de acreditar que a BNDES, com chamadas públicas em
ciência tem o condão de empurrar o pro- setores estratégicos”, afirma. Mas ele
qualidade dos dados cesso de inovação, mas a principal fonte antevê um esgotamento na estratégia
O economista João Furtado, professor da de inovação para a maioria das empresas do governo federal de fomentar a ino-
Escola Politécnica da USP, enxerga duas é a percepção de mudanças no mercado. vação nas empresas, com a redução das
hipóteses possíveis para os resultados Há setores que se tornaram extremamen- fontes de recursos do Fundo Nacional
da Pintec. A primeira: como as áreas de te dinâmicos porque o mercado consumi- de Desenvolvimento Científico e Tec-
inovação das empresas se estruturaram dor cresceu”, diz ele, citando o exemplo nológico (FNDCT). “Depois de 2014, o
mais nos últimos anos, a qualidade dos da indústria de cosméticos. “Trata-se de orçamento do FNDCT vai perder 40%
dados informados à Pintec melhorou – um setor que cresce a taxas de dois dígi- de seus recursos. A divulgação dos re-
e isso pode ter tido um impacto no re- tos há mais de 10 anos, porque os mais sultados da Pintec é bom momento para
sultado, revelando uma situação menos pobres passaram a consumir produtos estimular uma reflexão profunda desse
favorável e mais próxima da realidade dessa natureza”, afirma. sistema de financiamento”, afirma. n

pESQUISA FAPESP 215  z  39


Tecnologia de informação y

Ciência no
palheiro
Programa em eScience busca extrair
novos conhecimentos em meio
a volumes gigantescos de dados

A
FAPESP lançou uma chama-
da de propostas que inaugura
seu Programa de Pesquisas em
eScience, expressão que resume
o desafio de pesquisa conjunta em com-
putação e outras áreas do conhecimento,
para organizar, classificar e garantir aces-
so ao gigantesco volume de dados gerados
constantemente em todos os campos de
pesquisa, visando extrair novos conhe-
cimentos e fazer análises abrangentes
e originais. O objetivo principal do pro-
grama é integrar grupos envolvidos com Serão disponibilizados R$ 4 milhões para programa redigida pela Coordenação de
pesquisas sobre interfaces, algoritmos, apoiar projetos que envolvam modelos Computação da FAPESP.”
modelagem computacional e infraestru- matemáticos, repositórios digitais e ge- O edital tem um aspecto pioneiro no
tura de dados com cientistas de áreas em renciamento de dados, novos hardwares, país ao exigir dos proponentes a sub-
que aplicações de eScience são especial- softwares, protocolos, ferramentas e ser- missão de um Data Management Plan,
mente necessárias no país, das ciências viços, voltados para atender a demandas que descreve como o projeto pretende
agrárias às sociais. “A intenção é colocar de pesquisas nas áreas de ciências agrá- gerenciar, proteger, preservar e divulgar
pesquisadores dessas duas frentes traba- rias; artes, humanidades e ciências sociais; seus dados. “Muitos países, como Esta-
lhando juntos para gerar conhecimentos engenharia e física, clima e ciências da dos Unidos, Alemanha, Reino Unido e
novos tanto em ciência da computação Terra, e à prática e educação em eScience. Canadá, estão discutindo como garantir
como em aplicações nessas disciplinas”, As ideias iniciais surgiram de dois tais planos em todo projeto de pesqui-
diz Roberto Marcondes César Júnior, workshops organizados pela FAPESP sa, pois é consenso que uma das partes
professor do Instituto de Matemática e que contaram com pesquisadores em mais valiosas de qualquer pesquisa são
Estatística da Universidade de São Paulo computação e em outras áreas (das exa- os dados gerados, que precisam ser pre-
e coordenador adjunto de Ciências Exatas tas às humanidades). “Toda a discussão servados e divulgados adequadamente”,
e Engenharias da FAPESP. levou à conclusão de que o ideal seria observa Claudia Bauzer Medeiros.
fotos  eduardo cesar e léo ramos

A primeira chamada receberá propos- uma iniciativa em eScience”, diz Claudia “Para a FAPESP, avançar em eScience é
tas nas modalidades Projeto Temático ou Bauzer Medeiros, professora do Instituto fundamental, pois ela tem programas que
Auxílio Regular até 28 de abril de 2014. de Computação da Unicamp e membro geram uma quantidade inimaginável de
A Fundação espera que as universida- da Coordenação da área de Engenharia dados de interesse científico que neces-
des ofereçam contrapartida de recursos e Ciência da Computação da FAPESP. sitam de um tratamento adequado e de-
humanos, contratando programadores e “Os detalhes foram sendo amadureci- vem ser compartilhados”, diz Marcondes
analistas de banco de dados, entre outros. dos e culminaram em uma proposta de César, referindo-se a programas como o

40  z  janeiro DE 2014


Pesquisas sobre a internet
A FAPESP e os ministérios da Ciência, Ponto BR (NIC.br). “Em 1998, a internet no
Tecnologia e Inovação (MCTI) e das Brasil contava com 27 mil domínios. Hoje são
Comunicações firmaram um convênio de mais de 3 milhões”, pontuou o presidente da
cooperação no valor de R$ 98 milhões, FAPESP, Celso Lafer. “A FAPESP abriu-se para
no dia 18 de dezembro passado, para apoiar ajudar o CGI num momento em que ainda não
pesquisas científicas e tecnológicas que existia o NIC.br, e esse apoio foi fundamental”,
contribuam para o desenvolvimento da ressaltou o ministro Marco Antonio Raupp,
internet no Brasil. O valor corresponde aos do MCTI. Os recursos serão distribuídos entre
recursos remanescentes do período em que a projetos apresentados por pesquisadores de
FAPESP, por delegação do Comitê Gestor da todo o país, proporcionalmente ao número
Internet no Brasil (CGI.br), geriu as atividades de registros de domínios solicitados por cada
de registro de domínio e alocação de estado naquele período. São Paulo contará
endereços IP no país, entre 1998 e dezembro com 47% dos R$ 98 milhões para apoiar
de 2005, quando essa tarefa foi assumida projetos no âmbito do convênio que envolve
pelo Núcleo de Informação e Coordenação do os dois ministérios e a FAPESP.

no primeiro ano o aluno tenha acesso a des volumes de dados já foi alcançada pe-
centenas de planilhas sobre um determi- lo setor privado, observa Gilberto Câma-
nado experimento disponíveis na inter- ra, pesquisador de geoinformática e mo-
net e seu desafio seja descobrir conheci- delagem ambiental do Instituto Nacional
mento novo em meio àquele volume de de Pesquisas Espaciais (Inpe) e diretor
informações”, explica o professor. “O da instituição entre 2005 e 2012. “Bancos
problema de pesquisa se transformou. e sites de comércio eletrônico criaram
Trata-se de extrair conhecimento de um uma estrutura de gerenciamento de da-
volume grande de informações, na maio- dos gigantesca para obter informações
ria das vezes com dados heterogêneos.” sobre os clientes e seus hábitos e prestar
Diversas iniciativas internacionais en- serviços, mas a forma como estão organi-
frentam os desafios de eScience, caso do zados arquivos científicos mudou muito
Institute for Data Sciences and Engi- pouco”, afirma, citando como exemplo
neering, da Universidade de Colúmbia. as 500 mil imagens de satélite ofereci-
Organizado em temas interdisciplinares, das gratuitamente pelo Inpe. “Eu posso
Biota, de identificação da biodiversidade pesquisa formas de extrair informações baixar uma por uma, mas quem precisa
paulista, o Bioen, de pesquisa em bioener- de mídias on-line, de monitorar e melho- gerenciar mais de 200 fotos pessoais sabe
gia, o Programa FAPESP sobre Pesquisa rar o uso da infraestrutura urbana ou de a dificuldade que isso gera. Um desafio
em Mudanças Climáticas Globais ou o aprimorar o sistema de atendimento de do eScience é fazer com que o conjun-
Cinapce, de pesquisas sobre o cérebro. A saúde utilizando dados de pacientes e to delas possa ser analisado sem que eu
experiência dos 46 projetos de pesquisa, registros de saúde pública. Outro exem- precise baixá-las”, afirma.
32 deles já concluídos, do Instituto Mi- plo é o eScience Institute, da Universi- Câmara cita um artigo da revista Scien-
crosoft Research-FAPESP de Pesquisas dade de Washington, EUA, que abriga ce, publicado em novembro passado, com
em Tecnologia de Informação, iniciativa pesquisas que vão desde astronomia até os resultados da pesquisa de um grupo
que busca aplicações de alcance social em biologia marinha. Há também telescó- que mapeou as mudanças na cobertu-
tecnologia de informação, sinaliza que há pios virtuais, como o SkyView, da Nasa, ra de florestas do mundo entre 2000 e
uma comunidade de pesquisadores apta que permitem que milhões de pessoas 2010, a partir de 650 mil imagens do sa-
a participar do novo programa. acessem dados astronômicos do uni- télite Landsat. “O Google, que tem uma
verso. Existe ainda a iniciativa mundial infraestrutura poderosa em sistemas de
Planilhas de observatórios astronômicos vir­tuais, armazenamento e está na liderança nesse
O advento do eScience se relaciona com para processar dados astronômicos mun- campo, franqueou ao grupo de pesquisa
mudanças na forma de fazer ciência. “Até dialmente, permitindo que milhões de o acesso às imagens. Há uma revolução
poucos anos atrás, um doutorado em pessoas acessem o universo. Outro exem- em andamento no tratamento de dados
biologia, por exemplo, dependia de um plo é o LHC, o maior acelerador de par- científicos. Ela vai permitir que se faça
conjunto de experimentos nos dois ou tículas do mundo, cujos resultados são ciência de um jeito diferente, em que
três primeiros anos, compilados depois processados mundialmente. será possível levar o pesquisador até os
numa planilha cujos dados eram analisa- A expertise que os cientistas buscam dados e não mover os dados para o pes-
dos no último ano. Já hoje é comum que para extrair informações em meio a gran- quisador.” n Fabrício Marques

pESQUISA FAPESP 215  z  41


Políticas públicas y

1991

Quarta edição do Inventário florestal ampliará em 100 vezes


a resolução espacial da vegetação nativa em São Paulo

Carlos Fioravanti

O
Instituto Florestal de São Paulo embora em uma escala não tão detalhada escolhida no início de janeiro por meio
(IF) deve começar a produzir (ver Pesquisa FAPESP nº 170). de pregão eletrônico e imediatamente
neste mês de janeiro a quarta “Foi o próprio secretário de Meio Am- começar a produção dos mapas, sob su-
edição do Inventário florestal biente do estado, Bruno Covas, que pediu pervisão da equipe do instituto.
da vegetação natural do estado de São para fazer uma versão atualizada do in- “As imagens que usaremos já estão
Paulo, que delimita as áreas de vege- ventário, em maio de 2013”, relata Marco aqui”, diz Nalon, indicando um dos três
tação nativa ou de reflorestamento no Aurélio Nalon, pesquisador do IF e coor- hard discs sobre sua mesa de trabalho,
território paulista. Em vez de imagens denador do trabalho. O Inventário flores- entre três monitores de computador;
de satélite, como nas versões anteriores, tal tornou-se um documento fundamental nas paredes estão as fotos de montanhas
a equipe do Florestal usará fotografias para a definição de diretrizes oficiais ca- dos Estados Unidos que ele escalou ao
aéreas, cedidas pela Empresa Paulista de pazes de auxiliar as políticas ambientais e longo de sua carreira de montanhista
Planejamento Metropolitano (Emplasa), para os estudos sobre biodiversidade no iniciada em 1985. “São 1.292 ortofotos
desse modo ampliando a resolução espa- estado. A segunda edição, lançada publi- aéreas do estado de São Paulo, na es-
cial em 100 vezes, em comparação com camente em 2003 com apoio do Progra- cala 1 para 25 mil, com resolução espa-
a terceira edição, concluída em 2009. ma Biota-FAPESP, motivou a criação de cial de 1 metro.” Ele compara: nas duas
O ganho de resolução espacial deverá uma lei de proteção dos remanescentes primeiras versões do inventário, a área
ampliar o tamanho conhecido da área de de vegetação nativa no território paulista mínima analisada era de 2 a 3 hectares,
vegetação nativa – mata atlântica, cer- (ver Pesquisa FAPESP nº 91). equivalente a dois ou três campos de
rado e manguezais – em São Paulo. Na futebol. Em 2010, na terceira edição, a
terceira versão do inventário, o uso de Um Mapa A cada dois meses área mínima encolheu para 2.500 me-
imagens de satélite com uma resolução O planejamento da quarta edição, orçada tros quadrados (m2), um quarto de um
quatro vezes maior que a da edição an- em R$ 2 milhões, prevê a produção de campo de futebol, com muito mais de-
terior permitiu a visualização de áreas um mapa simplificado a cada dois me- talhes. Agora, segundo ele, com as fo-
que passavam despercebidas e aumentou ses, por bacia hidrográfica, para auxiliar tos aéreas, a área mínima será de 900 a
em 25% a área de campos e florestas em as atividades em campo de órgãos de 1.000 m2, ou um décimo de um campo
diferentes estágios de conservação, hoje fiscalização como a Polícia Ambiental de futebol. “Esse é o material de nossos
de 4,34 milhões de hectares, o equivalen- e o Departamento de Proteção de Re- sonhos”, comemora.
te a 17,5% do território paulista. Outros cursos Naturais. Outra novidade é que a O aumento de resolução e o novo mo-
estados, como Rio de Janeiro e Minas produção dos mapas, pela primeira vez, delo de organização, que permitirá a pro-
Gerais, fizeram estudos semelhantes, será terceirizada. A empresa deverá ser dução contínua de mapas ao longo de um

42  z  janeiro DE 2014


2008

Cada vez mais perto:


20 anos de uma mesma manguezal e cerrado – e de refloresta-
área de Dracena, região
do noroeste paulista com
mento de pínus e eucalipto estão pinta-
um dos menores índices das a mão em diferentes cores, as áreas
de vegetação nativa no urbanas estão em branco, papeizinhos
estado de São Paulo datilografados nomeiam as unidades de
conservação.
2014 Nalon, físico de formação, recebeu em
1991 a tarefa de modernizar a produção
do mapa de vegetação nativa do estado
de São Paulo usando computação gráfica
e programas de interpretação de ima-
gens. Pelo método anterior, totalmente
manual, era difícil ver se uma área de
cobertura vegetal tinha crescido ou di-
minuído de um ano para outro. “Colo-
cávamos a imagem de satélite em uma
mesa de luz, depois uma folha transpa-
rente sobre a imagem, e, com nanquim,
desenhávamos os fragmentos de vegeta-
ção nativa, fazíamos a mão os contornos
e um aparelho nos dava a área de cada
fragmento”, ele recorda. “Fazíamos as
fichas dos fragmentos, cada um com um
número, e digitávamos em uma planilha
eletrônica, no computador.” n
imagens  instituto florestal do estado de são Paulo

ano, representam um avanço e tanto sobre tografava e fazia redução para escala 1 Publicações
a primeira edição do Inventário florestal, para 250 mil”, relembra Nalon. “Quando KRONKA, F.J.N. et al. Inventário florestal do estado de
em 1993. O primeiro mapa produzido a alguém por aqui começa a reclamar da São Paulo. IF, 1993.

partir de imagens do satélite Landsat, de- vida, eu pergunto: ‘Quer pintar?’. E man- KRONKA, F.J.N. et al. Áreas de domínio do cerrado no
estado de São Paulo. IF, 1998.
pois de dois anos de trabalho manual, tem do ver o mapa. Hoje as imagens são todas KRONKA, F.J.N. et al. Inventário florestal das áreas reflo-
4 metros de largura por 3 metros de altura escaneadas e a interpretação é semiauto- restadas do estado de São Paulo. IF, 2002.
KRONKA, F.J.N. et al. Inventário florestal da vege-
e ocupa hoje uma das salas do Laborató- mática, mas já pintei muito mapa, como tação natural do estado de São Paulo. IF, 2005.
rio de Geoprocessamento do instituto. este, com caneta hidrográfica.” Visto de KRONKA, F.J.N. et al. Inventário florestal da vegetação
natural do estado de São Paulo: Regiões Administrativas
“A gente colava na parede 416 cartas perto, o mapa é claramente artesanal: de São José dos Campos (Litoral), Baixada Santista e
topográficas do IBGE, emendava, fo- as áreas de vegetação – mata atlântica, Registro. IF, 2007.

pESQUISA FAPESP 215  z  43


ciência  Endocrinologia y

44  z  janeiro DE 2014


Despertar
precoce
Pesquisadores brasileiros
identificam o primeiro gene
associado a forma hereditária
de puberdade prematura

Ricardo Zorzetto

H
á cerca de 7 anos a médica Ana Claudia Latro-
nico atendeu no ambulatório de endocrinologia
pediátrica do Hospital das Clínicas (HC) de São
Paulo um caso que lhe chamou a atenção e acabou
por conduzir à identificação, em meados de 2013,
do primeiro gene associado à puberdade precoce de origem
hereditária. Era uma menina de 5 anos que já apresentava os
primeiros sinais da puberdade. As mamas começavam a se for-
mar e os pelos cresciam mais espessos nas axilas e na região
pubiana, dois sinais de que os hormônios sexuais, produzidos
em maior quantidade só no final da infância, já circulavam
em níveis elevados no corpo da garota. Pouco frequentes na
população, casos como esse de puberdade que ocorre muito
antes do tempo adequado até são comuns no maior hospital
da América Latina, para onde são encaminhados os proble-
mas mais raros e complexos do país.
O que despertou o interesse de Ana Claudia, no entanto, foi
ilustrações sandra javera

outro motivo. A menina havia chegado ao hospital por iniciativa


da avó paterna, então uma senhora de 69 anos, que tinha entrado
na puberdade cedo e menstruado pela primeira vez aos 9 anos.
Semanas mais tarde a avó retornou com uma segunda neta, fi-
lha de outro filho, e anos depois com uma terceira, nascida do

pESQUISA FAPESP 215  z  45


Infância roubada
Defeitos no gene MKRN3 antecipam a liberação de hormônio que regula o amadurecimento sexual

cérebro 1 Alterações no gene


MKRN3 geram versões
defeituosas de proteína
que deveria bloquear a
produção do hormônio
GnRH, que comanda o
amadurecimento sexual

Hipotálamo

2 Sem esse freio,


o GnRH fabricado
no hipotálamo chega
à hipófise induzindo
Glândula pituitária
a produção de dois
hormônios, o LH e o FSH
gônadas

3 Nos ovários e nos


testículos, o LH e o FSH
estimulam a produção
de hormônios que fazem
o corpo crescer e os
genitais amadurecerem

Fonte  ana claudia latronico / usp

segundo casamento do primeiro filho. Em comum, em junho de 2013 em um artigo no New England
todas apresentavam as mudanças corporais da Journal of Medicine (NEJM), o desenvolvimento
puberdade bem antes da hora em que costumam acelerado do corpo que marca a transição da in-
surgir na maioria das crianças: a partir dos 8 anos fância para a idade adulta havia começado antes
nas meninas e dos 9 anos nos meninos. do tempo por causa do aumento prematuro na
produção do hormônio liberador das gonadotro-

E
ssa sequência de casos na mesma família finas: o GnRH, que comanda o amadurecimento
– mais tarde chegariam a seis – levou Ana sexual do organismo – esses casos são chamados
Claudia a desconfiar de uma origem genética de puberdade precoce central ou verdadeira.
para o problema, algo em que poucos especialistas Produzido no cérebro por um pequeno grupo
pensavam na época, e a iniciar uma procura ativa de neurônios do hipotálamo, o GnRH funciona
entre os parentes das crianças atendidas por ela como o acelerador de um carro. Esse hormônio
e sua equipe no HC. “Passamos a conversar com é liberado em pulsos mais rápidos na puberdade,
as mães, que em geral são quem leva as crianças induzindo a glândula hipófise a produzir dois ou-
às consultas, sobre a puberdade do pai, dos tios e tros hormônios sexuais: o homônio luteinizante
dos avós”, lembra a endocrinologista. Perguntas (LH) e o hormônio folículo estimulante (FSH).
como “com que idade a avó menstruou pela pri- Esses hormônios são lançados na corrente san-
meira vez?” ou “na família há casos de homens que guínea e viajam até os ovários e os testículos, onde
começaram a fazer a barba muito cedo?” ajudaram ativam a liberação de outros hormônios sexuais
esse grupo da Faculdade de Medicina da Univer- que fazem o corpo crescer e amadurecer do pon-
sidade de São Paulo (USP) a encontrar mais 11 fa- to de vista reprodutivo (ver infográfico acima).
mílias brasileiras com mais de um caso de puber- Com os dados daquelas 32 pessoas em mãos,
dade precoce entre os parentes de primeiro grau. faltava descobrir o que havia levado o corpo delas
Exames clínicos e testes hormonais confirma- a secretar mais GnRH antes da hora. O grupo de
ram que nessas 12 famílias brasileiras e em ou- Ana Claudia, em parceria com pesquisadores da
tras 3 estrangeiras havia 32 pessoas que tinham Santa Casa de São Paulo, da Universidade Federal
entrado na puberdade muito cedo, em média de Minas Gerais, da Universidade de Leuven, na
aos 6 anos. Em todos esses casos, apresentados Bélgica, e da Universidade Harvard, nos Estados

46  z  janeiro DE 2014


Unidos, decidiu sequenciar o material genético
desses participantes em busca de alterações que Herança incomum
pudessem explicar o início antecipado da puber-
dade. Um terço deles (oito pessoas) apresentou Alteração genética só se manifesta se transmitida pelo pai
defeitos em um mesmo gene: o MKRN3, hoje
considerado o primeiro gene responsável por
uma forma hereditária de puberdade precoce.
“Esse resultado é importante porque os deter-
minantes do início da puberdade permanecem
um dos mistérios não resolvidos da biologia”,
comenta o endocrinologista Jean-Claude Ca-
rel, da Universidade Paris Diderot e do Centro
de Referência em Doenças Endócrinas Raras do
Crescimento, na França. Especialista de renome
internacional que investiga a puberdade precoce
central, Carel observa: “A puberdade está asso-
ciada a uma série de desfechos físicos e psico-
lógicos de longo prazo, e compreender melhor Puberdade precoce
o que define seu início cria a oportunidade de
contribuir para questões de saúde como câncer,
comportamentos de risco e abuso de drogas”. Puberdade normal

Para Erica Eugster, da Universidade da Saúde


de Indiana, Estados Unidos, “esse achado repre-
senta um avanço importante na determinação da
base genética da puberdade precoce central”, em
especial por envolver uma forma até então des-
conhecida de controle da produção do GnRH.
Ana Claudia conta que jamais imaginou encon-
trar um gene que estivesse alterado em 33% das
pessoas com a forma hereditária de puberdade
precoce. “Em geral, as alterações em genes não
afetam mais do que 10% das pessoas com deter- zes mais comum em meninas do que em meninos.
minada doença genética”, explica. Além de muito Mas estatísticas internacionais indicam que em
frequentes nos casos em que a puberdade precoce média uma criança em cada grupo de 5 mil ou 10
se manifesta em mais de uma geração da mesma mil entra na puberdade muito antes do esperado.
família, as mutações no MKRN3 também estão se Em 90% das vezes ignora-se a causa da puberdade
revelando comuns nas pessoas com puberdade antecipada e os médicos têm de se contentar em
precoce central sem origem hereditária. dizer que a origem é idiopática (desconhecida).
Quase sempre esses casos se manifestam isolados,

O
grupo de São Paulo e seus colaboradores em apenas uma pessoa da família, o que elimina
acompanham 215 crianças – atendidas em a suspeita de hereditariedade. Análises genéticas
São Paulo, Ribeirão Preto, Campinas e na até costumam revelar alterações em um gene ou
Macedônia, no Leste Europeu – em que a puber- outro. Mas, até onde se sabe, são defeitos surgidos
dade prematura se manifestou de modo isolado, ao acaso, sem evidências de que foram trasmitidos
sem afetar outras pessoas da família. Mesmo as- pelos pais. Ao menos, era o que se pensava.
sim, segundo estudo submetido para publicação A partir do trabalho do NEJM, os pesquisado-
no Journal of Clinical Endocrinology and Metabo- res começaram a suspeitar de que muitos casos
lism, a proporção de pessoas com o gene MKRN3 familiares podem ter passado despercebido por-
defeituoso é elevada: cerca de 3%. que os médicos não perguntam sobre o restante
“Ainda que as alterações nesse gene expliquem da família. “Nossos dados indicam que os casos de
só 3% dos casos, já é um grande avanço”, afirma o origem familiar não são tão raros assim”, comenta
pediatra Gil Guerra Junior, da Univesidade Esta- a médica Berenice Bilharinho de Mendonça, da
dual de Campinas, colaborador de Ana Claudia. USP. Foi ela quem, nos anos 1980, criou no HC a
“Todo serviço de endocrinologia pediátrica re- Unidade de Endocrinologia do Desenvolvimento,
cebe casos de puberdade precoce e a maior frus- onde, além dos casos de puberdade precoce, são
tração dos médicos é não descobrir a origem do atendidos e tratados os distúrbios da diferencia-
problema na maior parte das vezes”, diz. ção sexual e do crescimento.
No Brasil faltam levantamentos populacionais Trabalhando com Berenice desde 1987, Ana
sobre os casos de puberdade precoce, que é 10 ve- Claudia e seu grupo já haviam identificado mu-

pESQUISA FAPESP 215  z  47


tações em outros dois genes ligados à via bioquí- O problema de perder o freio é que,
mica de produção do GnRH. Essas mutações tam- no início da infância, o carro não está
bém provocavam o início precoce da puberdade. preparado para correr. “O aumento pre-
Mas, recorda Ana Claudia, em “casos isolados”. coce na produção de GnRH acelera o Com o início
Um desses genes alterados foi encontrado em crescimento muito cedo, mas a criança
um menino de apenas 1 ano que já apresentava cresce por menos tempo”, conta Guerra. antecipado
crescimento de pelos pelo corpo, aumento do Entre os primatas, os seres humanos são
volume dos testículos e do tamanho do pênis. os que levam mais tempo para atingir a
da puberdade,
A radiografia das mãos indicava que seus ossos maturidade. “O ser humano cresce do a criança
eram tão desenvolvidos quanto os de uma crian- nascimento até os 20 anos”, diz o pedia-
ça de 3 anos. Num período que passou no labo- tra. “Imagine as consequências de parar começa a crescer
ratório de Ursula Kaiser, em Harvard, a médica de crescer aos 8 ou 9 anos.”
Letícia Gontijo Silveira verificou que as células Os primeiros sinais da puberdade mais cedo,
do garoto traziam cópias danificadas do gene observados pelos pais e pediatras, além
que codifica a kisspeptina-1, proteína cerebral dos pelos, é o desenvolvimento das ma-
mas cresce por
que ativa a liberação de GnRH. Dois anos antes mas, nas meninas, e dos genitais, nos menos tempo
Milena Teles, também da equipe de Ana Claudia, meninos. Quase sempre, porém, o corpo
havia encontrado em uma menina que começara todo já cresce num ritmo mais acele-
a desenvolver as mamas no primeiro ano de vida rado – é o estirão de crescimento, que
e aos 7 anos já as tinha formadas uma mutação na puberdade normal ocorre no fim da
em outro gene dessa mesma família, que codifica primeira década de vida. O aumento nos
o receptor da kisspeptina-1. Nos dois casos, a ver- níveis do estradiol, um dos hormônios
são defeituosa do gene aumentava precocemente sexuais, faz os ossos se alongarem mais rapida-
a liberação do GnRH e antecipava a puberdade. mente. Mas suas extremidades se consolidam
Essas mutações funcionavam como um pisão no mais cedo, cessando o crescimento. “Se a puber-
acelerador do carro. dade não for bloqueada no início, a criança pode
não atingir todo o seu potencial de crescimento

S
e a kisspeptina-1 e seu receptor integram o e, quando adulta, ficar de 10 a 12 centímetros
sistema de aceleração, a proteína produzida mais baixa do que as pessoas da mesma idade”,
pelo gene MKRN3 parece atuar na frena- conta Ana Claudia.
gem. Esse papel só começou a ficar claro com o A transformação do corpo vem acompanhada
trabalho da médica Ana Paula de Abreu, da equipe de mudanças no comportamento. “Muitas crian-
da USP. Na parte de seu pós-doutorado feita em ças assumem atitudes de pré-adolescentes”, diz
Harvard, ela registrou a expressão do MKRN3 a psicóloga Marlene Inácio, que há mais de 20
no cérebro de camundongos do 10º ao 60º dia anos acompanha os casos atendidos no HC. Bem
de vida, período correspondente à infância e ao antes do normal, elas passam a questionar os pais
início da idade adulta de uma pessoa. Por volta e a querer mandar nas crianças da mesma idade.
do 20º dia, no início da puberdade, a expressão
do gene caiu para 5% do nível inicial. Para Ana
Paula, esse dado reforça a ideia de que a proteína
produzida pelo MKRN3 saudável funciona como
um bloqueador temporário da puberdade. Já as
nove alterações encontradas em casos familia-
res e isolados de puberdade precoce produzem
o efeito contrário: seriam como a perda do freio.
A análise dos casos familiares revelou um padrão
incomum de herança e manifestação desses defei-
tos. Basta uma cópia alterada do gene (há duas em
cada célula) para adiantar a puberdade. Mas essa
cópia tem de ter vindo do pai. “As cópias de ori-
gem materna são silenciadas por mecanismos
epigenéticos”, conta Ana Claudia.
Mesmo nos casos considerados isolados, sem
história familiar, os pesquisadores verificaram
que o gene defeituoso havia sido herdado do pai.
“Os pais são portadores assintomáticos”, conta
Ana Paula. “Esses dados mostram que os casos
considerados esporádicos do ponto de vista clí-
nico são, na realidade, hereditários.”

48  z  janeiro DE 2014


Tão logo identificam sinais da puberdade an-
tecipada e confirmam a necessidade de trata-
mento, os médicos receitam injeções mensais
ou trimestrais de um composto com estrutura
química semelhante à do GnRH. Fornecida pelo
sistema público de saúde e considerada de alto
custo – R$ 500,00 a R$ 800,00 por mês –, essa
medicação interrompe temporariamente a ação
do hormônio. O objetivo do tratamento, que dura
até por volta dos 12 anos, é preservar a capaci-
dade de crescimento da criança e fazer os sinais
da puberdade regredirem. “Alguns meses após o
início do tratamento, a criança volta a se compor-
tar como as outras de sua idade”, conta Marlene.
Recentemente o endocrinologista Vinicius
Nahime de Brito e a psicóloga Tais Menk ini-
ciaram no HC um estudo com 60 meninas com
idade entre 6 e 11 anos para avaliar como as trans-
formações antecipadas no corpo afetam o de-
senvolvimento emocional. Por meio de testes
psicológicos, eles avaliaram a personalidade e o
grau de estresse antes, durante e depois do trata-
Marlene conta que é comum as meninas irem às mento. Os resultados preliminares sugerem que
consultas com as unhas pintadas e usando ma- as meninas com puberdade precoce apresentam
quiagem. Os meninos se tornam retraídos e mais imagem corporal inadequada, isolamento social
inquietos e agressivos. “A criança percebe que e sexualidade exacerbada, além de medo e senti-
o corpo mudou, mas não compreende a trans- mento de inferioridade mais intensos do que as
formação do ponto de vista subjetivo”, explica. crianças da mesma idade com desenvolvimento
“Durante a infância meninas e meninos agem normal, sinais que amenizam com o bloqueio do
como inimigos”, conta o pediatra Durval Damiani, GnRH. “O nível de estresse era maior no grupo
do Instituto da Criança da USP. Mas, assim que pré-tratamento do que no pós-tratamento”, con-
a puberdade começa, surge o interesse pelo sexo ta Tais. “Embora o número de crianças avaliado
oposto. “A menina, por exemplo, passa a gostar ainda seja pequeno”, completa Brito, “os dados
do coleguinha de classe”, conta. E os pais, em reforçam nossa hipótese de que a puberdade pre-
especial das meninas, passam a temer o risco de coce provoca um nível de estresse mais elevado.”
violência sexual e uma possível gravidez. Cuidando de casos de puberdade precoce há
quase três décadas, Berenice avalia a identificação

E
mbora haja uma tendência de antecipação dos defeitos no gene MKRN3 como um trunfo. “Até
da puberdade nos países ocidentais nos úl- então, só conhecíamos alterações genéticas com
timos tempos – dados europeus indicam ação estimuladora sobre o GnRH”, explica Bere-
que a idade da primeira menstruação passou de nice. “Essa descoberta abre a possibilidade de um
17 anos no início do século XIX para 13 anos em dia conseguirmos atuar na via inibitória.” Embora
meados do século XX –, nem sempre esse avanço o tratamento atual seja eficaz, 5% das crianças têm
antecipado no desenvolvimento do corpo repre- alergia à medicação. Caso essa linha de pesquisa
senta um problema de saúde. “Muitos casos de tenha sucesso, talvez se torne possível retardar a
puberdade precoce são uma variante do normal puberdade não só tirando o pé do acelerador, mas
e não precisam ser tratados”, afirma Damiani. também pisando no freio. n
“Muitas vezes a criança começa a apresentar aos
7 anos os primeiros sinais de puberdade, como o
desenvolvimento das mamas, mas a idade óssea Projeto
é normal e ela só vai menstruar aos 12.” Nessas Caracterização molecular das doenças endócrinas congênitas que
situações, o ideal é acompanhar o caso de perto. afetam o crescimento e o desenvolvimento (05/04726-0); Moda-
lidade Projeto Temático; Coord. Ana Claudia Latronico - FM/USP;
Numa idade em que o comum é a interação com Investimento R$ 1.372.370,77 (FAPESP).
outras crianças, as que entram na puberdade cedo
demais podem se sentir rejeitadas. As meninas Artigos científicos
que menstruam muito cedo, por exemplo, passam ABREU, A. P. et al. Central precocious puberty caused by mutations

a evitar ir ao banheiro com as colegas com medo in the imprinted gene MKRN3. New England Journal of Medicine.
27 jun. 2013.
de que descubram. “Ser diferente nessa idade TELES, M. G. et al. A GPR54-activating mutation in a patient with central
traz sofrimento emocional”, conta Ana Claudia. precocious puberty. New England Journal of Medicine. 14 fev. 2008.

pESQUISA FAPESP 215  z  49


cérebro
com alzheimer e
cérebro com demência
com alzheimer e
sem demência

cérebro
saudável

sintomas
do alzheimer
e alterações
no córtex,
no hipocampo
e nas amídalas

Quantidade
8,49 bilhões
de placas
de neurônios
neuríticas

11,34 bilhões
de neurônios

Quantidade 3,49 células da


de neurônios 12,07 bilhões glia/neurônio
no córtex, de neurônios
no hipocampo
e nas amídalas 1,80 célula da
glia/neurônio

Córtex

1,72 célula da
glia/neurônio
Número de células
da glia para
cada neurônio
no córtex,
no hipocampo
e nas amídalas

Hipocampo Amídala
NEUROCIÊNCIA y

Pesquisadores querem entender o que faz o cérebro de algumas


pessoas resistir aos efeitos do mal de Alzheimer

Igor Zolnerkevic

O
s cérebros de quatro senho- em dezembro na Brain, concluiu que o zheimer, os neurônios atrofiam e mor-
ras com idades entre 80 e 82 número de neurônios dos assintomáti- rem. Como consequência, o volume do
anos que morreram recente- cos é praticamente igual ao de idosos hipocampo e a espessura do córtex dimi-
mente em São Paulo contam saudáveis, diferentemente do que se vê nuem, o que pode ser visto em imagens
um pouco mais sobre a complexidade no cérebro de pessoas com Alzheimer de ressonância magnética. Segundo o
do mal de Alzheimer. Amostras desses que desenvolvem demência, a perda de neurologista Márcio Balthazar, que aten-
cérebros, doados ao banco de encéfalos da memória e da capacidade cognitiva. Na de pessoas com Alzheimer no Hospital
Universidade de São Paulo (USP), foram demência há uma redução drástica de das Clínicas da Universidade Estadual de
analisadas ao microscópio e revelaram neurônios no hipocampo e no córtex, as Campinas (Unicamp), as neuroimagens
o amontoado de placas e emaranhados regiões cerebrais responsáveis pela con- podem ajudar no diagnóstico da doença,
de proteínas que são a marca típica dos solidação da memória e pelo raciocínio. mas ainda não substituem os testes labo-
estágios avançados do Alzheimer. Era Em média, uma em cada 10 pessoas ratoriais, clínicos e psicológicos.
de esperar, portanto, que essas mulheres com mais de 65 anos apresenta os sinais Em parceria com o neurologista Fer-
tivessem sofrido na última década de vida clínicos do Alzheimer. A doença se mani- nando Cendes, da Unicamp, Balthazar
sérios problemas de perda de memória festa primeiro com pequenos deslizes de e seus colaboradores vêm apostando no
e de cognição, como dificuldade de se memória, que com o tempo ficam mais aperfeiçoamento de uma nova forma de
expressar e de perceber o espaço a sua frequentes, seguidos de falhas no julga- identificar o Alzheimer precocemente:
volta. Entrevistas com familiares e cui- mento moral, na percepção do espaço e o uso de neuroimagens para avaliar a
dadores das idosas, porém, provaram que do tempo e do aumento na dificuldade atividade cerebral, e não apenas a ana-
elas viveram lúcidas até o fim. de se comunicar. A sobrevida média é de tomia. A ideia é observar em imagens de
“Ninguém entende exatamente por oito anos, ao longo dos quais os sintomas ressonância magnética funcional a ati-
infográficos ana paula campos  ilustrações  fabio otubo

que essas pessoas não desenvolveram se agravam até a incapacitação total. vidade do cérebro quando os pacientes
demência”, admite o neuroanatomista Há algum tempo se sabe que a demên- estão relaxados, sem pensar em nada.
Carlos Humberto Andrade-Moraes, da cia é provocada pela destruição das si- “Mesmo com a pessoa em repouso, ve-
Universidade Federal do Rio de Janei- napses, os trilhões de conexões entre mos que algumas áreas do cérebro são
ro (UFRJ). Seu doutorado, feito sob a os 86 bilhões de neurônios, as células ativadas simultaneamente, pulsando em
supervisão do neurocientista Roberto cerebrais que armazenam e transmitem uma mesma frequência, o que sugere
Lent, da mesma universidade, é o pri- informações, das quais emergem as me- que sejam grupos de neurônios se co-
meiro no mundo a analisar o número mórias e os pensamentos. Um neurônio municando”, explica Balthazar. “Uma
total de células do cérebro de idosos co- saudável recebe até 10 mil sinapses de pessoa com Alzheimer tem essa rede
nhecidos como doentes de Alzheimer outros neurônios, trocando sinais elé- menos conectada.”
assintomáticos. O estudo, publicado com tricos e substâncias que o mantêm vivo. Em artigo publicado em novembro na
outros pesquisadores da UFRJ e da USP Impedidos de manter as sinapses no Al- Psychiatric Research: Neuroimaging, o

pESQUISA FAPESP 215  z  51


A proteína do esquecimento
Amontoados de beta-amilioide interrompem conexões entre neurônios

1  molécula defeituosa 2 SINAPSEs interrompidas 3  morte celular

Sem sinapses
para trocar
Os oligômeros interferem neurotransmissores,
na troca de o neurônio isolado
Versões deformadas da proteína neurotransmissores entre atrofia No interior dos
Acredita-se que um
beta-amiloide se acumulam dentro e neurônios, interrompendo neurônios, os
mecanismo desconhecido
fora do neurônio, formando oligômeros as sinapses emaranhados
tente eliminar os
(pequenos aglomerados) e placas neurofibrilares
oligômeros, muito
neuríticas (grandes aglomerados) contribuem para
tóxicos, agregando-os em
a sua morte
placas neuríticas
Fonte carlos alberto andrade-moraes / ufrj

grupo da Unicamp conseguiu distinguir as responsáveis pelas disfunções sináp- A comparação dos exames clínicos a que
com cerca de 70% de acerto as neuroi- ticas. Mas estudos recentes feitos pela essas pessoas eram submetidas periodica-
magens da atividade cerebral em repou- equipe da neurocientista Fernanda De mente com a análise de seus cérebros após
so de pessoas com sintomas moderados Felice e do bioquímico Sergio Teixeira a morte revelou que de 25% a 40% dos ca-
de demência daquelas de idosos saudá- Ferreira, ambos da UFRJ, vêm demons- sos diagnosticados histologicamente como
veis. Os pesquisadores observaram ainda trando que as placas, apesar de tóxicas, sendo Alzheimer não haviam desenvolvi-
uma relação entre as falhas de conexão não são a causa principal da eliminação do demência. “Embora permaneça du-
da rede e o grau de perda de memória. das sinapses e da morte dos neurônios vidoso se esses indivíduos continuariam
(ver Pesquisa FAPESP n. 157). clinicamente normais se tivessem vivido
quanto mais cedo melhor De fato, as placas são formadas pelo mais tempo, eles parecem ter sido capazes
“Esperamos aperfeiçoar o método pa- acúmulo de pequenas moléculas de beta- de compensar ou atrasar o aparecimento
ra realizar o diagnóstico cada vez mais -amiloide. Normalmente produzida pelo dos sintomas de demência”, escreveu em
precocemente”, conta Balthazar. Apesar cérebro, essa proteína sofre deformações 2012 o neuropatologista Juan Troncoso,
de o Alzheimer permanecer sem cura, no Alzheimer. Muitos pesquisadores, da Universidade Johns Hopkins, Esta-
quanto antes o diagnóstico for feito mais porém, hoje acreditam que são amon- dos Unidos, um dos primeiros a chamar a
eficazes são as intervenções que aliviam toados bem menores de beta-amiloide atenção para os pacientes assintomáticos.
os sintomas: o uso de inibidores de ace- – os oligômeros, capazes de se difundir Segundo Andrade-Moraes, antes do
tilcolinesterase e a realização de terapia para dentro e para fora dos neurônios – estudo publicado na Brain nenhum tra-
ocupacional, reabilitação psicológica e os responsáveis por interferir nas sinap- balho sobre o impacto do Alzheimer no
atividade física, além do planejamento ses. Outras pesquisas sugerem que esses número de células do cérebro havia com-
da família para o futuro. oligômeros também formam os emara- parado indivíduos com e sem demência.
Como a demência senil pode ter outras nhados neurofibrilares, que impedem “Queríamos saber se os assintomáticos
causas – problemas vasculares e outras o transporte de substâncias dentro dos teriam alguma alteração na composição
doenças degenerativas –, o diagnóstico neurônios e contribuem para a sua mor- das células cerebrais”, ele diz.
do Alzheimer em geral só é confirma- te. Segundo esse raciocínio, a formação A pesquisa foi feita em parceria com
do após a morte. A autópsia do tecido das placas seria uma tentativa do orga- a equipe da neuropatologista Lea Grin-
cerebral revela um excesso das chama- nismo de varrer os oligômeros para fora berg, coordenadora do Banco de Encéfa-
das placas neuríticas, ancoradas em ra- das células e para longe das sinapses. “As los Humanos da USP, que, além de ana-
mificações dos neurônios, e dos ema- placas seriam protetoras e não causado- lisar os cérebros de idosos mortos em
ranhados neurofibrilares, no interior ras da demência”, diz Andrade-Moraes. São Paulo, investiga, por meio de ques-
dos neurônios atrofiados. Esses sinais A descoberta dos doentes de Alzheimer tionários com familiares e cuidadores,
são encontrados especialmente no hipo- assintomáticos reforçou essa hipótese. As como era o desempenho cognitivo dessas
campo e no córtex cerebral. Até alguns primeiras descrições desses casos sur- pessoas até 10 anos antes de sua morte.
anos atrás, a maioria dos pesquisadores giram em estudos que acompanharam Os pesquisadores da USP e da UFRJ se-
acreditava que as placas neuríticas eram centenas de idosos nos Estados Unidos. lecionaram 14 cérebros de mulheres que

52  z  janeiro DE 2014


imagens 1 a 3 ANDRADE-MORAES, C.H. et al. Brain, 2013 4 balthazar, m.l. et al. Psychiatry research, 2013

Cérebro saudável Cérebro com alzheimer sem demência Cérebro com alzheimer com demência

1 2 3

Córtex ao microscópio: as
setas indicam os emaranhados demonstrando que a insulina protege os
neurofibrilares e os círculos,
as placas neuríticas. As áreas
neurônios da ação dos oligômeros. Em
verdes e azuis na imagem ao artigo publicado em dezembro na Cell
lado mostram conexões que Metabolism, eles apresentaram novos me-
começam a falhar na demência canismos neuronais que provocam a perda
de sinapses em camundongos e macacos
com sinais semelhantes aos de Alzheimer.
Parte do doutorado de Mychael Louren-
Cérebro de ço, esse trabalho mostrou ainda que um
remédio usado para tratar diabetes tipo
idosos saudáveis 2, a liraglutida, bloqueou os danos neuro-
nais em modelos animais de Alzheimer.
4
e de idosos Atualmente uma equipe do Imperial Col-
morreram entre os 71 e os 88 anos (a pre- com Alzheimer lege de Londres testa a liraglutida em 200
valência do Alzheimer é um pouco maior pessoas com Alzheimer.
entre as mulheres). Cinco tinham um nível assintomáticos Outra hipótese é que os assintomáticos
de placas considerado normal para a ida- possuem uma maior reserva cognitiva,
de, enquanto as demais apresentavam o apresentam talvez resultado de uma rede de sinapses
excesso característico do Alzheimer. Des- mais complexa do que a dos que desen-
sas últimas, cinco apresentavam sinais de
números volvem demência. Essa reserva permiti-
demência e quatro eram assintomáticas. semelhantes ria resistir mais aos efeitos dos oligôme-
ros. Essa ideia vem da observação de que
menos neurônios, mais glia de células os assintomáticos costumam ser pessoas
Os cérebros foram processados na UFRJ com um nível de escolaridade maior ou
em uma máquina, o fracionador isotró- que aprenderam a falar e a escrever cedo
pico automático, construído pela equipe na infância. Na Unicamp, Balthazar ten-
de Lent (ver Pesquisa FAPESP nº 192). A de-Moraes. Ele, porém, não encontrou ta confirmar o efeito protetor da reserva
máquina transforma porções de cérebro diferença significativa ­– no número de cognitiva comparando a conectividade
em uma suspensão homogênea, contendo neurônios e de células da glia – entre o das redes neuronais em pacientes idosos
o núcleo das células. Anticorpos colori- cérebro de idosos saudáveis e o de idosos com diferentes graus de escolaridade,
dos que se ligam ao núcleo dos neurônios com Alzheimer assintomáticos. hábitos de leitura e vida social. n
permitem distingui-los das demais célu- “Os assintomáticos devem possuir al-
las do cérebro, as células da glia. gum mecanismo fisiológico desconheci-
Projetos
Como esperado, o hipocampo das mu- do que protege suas redes de neurônios
Instituto Brasileiro de Neurociência e Neurotecnologia –
lheres com demência tinha metade do dos efeitos dos oligômeros”, suspeita. Brainn (n° 2013/07559-3); Modalidade Centros de Pesquisa,
número de neurônios encontrado no hi- “Algo afasta os oligômeros das sinapses, Inovação e Difusão (Cepid); Coord. Fernando Cendes – FCM/
pocampo das saudáveis e das assintomá- agregando-os rapidamente em placas.” Unicamp; Investimento R$ 13.621.302,32 (FAPESP).

ticas – aquelas com demência também Para ele, um candidato a explicar esse
Artigos científicos
tinham menos neurônios no córtex todo. mecanismo é a atuação mais eficiente da
ANDRADE-MORAES, C.H. et al. Cell number changes in
Ao mesmo tempo, o cérebro das pes- insulina no cérebro dos assintomáticos. Alzheimer’s disease relate to dementia, not to plaques
soas com demência tinha uma proporção Diferentemente do que ocorre em outros and tangles. Brain. dez. 2013.
maior de células da glia (ver infográfico órgãos, o papel da insulina no cérebro pa- LOURENCO, M.V. et al. TNF- Mediates PKR-dependent
memory impairment and brain IRS-1 inhibition induced by
na página 50). “Essas células aumen- rece não ser o controle do metabolismo de Alzheimer’s ß-amyloid oligomers in mice and monkeys.
tam de número para proteger os neu- açúcar, mas a consolidação da memória Cell Metabolism. 3 dez. 2013.
rônios, mas com o progresso da doença e a formação de novas sinapses. Experi- BALTHAZAR, M.L. et al. Whole cortical and default mode
network mean functional connectivity as potential bio-
provocam uma inflamação que piora os mentos in vitro e com animais feitos por markers for mild Alzheimer’s disease. Psychiatry Re-
sintomas de demência”, explica Andra- Fernanda De Felice e Sérgio Ferreira vêm search. 11 nov. 2013.

pESQUISA FAPESP 215  z  53


Genética y

A origem do
povo dos lagos
Estudo revela que os Uro atuais podem descender
dos primeiros habitantes do altiplano andino

Maria Guimarães

U
ma forma curiosa de agrupa- Aimará travestidos de Uro para atrair família”, diz Santos. “Como buscamos
mento humano chama a aten- visitantes e lucrar com o turismo. A des- uma representatividade das diferentes
ção na porção peruana do lago confiança de que esses povos não seriam famílias, pedimos a participação de só
Titicaca. São as aldeias do povo Uro originais surgiu anos atrás, quando uma pessoa de cada uma delas.” Essa es-
Uro, construídas com a palha do junco- um estudo antropológico revelou que o tratégia reduz a probabilidade de viés na
-totora que cresce naquelas águas. Elas último indivíduo que falava uruquilla, a amostra e aumenta a informação genea-
formam ilhas flutuantes com casas e língua original dos Uro, teria morrido nos lógica disponível de cada comunidade. O
balsas atracadas – tudo feito desse ma- anos 1950. Separadas por mais de 400 grupo da UFMG trabalhou em parceria
terial. “Eles usam o junco para tudo e quilômetros, as comunidades atuais dos com o de Ricardo Fujita, da Universidad
até comem certas partes dele”, conta o Uro, instaladas no lago Titicaca, no Peru, San Martín de Porres, no Peru, e o de
geneticista Fabrício Santos, da Universi- e nos lagos Poopó e Coipasa, na Bolívia, Susana Revollo, da Universidad Mayor
dade Federal de Minas Gerais (UFMG). em geral falam aimará e espanhol. “Por de San Andrés, na Bolívia, e contou com
Ele coordena o Projeto Genográfico na serem descendentes de povos pescadores o crivo de integrantes do Projeto Ge-
América do Sul, parte de um consórcio e coletores, provavelmente os primeiros nográfico mundial antes da publicação.
internacional que usa a genética para habitantes do altiplano andino, os Uro O estudo analisou o DNA de 388 Uro
contar a história das migrações humanas nunca fundaram grandes cidades e se do altiplano andino, uma região árida
desde a sua origem na África, e chegou mantiveram em grupos isolados, viven- com altitude média de 3.750 metros,
a uma conclusão importante em seu es- do sempre junto à água”, conta Santos. entre a porção ocidental e a oriental da
tudo sobre os Uro: “Do ponto de vista cordilheira dos Andes. Essa amostragem
genealógico, eles mantêm uma pegada Reconstrução genealógica incluiu populações das margens perua-
dos seus ancestrais que é bem distinta A amostragem feita pelo Projeto Ge- nas do Titicaca, onde vivem cerca de 2
das outras etnias andinas.” Isso significa nográfico, que busca traçar a ancestra- mil pessoas, e dos lagos bolivianos, que
que os habitantes das aldeias flutuantes – lidade humana, ajuda a desenredar as abrigam por volta de 2.600 Uro. Os dados
assim como os Uro bolivianos, que vivem origens dos grupos de etnias distintas. de variações genéticas do cromossomo Y
em lagos menores e não constroem ilhas Antes de recolher o material genético, e das mitocôndrias permitiram recons-
de junco – são descendentes daqueles os pesquisadores aplicam questionários truir respectivamente as linhagens pa-
que provavelmente foram os primeiros que garantem a participação apenas de terna e materna e mostraram uma gran-
habitantes do altiplano andino. voluntários cujos pais e avós pertencem de heterogeneidade entre os diferentes
Essa conclusão, publicada em setem- à mesma comunidade e falam a língua grupos dos Uro.
bro na revista PLoS One, refuta a suspeita indígena tradicional. “Às vezes encontra- Isso até era esperado. As comunidades
de que os povos que atraem turistas nas mos 200 pessoas querendo participar do dos Uro do Peru e da Bolívia estão isola-
ilhas flutuantes seriam descendentes dos estudo, mas são quase todas da mesma das do ponto de vista genético – não há

54  z  janeiro DE 2014


Entre lagos e montanhas
Mapa mostra a localização das 22 A vida no Titicaca:
comunidades andinas estudadas mulher de uma As conclusões foram bem recebidas
foto  fabrício santos / ufmg  mapa sandoval et al. plos one 2013

comunidade dos
Uro usa canoa
pelas comunidades estudadas, a quem os
Brasil para se deslocar pesquisadores apresentaram os resulta-
entre moitas dos em maio de 2013, antes da publicação
Peru
Bolívia de junco-totora do artigo científico, cujo primeiro autor
é o peruano José Sandoval, um Aimará.
Para deixar claro o significado dos acha-
Lago Titicaca dos genéticos a seus anfitriões, Santos
afirmou: “A genética traz apenas uma in-
formação sobre a ancestralidade dos Uro,
que, a critério da comunidade, pode servir
de apoio para a sua identidade cultural,
Povos
que é bem documentada”. Para o gene-
  Uro
  Quéchua ticista mineiro, o modo de vida de uma
  Aimará comunidade é o mais importante para
  Aruaque determinar sua identidade cultural e, no
Chile
caso dos Uro, parte disso foi finalmente
reconhecido: no início de 2013 o governo
casamento entre integrantes de comu- dos outros povos que lá estão hoje, como peruano classificou os costumes dos Uro
nidades distintas – e hoje são separadas os Quéchua e os Aimará, descendentes como patrimônio cultural da nação, pelo
por uma grande distância geográfica. dos Incas. “Os arqueólogos estimam que uso de práticas ancestrais no manejo do
Mesmo assim foi possível observar que a colonização do lago Titicaca por não junco-totora. “A genética pode revelar
eles têm raízes distintas das outras et- agricultores, como os Uro do passado, dados significativos do passado desco-
nias. “Os Uro são em geral mais diferen- aconteceu por volta de 3.700 anos atrás”, nhecido de um povo”, diz Santos. “Com o
tes dos Quéchua e dos Aimará do que os conta Santos. Do ponto de vista genéti- auxílio da ciência, precisamos reconstituir
Aruaque, que falam línguas amazônicas co, as análises mostram uma assinatura a história dos povos nativos das Américas
e vivem no sopé dos Andes”, diz Santos. de expansão populacional apenas para e apresentá-la para a sociedade.” n
Os dados genéticos não permitem os grupos agricultores, que há cerca de
inferir uma data para a colonização do 3 mil anos espalharam suas plantações
Artigo científico
altiplano, mas são compatíveis com os de milho e batata pelos Andes. Os pes-
SANDOVAL, J. R. et al. The genetic history of indigenous
indícios históricos e arqueológicos de cadores permaneceram onde estavam, populations of the Peruvian and Bolivian Altiplano: the le-
que os Uro chegaram àquela região antes em grupos pequenos e esparsos. gacy of the Uros. PLoS One. v. 8, n. 9, e73006. set. 2013.

pESQUISA FAPESP 215  z  55


ecologia y

Viagem D
urante sete anos, biólogos e veterinários de
São Paulo e do Rio Grande do Sul recolheram
528 pinguins-de-magalhães nas praias do
extremo sul do país. A maioria estava viva,
embora muitos tão debilitados que morreram logo

sem
depois; outros já estavam mortos, em decomposição.
Em laboratório, fizeram a identificação do sexo e ve-
rificaram que as fêmeas eram a maioria dos animais
mortos e dos que morreram durante a reabilitação,
possivelmente por estarem mais fracas que os machos.

volta
A inesperada constatação representava uma possível
explicação para o excedente de machos nas colônias
de pinguins dessa espécie, um fenômeno bastante
conhecido, mas nunca devidamente esclarecido.
Muitos pinguins também estão morrendo por causa
da malária aviária, uma doença que preocupa os es-
pecialistas porque as mudanças do clima podem au-
mentar a distribuição geográfica dos mosquitos que a
transmitem em áreas próximas às colônias das aves.
Fêmeas de A malária aviária tem sido uma ameaça também para
pinguins mantidos em cativeiro ou em reabilitação, já
pinguins-de-magalhães que muitos animais chegam com baixa resistência a
infecções. Em 2007, a malária infectou quatro dos cin-
morrem mais co pinguins-de-magalhães — todos fêmeas — do zoo-
que machos durante lógico de São Paulo; dois morreram em consequência
da malária e os outros três por outras causas. Hoje a
migração anual Sabina Escola Parque, de Santo André, é o lugar com o
maior número de pinguins dessa espécie na Grande São
Paulo — ali são 23, talvez sejam 24 neste ano, se nascer
o primeiro filhote. Depois de quatro anos de trabalho,
Rodrigo de Oliveira Andrade os biólogos e veterinários que cuidam do aquário pa-
recem ter encontrado as melhores condições para o
desenvolvimento do ovo fecundado.
Os pinguins-de-magalhães (Spheniscus magellanicus)
têm em média 70 centímetros de altura, podem pesar
até 5 quilogramas (kg) e são comumente identificados
por um colar de penas brancas no pescoço coberto de
penas pretas. Outra peculiaridade: não gostam do frio,
diferentemente de outras espécies, como o famoso pin-
guim-imperador, com até 1,20 metro, 35 kg e manchas
amareladas ao redor da cabeça. Todo ano os pinguins-
-de-magalhães formam colônias — muitas vezes com
mais machos do que fêmeas —, se reproduzem e têm
filhotes em regiões secas ao sul da Argentina e do Chile.
Estima-se que a população de pinguins-de-magalhães
Bichos frágeis: seja de aproximadamente 3 milhões de indivíduos,
animais de distribuídos em colônias com até 100 mil casais. Em
cativeiro como
abril, quando a temperatura cai e o alimento se torna
este são
vulneráveis à escasso, centenas de pinguins pulam na água, atrás de
malária aviária cardumes de peixes, e começam um trajeto errático

56  z  janeiro DE 2014


Ao sul da América
Brasil

Pinguins-de-magalhães deixam as Uruguai

colônias em abril e voltam em setembro Argentina


Chile

Colônias reprodutivas e ninhos Área de coleta


(de setembro a abril) de pinguins de
2002 a 2009

fonte FMVZ-USP
eduardo cesar
1

1 Colônia de pinguins no
sul da Argentina no intestino de 15% dos 175 pinguins- Dos 409 animais encontrados vivos
2 Um dos animais no -de-magalhães encontrados mortos na na praia, 211 morreram e, destes, mais
aquário de Santo André Região dos Lagos, litoral do Rio. da metade (126) era fêmea. Entre os 118
Coletados de 2002 a 2009, os 528 encontrados mortos, 88 eram fêmeas.
pinguins-de-magalhães que Vanstreels Os pesquisadores acreditam que o fato
de milhares de quilômetros ao longo de examinou podem dar algumas respos- de aparentemente morrer mais fêmeas
meses, rumo ao norte, pelas águas frias tas sobre os hábitos e a mortalidade dos do que machos durante a migração deve
da corrente das Malvinas. animais durante a migração anual. Ele prejudicar o crescimento das populações
Muitos morrem no mar, outros che- e os técnicos do Centro de Reabilitação de pinguins dessa espécie. Como os pin-
gam vivos ao litoral brasileiro. Alguns de Animais Marinhos da Universidade guins são monogâmicos, é provável que
se afastam tanto do bando que já foram Federal do Rio Grande (Furg) percor- muitos fiquem sozinhos. Na Argentina,
vistos até no litoral do Ceará. Os encon- riam em média 200 quilômetros por dia, segundo Vanstreels, já foram vistos ma-
trados nas praias do Rio Grande do Sul a bordo de uma caminhonete, coletando chos sem parceiras, criando conflitos
quase sempre estão mortos ou quase animais na praia próxima à lagoa dos Pei- com os que formavam casais e muitas
mortos, de tão exaustos. “Em geral, os xes, no município de Rio Grande. Os pin- vezes quebrando os ovos dos ninhos.
pinguins que sobrevivem à viagem estão guins vivos eram colocados em gaiolas Vanstreels e seu orientador de dou-
desidratados e hipoglicêmicos, não con- e levados para o centro de reabilitação, torado, José Luiz Catão-Dias, acredi-
seguem sequer erguer a cabeça”, relatou onde eram lavados, alimentados e medi- tam que o maior número de fêmeas en-
Ralph Vanstreels, pesquisador da Facul- cados. Os mortos seguiam para análise contradas mortas se deve a diferentes
dade de Medicina Veterinária e Zootec- e identificação do sexo. estratégias de busca por alimento ado-
nia da Universidade de São Paulo (USP). tadas por machos e fêmeas durante a
“Alguns, cobertos de óleo que vaza de O sexo dos pinguins migração. Quando há mais peixe, todos
navios, apenas esperam para morrer.” Não é fácil diferenciar machos de fêmeas, caçam da mesma forma, em regiões mais
O petróleo é uma das principais causas à primeira vista muito semelhantes. Vans- superficiais do mar. As diferenças apa-
fotos 1 Ralph van streels 2 eduardo cesar

de morte desses animais. Na costa da pro- treels dá como exemplo o bico dos ma- recem quando o alimento se torna es-
víncia de Chubut, na Argentina, ao lavar chos, levemente mais largo e apenas al- casso. Segundo Vanstreels, os machos
os tanques, os navios petroleiros descar- guns milímetros maior que o das fêmeas. devem mergulhar à procura de peixes
tam os resíduos no oceano, causando a Com os animais mortos, é ainda mais difí- de regiões mais profundas, enquanto as
morte de 20 mil pinguins adultos todos cil, por causa do estado de decomposição fêmeas se mantêm mais à superfície, em
os anos. Outros pinguins morrem por- — alguns não tinham mais bico. Nesses rondas amplas. Por nadar em uma área
que ingerem lixo que chega ao oceano. casos, os pesquisadores usam marcadores maior, explica Catão-Dias, elas poderiam
Pesquisadores do Rio de Janeiro encon- genéticos ou simplesmente abrem o bicho estar mais sujeitas à contaminação por
traram restos de plástico no estômago e para ver testículos ou ovários. petróleo que os machos.

58  z  janeiro DE 2014


A pesca excessiva de peixes pequenos Bueno, hoje no Instituto Mamirauá, no Meses após os primeiros sinais de ma-
como sardinhas e anchoítas, as espécies Amazonas, coordenou o tratamento lária, os cinco pinguins estavam mortos.
prediletas dos pinguins-de-magalhães, dos animais. Segundo Karin, antes de Depois disso, o zoológico preferiu não
pode ser uma das causas da escassez de apresentarem os primeiros sinais, al- manter outros animais dessa espécie
alimento que os força a nadar mais fun- guns pinguins foram diagnosticados com por causa do elevado risco de infecções.
do, no caso dos machos, e mais longe, uma inflamação causada por bactérias “Qualquer lugar ou planta que acumule
no caso das fêmeas. Pesquisadores da nos pés, provavelmente desenvolvida água pode funcionar como um criadouro
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, porque passavam bastante tempo fora de mosquitos”, diz Karin, que coordena
no Rio Grande do Sul, verificaram que d’água, como forma de evitar o contato um projeto de identificação de plasmó-
pinguins jovens encontrados mortos nas com mosquitos transmissores de doen- dios em aves do zoológico. Sob sua orien-
praias tinham muito pouca gordura sob ças. Por essa razão, ela diz, foram libe- tação no Instituto de Medicina Tropical
a pele e, no estômago, apenas restos de rados para nadar à noite – e foi quando da USP, a bióloga Carolina Chagas cole-
moluscos de baixo teor nutricional. foram infectados pelo parasita da espécie tou cerca de 800 amostras de sangue de
Pode ser também que as fêmeas já Plasmodium relictum, transmitido pelos quase 100 espécies de aves e identificou
saiam debilitadas das colônias, suspeitam mosquitos do gênero Culex, de hábitos uma espécie de protozoário, Plasmodium
os pesquisadores. Em visita às colônias noturnos. “Os pinguins que consegui- nucleophilum, diferente da que causou a
de pinguins na Patagônia, Vanstreels e mos tratar a tempo e não morreram de morte dos pinguins e igualmente fatal.
Catão-Dias observaram que os filhotes malária morreram, entre outras causas, Vanstreels e Catão-Dias encontraram
machos tomam das fêmeas a comida que de aspergilose pouco tempo depois”, diz outra espécie pouco comum, Plasmo-
os pais haviam levado para toda a prole. Karin, se referindo à infecção pulmonar dium tejerai, em dois pinguins-de-ma-
“É possível que as fêmeas estejam dei- causada por um fungo. galhães que morreram em 2009 em um
xando as colônias numa condição física centro de triagem de animais silvestres
pior que a dos machos”, cogita Vans- de Santa Catarina. Até então o parasita ti-
treels. Ainda não se sabe quantos pin- nha sido identificado apenas uma vez, há
guins deixam as colônias todos os anos, mais de 30 anos, em aves da Venezuela.
nem quantos conseguem voltar. Estudos como esses indicam como li-
Depois de dar melhor com os pinguins-de-maga-
No zoológico lhães e evitar que as doenças cheguem
A bióloga Karin Kirchgatter, atualmen- tratados, os às colônias: depois de tratados nos cen-
te no Laboratório de Malária da Supe- tros de reabilitação, os animais são soltos
rintendência de Controle de Endemias
animais são novamente no mar. “A liberação dos pin-
da Secretaria da Saúde de São Paulo, soltos e voltam guins na natureza deve seguir critérios
foi uma das responsáveis pelo diagnós- mais rigorosos quanto ao estado de saúde
tico dos pinguins infectados com ma- às colônias, às do animal, impedindo que os indivíduos
lária aviária em 2007 no zoológico de infectados sejam liberados e favoreçam
São Paulo. A veterinária Marina Galvão vezes levando a transmissão de patógenos entre os ani-
mais da colônia”, diz Catão-Dias. “Quanto
protozoários menos tempo esses animais ficarem em
da malária recuperação, menores serão as chances
de serem infectados.” n

Projetos
1. Malária aviária e pinguins no Brasil: estudo epidemio-
lógico e patológico de uma enfermidade com potencial
risco à conservação da avifauna (nº 10/51801-5); Moda-
lidade Projeto Temático; Coord. José Luiz Catão-Dias/
FMVZ-USP; Investimento R$ 665.198,08 (FAPESP)
2. Plasmodium spp. em aves silvestres da Fundação Par-
que Zoológico de São Paulo: identificação de espécie por
microscopia e código de barras de DNA (nº 12/51427-
1); Modalidade Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa;
Coord. Karin Kirchgatter/Sucen-SES/SP; Investimento
R$ 52.328,50 (FAPESP)

Artigos científicos
BUENO, M. G. et al. Identification of Plasmodium relictum
causing mortality in penguins (Spheniscus magellanicus)
from São Paulo Zoo, Brazil. Veterinary Parasitology. v.
173, n. 1-2, p. 123-27. 2010
VANSTREELS, R. E. T. et al., Female-biased mortality of
Magellanic Penguins (Spheniscus magellanicus) on the
2 wintering grounds. Emu. v. 113, n. 2, p. 128-34. mai. 2013

pESQUISA FAPESP 215  z  59


biodiversidade y

De olho
no gato
Pesquisadores se mobilizam para aumentar em 20% a
população de onças-pintadas na mata atlântica em cinco anos

Carlos Fioravanti, de Atibaia e Ricardo Zorzetto, de Campinas

O
veterinário Ronaldo Morato o trabalho e aumentar a chance de suces- metros de comprimento e podem atacar
pretende sair logo atrás de so do plano de ação. Já existe um plano quando se sentem acuados. A primeira
onças-pintadas, se possível já nacional de preservação das onças-pin- vez foi em 1992, recém-formado em ve-
em maio, quando passarem tadas, publicado em dezembro de 2010 terinária, para anestesiar uma onça-pre-
as chuvas do início de ano. Seu plano no Diário Oficial, com ações previstas ta e acompanhar outros pesquisadores
é colocar um colar especial em cinco até 2020. Em uma avaliação recente, os colocando um colar de monitoramento
onças dessa espécie que vivem nas flo- especialistas verificaram que parte dos no animal, ainda como estagiário do bió-
restas do sul do estado de São Paulo objetivos tinha sido atingida e concluí- logo Peter Crawshaw, um dos pioneiros
para acompanhar seus movimentos a ram que trabalhar separadamente nos na preservação de felinos silvestres no
distância e conhecer seus espaços favo- diferentes ambientes brasileiros poderia Brasil. “E nunca mais me desprendi das
ritos. A definição de áreas prioritárias ser mais produtivo. onças”, diz Morato, aos 47 anos.
para a conservação desses animais faz “Se conseguirmos reduzir as pressões “Temos de trabalhar juntos e acreditar
parte de um plano estabelecido em se- atuais, como a caça e a fragmentação da que o plano vai dar certo”, ele ressalta.
tembro em Campinas para ampliar em floresta, pode já ser o bastante para au- Reduzir a caça e a fragmentação, como
20% a população de onças-pintadas – os mentarmos a população de onça-pintada ele propõe, exigirá uma atenção perma-
maiores felinos das Américas – na mata na mata atlântica”, diz Morato, coorde- nente dos órgãos de fiscalização ambien-
atlântica, o ambiente florestal em que nador do Centro Nacional de Pesquisas tal nos estados de São Paulo, Rio de Ja-
são mais raras. e Conservação de Mamíferos Carnívo- neiro, Minas Gerais, Espírito Santo e Ba-
O plano propõe a redução da caça, ros (Cenap) do Instituto Chico Mendes hia, por onde a mata atlântica se espalha.
o monitoramento das populações re- de Conservação da Biodiversidade. Em Em todo o país, a caça – para a retirada e
manescentes, o uso de técnicas como sua sala de trabalho, em um prédio de venda de pele ou como retaliação, quan-
inseminação artificial e a formação de dois pisos com amplas janelas de vidro do as onças atacam os rebanhos – ainda
um banco de sêmen de onças-pintadas e vigas de madeira próximo à rodovia é intensa, embora proibida e classificada
da mata atlântica. Participantes da reu- Dom Pedro I, em Atibaia, ele acompa- como crime inafiançável. Em 2013, ele
nião – pesquisadores acadêmicos e re- nha pelo computador o movimento de e Elildo Carvalho Jr., outro pesquisador
presentantes de empresas e de órgãos do oito onças-pintadas nas matas do norte do Cenap, em colaboração com o Insti-
governo – reconheceram que o esforço do pantanal. Várias vezes ele sentiu me- tuto Pró-Carnívoros, verificaram que
concentrado em um único ecossistema do e fascínio ao se ver em campo diante pelo menos 60 onças-pintadas (Panthera
com metas de curto prazo deve facilitar desses felinos, que podem chegar a 2,70 onca) e pardas (Puma concolor) foram

60 | janeiro DE 2014
O maior felino
adriano gambarini

das Américas:
com baixa
diversidade genética
e ameaçado pela
caça intensiva

PESQUISA FAPESP 215 | 61


mortas por caçadores nos últimos dois do biólogo Sílvio Marchini, pesquisador
anos, com base em informações de 100 da Escola da Amazônia e da Universida-
gestores das unidades de conservação de de São Paulo (USP), mostraram que
ambiental administradas pelo governo o apoio dos moradores de áreas rurais
federal. Estima-se que 5.500 represen- O apoio dos próximas a matas ocupadas por onças
tantes dessa espécie se escondam nas é fundamental para os planos de ação
florestas brasileiras, principalmente na moradores de funcionarem. No pantanal, com resulta-
Amazônia e no pantanal. Mesmo assim, do de um experimento-piloto do Cenap
a onça-pintada é considerada vulnerável
áreas próximas com uma pousada, ganha adesões o ar-
ao risco de desaparecimento, por causa a matas com gumento de que o lucro com o turismo
do declínio populacional. de observação de onças pode ser maior
Na reunião de setembro em Campi- onças é que a perda de um ou outro boi.
nas e em uma carta publicada na revis-

H
ta Science em novembro, pesquisadores fundamental á relatos de êxito de transferên-
de várias instituições do país alertaram cia de felinos nos Estados Unidos
que a mata atlântica, se nada for feito,
para os planos e na Espanha, mas no Brasil as
pode ser o primeiro ambiente florestal funcionarem poucas tentativas feitas até agora, em
brasileiro a perder essa espécie de felino florestas a serem cobertas por reserva-
– ali, a onça-pintada já é classificada co- tórios de hidrelétricas, não deram certo.
mo criticamente ameaçada de extinção. Os animais transferidos não se adapta-
Estima-se que a floresta atlântica abrigue ram, começaram a comer bois e foram
apenas 250 onças-pintadas, total con- mortos por caçadores ou voltaram a seus
siderado baixo para a manutenção das locais de origem, a dezenas de quilôme-
populações. Além do pequeno número tros de distância. Em um dos debates no
de animais, outro problema é a baixa di- a correr riscos e testar o que achamos encontro de setembro em Campinas,
versidade genética. Os estudos do grupo que pode dar certo”, ela observou. Um os pesquisadores observaram que, nos
de Eduardo Eizirik da Pontifícia Univer- de seus planos para este ano é testar, em próximos cinco anos, talvez a criação de
sidade Católica (PUC) do Rio Grande onças-pintadas mantidas em zoológicos conexões – ou corredores – entre os frag-
do Sul indicaram que os 250 animais, paulistas, uma técnica de inseminação mentos de floresta seja uma alternativa
em consequência de cruzamentos entre artificial que ela aplicou experimental- mais viável que a inseminação artificial
eles, correspondem a apenas 50 indiví- mente em gatas domésticas e outros fe- ou a transferência de animais para am-
duos efetivos, geneticamente distintos. linos no zoológico de Cincinnati, nos Es- pliar as populações de onças-pintadas na
tados Unidos. Essa abordagem consiste mata atlântica. Todos concordaram que

A
s onças-pintadas ocupam apenas em medir a variação hormonal das on- se trata de um problema urgente. “Não
7% da área total da mata atlântica. ças fêmeas por meio da análise de fezes, podemos esperar muito”, disse Valéria
Se houvesse mais animais dessa identificar o momento mais adequado, Conforti. A onça-pintada já é conside-
espécie – e também mais oferta de sua induzir a ovulação e fazer a inseminação rada extinta no Uruguai e nos pampas
dieta favorita, as queixadas, uma espé- artificial, depositando sêmen por meio do Sul do Brasil. n
cie de porco selvagem bastante caçada de uma laparoscopia na tuba uterina, em
por causa da carne, mas indesejada por- vez do útero, como já se faz, para facili-
que anda em bandos e destrói plantações tar o acesso do espermatozoide ao óvulo Projetos
–, a área ocupada poderia ser três vezes e aumentar a chance de fertilização. A 1. Uso e ocupação do espaço, movimentação e seleção de
maior, de acordo com as pesquisas do gru- inseminação artificial já foi aplicada a hábitat por onça-pintada (Panthera onca) na mata atlân-
tica e caatinga: uma análise comparativa (2013/10029-
po de Mauro Galetti, da Universidade Es- outros felinos, mas ainda não a onças- 6); Modalidade Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa;
tadual Paulista (Unesp). Seus estudos in- -pintadas. Se os testes derem certo, Va- Coord. Ronaldo Gonçalves Morato – Cenap; Investimento
dicaram que a falta de onças-pintadas, os léria pretende aplicar essa técnica em R$ 110.627,80 (FAPESP).
2. O uso de método não invasivo para monitoramento
predadores de topo de cadeia alimentar, animais de vida livre em 2015, como for- da função ovariana em onças-pintadas (Panthera onca)
pode causar vários tipos de desequilíbrios ma de aumentar a probabilidade de gera- via ensaio imunoenzimático e caracterização dos meta-
ecológicos, deixando animais herbívoros ção de filhotes sadios e evitar o risco de bólitos de esteroides fecais por meio de cromatografia
líquida de alta eficiência (13/12757-9); Modalidade Auxí-
como a anta – ou mesmo roedores – se cruzamento entre animais aparentados. lio Regular a Projeto de Pesquisa; Coord. Valeria Amorim
multiplicarem livremente ou favorecen- A transferência de animais de uma Conforti – Unifran; Investimento R$ 35.780,00 (FAPESP).
do o crescimento de gramíneas e outras mata para outra é uma possibilidade co-
Artigos científicos
plantas baixas no lugar das árvores. gitada para repovoar as matas com on-
Valéria Conforti, professora da Uni- ças-pintadas. Trata-se, porém, de uma CARVALHO Jr., E.A.R. de e MORATO, R.G. Factorsaffec-
ting big cathunting in Brazilian protectedareas. Tropical
versidade de Franca (Unifran), disse que alternativa de custo alto e muitas difi- Conservation Science. v. 6, n. 2, p. 303-10. 2013.
saiu otimista da reunião de setembro em culdades, que exige o apoio de comu- CONFORTI, V. A. et al. Laparoscopic oviductal artificial

Campinas. “Todos estavam chocados nidades rurais e fazendeiros que acei- insemination improves pregnancy success in exoge-
nous gonadotropin-treated domestic cats as a model
com a situação das onças-pintadas na tem ter uma onça perto de suas casas for endangered felids. Biology of Reproduction. v. 88,
mata atlântica e se mostraram dispostos ou pastagens. Vários estudos, como os p. 112.105353. 2013.

62 | janeiro DE 2014
fotos 1 CLAUDIA B. CAMPOS 2 Alexandre Anézio

Um poço para salvar as onças


Mais apreensiva do que quando logo depois e os novos
olhou para os examinadores cercados, construídos a partir
de sua banca de doutorado, de fevereiro. Se tudo der certo,
a bióloga Claudia Campos os animais terão alimento ao
observou os 50 sertanejos à sua longo de todo o ano, como
frente na igreja do povoado de já se faz em outras partes do
Queixo Dantas, norte da Bahia, sertão do nordeste, e não
na tarde de um domingo de julho precisarão mais pastar nas
de 2012. Nervosa, mas com áreas de mata nativa durante
voz firme, ao lado dos amigos a seca, reduzindo as chances
Claudia Martins, Carolina de encontro com as onças;
Esteves e Alexandre Anézio, os moradores as matam para
ela sugeriu aos homens que evitar que ataquem seus
fizessem cercados para manter animais de criação.
suas cabras e ovelhas, em vez Claudia chegou a Petrolina, Manuel Silva, morador da região de Boqueirão da Onça (acima), Alessandra e a
de deixar os animais soltos na Pernambuco, em outubro de filha Sara, Cailane Ferreira (ao fundo) e Claudia Campos: diálogo constante 

caatinga na época de seca, sob 2006, como pesquisadora do


o risco de serem atacados por Centro Nacional de Pesquisas nenhum. Conversando muito, carnívoros e vice-presidente
onças. Os criadores reagiram: e Conservação de Mamíferos ela venceu a desconfiança. da Panthera, organização que
como poderiam deixar os animais Carnívoros (Cenap) do Instituto “Todos estão cansados de ouvir apoia o trabalho na Bahia,
presos sem água nem comida, se Chico Mendes de Conservação do governo coisas que poderiam percorreu a região e reforçou
não chovia há três anos? Se eles da Biodiversidade, um dos ajudar a vida deles e nunca sua hipótese ao dizer que seria
aceitassem, ela disse, poderiam braços antigos do Ibama, aconteceram”, ela observou. impossível preservar animais
construir um poço para tirar água para detalhar a distribuição “Já visitei 140 dos quase silvestres sem a participação
e cultivar plantas para alimentar geográfica e os hábitos da 150 povoados da região.” dos moradores locais. Claudia
os animais. Oito deles aderiram onça-pintada em uma região Aos poucos ela concluiu estima que por ali vivam
ao plano. de 900 mil hectares conhecida que teria de cuidar dos conflitos 50 onças-pintadas – ainda não
A perfuração do poço como Boqueirão da Onça. entre os moradores e os viu nenhuma, apenas vê as
artesiano estava prevista para o Ao verem a forasteira chegando animais silvestres. Em 2009, pegadas durante o dia e
final do mês passado, as plantas em um carro com o logotipo aos 76 anos, o zoólogo George sente que os animais passam
que serviriam de alimento para do Ibama, os moradores logo Schaller, pioneiro mundial na por perto quando ela tem
os caprinos seriam semeadas diziam que não caçavam bicho conservação de grandes de dormir no meio da caatinga.

PESQUISA FAPESP 215 | 63


Oceanografia y

Foz do rio da
Prata: fonte de
sedimentos para
o litoral sul e
sudeste do Brasil

A lama que vem do sul


U
Sedimentos do ma mudança gradual no clima banhadas pelo rio antes de suas águas
– de seco para úmido – e nos se misturarem com as do mar.
rio da Prata viajam padrões de precipitação, com Há mais de 10 anos, a equipe lidera-
chuvas mais intensas e frequen- da por Michel Mahiques, professor do
quase 2 mil tes, no interior da América do Sul, nos Instituto Oceanográfico da Universi-
quilômetros e últimos 6 mil anos, deve ter alterado a dade de São Paulo (USP), analisa amos-
influência e a descarga de sedimentos do tras de sedimentos do fundo do mar do
chegam até o litoral caudaloso rio da Prata sobre o oceano litoral brasileiro e do estuário do Prata,
Atlântico. Estudos recentes de oceanó- para confirmar essa hipótese. Agora os
de São Sebastião grafos e geólogos do Brasil, da Alemanha resultados obtidos com a análise física
e do Uruguai indicam que os grãos finos e química dos sedimentos indicam que
de areia, a lama e o material orgânico, existem duas regiões distintas, chamadas
carregados pelo rio e depois embalados de províncias geoquímicas: uma ao sul e
pelas correntes marinhas, começaram outra ao norte de São Sebastião.
a chegar nessa época – e ainda chegam As características físicas e químicas dos
– até o fundo do mar próximo à ilha de sedimentos ao sul de São Sebastião são
São Sebastião, no litoral paulista, a 2 mil próximas das registradas no rio da Prata e
quilômetros de Montevidéu, a capital diferem das amostras obtidas entre a ilha
do Uruguai e uma das últimas cidades de São Sebastião e Cabo Frio, no litoral do

64  z  janeiro DE 2014


Rio de Janeiro. Mahiques e os seus colabo- rior das amostras coletadas representa mentos por volta de 2.800 anos antes do
radores concluíram que, provavelmente, os sedimentos mais recentes, porque se presente”, diz Mahiques. A análise dos
os rios Doce e Paraíba do Sul são os dois depositaram por último, enquanto o ma- testemunhos indicou que, enquanto o
principais rios que contribuem para a de- terial do fundo é o antigo, porque chegou rio da Prata despejava uma carga elevada
posição de sedimentos ao norte de São antes aos locais amostrados. de sedimentos no litoral catarinense até
Sebastião, enquanto o rio da Prata abas- 2.800 anos atrás, apenas a partir desse
tece com sedimentos o litoral sul e parte Testemunhos do rio período é que a areia gerada pela bacia do
do sudeste brasileiro, até São Sebastião. Cada partícula de sedimento tem uma Paraná, a partir de sedimentos de basaltos
Mesmo que o rio da Prata esteja a mais espécie de assinatura geoquímica, como típicos da região, começa a aparecer na
de mil quilômetros de São Paulo, conhe- gostam de dizer os pesquisadores. Nes- altura da cidade de Santos. “Como a bacia
cer sua possível influência sobre o litoral te caso, conjuntos iguais de assinaturas do Paraná começou a receber mais chuva,
paulista pode ser importante para a ges- formam um mesmo grupo. Quando esses o sistema de correntes marinhas passou a
tão marinha. “Qualquer impacto ambien- agrupamentos foram distribuídos sobre ter mais água para carregar o sedimento
tal que ocorrer na bacia do rio da Prata”, um mapa, apareceram as duas grandes mais para longe”, diz ele. “Conseguimos,
cogita Mahiques, “certamente trará um províncias, divididas, em termos geográ- assim, definir o início da influência do rio
impacto ao litoral paulista”, referindo-se ficos, no litoral norte paulista. O mapa da Prata sobre o litoral paulista.”
ao potencial de transporte de elementos geoquímico que resultou dessas avalia- Resolvida uma dúvida, surgem outras.
radioativos de origem antrópica, já medi- ções evidenciou as diferenças e, portan- Se muita lama é exportada pelo rio da
dos. O mesmo raciocínio é válido, diz ele, to, as origens distintas dos sedimentos. Prata até São Paulo, em áreas próximas ao
na hipótese de ocorrer algum evento que “As fontes dos grãos, ou seja, as ro- litoral, será que esse material não poderia
possa interferir nos recursos vivos mari- chas que foram desgastadas pela chuva chegar ao oceano profundo, a 3 mil me-
nhos do sul e sudeste do Brasil. ou pelo vento para dar origem ao sedi- tros de profundidade? Os pesquisadores
Para fazer a diferenciação dos tipos de mento, que depois foi carregado rio abai- pretendem obter a resposta nos próximos
sedimento, os oceanógrafos e geólogos xo, são diferentes”, diz Mahiques. Para anos, agora com a preciosa ajuda do navio
recorrem a várias análises de labora- confirmar os resultados obtidos com os de pesquisas oceanográficas Alpha-Cru-
tório, medindo, por exemplo, os teores sedimentos superficiais, os grupos de cis, que começou a ser usado neste ano
de argila, de matéria orgânica, de césio, pesquisa recorreram aos chamados tes- para coleta de sedimentos em áreas mais
isótopos de neodímio e chumbo, e o ta- temunhos geológicos, que conseguem distantes e profundas do litoral paulista
manho dos sedimentos marinhos, neste gerar dados de milhares de anos antes (ver Pesquisa Fapesp nº 206).
caso coletados em três lugares: na altura do presente. Esses testemunhos são co- Os levantamentos preliminares feitos
da cidade de Santos, na Baixada Santista; lunas de areia e lama retiradas do fundo por meio de equipamentos do Alpha-
na altura da cidade de Cananeia, litoral do mar por meio de um cano de metal. -Crucis delinearam uma estrutura se-
sul paulista; e ao largo de Itajaí, em Santa “É possível perceber uma notável mu- melhante a um grande escorregamento,
Catarina. A areia ou lama da parte supe- dança de padrão de deposição de sedi- por meio do qual a lama e a areia da re-
gião mais rasa, a plataforma continental,
chegariam às áreas mais profundas. O
Arrastão no litoral declive ajudaria a entender o acúmulo
de sedimentos além das regiões mais
Sedimentos do sul e do norte param em São Sebastião rasas do litoral paulista, sabidamente
pobres em sedimentos. A lama e a areia
foto De Agostini / N. Cirani  infográfico  ana paula campos  ilustração daniel das neves

rio Paraíba do Sul


elevação (m)
aparentemente escorregam centenas
ra
Pa

2.000 a 1.000
Rio de Janeiro
300 a 100 de metros por meio de grandes cânions
rio

75
0   0-3 submersos, acreditam os cientistas. n
-100 São Sebastião
-500 a -4.000 brasil Cabo
sedimentos Frio
Areia terrígena
Lama
Projetos
Areia carbonática 1. Variações holocênicas na paleoprodutivida-
Divisor Sedimentos levados
de da plataforma continental sudeste do Brasil
de águas pela corrente da costa
(10/06147-5); Modalidade Programa de Pesquisa
argentina sobre Mudanças Climáticas Globais; Coord. Michel
Michaelovitch de Mahiques – IO/USP; Investimento
R$ 15.451.697,60 (FAPESP).
rio Paraíba do Sul 2. Incremento da capacidade de pesquisa em oceano-
ai

grafia no estado de São Paulo (03/10740-0); Modalidade


rugu

Cabo
uruguai Frio Linha regular de auxílio a projeto de pesquisa; Coord.
rio U

Michel Michaelovitch de Mahiques – IO/USP; Investimen-


Rio de Janeiro
to R$ 321.619,03 (FAPESP).

Artigo científico
Montevidéu
BURONE L. et al. A multiproxy study between the Rio de
Buenos la Plata and the adjacent South-western Atlantic inner
Aires shelf to assess the sediment footprint of river vs. marine in-
Rio da Prata Fonte Adaptado de Gyllencreutz et al (2010)
fluence. Continental Shelf Research. v. 55, p.41-54. 2013.

pESQUISA FAPESP 215  z  65


Físicay

Informação
em dobro
Técnica duplica quantidade de dados que podem
ser recuperados em um sistema quântico

Marcos Pivetta

U
ma equipe de físicos brasileiros Fundação e pelo Centre National de la nada”, comenta Paulo Nussensveig, tam-
demonstrou que o emprego de Recherche Scientifique (CNRS). bém do IF-USP, outro autor dos artigos.
uma técnica alternativa para O melhor desempenho do método – Os pesquisadores fazem um paralelo
recuperar a informação arma- que não é novo, mas foi aprimorado por entre o efeito produzido na quântica pelo
zenada em partículas de luz, os fótons, Martinelli e seus colegas – deriva de sua emprego da medida assistida por cavi-
dobra a capacidade de transmitir dados maior capacidade de contornar uma es- dade e a repercussão causada no setor
em sistemas quânticos, um aprimora- pécie de ruído de comunicação que limita de áudio pela adoção de aparelhos ca-
mento que poderá ser útil para acelerar a decodificação de toda a informação ar- pazes de reproduzir o som estéreo. Uma
o desenvolvimento da computação mo- mazenada em processos como a cripto- estação de FM, por exemplo, transmite
vida a bits quânticos. As características grafia e o teletransporte quânticos. Fótons músicas registradas em dois canais de
e o potencial do método, denominado que se encontram em estados quânticos som independentes e simultâneos, que
medida assistida por cavidade, foram similares, mas com padrões de oscila- operam em frequências extremamente
descritos em dois artigos simultanea- ção ligeiramente distintos em seu espec- próximas, mas ligeiramente distintas.
mente publicados em 14 de novembro tro de frequência, não são diferenciados Assim cada canal pode disseminar ao
na versão on-line de um par de revistas pela técnica conhecida como detecção mesmo tempo informações diferentes.
científicas, a Physical Review Letters e a homódina, hoje usualmente empregada Numa música instrumental, o baixo e a
Physical Review A. para “ler” dados nesse tipo de sistema. bateria podem estar registrados no ca-
“A técnica permite resgatar uma parte A adoção da medida assistida por cavi- nal direito enquanto o piano e a guitarra
da informação que antes se perdia no sis- dade – que faz um feixe de luz passar estão gravados no esquerdo.
tema”, diz Marcelo Martinelli, do Institu- por um conjunto de espelhos formando Ocorre algo semelhante num feixe de
to de Física da Universidade de São Paulo uma “caixa de ressonância” antes de sua laser com fótons entrelaçados, às vezes
(IF-USP), membro do grupo que produ- detecção – possibilita medir as mais tê- também denominados emaranhados, um
ziu os trabalhos, feitos no âmbito do Ins- nues flutuações quânticas presentes nos tipo de correlação quântica que pode ser
tituto Nacional de Ciência e Tecnologia fótons. Dessa forma, é possível distinguir explorada para armazenar, processar e
de Informação Quântica (INCT-IQ), uma partículas de luz quase idênticas, que, transmitir informação. Em experimen-
parceria da FAPESP e do CNPq. Também pelo método da detecção homódina, são tos feitos na USP, os físicos geraram um
assina os artigos o físico francês Clau- registradas como se tivessem as mesmas sistema com três feixes entrelaçados de
eduardo cesar

de Fabre, da Universidade Pierre e Ma- características. “Com a técnica anterior, diferentes cores e, portanto, de distintos
rie Curie-Paris 6, que colabora com os éramos intrinsecamente incapazes de comprimentos de onda. Os brasileiros,
brasileiros em um projeto bancado pela reconstituir toda a informação armaze- aliás, foram os primeiros a conseguir pro-

66  z  janeiro DE 2014


duzir e em parte controlar um sistema
emaranhado com essas características
(ver Pesquisa FAPESP nº 164, de outubro
de 2009). A frequência de cada feixe era
de cerca de 300 terahertz, 1 milhão de
vezes maior do que a de uma transmissão
de rádio FM. A rigor, a informação quân-
tica não é armazenada e transmitida por
esse canal principal de luz, mas, sim, por
dois pequenos campos ou canais de 20
megahertz situados ligeiramente acima
e abaixo da frequência central.

em vez de Mono, estéreo


Como no caso do sistema estereofônico
de rádio, cada canal secundário é capaz
de carregar informações específicas. “A
técnica da detecção homódina não registra
de forma independente esses canais”, diz
Alessandro Villar, da Universidade Federal
de Pernambuco (UFPE), outro autor dos
estudos. “Ela faz uma média dos dados
presentes em ambos os campos. Sabíamos
que ela não era o ideal, mas não havia al-
ternativa a ela.” Retomando a compara-
ção radiofônica, é como se alguém usas-
se um reprodutor de sons que só tocasse
um canal, no modo mono, para ouvir uma
transmissão em estéreo. Mesmo em mono
é possível entender a emissão? Sim, mas
alguns detalhes são perdidos.
É mais ou menos isso o que ocorre
quando se resgata a informação quântica
num sistema com a técnica tradicional,
da detecção homódina, segundo os pes-
quisadores. Ou seja, enquanto no expe-
rimento feito pelos brasileiros com três
feixes de laser o método convencional
registrava apenas três canais de infor-
mação quântica no sistema, a medida
assistida por cavidade flagrava seis, um
par de campos de dados por feixe. n

Projetos
1. Quantum information processing with continuous
variables (2010/52282-1); Modalidade Cooperação
FAPESP-CNRS; Coord. Marcelo Martinelli – USP e Claude
Fabre, da Universidade Pierre e Marie Curie-Paris 6; In-
vestimento R$ 34.859,16 (FAPESP) e R$ 35.000 (CNRS);
2. Teletransporte de informação quântica entre diferentes
Feixes
cores (2009/52157-5); Modalidade Auxílio Regular a
entrelaçados de
Projeto de Pesquisa; Coord. Marcelo Martinelli – USP;
laser: conjunto
Investimento R$ 171.938,32 e US$ 43.800,00 (FAPESP).
de espelhos que
formam uma
espécie de caixa Artigos científicos
de ressonância
BARBOSA, F.A.S. et al. Beyond spectral homodyne de-
permite
tection: complete quantum measurement of spectral
medir oscilações
modes of light. Physical Review Letters. 14 nov. 2013.
tênues
BARBOSA, F.A.S. et al. Quantum state reconstruction of
dos fótons spectral field modes: Homodyne and resonator detection
schemes. Physical Review A. 14 nov. 2013.

pESQUISA FAPESP 215  z  67


tecnologia  pesquisa empresarial y

Casa nova
Recém-inaugurado, o BRF Innovation Center pretende
se tornar referência na criação de novos negócios

Yuri Vaconcelos

R
econhecida como uma das 100 empresas tório de referência da companhia. A BRF é uma
mais inovadoras do planeta pela publica- associação da Sadia e da Perdigão instituída em
ção de negócios Forbes, a multinacional 2009. A unidade de Jundiaí reúne as atividades que
brasileira BRF, uma das gigantes glo- antes eram executadas nos centros de pesquisa da
bais do setor de alimentos, inaugurou Perdigão, em Videira, Santa Catarina, e da Sadia, no
em junho de 2013 seu novo centro de pesquisa e bairro paulistano de Vila Anastácio. A concentra-
desenvolvimento. Com 10 mil metros quadrados ção das atividades de inovação em um único local,
de área, a instalação, batizada de BRF Innovation de acordo com a companhia, favoreceu a sinergia
Center, foi construída em Jundiaí, a cerca de 60 entre os pesquisadores e a equipe de marketing,
quilômetros da capital paulista, de acordo com que está baseada em São Paulo. “Com isso, ficamos
os princípios da arquitetura sustentável e conta mais sintonizados com as expectativas do consu-
com laboratórios e equipamentos de última gera- midor”, diz Ralf Piper, diretor de P&D e qualidade A partir da
ção, cozinhas experimentais e minifábricas para da BRF. Outra vantagem do Innovation Center é esquerda: Gustavo
Ribeiro, Paulo
produção-piloto. A unidade será responsável pelas sua localização estratégica junto a importantes Guarnieri, Adriana
inovações em carnes e pratos prontos, margarinas polos tecnológicos e mercados consumidores. “O Martin, Maria
e proteínas vegetais. Os projetos do setor agrope- fato de Jundiaí estar próxima de grandes centros Cristina Lui, José
cuário permanecerão distribuídos entre várias de pesquisa e universidades, como USP [Univer- Roberto Gonçalves
e Ralf Piper
unidades produtivas. Segundo Nilvo Mittanck, sidade de São Paulo], Unicamp [Universidade Es-
vice-presidente de operações e tecnologia da BRF, tadual de Campinas], IPT [Instituto de Pesquisas
o Innovation Center foi planejado para ser um Tecnológicas do Estado de São Paulo] e unidades
marco em desenvolvimento tecnológico no setor da Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agro-
de alimentos no Brasil e no mundo. “Ele será uma pecuária], também foi um fator relevante na hora
referência dentro e fora da companhia, tanto na de escolher a cidade como sede de nosso centro
criação de novos negócios quanto na solução de de inovação”, explica Piper, que é graduado em
problemas. Nosso objetivo é ganhar tempo nos medicina veterinária e começou a trabalhar na
projetos e no atendimento aos clientes.” Sadia em 1991. O novo centro de pesquisas custou
O novo centro de Pesquisa e Desenvolvimento R$ 58 milhões e emprega 150 profissionais, entre
(P&D) foi montado no mesmo complexo onde já engenheiros de alimentos, nutricionistas, quími-
operavam um centro de distribuição e o labora- cos, farmacêuticos e veterinários.

68  z  janeiro DE 2014


empresa
BRF
O projeto do BRF Innovation Center faz parte A planta-piloto abriga linhas de processamen-
eduardo cesar

Innovation Center
da meta da companhia de duplicar, até 2015, os to de produtos à base de carne como embutidos Jundiaí, SP
investimentos em pesquisa, desenvolvimento e e produtos empanados, margarinas, massas e
Nº de funcionários
inovação – a empresa não divulga o valor total doces, além de embalagens. Os ambientes são
no centro
investido na área. Dividido em quatro áreas – personalizados e adaptáveis a diferentes tipos de
150
criação e pesquisa, aplicação, cozinha e análise equipamentos e processos. “Essa nova instalação
sensorial –, a maior novidade de sua estrutura trará ganhos de produtividade, porque permitirá Principais produtos
é a existência de uma planta-piloto na área de transformar uma produção em escala-piloto em Carnes (aves, suínos
aplicação, composta por minilinhas de produção industrial. Isso nem sempre é fácil de fazer numa e bovinos), alimentos
para realização de testes e acompanhamento das fábrica, porque é preciso aguardar o momento industrializados
diversas fases de desenvolvimento de projetos ideal na linha de produção para testar a inova- (margarinas e massas)
de produtos e embalagens. “Agora não precisa- ção”, conta José Roberto Gonçalves, gerente de e produtos lácteos
remos mais depender das unidades produtivas planejamento da qualidade e gestão do conhe- Faturamento da
para realizar essas avaliações. Podemos simular cimento do BRF Innovation Center. empresa em 2012
produção em larga escala, projetar custos e tes- Outro diferencial do complexo são as cinco cozi-
R$ 28,5 bilhões
tar parâmetros de processos e características de nhas experimentais destinadas a clientes estratégi-
qualidade dos novos produtos”, ressalta Mittanck. cos do grupo, entre eles McDonald’s, Burger King,

pESQUISA FAPESP 215  z  69


1 2

3
Pizza Hut e Subway. “Criamos cozinhas países dos cinco continentes. Na China,
específicas para contas globais. Nelas a BRF consolidou recentemente uma
reproduzimos a instalação dos clientes, joint-venture com a Dah Chong Hong
com equipamentos semelhantes, e faze- Limited para distribuição de seus pro-
mos o desenvolvimento de produtos em dutos no mercado daquele país.
conjunto”, afirma Gonçalves. Essas cozi- O centro de P&D de Jundiaí será res-
nhas também são espaço para realização ponsável por boa parte dos novos lança-
de treinamentos, ações de divulgação e mentos que a BRF colocará no mercado
testes sensoriais. “Fazemos testes cegos brasileiro e mundial nos próximos anos.
dos nossos produtos com funcionários A empresa tem em seu portfólio mais de 3
treinados capazes de perceber pequenas mil produtos, dos quais 450 lançados em
diferenças de sabor, odor e textura. Em 2012. Em 2013 entregou ao mercado, até
São Paulo é realizada a análise sensorial o terceiro trimestre, 169 produtos, além
com o consumidor final”, explica. das extensões de linha que representam
um número bem maior. Desses, nem to-
Lançamentos Inovadores dos representam produtos inovadores
Proprietária das marcas Perdigão, Sa- e diferenciados, como explica o diretor
dia, Batavo e Elegê, entre outras, a BRF, Ralf Piper. “Podem ser um iogurte com
1 Placa com cultura que no início de suas atividades tinha o novo sabor ou uma lasanha que passou
de bactérias nome de Brasil Foods, é um dos maiores a ser fabricada em outro tamanho. Os
2 Análise e verificação participantes globais no setor alimentí- produtos inovadores, realmente diferen-
de peso de produto cio. Com uma receita líquida de R$ 28,5 ciados, são chamamos de plataforma de
3 Nos tubos, meio de bilhões em 2012, ela atua nos segmentos ruptura.” Exemplos desses produtos são
cultura de sementes de carnes (aves, suínos e bovinos), ali- a linha de maionese fabricada com óleo
4 Amostras de mentos processados de carnes, lácteos, de girassol da Perdigão, a família de la-
alimentos para medição margarinas, massas, pizzas e vegetais sanhas da Sadia produzidas com massa
de pH
congelados. A empresa emprega 114 mil integral e o iogurte grego líquido da Bata-
funcionários e opera 50 fábricas no país. vo, o primeiro do gênero lançado no país.
Além delas, conta com nove unidades As novidades da BRF, no entanto, não
industriais na Argentina e duas na Eu- se limitam ao lançamento de novos pro-
ropa, sendo uma na Inglaterra e outra dutos. A companhia também investe em
na Holanda. Uma nova unidade fabril processos tecnológicos inovadores e em
está programada para ser inaugurada em pesquisas para redução de sódio, gordura
Abu Dabi, nos Emirados Árabes Unidos, e açúcar em seus produtos. “A busca por
no primeiro semestre de 2014. A decisão alimentos mais saudáveis é um desafio
de se instalar no Oriente Médio é justi- permanente do setor de inovação”, diz
ficada pelo fato de essa região ser um Piper. Por meio do trabalho de um grupo
mercado fundamental para a companhia, de pesquisadores liderado pelo enge-
que exporta seus produtos para mais 120 nheiro químico Paulo Donizeti Guar-

70  z  janeiro DE 2014


nieri, a empresa obteve avanços no de-
fotos  eduardo cesar

senvolvimento de uma substância que


pode substituir o sal em seus alimentos.
“Além de conferir sabor à comida, o sal
também é importante para conservação
dos alimentos. Ele mantém a estabilida-
de do produto, garantindo o prazo de
validade”, explica Guarnieri. O proble-
ma é que seu consumo em excesso está
associado a algumas doenças crônicas,
entre elas a hipertensão. Isso fez com
que o Ministério da Saúde e a Associação
Brasileira das Indústrias de Alimentos
(Abia) firmassem em 2011 um pacto para
redução do teor de sódio em alimentos
industrializados. “Não podemos revelar
maiores detalhes, mas posso dizer que
essa substância alternativa ao sal já é
aplicada experimentalmente em nos- 4

sos produtos”, revela o diretor de P&D.

Alta pressão
Outra inovação recente, na área de pro- Um projeto na área de processos
cessos, está relacionada à esterilização
de produtos fabricados à base de carnes. é o primeiro dentro da política
A equipe coordenada pelo consultor téc-
nico Gustavo Menengoti Ribeiro testa há
de inovação aberta da empresa
meses um novo equipamento responsá-
vel por um processo de pasteurização a
frio. “Seremos a primeira empresa de dois e quatro anos”, diz o pesquisador da entre 20 e 30 projetos de inovação aberta
carnes do Brasil e a segunda em todos os BRF. “Ela pasteuriza qualquer alimento. estabelecidos com instituições de ponta,
setores a adotar a tecnologia HPP, sigla É como se o produto fosse mergulhado entre elas USP, Unicamp, Universidade
em inglês para high pressure pasteuri- numa coluna d’água de 60 quilômetros de Santa Maria [UFSM], no Rio Grande
zation [pasteurização a alta pressão]”, de profundidade, reduzindo de forma do Sul, IPT e Embrapa Agroindústria,
conta Ribeiro. Segundo ele, a vantagem drástica a presença de microrganismos.” no Rio de Janeiro. Buscamos financiar
desse processo de pasteurização a frio é Um dos pilares da inovação da empresa projetos focados em pesquisa aplicada
que ele mantém as características sen- é o trabalho conjunto com universidades e no desenvolvimento de novas tecno-
soriais do alimento, alterando minima- e centros de pesquisa. A área de inovação logias e processos”, diz Adriana. A área
mente seu sabor e textura. “Essa tec- aberta é coordenada pela engenheira de também é responsável por obter recursos
nologia deverá ser aplicada em alguns alimentos Maria Cristina Youn Lui e pela para inovação com órgãos de fomento à
produtos de maior valor agregado entre química Adriana Regina Martin. “Temos pesquisa como Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnoló-
gico (CNPq) e Financiadora de Estudos
Instituições que formaram os pesquisadores da empresa e Projetos (Finep).
A primeira parceria firmada desde que
Ralf Piper, médico veterinário, diretor em P&D Universidade Federal do Paraná (Ufpr): graduação;
e qualidade Universidade Federal de Santa Catarina a política de inovação foi formalizada, há
(Ufsc): mestrado três anos, aconteceu com o Departamen-
José Roberto Gonçalves, engenheiro de alimentos, UFSC: graduação; to de Tecnologia de Alimentos da UFSM.
gerente de planejamento, qualidade e gestão Fundação Getúlio Vargas (FGV): MBA “Não posso dar detalhes sobre o projeto,
Paulo Donizeti Guarnieri, químico e engenheiro Universidade de São Paulo (USP): graduação; por ser sigiloso. Mas posso afirmar que se
químico, consultor técnico de P&D USP: mestrado tratou de uma inovação da área de proces-
Maria Cristina Youn Lui, engenheira de Universidade Estadual de Campinas (Unicamp): sos”, diz Maria Cristina. “Ao se aproximar
alimentos, especialista em P&D graduação; Unicamp: mestrado; FGV: MBA da academia, que é onde se faz pesquisa
Adriana Regina Martin, química, especialista Universidade Federal de São Carlos (UFSCar): de ponta, compartilhamos recursos hu-
em inovação graduação; UFSCar: Mestrado; UFSCar e manos e aceleramos a formação de nossos
Universidade de Wisconsin (EUA): doutorado profissionais. Os projetos, que consolidam
UFSCar: pós-doutorado
a inovação na BRF, são positivos para a
Gustavo Menengoti Ribeiro, engenheiro UFSC: graduação; companhia e para as instituições parcei-
mecânico, consultor técnico de P&D USP e Unicamp: MBA
ras”, diz Ralf Piper. n

pESQUISA FAPESP 215  z  71


ÓPTICA y

Campo
iluminado Saída do laser

Grupo de São Carlos constrói equipamento


robótico com laser para análise de elementos Espectômetro

químicos presentes no solo e nas folhas

Marcos de Oliveira

P
equenos feixes de luz laser diri- Além do Cepid, a fundação apoia a pes- O sistema Libs funciona com lasers
gidos sobre a folha de uma planta quisa com uma bolsa de pós-doutorado pulsados, em frações de segundos,
ou porção de solo podem se tor- do físico Jader Cabral. focados nas amostras e posterior
nar comuns nas lavouras dentro Uma versão mais sofisticada da técni- leitura da luz emitida
de alguns anos. O laser está se tornando ca Libs é a com duplo pulso. Neste caso,
um meio confiável para analisar elemen- existe um atraso entre os dois feixes de
tos químicos presentes em um vegetal e lasers de nanossegundos a microssegun-
trazer informações importantes sobre dos. A vantagem sobre o sistema de um
a adubação, por exemplo. O melhor é pulso, mais utilizado pela comunidade no conhecimento e desenvolvimento
que o teste pode ser feito em tempo real científica, é a possibilidade de aumentar da análise de folhas e solo via espectro-
no próprio campo, em poucos minutos, em várias vezes a intensidade do sinal, metria com plasma induzido por laser.
contando inclusive com o suporte de melhorando o limite de detecção da téc- O projeto contou com a participação de
localização por GPS. Chamada de es- nica para quantificação dos elementos. A Débora e de outros pesquisadores da
pectroscopia de emissão com plasma Embrapa também construiu recentemen- Embrapa. “Em geral, Libs com duplo
induzido por laser (Libs na sigla em te um sistema Libs com duplo pulso com a pulso requer instrumentação um pouco
inglês), essa tecnologia está sendo uti- colaboração do físico Gustavo Nicolodelli mais complexa, mas ambos são relati-
lizada pelo robô Curiosity, da Nasa, em e bolsista de pós-doutorado da Fapesp. vamente simples. Atualmente, os siste-
Marte, para verificação de elementos co- “Há vários trabalhos demonstrando mas portáteis, disponíveis no mercado,
mo ferro, carbono e alumínio das rochas que o sistema Libs com duplo pulso pro- baseiam-se em medidas geradas por um
marcianas. Um equipamento semelhante porciona melhor desempenho analítico, pulso do laser”, diz Krug.
foi desenvolvido na Embrapa Instru- com aumento de sensibilidade e limites “De qualquer forma, certamente a tec-
mentação, localizada em São Carlos, no de detecção entre duas e 20 vezes me- nologia com duplo pulso incorporada
interior paulista. “É o primeiro sistema lhores que os obtidos nos métodos que aos equipamentos portáteis ampliará
Libs embarcado construído no Brasil”, empregam configurações com um pul- ainda mais o número de aplicações ana-
diz a pesquisadora Débora Milori, da so do laser”, diz o professor Francisco líticas”, diz. “Já existem equipamentos
Embrapa, coordenadora do projeto den- Krug, do Centro de Energia Nuclear na comerciais que exploram outras áreas da
tro do Centro de Pesquisas em Óptica e Agricultura (Cena) da USP. Ele coor- espectroscopia instalados em máquinas
Fotônica, um dos Centros de Pesquisa, denou um projeto financiado pela FA- agrícolas que possibilitam análise de so-
Inovação e Difusão (Cepid) da FAPESP. PESP entre 2005 e 2009 que avançou los em tempo real, e espera-se que o Libs

72  z  janeiro DE 2014


Brilho revelador
Utilizando a espectroscopia de emissão com plasma Induzido por laser (Libs),
pesquisadores conseguem identificar os elementos químicos de uma folha

aquecimento, evaporação e formação do plasma plasma resfria e emite luz

Temperatura 1os Temperatura 1os


até 50.000 K nanossegundos 5.000 a microssegundos
15.000 K

Moléculas do Elétrons se Plasma contendo Linhas de emissão de luz diferentes


material se desprendem átomos, íons e elétrons para cada elemento químico
desprendem das moléculas Evaporação

e-

Luz viaja de volta para


o Libs e é captada pelas
lentes do espectrômetro,
que faz a identificação
Fonte DÉbora Milori /embrapa dos elementos

possa contribuir muito em breve para tátil e adaptá-lo a uma espécie de car- tais para captar as imagens. Conforme o
avaliação do estado nutricional das cul- rinho semelhante a um robô que pode espectro de luz emitido, é possível clas-
turas agrícolas também em tempo real.” ser levado ao campo. “Montamos um sificar no aparelho os elementos presen-
O Grupo de Espectrometria Atômica do sistema robótico para demonstrar o con- tes na amostra, como fósforo, carbono e
Cena-USP, sob a coordenação de Krug, ceito com a colaboração dos professores cobre, por exemplo. “As emissões produ-
é especializado no desenvolvimento e Marcelo Becker e Daniel Magalhães, da zidas pelos átomos e íons representam a
validação de métodos quantitativos para EESC [Escola de Engenharia de São Car- impressão digital de cada elemento quí-
análise direta de amostras de interesse los] da USP.” mico”, diz Débora. A análise com laser se
agronômico e ambiental. insere dentro do conceito de agricultura
foto  débora milori / embrapa infográfico ana paula campos  ilustração alexandre affonso

“A quantificação pode ser feita por Quebra de moléculas de precisão, que utiliza cada vez mais
meio de modelos de calibração utilizan- No robô, um laser pulsado é focaliza- instrumentos e recursos da tecnologia da
do-se amostras de referência. A intensida- do em amostras de folhas ou do solo. O informação como computadores, GPS e
de da emissão dos elementos é proporcio- local é aquecido e a temperatura chega redes sem fio para implementar melho-
nal à concentração que ele tem na amos- aos 50.000 Kelvins (K). O efeito térmi- rias no âmbito da produção agrícola. n
tra. A calibração é bastante dependente co provoca uma quebra das moléculas
da matriz, ou seja, é preciso construir presentes no material e uma evaporação,
um modelo para quantificar carbono no formando assim um plasma, ou seja, uma
Projetos
solo e outro para o carbono em plantas”, densa nuvem gasosa de átomos, íons e
1 Desenvolvimento e avaliação de um sistema Libs com
diz Débora. A análise com laser também elétrons. Depois de alguns microssegun- pulso duplo: Aplicação em caracterização de solos (n°
é vantajosa em relação ao menor tempo dos, o plasma esfria para temperaturas da 2012/24349-0); Modalidade Bolsa de Pós-doutorado
gasto se comparada aos testes conven- ordem de 5 a 15.000 K e aparecem linhas Bolsista Gustavo Nicolodelli/Embrapa; Coord. Débora
Milori/Embrapa; Investimento R$ 163.082,88 (FAPESP)
cionais realizados em laboratórios, onde de emissão de luz características de ca- 2 Análise de solos utilizando técnicas fotônicas visando
existe a necessidade de preparação da da elemento químico presente na amos- ao desenvolvimento de equipamentos portáteis para
amostra com reagentes químicos. Sem tra. Essa luminosidade é captada por um medidas in situ (nº 2012/22196-1); Modalidade Bolsa
de Pós-doutorado; Bolsista Jader de Souza Cabral/Em-
esses produtos, o uso do Libs contribui conjunto de lentes instaladas no equipa- brapa; Coord. Débora Milori/Embrapa; Investimento R$
para diminuir a geração de resíduos. “É mento e focadas em um espectrômetro. 163.082,88 (FAPESP)
uma técnica limpa”, diz Débora. No espectrômetro a luz será detectada 3 Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (Cepof) (n°
2013/07276-1); Modalidade Programa Centro de Pesqui-
O objetivo dos pesquisadores da Em- por um sistema optoeletrônico também sa, Inovação e Difusão (Cepid); Coord. Vanderlei Bagnato/
brapa foi construir um equipamento por- presente em câmeras fotográficas digi- USP; Investimento R$ 1.000.000,00 por ano (FAPESP)

pESQUISA FAPESP 215  z  73


química y

Imagens
da fraude
Teste com escâner indica
se o leite está adulterado

Evanildo da Silveira

U
m computador e um escâner presa de laticínio da região de São Carlos, sificadas e normais de leite porque o tom
comum, desses que muitas pes- e fez as adulterações com as cinco prin- azulado varia conforme a concentração
soas têm em casa, são as novas cipais substâncias normalmente usadas do adulterante. “Os copos foram coloca-
ferramentas para detectar a pelos fraudadores, em concentrações de dos sobre o vidro de um escâner de uma
adulteração do leite, fraude que acontece 5% a 50%. Um deles, a água de tornei- impressora para gerar uma imagem digi-
com frequência no Brasil e em outros paí- ra, é utilizada para aumentar o volume tal de cada um deles”, explica Pereira. Ca-
ses. A ideia desse método surgiu no De- e, com isso, gerar ganho econômico pa- da uma das misturas gerou uma imagem
partamento de Química da Universidade ra os falsificadores. O soro, por sua vez, em formato Joint Photographic Experts
Federal de São Carlos (UFSCar) motivada um subproduto da fabricação de queijo, Group (JPG). Foram obtidas, dessa for-
pelas frequentes notícias na imprensa é adicionado ao leite para mascarar a ma, cerca de mil imagens, cada uma cor-
sobre falsificações de leite em várias re- adição de água e manter a concentração respondendo a um tipo de adulteração.
giões do país. A equipe coordenada pelo de proteína dentro do que determina a
professor Edenir Rodrigues Pereira Filho legislação nacional (2,9%). comparação de imagens
conseguiu com o novo método identificar O mesmo papel tem a urina sintética As imagens foram armazenadas em um
e quantificar os principais adulterantes, usada no experimento – uma mistura computador. Quando se quer testar uma
em diferentes concentrações, como água, de sais, água e outras substâncias co- amostra, é preciso digitalizar o copo com
peróxido de hidrogênio (água oxigenada), mumente encontradas na urina, como um pouco de leite, gerando uma imagem.
soro, leite e urina sintéticos, ureia e soda ureia e creatinina. O objetivo principal Por meio de um software especializa-
cáustica. O estudo, que teve financiamen- é encobrir o acréscimo de água. A quarta do, ela é comparada com as mil previa-
to da FAPESP e do Conselho Nacional de substância fraudadora é leite sintético, mente armazenadas. Assim, é possível
Desenvolvimento Científico e Tecnoló- um adulterante formado por uma mis- identificar se a nova amostra é igual à
gico (CNPq), começou em 2009 a partir tura de água, detergente, óleo e ureia, testada e descobrir a fraude. Se o adul-
do projeto de doutorado da então aluna utilizado com a mesma função do soro. terante não corresponder a uma imagem
de Pereira, Poliana Macedo dos Santos. O último produto usado nas fraudes, o armazenada, o programa não consegue
O uso de imagens digitais para aná- peróxido de hidrogênio, serve para ini- identificá-lo. Mas conseguirá dizer que
lise de alimentos já está registrado na bir a proliferação de bactérias e, dessa o leite não é puro.
literatura científica. Pode ser usado no forma, prolongar o tempo de conserva- De acordo com dados do Instituto Bra-
controle da qualidade de presunto, na ção do produto. sileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
contagem de lactobacilos em leite fer- Depois de adulteradas, as amostras a produção de leite no Brasil em 2012
mentado e também para determinar o foram colocadas em copos de vidro e re- foi de 32,3 bilhões de litros. Em relação
tamanho de grãos de arroz. A partir des- ceberam gotas de bromofenol, um co- a fraudes, não há dados precisos. “Ge-
ses exemplos, o grupo da UFSCar obteve rante azul, para possibilitar um melhor ralmente a porcentagem é da ordem de
amostras de leite, cedidas por uma em- contraste das cores entre as porções fal- 10%”, diz Pereira. “Somente temos in-

74  z  janeiro DE 2014


Teste rápido do leite
Previamente, os pesquisadores obtiveram cerca
de mil imagens de misturas de leite normal e com
adulterantes em várias concentrações

Bromofenol
[corante azul que

1 melhora o contraste
das imagens]
5 ml do leite que
se quer analisar
é colocado num
copo usado em
laboratório, ao
qual é adicionado
o bromofenol

2 O copo com leite é


escaneado num aparelho
comum. O resultado é
uma imagem digital do
leite, no formato JPG

3
Essa imagem é transferida
para um computador onde
um software a compara com
as mil imagens de adulterações
previamente armazenadas

formações do que é divulgado na mídia.” Leite do ministério abrange, entre outras, tátil e utilizado no campo. As amostras
Em termos mundiais, no entanto, há mais análises de água oxigenada, amido, clo- suspeitas poderiam ser encaminhadas
dados. Poliana cita em sua tese um estudo retos, neutralizantes de acidez, sacarose, para laboratórios especializados para
realizado na Universidade de Michigan, álcool etílico e soro. testes mais aprofundados”, diz Perei-
nos Estados Unidos, que revelou ser o Em sua tese, Poliana diz que as análi- ra. Para chegar ao mercado, o método
foto  eduardo cesar infográfico  ana paula campos  ilustração  pedro hamdan

leite um dos sete alimentos mais suscetí- ses da qualidade do leite no Brasil se ba- ainda precisa de uma empresa interes-
veis à adulteração, junto com azeite, mel, seiam na determinação de algumas pro- sada em desenvolvê-lo como produto e
açafrão, café, sucos de maçã e laranja. priedades físico-químicas do produto, comercializá-lo. n
No Brasil, a fiscalização da qualidade como acidez, gordura, extrato seco, entre
do produto é feita por órgãos municipais, outras. Mas muitas vezes esses métodos
estaduais e federais. As empresas que pos- são incapazes de detectar, de uma forma Projeto
suem registro no Serviço de Inspeção direta, se houve adulteração. Além dis- Aplicação de imagens digitais e técnicas espectroana-
Federal (SIF) são autorizadas a fazer o so, os testes são demorados, consomem líticas combinadas com quimiometria para detecção
e quantificação de adulteração em leite bovino (nº
comércio interestadual ou internacio- muitos reagentes químicos e necessitam 2009/01345-6); Modalidade Bolsa de Doutorado; Bolsis-
nal e são fiscalizadas pelo Ministério da de equipamentos específicos e de custo ta/Coord. Poliana Macedo dos Santos /Edenir Rodrigues
Agricultura, Pecuária e Abastecimento elevado. Por isso, segundo os pesquisa- Pereira Filho; Investimento R$ 111.668,91 (FAPESP).

por meio de inspeções periódicas ou au- dores da UFSCar, o método desenvolvido Artigos científicos
ditorias. Nessas inspeções são verificadas apresenta como vantagem sobre outras Santos, P.M. et al. Digital image analysis – an alternative
as linhas de produção, o atendimento das técnicas de análise a rapidez, possibili- tool for monitoring milk authenticity. Analytical Methods.
boas práticas de fabricação e procedimen- tando a realização de testes em tempo v. 5, p. 3.669-74. ago. 2013.
Santos, P. M. et al. Escâner digital images combined with co-
tos operacionais padronizados. Além dis- real. “Além disso, o procedimento criado lor parameters: a case study to detect adulterations in liquid
so, o programa de Combate à Fraude do por nós tem grandes chances de ser por- cow’s milk. Food Analytical Methods. v. 5, p. 89-95. 2012.

pESQUISA FAPESP 215  z  75


Engenharia genética y

Mutações
benéficas
Novas linhagens da tradicional
levedura e microrganismos
silvestres podem aumentar
a produção de etanol

Dinorah Ereno

U
ma das formas de aumentar a produ-
ção de etanol com o mesmo hectare de
cana é criando novas linhagens e me-
lhorando o desempenho produtivo da
levedura Saccharomyces cerevisiae responsáveis
por transformar o açúcar em álcool na etapa de
fermentação. Na Universidade Federal de São
Carlos (UFSCar), as pesquisas conduzidas pelo
professor Anderson Cunha concentram-se em
seis linhagens de leveduras, sendo duas termoto-
lerantes, ou seja, resistentes a altas temperaturas
nas dornas de fermentação – característica im-
portante para regiões tropicais – e quatro linha-
gens resistentes ao próprio etanol, que durante
o processo torna-se tóxico para elas.
“O foco é encontrar os genes de resistência
ao calor e ao etanol para transferi-los a linha-
gens bem adaptadas ao processo industrial”, diz
Cunha, que coordena um projeto financiado pe-
la FAPESP na modalidade Programa de Apoio à
Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica
(Pite), em parceria com a ETH Bionergia. Ou até
mesmo utilizar essas leveduras isoladas se forem
adequadas e mostrarem alta eficiência fermentati-
va. Como o processo é aberto, as dornas recebem
leveduras que vêm do ar e da própria cana-de-
-açúcar e invadem a fermentação.

76  z  janeiro DE 2014


mento nas dornas, o que representa um capaz de produzir enzimas celulolíticas,
custo adicional. “Por isso, se conseguir- ou seja, que fazem a hidrólise da celu-
mos isolar linhagens resistentes a 40ºC, lose, uma característica interessante pa-
elas não precisariam ser resfriadas.” ra o etanol de segunda geração. Após a
Além da seleção e dos testes para en- identificação dos genes que produziam
contrar as linhagens de interesse, foram essas enzimas, eles foram clonados ini-
feitos também testes de fermentação. cialmente na bactéria Escherichia coli,
Como resultado dessa coleta na usina foi um microrganismo-modelo, e posterior-
criado um banco de leveduras, que conta mente na levedura Saccharomyces cere-
atualmente com cerca de 400 linhagens visiae, para que ela pudesse degradar a
com características fermentativas dis- celulose em glicose, convertendo-a em
tintas, das quais foram escolhidas seis seguida em combustível.
com capacidade de fermentar em altas A pesquisa fez parte do doutorado de
temperaturas e altas concentrações de Rosana Goldbeck na Faculdade de Enge-
etanol. As outras estão sendo testadas nharia de Alimentos (FEA) da Unicamp,
para outras finalidades. orientado por Maugeri, responsável pela
Além de avançar na produção cada linha de pesquisa de engenharia de bio-
vez maior da tradicional Saccharomyces processos, e co-orientado pelo professor
cerevisiae outras linhas de pesquisa bus- Gonçalo Amarante Guimarães Pereira,
cam outros microrganismos que possam do Instituto de Biologia da universidade.
ajudar nesse processo e aumentar a pro- “Os resultados foram bastante interes-
dução do etanol. Resultados bastante santes, mas ainda há um longo caminho
promissores aparecem nos estudos sob para a sua utilização em processos in-
a coordenação do professor Francisco dustriais”, diz Maugeri. Para a próxima
Maugeri Filho, da Universidade Esta- etapa estão previstos testes com levedu-
A pesquisa que resultou no projeto dual de Campinas (Unicamp), a partir de ras industriais, como a Pedra e Pedra 2,
Pite teve início em 2009, quando Cunha leveduras silvestres isoladas de biomas reconhecidas pela alta produtividade na
se associou à usina São Luís, de Ouri- brasileiros – floresta amazônica, mata fermentação de etanol. n
nhos, no interior paulista, para acom- atlântica, cerrado e pantanal – em um
panhar o processo de produção de eta- projeto financiado pela FAPESP. “Con-
nol durante a safra. Desde então, a cada seguimos isolar mais de 300 microrga- Projetos
15 dias durante as safras são retiradas nismos nesse projeto”, diz Maugeri. 1. Estudo genético e do potencial de leveduras silves-
amostras de leveduras das dornas de “O objetivo inicial era isolar somen- tres isoladas de diversas regiões brasileiras visando
a produção de bioetanol (nº 2009/52198-3); Moda-
fermentação e selecionadas posterior- te leveduras, mas posteriormente ve- lidade Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa; Coord.
mente em laboratório. “Escolhemos as rificamos por identificação molecular Francisco Maugeri Filho/Unicamp; Investimento
leveduras morfologicamente diferentes que alguns microrganismos eram fungos R$ 184.029,82 (FAPESP).

das industriais”, diz Cunha. Depois elas polimórficos”, relata. No processo de 2. Análise genômica e transcriptômica de linhagens termo-
tolerantes e etanol resistentes de Saccharomyces cerevisiae
foram testadas em relação à resistência a identificação foram encontradas leve- isoladas durante o processo de produção de etanol – Cons-
ilustraçãO abiuro

etanol e temperatura. Como a tempera- duras verdadeiras – fungos com forma trução de plataformas biológicas para uso industrial (nº
tura no processo tem que ficar em torno unicelular – e fungos polimorfos que 2012/50064-2); Modalidade Programa de Apoio à Pesquisa
em Parceria para Inovação Tecnológica (Pite); Coord. Ander-
de 30ºC, para que se mantenha constante em meios líquidos se parecem com le- son Ferreira da Cunha/UFSCar; Investimento R$ 330.557,02
é preciso manter um sistema de resfria- veduras, como o Acremonium strictum, (FAPESP e ETH Bioenergia).

pESQUISA FAPESP 215  z  77


Computação y

No fundo do

olh Software contribui para a detecção e


análise precoce da retinopatia diabética

U
m cuidado indispensável com é estimado que este número cresça para cessidade de tratamento. “Ele é capaz de
portadores de diabetes é iden- aproximadamente 552 milhões até 2030”, acusar erros na captura da imagem como
tificar ou não se eles têm re- diz o professor Anderson Rocha, do IC- partes da retina que não são considera-
tinopatia diabética, uma en- -Unicamp, coordenador do projeto. No das ideais para detecção de retinopatia
fermidade nos olhos que pode levar à Brasil, estima-se que cerca de 5% da po- ou mesmo se o paciente piscar”, diz o
cegueira. O risco aumenta se o controle pulação, ou perto de 10 milhões de bra- cientista da computação Ramon Pires,
da glicemia não for adequado e o paciente sileiros, são diabéticos, parte dos quais doutorando na equipe de Rocha.
não procurar um oftalmologista. O diag- poderá vir a desenvolver a retinopatia Assegurada a qualidade mínima da
nóstico é feito por mapeamento da retina diabética. Por enquanto, o software fun- imagem para análise, entram em ação os
ou por análise de fotografias coloridas ciona apenas em computadores comuns, detectores individuais de lesões associa-
produzidas por um aparelho chamado mas a ideia é desenvolver, em parceria das à retinopatia diabética. A imagem da
retinógrafo. Para auxiliar nessa análise com empresas especializadas, no futuro retina do paciente passa no software por
e tornar o diagnóstico mais rápido, pes- um retinógrafo portátil e equipá-lo com o seis detectores de lesões, e cada um deles
quisadores do Instituto de Computação novo sistema. O oftalmologista ou mesmo define uma pontuação que indica qual a
da Universidade Estadual de Campinas um enfermeiro poderá capturar a imagem probabilidade de um paciente ter uma
(IC-Unicamp) desenvolveram uma so- da retina do paciente. “Os diabéticos que delas. “A imagem passa a ser representada
lução computacional que poderá ajudar vivem em comunidades rurais e remotas em alto nível, por meio de um conjunto de
na detecção e tratamento da doença. O seriam muito beneficiados se um equi- valores numéricos, um para cada lesão, e
software é capaz de analisar automati- pamento portátil fosse desenvolvido e essa nova representação permite verificar
camente imagens na retina, no fundo do levado até eles”, diz Rocha. “Isso tornaria se o paciente apresenta tais problemas
olho, de pacientes diabéticos e indicar de acessível um atendimento para verifica- associados à retinopatia diabética, se a
forma precoce anomalias como hemor- ção de necessidade de consulta médica doença está em estágio avançado e se é
ragias, alterações vasculares, cicatrizes presencial.” O aparelho também poderia necessário agendar uma consulta com o
e sinais de processos inflamatórios. detectar a doença em estágio inicial, me- oftalmologista nos 12 meses seguintes”,
A novidade ganha importância por- dida essencial para se evitar a cegueira. explica Rocha. Entre os sinais e as lesões
que essa doença é a principal causa de Além disso, um retinógrafo portátil seria que indicam retinopatia diabética e que
cegueira na população ativa – entre 20 e mais ágil e deixaria mais tempo para o of- podem ser detectadas pelo software estão
74 anos – em países desenvolvidos. “De talmologista atender os pacientes. a presença de gordura, lesões vermelhas,
acordo com a Federação Internacional O software trabalha com quatro etapas: hemorragias leves e profundas, manchas
de Diabetes, atualmente o mal afeta 366 avaliação da qualidade da imagem, detec- parecidas com algodão e microaneuris-
milhões de pessoas em todo o mundo e ção de lesões, triagem e verificação da ne- mas. “Alcançamos resultados de classifi-

78  z  janeiro DE 2014


imagens Anderson Rocha / Unicamp

Retinas normais em imagens obtidas do retinógrafo

Vasos sanguíneos

Disco óptico

Localizado na
camada central
da retina mácula

Centro da retina,
que é a camada
posterior do olho

Lesões em retinas

Hemorragias e manchas indicam a presença da retinopatia diabética

cação acima de 90% nos trabalhos atuais, grupo conta com os professores Siome de pesquisa”, diz Rocha. “Já para apa-
compatíveis com os melhores resultados Goldenstein e Wainer, do IC, e Eduardo relhos portáteis automatizados, como
da literatura científica”, conta Rocha. Valle, da Faculdade de Engenharia Elétrica o que pretendemos desenvolver, até o
e de Computação da Unicamp. momento não temos conhecimento de
Grupos de Apoio “Esse software pode ser de grande nenhum trabalho em andamento. Esta-
As pesquisas que levaram ao software valia no auxílio do diagnóstico da reti- mos buscando parcerias e acabamos de
começaram em 2009, com um projeto fi- nopatia diabética”, diz o médico Sérgio fechar uma com o Hospital de Clínicas
nanciado pelo convênio entre o Instituto Gianotti Pimentel, professor do Departa- de Unicamp.” n Evanildo da Silveira
Microsoft Research e a FAPESP, com a mento de Oftalmologia da Faculdade de
supervisão do professor Jacques Wainer, Medicina da Universidade de São Paulo
também do IC-Unicamp. Em 2011, o traba- (USP). “Há vários programas semelhan- Projeto
lho recebeu novo apoio da Fundação, agora tes relatados na literatura”, diz. O mesmo Triagem automática de retinopatias diabéticas: tecnologia
para o mestrado de Pires, e a partir do se- ocorre quanto a retinógrafos portáteis. da informação contra a cegueira prevenível (n° 2008/
54443-2); Modalidade Auxílio Regular a Projeto de Pesqui-
gundo semestre de 2013, tem a colaboração “Recentemente alguns pesquisadores sa - Convênio Microsoft; Coord. Jacques Wainer/Unicamp;
da Samsung. Além de Rocha e de Pires, o começaram a se interessar por essa linha Investimento R$ 176.198,75 e US$ 75.855,79 (FAPESP).

pESQUISA FAPESP 215  z  79


humanidades   divulgação científica y

léo ramos

80  z  janeiro DE 2014


Do macaco
ao homem
Exposição permanente sobre evolução humana entra
em cartaz no Catavento Cultural, em São Paulo

Marcos Pivetta

T
oumai, Lucy, um neandertal e outros coordenador do Laboratório de Estudos Evolu-
hominídeos do passado distante es- tivos Humanos da Universidade de São Paulo
tão chegando a São Paulo. Ou melhor, (USP), a exposição traça um panorama de uma
réplicas fiéis de seus esqueletos e re- longa e intrincada história, cujo início não se sa-
presentações artísticas de seus pro- be ao certo, mas que hoje contabiliza ao menos
váveis traços faciais são as estrelas de uma nova 7 milhões de anos.
exposição permanente sobre a evolução humana. Essa é a idade estimada de Toumai, apelido de
Intitulada Do macaco ao homem, a mostra entra um crânio da espécie Sahelanthropus tchadensis,
em cartaz entre o final deste mês e o início de encontrado em 2001 no Chade, centro-norte da
fevereiro no Catavento Cultural, espaço para África. Trata-se do mais antigo hominídeo conhe-
difusão da ciência e do conhecimento mantido cido, uma linhagem provavelmente evoluída de
pelo governo do estado de São Paulo no centro parentes dos chimpanzés. Toumai pertenceu ao
da capital paulista. Concebida em parceria com primeiro grupo de hominídeos a caminhar em pé.
o arqueólogo e antropólogo físico Walter Neves, Durante um bom tempo, a primazia do bipedalismo

Réplicas de
esqueletos de gorila,
do homem moderno
e de chimpanzé: o
Homo sapiens e seus
parentes próximos
dentro da ordem
dos primatas

pESQUISA FAPESP 215  z  81


foi atribuída a Lucy, como é chamado o tavento Cultural e Educacional, respon- e de artefatos de pedra lascada e de osso
esqueleto parcial de uma fêmea de Aus- sável pela direção do museu de ciências. cunhados pelo homem moderno e seus
tralopithecus afarensis de 3,2 milhões de De fato, as pessoas que passarem pela antepassados. “Noventa por cento das
anos, provavelmente o fóssil de hominídeo exposição terão uma sensação de leve réplicas foram feitas a partir de peças da
mais famoso de que se tem notícia. Lucy aperto, devido ao teto não muito alto e à nossa coleção que está na USP”, comenta
foi resgatada em 1974 na Etiópia, também relativa escassez de espaço nas arcadas Neves. As cópias de Lucy e dos macacos
na África, continente igualmente berço do do subsolo. É quase como se estivessem vieram dos Estados Unidos. Há também
homem moderno, o Homo sapiens, que entrando em uma caverna, um ambiente reproduções das representações artísti-
ali se originou há cerca de 200 mil anos. que tem tudo a ver com uma breve via- cas feitas pelo homem moderno durante
“Nas últimas três ou quatro décadas, gem pela história da evolução humana. o que Neves denomina a “explosão cria-
foram encontrados muitos fósseis de ho- O ponto alto da mostra é a quantidade tiva do Paleolítico Superior”, por volta
minídeos na África e em outras partes do e a qualidade das réplicas de esquele- de 45 mil anos atrás. Para ilustrar esse
Velho Mundo”, diz Neves. “O principal tos de hominídeos e de grandes símios momento-chave da evolução humana,
objetivo da exposição é mostrar que os – ao lado de uma ossada completa de foram destacadas cópias de trechos de

fotos  léo ramos


conhecimentos sobre o processo que le- Homo sapiens, há outra de chimpanzé e famosas pinturas rupestres, como os mu-
vou ao surgimento dos hominídeos e do uma terceira de gorila, nossos parentes rais das grutas de Lascaux e Chauvet na
homem moderno já estão bastante avan- mais próximos na ordem dos primatas – França e de Altamira na Espanha.
çados. Agora podemos caracterizar, com
um elevado grau de certeza, os principais Ao lado, cópias das
passos de nossa linhagem evolutiva.” O pinturas rupestres
encontradas
pesquisador da USP demorou sete anos nas cavernas de
para organizar a mostra, que inicialmen- Lascaux e Chauvet,
te fora pensada para a Estação Ciência, representação
espaço de divulgação de ciências da USP artística de como
teria sido o rosto de
atualmente fechado para reformas. um neandertal e de

N
um H. sapiens e
o Catavento Cultural, que se inte- reconstituição de um
ressou prontamente pelo projeto, sepultamento
humano de 28 mil
Do macaco ao homem inaugura anos na Rússia.
um novo espaço didático no interior do Riqueza de detalhes
Palácio das Indústrias, o prédio históri- das peças é o ponto
co da instituição: as arcadas no subsolo. alto da exposição

“Uma exposição sobre evolução humana


casa bem com os subterrâneos”, diz Sér-
gio de Freitas, presidente do conselho de
administração da organização social Ca-

82  z  janeiro DE 2014


Noventa por cento das peças
da mostra foram feitas pela
equipe de Walter Neves, da USP

Reproduções
do esqueleto de
Lucy e do Garoto
de Turkana (um
Homo erectus de
1,6 milhão de anos),
de crânios
de hominídeos
e da dentição
de antepassados
do homem moderno

U
ma cena instigante da exposição é a mostra para acompanhar as informações Complementam ainda esse pequeno
reconstituição de um sepultamento passadas em uma de suas partes. “Quando passeio pela evolução humana dois bre-
de um humano moderno ocorrido se está em um módulo, não é possível ver ves documentários: um de três minutos
28 mil anos atrás no solo gelado do que ho- o conteúdo da etapa seguinte”, diz o bió- sobre como os ancestrais do homem mo-
je é a Rússia. Os organizadores da mostra logo Murilo Reginato, do Catavento, que derno lascavam a pedra para dar forma
cavaram um buraco no chão, dentro do auxilia na montagem da mostra. “Dessa a seus artefatos, outro de sete minutos a
qual foi colocada a ossada, e fecharam a forma, o visitante não dispersa sua aten- respeito do trabalho de campo e de labo-
cova com um vidro transparente. Dessa ção.” Dentro da cada módulo, os temas são ratório dos arqueólogos e antropólogos
forma, o visitante pode andar sobre a se- explorados de acordo com uma sequên- que lidam com ossos humanos. Ao deixar
pultura e ver os restos de seu ocupante. cia cronológica de eventos. A posição do as arcadas subterrâneas do Palácio das
Um desenho de como pode ter sido en- homem no reino animal; a evolução da Indústrias, o visitante tem a chance de
terrado esse exemplar de Homo sapiens se locomoção, da dentição, do cérebro e da ouvir trechos de Magnificat de Bach, um
encontra ao lado do sepultamento. aparência física; o uso das tecnologias de belo exemplar da criatividade de nossa
A exposição é dividida em oito módu- pedra lascada; o surgimento do conheci- espécie. Para montar Do macaco ao ho-
los autocontidos, cada um com temática mento simbólico e de produção artística mem, foram gastos aproximadamente R$
independente dos demais pontos de pa- – todas essas questões figuram em alguma 1 milhão, dos quais R$ 140 mil vieram do
rada. Não é necessário percorrer toda a das paradas da exposição. CNPq e o restante do Catavento. n

pESQUISA FAPESP 215  z  83


demografia y

fluxos
paulistas
Núcleo de Estudos de População da Unicamp lança
atlas sobre os 200 anos de imigração em São Paulo

Carolina Rossetti de Toledo

A
o longo de mais de 200 anos, o teci- tória de 1794 a 2010, revelando as mudanças e
do social paulista foi moldado de ma- particularidades das trajetórias migrantes nos
neira singular pela chegada de mais vários períodos econômicos do estado paulista, o
de 5 milhões de migrantes de várias Núcleo de Estudos de População da Universidade
nacionalidades e regiões do Brasil. As idas e vin- Estadual de Campinas (Nepo-Unicamp) lançou,
das dessas comunidades provocaram profundas em dezembro, o Atlas temático do Observatório
alterações na dinâmica social e serviram como das Migrações em São Paulo.
potentes motores econômicos da indústria e da A iniciativa é coordenada pela cientista so-
agricultura do estado. A capital paulista foi es- cial da Unicamp Rosana Baeninger e teve apoio
paço privilegiado deste movimento. Seus bair- da FAPESP e do Conselho Nacional de Desen-
ros mais tradicionais são testemunhos vivos do volvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
desenvolvimento urbano pautado por influxos O Atlas é resultado de um projeto temático ini-
italianos, japoneses, portugueses e, mais recente- ciado em 2009 e que concluiu sua primeira fase Trem levava
mente, bolivianos, coreanos, senegaleses e haitia- em 2013. O estudo das migrações em São Paulo imigrantes do porto
de Santos para as
nos. A qualidade cosmopolita e empreendedora envolveu 16 pesquisadores do Nepo, do Instituto
lavouras de café no
de São Paulo tem como raiz a herança imigrante. de Economia, do Núcleo de Estudos de Políticas interior do estado
Com o objetivo de mapear a dinâmica migra- Públicas e da Faculdade de Ciências Aplicadas (foto de 1920)

84  z  janeiro DE 2014


da Unicamp e das universidades Esta- Piracicaba e no setor de semijoias em de 1794 a 1888, envolve as migrações in-
dual Paulista (Unesp), Federal de São Limeira, os haitianos na construção ci- ternas de cerca de 500 mil homens livres
Carlos (UFSCar), Federal de São Pau- vil de Campinas e Franca, e os bolivia- e escravos, bem como os primeiros imi-
lo (Unifesp) e da Faculdade Anhembi- nos nas confecções de São Paulo, Ame- grantes europeus, trazidos para trabalhar
banco de imagens observatório das migrações em são paulo

-Morumbi, além de 40 estudantes de ricana e Indaiatuba. “O Observatório nas lavouras de café. A falta de censos
iniciação científica, mestrado, doutorado das Migrações notou que, depois de 200 demográficos desse período levou os
e pós-doutorado. O trabalho incluiu mais anos de imigração, São Paulo continua pesquisadores a investigar os registros
de 500 entrevistas com famílias de imi- sendo a porta de entrada das imigrações de casamentos e dados paroquiais de
grantes e a coleta de dados censitários, internacionais no Brasil”, diz Rosana. Campinas e São Carlos, por meio dos
registros do porto de Santos, estudos quais perceberam que parte significati-
demográficos e certidões de casamento. Reflexos na economia va dos escravos dessas regiões vinha do
O próximo passo da pesquisa é avan- O objetivo do Atlas é recuperar as distin- quadrilátero do açúcar e do sul de Minas
çar no estudo das migrações contempo- tas fases das migrações do estado desde Gerais, assim como das províncias do Rio
râneas, investigando o impacto social, 1794 até os dias atuais e articular as levas de Janeiro e da Bahia. O levantamento
econômico e urbano das novas levas imi- imigrantes e seus reflexos nas diversas revelou a intensa mobilidade espacial das
grantes em São Paulo, como os corea- fases da economia paulista. O primeiro migrações internas no estado, um aspec-
nos instalados da região industrial de período histórico contemplado no Atlas, to até então pouco estudado da história

pESQUISA FAPESP 215  z  85


Distribuição no estado
Os japoneses se concentraram primeiro no oeste de São Paulo e depois se pulverizaram por todas as regiões

JAPONESES

1920 2010

N = 24.435 N = 23.904
n 0% n 0%
n  0,01% - 1% n  0,01% - 1%
n  1,01% - 5% n  1,01% - 5%
n  5,01% - 12,09% n  5,01% - 43,25%
Fonte observatório das migrações em são paulo

de São Paulo no século XIX. “Procura- pidamente ocupam as novas fronteiras entre Araçatuba e Presidente Prudente.
mos cobrir uma lacuna na literatura e agrícolas. Esse foi o grande período das O rico conjunto de mapas que compõe
mostrar como a migração interna e ex- imigrações europeias incentivadas pelo o Atlas detalha a dinâmica de imigração
terna são fenômenos muito interligados governo brasileiro. A maior comunida- de todas as nacionalidades de imigrantes
que continuam a impactar a formação de a chegar a São Paulo entre os anos de entre os anos de 1920 e 2010.
social paulista”, explica Rosana. 1872 e 1929 foi a italiana, seguida pela Em 1927 foi encerrado o subsídio à
Durante 1885 e 1927 entraram em ter- portuguesa, espanhola, alemã e japonesa. imigração internacional e a crise econô-
ras paulistas por volta de 2,5 milhões de mica global alterou a dinâmica imigrató-
imigrantes estrangeiros atraídos pela Padrões de ocupação ria. A elite industrial paulistana cresceu
expansão da cafeicultura e crescente ur- Cada nacionalidade assumiu um padrão e o empresariado de origem imigrante
banização. A primeira expansão da cafei- de ocupação diferente. Enquanto a de estabeleceu raízes em Ribeirão Preto,
cultura foi concentrada inicialmente nas portugueses em São Paulo acompanhou a Franca, São Carlos e Bauru, criando ri-
regiões de Campinas até Araraquara. No expansão da fronteira agrícola para oes- cos polos industriais nas regiões. Os anos
início do século XX, o plantio do café se te, os japoneses tiveram uma dispersão 1970 testemunharam a crescente pulve-
expande rumo à ocupação do território maior pelo estado, reunindo suas famí- rização dos fluxos migratórios rumo ao
para o oeste do estado. Trabalhadores lias nas cidades próximas ao porto de interior, padrão que continua até hoje
recém-desembarcados em Santos ra- Iguape, no Vale do Ribeira, até a região por conta da melhor qualidade e menor
custo de vida. Em razão da moderniza-
ção agrícola e difusão da indústria, orien-
tada pela instalação de eixos rodoviários
do estado, o interior vem ganhando pro-
gressivamente uma relevância popula-
cional, política e econômica. “As cidades
interioranas têm forças endógenas e seu
desenvolvimento se deve muito aos flu-
xos migratórios”, diz Rosana. A pesquisa
mostra, por exemplo, como a presença de
libaneses e japoneses estimulou o flores-
cimento de zonas de comércio, ao passo
que os italianos, portugueses e alemães
cultivaram a agricultura e impulsiona-
ram a indústria de São Paulo. Entre 1872
e 1950 estima-se que mais de 1 milhão de

Bolivianos
em São Paulo,
em 2012: leva
mais recente
de imigrantes

86  z  janeiro DE 2014


italianos entraram no estado, seguidos Os portugueses sempre ocuparam todo o território
por 1 milhão de portugueses, 600 mil paulista, embora em maior número no passado
espanhóis, 200 mil japoneses, 200 mil
alemães e 100 mil libaneses.
portuguESES
Os conflitos políticos na Europa em
meados do século XX provocaram gran-
des movimentos de
dispersão populacio- 1920
nal. Nesse período,
São Paulo testemu-
nhou a chegada de
novas nacionalidades. A diversidade N = 167.198
“A partir de 1930, os
migratória
n 0%
especialistas tinham n  0,01% - 1%
n  1,01% - 5%
um olhar mais centra-
do na imigração inter-
atual vai n  5,01% - 38,69%

na de nordestinos que demandar


vieram trabalhar em
São Paulo, mas nossa uma estrutura
2010
pesquisa mostra co-
mo foi importante a diferenciada
chegada de uma nova
leva de imigrantes de
de políticas
mão de obra qualifica- públicas N = 53.414
da, especialmente de- n 0%
pois da guerra, como n  0,01% - 1%

os gregos, poloneses, n  1,01% - 5%


n  5,01% - 56,30%
russos e ucranianos
que chegaram ao esta-
do impulsionados por dar o conhecimento como bolivianos, peruanos, paraguaios,
conjunturas políticas sobre as imigrações coreanos, chineses e senegaleses, ango-
muito específicas”, ex- e, assim, auxiliar na lanos que chegaram para trabalhar na
plica a pesquisadora. implementação de indústria têxtil e no comércio. Estima-se
Diferentemente dos políticas públicas que esses contingentes cheguem a mais
períodos anteriores, a mais eficientes. Di- de 500 mil pessoas vivendo na cidade.
imigração do pós-Se- ferentemente dos “Temos uma diversidade maior do que
gunda Guerra Mundial fluxos anteriores, a em outras épocas. Isso vai demandar
é quase inteiramente imigração contem- uma estrutura diferenciada de políticas
urbana e serviu para porânea é pautada públicas que reflitam sobre a segunda
acelerar o crescimento por maior mobili- geração desses fluxos de imigração, as-
das cidades paulistas dade. Os imigrantes sim como sobre a interiorização da imi-
em um ritmo inédito. agora viajam com gração internacional e as sucessivas idas
Ao longo da década de maior velocidade e vindas das comunidades imigrantes.”
1950 houve um eleva- e nem sempre vêm O Observatório das Migrações também
do crescimento populacional na Região com a intenção de se estabelecer defi- concluiu em 2013 a publicação dos últi-
Metropolitana da capital, que passou nitivamente, como entre 1850 e 1950. mos volumes de uma série de 12 estudos
banco de imagens observatório das migrações em são paulo

de 2.653.860 habitantes em 1950 para “A rotatividade migratória depende sobre as dinâmicas migratórias de São
4.739.406 em 1960, onde as migrações de onde o capital internacional tem ex- Paulo. A coleção Por Dentro do Estado
rurais e urbanas, em especial de nordes- cedentes. Hoje, com um Nordeste mais de São Paulo mapeia o impacto dos fluxos
tinos, permitiram que a metrópole tivesse dinamizado, o fluxo de trabalhadores migratórios em várias regiões do estado e
mão de obra disponível para fazer des- desta região tende a diminuir, por exem- está disponível em www.nepo.unicamp.
lanchar sua próxima etapa econômica. plo. Ao entender essa dinâmica do fluxo br/publicacoes/_colecao.html. n
A chegada de imigrantes ajudou no de capital global é possível perceber a
desenvolvimento econômico e expansão demanda por mão de obra nas cidades
demográfica, mas encontrou um cresci- paulistas e as necessidades mais pontuais Projeto
mento urbano desorganizado gerando, por políticas de atendimento à saúde e Observatório das Migrações em São Paulo (Fases e faces
consequentemente, maior demanda por educação”, diz Rosana. Para ela, existe do fenômeno migratório no estado de São Paulo) (nº
2009/06502-2); Modalidade Projeto Temático; Coord.
serviços públicos. Um dos objetivos do hoje um contingente populacional de Rosana Aparecida Baeninger/Unicamp; Investimento R$
Observatório das Migrações é aprofun- imigrantes “invisíveis” em São Paulo, 368.845,20 (FAPESP) / R$ 37.000,00 (CNPq)

pESQUISA FAPESP 215  z  87


memória

Retratos
fidedignos
Desenhista, pintor, ceroplasta,
Augusto Esteves foi o
primeiro ilustrador científico
do Instituto Butantan

Neldson Marcolin

A
ntes do pleno desenvolvimento da
fotografia no final do século XIX,
o único meio que os cientistas – em
especial os naturalistas – dispunham para
registrar a fauna e a flora eram a pintura e
o desenho. Muitos deles, quase todos
europeus, se tornaram mestres nessa arte,
o que levou os museus de história natural
e institutos de pesquisa a ter desenhistas
Desenho da jararacuçu técnicos entre seus funcionários. No Brasil
(Bothrops jararacussu) ocorreu o mesmo. O Instituto Oswaldo
inteira e dissecada:
objetivo foi mostrar a
Cruz e o Museu Nacional, no Rio de
relação entre a glândula Janeiro, o Museu Paranaense Emílio
de veneno e a presa Goeldi, em Belém, e os institutos Biológico
e Butantan, em São Paulo, utilizavam
os serviços dos ilustradores científicos.
Augusto Esteves (1891-1966) foi um desses
artistas que emprestaram seu talento para
colaborar com a ciência. Em 1912, ele foi o
primeiro desenhista contratado por Vital
Brazil para retratar répteis no Instituto
Butantan. Anos depois Esteves se tornou
ceroplasta (fazia moldagem em cera) da
Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo (FMUSP).
No Butantan Augusto Esteves retratava
serpentes usando bico de pena e óleo
ou aquarela. Seus desenhos tinham uma
característica única para a época. “As
pranchas eram coloridas e sombreadas,
algo que ninguém fazia quando desenhava

88 | janeiro de 2014
animais”, diz Osvaldo
Augusto Sant’Anna,
pesquisador do Laboratório
de Imunoquímica do
Butantan e coordenador
do Instituto Nacional de
Ciência e Tecnologia em
Toxinas. “Os principais
centros especializados em
soros antiofídicos do mundo
eram o Instituto Pasteur,
na França, e o comandado
por Vital Brazil aqui em
São Paulo. Vi os desenhos
em bico de pena dos
desenhistas franceses e
não achei nada parecido com 1
o que Esteves fazia aqui.”
Sant’Anna é neto do 1 Acima, detalhes da
desenhista e o bisneto mais cascavel (Crotalus e farmacêuticos. Esteves Em 2012 foi lançado
terrificus terrificus)
velho de Vital Brazil, foi nomeado diretor o livro Serpentes, de
além de ser um dos poucos 2 Augusto Esteves em administrativo pelo sogro. Henrique Moisés Canter,
descendentes do cientista autorretrato Em 1934, o artista voltou em edição do próprio
que se tornou pesquisador. 3 Coral (Micrurus para São Paulo e trabalhou Instituto Butantan, como
Ele conta que Esteves é lemniscatus): sombras no Instituto Pinheiros, na uma homenagem aos nove
do desenho ajudam
paranaense de São José da Santa Casa de Misericórdia artistas que passaram pela
a mostrar o movimento
Boa Vista e completou seu da cobra e no Departamento de instituição registrando
primeiro ano de idade na Dermatologia da FMUSP. répteis em desenhos
cidade de Avaré; veio para Sua missão era reproduzir acurados. Augusto Esteves é
São Paulo aos 13 anos com lesões dermatológicas em o que abre a obra por ter
o irmão Lindolpho, onde moldes de cera (ceroplastia) sido o primeiro deles e pela
trabalhou no comércio e para auxiliar os professores qualidade das ilustrações.
estudou à noite fazendo nas aulas. “Seus moldes Hoje as instituições de
cursos de pintura. Aos foram muito usados nos pesquisa praticamente
17 anos ganhou a medalha cursos de medicina legal extinguiram o posto de
de prata da Exposição do e para perícias, tal a desenhista científico –
Centenário da Abertura dos semelhança com os para encontrá-los é preciso
Portos, realizada no Rio de originais”, diz Sant’Anna. recorrer aos sites de busca
Janeiro. Começou então a Muitas das centenas de da internet. “É uma pena”,
ter aulas com Pedro Strina, peças feitas por ele podem lamenta Nelson Papavero,
pintor conhecido por suas ser vistas no Museu pesquisador aposentado do
paisagens e retratos. Como Histórico da FMUSP. Museu de Zoologia da USP.
não podia pagar, fazia os Esteves também realizou “Para retratar alguns
serviços de limpeza no exposições individuais, animais e plantas o desenho
ateliê do artista. expondo quadros com é insubstituível, porque
2
Quando conheceu a outros temas, como só com ele é possível
família Brazil, Esteves paisagens e retratos, e ver detalhes mais nítidos
encantou-se com Alvarina, cultivava as lembranças do do que nas fotos.”
a segunda filha de Vital. interior ao compor poemas
Os dois se casaram em 1919 caipiras, escritos utilizando
e tiveram seis filhas. Nesse a fonética regional.
mesmo ano, toda a família
mudou-se para Niterói, onde
fotos  1 e 3 Instituto Butantan

o cientista apostou numa


empreitada privada: fundar
o instituto que leva seu
nome, para pesquisar
e produzir produtos
veterinários, biológicos

PESQUISA FAPESP 215 | 89


Arte

Tragédia em tom menor


O
Longa de estreia de desafio que a diretora Caru Alves de Souza
se impôs em seu primeiro longa-metra-
Caru Alves de Souza aborda gem, De menor, com estreia prevista para
este semestre, foi abordar questões frequentes no
questões sociais de um debate sobre a realidade brasileira, mas sem ade-
ponto de vista subjetivo rir às facilidades com que costumam ser tratadas.
No filme, fala-se de menores infratores e de um
Estado punitivo que não cumpre suas funções
Márcio Ferrari primordiais. Em vez de certezas e condenações,
De menor opta pela ambiguidade e abre mão do
institucional para se concentrar nas repercussões
subjetivas desses assuntos “maiores”.
“A sociedade brasileira está julgando muito
facilmente, por isso decidi criar situações que o
espectador e os personagens não têm total capaci-
dade de julgar”, diz Caru. “Abri possibilidades de
que eles estejam errados.” O efeito dessas escolhas
tem se mostrado poderoso – em outubro, De me-
nor dividiu o prêmio de melhor longa do Festival
do Rio com O lobo atrás da porta, de Fernando
Coimbra. “O filme consegue, de modo muito bem
pensado e expressivo, evitar que a tragédia social

90 | janeiro DE 2014
do menor infrator se transforme em espetáculo”, jeção da personagem). “Helena começa o filme
diz o cineasta Eduardo Escorel, coordenador do olhando para fora e não percebe que seu mundo
curso de pós-graduação em cinema documentá- interno está desmoronando”, diz Escorel. “Ca-
rio da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo. ru adotou indicações visuais muito felizes ao
A história do filme passou por um processo de mostrar a personagem no início diante de um
pesquisa e mudança até chegar ao que Escorel mar aberto e no fim voltada para o próprio corpo
definiu como “uma sensível transfiguração fic- numa banheira.”
cional” do funcionamento da Justiça no Brasil. A desorientação que Helena vive ao longo do
A primeira aproximação de Caru aos temas do filme foi construída em detalhes com a equipe. A
longa foi por meio das histórias reais contadas encenação e a fotografia (de Jacob Solitrenick) se
por uma prima que trabalha como defensora constroem de zonas de luz e de sombra, muitas
pública em Santos (SP). Entre outras coisas, a vezes desconcertando o espectador. “A câmera
cineasta se impressionou com o envolvimento gruda na personagem, os planos são fechados,
pessoal entre a advogada e os menores infra- reforçando a ideia de que nossa percepção do
tores. Conseguiu obter permissão para assistir mundo é sempre parcial”, diz Caru.
a algumas audiências, observou que “as histó- Ao espectador é dado entender as coisas aos
rias se repetiam e nenhuma tinha final feliz” e poucos. “No início, a relação de Helena com o ga-
os menores, na maioria, eram negros e pobres. roto pode ser qualquer uma”, diz Escorel. Também
De início, a ideia era polarizar o roteiro entre a as cenas entre a defensora, o juiz e o promotor
advogada e um ou vários dos infratores que só (Rui Ricardo Diaz) guardam forte ambiguidade.
viera a conhecer profissionalmente. São personagens cujo papel profissional é de atri-
to, mas que, por sempre se encontrarem, têm uma
Antagonista íntimo relação rotineira e afetuosa. O modo de retratar a
Havia aí, em termos dramatúrgicos, os riscos de tensão nessas cenas foi filmar integralmente cada
determinismo e obviedade. Para Caru, seria mais uma das falas dos personagens em separado, o que
interessante diminuir – ou eliminar – a distância permitiu montá-las segundo a “troca de olhares”.
entre a advogada e os réus. Os dilemas de Helena A fase da montagem serviu como prova das
(Rita Batata) em relação aos menores infratores linhas adotadas no roteiro e na filmagem. “Os
chegaram ao ponto ideal de subjetividade quando tempos são esgarçados por princípio, mas o filme
seu irmão, Caio (Giovanni Gallo) – um personagem tinha que ser sem gorduras, concentrado nos dois
secundário na primeira versão do roteiro –, ganhou Helena (Rita Barata), personagens”, diz Caru. A versão final foi cor-
o perfil de um adolescente suspeito de crime e sob à esq. e Caio (Giovanni tada até chegar a 77 minutos. O formato enxuto
Gallo), abaixo,
investigação, só que branco e de classe média. Caio personagens de
dá ainda mais força e significado às tensões do
tornou-se uma espécie de antagonista íntimo (ele De menor: opção enredo. “É como se a sociedade se desmontasse
e Helena são órfãos e moram sozinhos na mes- pela ambiguidade como um todo”, diz Escorel. n
ma casa). “A história dos
dois irmãos passa a ser a
mesma”, diz Caru. “Elimi-
namos a possibilidade de
que o filme viesse a ser so-
bre uma advogada idealista
que defende pessoas que
não têm nada a ver com a
realidade dela.” Num dado
momento, Helena chega a
evocar privilégios de clas-
se para tentar convencer o
juiz (Caco Ciocler) a não
encarcerar o irmão.
A virada no argumento
levou Caru a buscar um
colaborador, o corroteiris-
ta Fábio Meira. Para que a
narrativa levasse o espec-
tador aos mesmos confli-
fotos  Divulgação

tos da advogada, o ponto


de vista é exclusivamente
dela (exceto em uma cena,
que pode ou não ser pro-

PESQUISA FAPESP 215 | 91


conto

A suspeita
B. Kucinski

–N ão me venham com bobagem; eu também


estou convencido de que erramos feio, não
há dúvida, mas daí a concluir que nós o
levamos à loucura é demais! Uma pessoa assim já
– Também nunca se soube de onde ele veio.
Vocês estão dizendo que ele foi internado em
Santos, que a família é de lá. Mas, para nós, na-
quele tempo, ele era um cara sem passado, sem
nasce de parafuso solto, vive um equilíbrio instá- referências. É verdade que nunca perguntamos
vel, basta uma tensão súbita e o sujeito desaba, o diretamente. Mas quando os rumores começa-
equilíbrio se rompe. Além disso, pelo que vocês ram, tentamos mapear, investigar um pouco aqui
estão dizendo, o diagnóstico foi feito agora e já e ali; nem o Mario que dividia o alojamento com
se passaram oito anos desde que tudo aconteceu. ele sabia de onde ele era, em que cidade nasceu,
O grupo pequeno e compacto escuta atenta- quem eram os pais dele. Era um tipo soturno, não
mente o homem alto de cabelos grisalhos, que tinha amigos, não tinha mulher. Tirando o Nes-
lhes fala da porta da sala em tom de autoridade tor, quem andava com ele? Ninguém. E Nestor
incontestável. Sua voz é forte e de timbre grave. era mais um parceiro de pesquisa do que pro-
Estão todos de pé e parecem nervosos. Um de- priamente amigo
les faz uma pergunta que mal se ouve. O homem – O que o Nestor dizia dele? – Pergunta alguém.
alto responde. – Dizia que ele era mais um esquisitão, dos
– Eu discordo. Em primeiro lugar, oito anos é tantos gênios e disléxicos que pululam aqui na
muito tempo. Por que agora e não antes? Muita Física, e que ele era crânio em analítica.
coisa deve ter acontecido com ele nesses oito – Então quem foi que lançou a suspeita?
anos. Em segundo lugar, a tensão que havia era – Eu sei lá quem foi? Pode ter sido qualquer
da época, não foi uma tensão provocada por nós, um de vocês. Eu é que não fui. Nem eu nem o
as coisas foram acontecendo quase sem a gente Nestor. Alguém o teria visto entrando na sala
perceber, ninguém combinou nada, quando ele se do tal de Vitor, o cara do SNI, que se instalou na
aproximava a gente só mudava de conversa, sem Reitoria. Ou saindo da sala. E daí? Ele pode ter
nenhuma agressão, nenhuma acusação. entrado na sala errada, ou pode ter sido chama-
– Começou por causa daquele sorriso enigmá- do por algum motivo explicável. Ou pode nem
tico dele – diz alguém da roda. ter sido ele, a informação não era categórica.
– Exatamente, um sorriso idiota; prestava aten- Foi assim que começou, como um rumor. Mas o
ção nas conversas e não falava nada, só sorria. Po- motivo mesmo foi o sorriso bobo. Foi como se,
dia ser uma notícia ruim, aliás, era só notícia ruim, de repente, o rumor explicasse o sorriso que até
prisão, cassação. Mesmo assim, ele parecia achar então ninguém conseguia entender. De repente
graça. Um escárnio. Se alguém lhe dirigia o olhar, tudo se encaixava: ele era um informante.
mostrava ainda mais os dentes. Pensem bem: nunca Alguém diz:
opinava, nunca se soube o que ele pensava daquilo – O Nestor explicou que ele tinha medo de falar
tudo. Mas ele estava sempre ali, ouvindo. Como é porque só entendia de ciência, o sorriso forçado
que não se ia desconfiar de um cara assim? dele era uma defesa quando a conversa era outra.
zé vicente

Silêncio. Ninguém diz nada. Passam-se cinco – E sempre era outra, não é mesmo? Ninguém
segundos, dez. O homem alto volta a falar: discute ciência em rodinha de corredor, discute

92 | janeiro DE 2014
num seminário, não na hora do cafezinho, e só
as pessoas da área.
– Demorou para ele perceber o gelo? – Per-
gunta um rapaz da roda que parece mais jovem
que os demais.
– Demorou, até nisso ele era devagar. Ele foi se
afastando aos poucos, até que passou a só conver-
sar com o Nestor, mesmo assim, pouco.
– Disse o Mário que ele começou a beber. Pri-
meiro, uns tragos à noite, depois de modo des-
controlado. Então teve aquele episódio de con-
vulsão e ele parou de beber; foi quando pediu a
transferência.
– Uma perda, sem dúvida, eu li os trabalhos de-
le, tem cabeça boa demais para se enfiar naquele
campus avançado, no meio do nada.
– Tem não, tinha... um esquizofrênico não tem
uma cabeça, tem duas...
Novo silêncio. Continuam todos de pé, pare-
cem petrificados. Passados quinze segundos de
absoluto silêncio, o homem alto e grisalho volta
a falar, agora em tom ainda mais peremptório.
– Já admiti que cometemos uma grande injus-
tiça. Foi um comportamento de grupo, talvez nos
tenha faltado maturidade, discernimento, ouvir
melhor o Nestor; mas a culpa mesmo foi da situa-
ção, do clima, do medo, a gente se fechava, cada
grupinho era um gueto. E do sorriso cretino dele.
Foi uma espécie de efeito colateral da ditadura. É
como diz o filósofo, o homem e suas circunstân-
cias. O sorriso era do homem, o DNA da loucura
também já estava nele, as circunstâncias foram
da ditadura. E ponto final.

B. Kucinski é professor aposentado da ECA/USP, jornalista e escritor.


É autor de Jornalistas e revolucionários e Jornalismo econômico, entre
outros livros. Sua primeira ficção, K., foi finalista de vários prêmios
literários. Este conto faz parte da antologia Você vai voltar pra mim,
que está sendo publicada pela Cosac Naify.

PESQUISA FAPESP 215 | 93


resenhas

Vencedores e perdedores
Antonio Corrêa de Lacerda

No mundo em que mandam os mercados.... os cida- há uma interessante análise da financeirização da


dãos estão divididos entre vencedores e perdedores. economia e um contraponto ao que considera uma
Os primeiros, ao acumular capital financeiro, go- visão equivocada de parte relevante de analistas de
zam do “tempo livre” e do “consumo de luxo”. Os esquerda, que tende a separar capital produtivo e
demais se tornam dependentes crônicos da obsessão financeiro. “O capital a juros, como forma de exis-
consumista e do endividamento, permanentemente tência do capital, realiza a necessidade de perpétua
ameaçados pelo desemprego e, portanto, obrigados expansão e valorização do capital para além dos
a competir desesperadamente pela sobrevivência limites de seu processo mais geral e ‘elementar’ de
Luiz Gonzaga Belluzzo circulação da produção” (p. 88). O processo descri-
to, destaca, é a única forma de o capital manter-se

O
que as crises do capitalismo têm a ver com reproduzindo-se aliando a renovação tecnológica
a financeirização em curso na economia e a concentração. Não há, portanto, para Belluzzo,
O capital e suas mundial? Como a hegemonia da corrente dois mundos distintos, um no campo produtivo,
metamorfoses principal do pensamento econômico tem influen- outro financeiro, mas ao contrário um único que
Luiz Gonzaga Belluzzo
Editora Unesp, 192
ciado as decisões no âmbito da política econômica, a se autossustenta, se mantém e se reproduz.
páginas, R$ 32,00 concentração do capital, e a exploração do trabalho? Interligando este ensaio com o anterior, “A
A partir de indagações como essas Belluzzo transfiguração neoliberal e a construção da cri-
nos oferece importante reflexão utilizando-se se de 2008”, o autor aprofunda a análise da crise
do método e da interpretação próprios da eco- norte-americana de 2008, suas causas e efeitos.
nomia política, recorrendo às ideias econômicas Ultimando a reflexão, no quinto ensaio, “Do
de Marx e Keynes, mas indo além na sua análise Estado de bem-estar às portas da barbárie”, Bel-
interdisciplinar incorporando visões, entre ou- luzzo discute a ausência de uma ordem econô-
tros, de filósofos como Berman e Marcuse. mica no pós-guerra que crie as condições para
No primeiro dos cinco ensaios, “Introdução à um desenvolvimento. É a partir dessas análises
democracia radical de Marx, pensador da mo- que o autor vai buscar elementos para uma re-
dernidade”, o autor faz uma análise crítica do flexão sobre o indivíduo e a sociedade. A grande
capitalismo, principalmente a partir da inspiração transformação em curso limita as escolhas e a
marxista e keynesiana, revelando sua contem- essência da individualidade. Isso vale tanto pa-
poraneidade para a compreensão da economia ra o seu papel de trabalhador quanto para o de
capitalista, suas nuances e peculiaridades. consumidor. O trabalhador, agora muitas vezes
Em “O capital e a ontologia do ser social”, se- conectado 24 horas e a “flexibilização” do horá-
gundo ensaio, pode-se apreender uma reflexão rio móvel ou do “trabalho em casa”.
da economia política, ainda em Marx, agregando O consumidor, assediado pela propaganda
Lukács. Evidencia-se aqui um contraponto essen- fomentadora da “mimetização dos padrões de
cial na relação poupança e investimento da visão consumo”, na expressão de Celso Furtado – uma
ortodoxa, lembrando que “para Marx, como para infindável sensação de necessidades não satis-
Keynes, a acumulação de capital, o investimento, feitas e um incentivo ao endividamento. É uma
gera poupança e não ao revés, como pretendem as armadilha em que a visão de bem-estar está ex-
teorias convencionais” (p. 84). Isso faz muita dife- cessivamente dependente da posse, ou “acesso” a
rença, pois, no diagnóstico da ortodoxia, é preciso mais bens e serviços, o que é, obviamente, inviável
abrir mão do consumo presente para gerar pou- para a grande maioria das pessoas. Não obstan-
pança e daí o investimento. Na visão da economia te, impelidas a tal, sob pena de se sentirem, elas
política ali desenvolvida, o processo é justamente o próprias, obsoletas em um mundo de aparência,
contrário. O investimento é incentivado via crédito imediatismo e frugalidade.
e a atividade daí gerada é que proporcionará, como
um resultado do processo, a poupança. Antonio Corrêa de Lacerda, professor-doutor e coordenador do
Programa de Estudos Pós-graduados em Economia Política da Pontifícia
Por sua vez, o terceiro ensaio “Concorrência, Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), é doutor pelo Instituto de
crédito e crise: considerações a partir de Marx”, Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

94 | janeiro DE 2014
O dia seguinte Contribuição para
ao bóson de Higgs a história do rádio

U A
m problema comum em li- o procurar material antigo sobre a Rádio
vros de divulgação científica Gazeta de São Paulo (1943-1960), Irineu
escritos por pesquisadores é Guerrini Júnior descobriu por acaso o
a pequena distinção que os autores que classifica de “verdadeiro tesouro”. Ele achou
fazem entre o que se sabe e as teo- cerca de 8 mil páginas de roteiros de programas
rias ainda especulativas que o autor de rádio e televisão escritos entre 1941 e 1956
quer defender. Nas obras de física por um dos grandes roteiristas do período, Túlio
isso é ainda mais comum, de forma de Lemos, nome que caiu no esquecimento. Os
que O cerne da matéria, de Rogério milhares de folhas mimeografas estavam arma-
Rosenfeld, é um desejado sopro de zenados na biblioteca do Museu Lasar Segall,
ar fresco nesse tema. especializada em comunicação, e haviam sido
O físico teórico da Unesp relata a doados provavelmente há décadas por parentes.
incrível história da evolução da chamada física de O cerne da matéria Guerrini, pesquisador do Centro Interdisciplinar
altas energias, que busca compreender as partícu- Rogério Rosenfeld de Pesquisas da Faculdade Cásper Líbero, come-
Companhia
las e forças que compõem o Universo. das Letras
çou então um trabalho de análise dos roteiros que
Essa narrativa culminou com a descoberta do 216 páginas resultou no livro Túlio de Lemos e seus admiráveis
bóson de Higgs, anunciada com pompa em 2012. R$ 39,50 roteiros: rádio, arte e política.
E ainda não tem data para terminar, com grandes Lemos (1909-1978) foi um promissor cantor de
questões em aberto, como a natureza desconhecida música lírica nascido em Ponta Grossa, no Paraná,
da matéria escura – que, ao que parece, é muito que desistiu da carreira depois de ter tuberculose
mais representativa do conteúdo total do Universo óssea. Fez carreira como radialista em São Paulo,
do que os constituintes da matéria convencional, especialmente na Rádio Tupi e na TV Tupi, am-
descritos no modelo padrão da física de partículas. bas do grupo dos Diários e Emissoras Associadas.
Com didatismo e capítulos bem delimitados, Na rádio, escreveu centenas de roteiros; na TV,
Rosenfeld conduz como poucos a história en- pelo menos dois programas roteiri-
trelaçada da evolução do conhecimento sobre a zados por ele causaram sensação nos
matéria e dos surtos tecnológicos exigidos para anos 1950: Antarctica no mundo dos
sondar níveis de energia cada vez maiores, culmi- sons, superprodução musical que ia
nando com a construção do LHC (Large Hadron ao ar aos sábados à noite, e O céu é
Collider), o acelerador de partículas do Cern onde o limite, com perguntas e respostas,
o bóson de Higgs foi identificado. baseado no americano The 64,000
O físico admite que, apesar de todo o oba-oba dollar question.
que se faz em torno do futuro da física e da busca Uma das características dos ro-
de uma “teoria final”, é possível que o LHC acabe teiros analisados é o uso contínuo
não entregando novas pistas para essa busca. “É da dramatização, “mesmo aqueles
concebível que o LHC descubra apenas o bóson que documentam aspectos da rea-
de Higgs e mais nada. Esse é o pior pesadelo de lidade da sua época”, com persona-
um físico de partículas”, escreveu. Túlio de Lemos e gens, música e efeitos sonoros. O pesquisador
Rosenfeld afirma que até agora nenhum indí- seus admiráveis também lista outras propriedades dos roteiros
roteiros: rádio,
cio de modelos que vão além do modelo padrão de Lemos: inovação da linguagem radiofônica,
arte e política
foi encontrado. Isso era inesperado, por exemplo, Irineu Guerrini crítica social e de costumes, reflexões sobre o
para os físicos teóricos defensores da supersime- Júnior próprio rádio e tratamento inventivo dos temas
tria, que esperavam achar partículas novas pre- Terceira Margem musicais. Sobre esse último item, Guerrini con-
229 páginas
vistas pela teoria. “O clima na Divisão de Teoria clui: “Túlio praticamente esgotou os usos pos-
fotos  eduardo cesar

R$ 38,90
do Cern após 4 de julho de 2012 é o que eu chamo síveis de música no rádio, ao menos nos limi-
de pHd: post-Higgs depression”, brinca o físico, as- tes estéticos e técnicos do seu tempo”. O livro
severando que isso pode mudar se uma novidade é uma boa – e rara – contribuição à história do
aparecer no LHC. Salvador Nogueira rádio em São Paulo. Neldson Marcolin

PESQUISA FAPESP 215 | 95


carreiras Empreendedorismo  |  Mudança de rumo

Candidatos a empreendedores
Especialista em incubadora indica o caminho para novos empresários de tecnologia

Em uma recente palestra no receber candidatos a empresários entre as próprias start-ups,


Instituto de Ciências Biomédicas que querem desenvolver empresários e investidores que
(ICB) da Universidade de tecnologia e fazer inovação. Já frequentam essas instituições,
São Paulo (USP), Sergio Risola, passaram pelo Cietec, em 15 anos, contam com as consultorias
gerente do Centro de Inovação, mais de 500 empresas, sendo gratuitas e espaço a um custo
Empreendedorismo e Tecnologia que 130 saíram da incubadora menor que o de mercado.
(Cietec), localizado na Cidade e caminham com as próprias Antes de tudo, o Cietec e outras
universitária, perguntou à plateia, pernas mantendo um nível instituições congêneres pedem
formada por alunos da graduação de sobrevivência acima de 90%. aos interessados um plano de
ao doutorado, quem gostaria “Cerca de um terço das negócio em que seja explicitado
de ter a sua própria empresa. empresas incubadas no Cietec
“Para minha surpresa e de todos é de pessoas que vieram da
da mesa, acima de 50% dos quase vida acadêmica, com mestrado,
250 alunos responderam sim doutorado, pós-doc e com
a minha pergunta”, conta Risola. passagem pelos ICTs [institutos
Para ele isso demonstra que as de ciência e tecnologia]”, diz
universidades e os professores Risola. “No início são pessoas
deveriam se engajar mais na com ideias mas sem empresa.”
formação de seus alunos para As incubadoras são o ambiente Risola: dedicação
e paixão pelo
serem empreendedores. À frente mais propício para esses iniciantes
negócio são
da incubadora de empresas, ele porque, além da riqueza fundamentais
tem uma experiência rica em da rede de contatos formada 1 para o sucesso

96 | janeiro DE 2014
o que será feito e em quanto Mudança de rumo
tempo, se há propriedade
intelectual e qual a percepção da Divisor de águas
inovação, se incremental, quando
algum conhecimento novo foi Executivo decide deixar grandes empresas para dar aulas
agregado a um produto, processo
ou sistema, ou radical, quando a O percurso de marketing. A vida profissional ia
inovação é inédita. “Nós queremos Esteban Ferrari, de muito bem, mas a longa jornada de
saber qual a necessidade de 43 anos, um professor trabalho como executivo impedia
buscar conhecimento.” No caso realizado profissional que se dedicasse aos dois filhos.
dos candidatos a empresário e pessoalmente, “Foi quando comecei a me
que saíram da universidade começou com o questionar se queria mesmo seguir
sempre deve existir uma curso de engenharia carreira em empresas.” Entre
complementaridade do mecatrônica na as ideias de mudança uma lhe
conhecimento nas universidades 2 Escola Politécnica agradava especialmente, a de dar
e ICTs, no Brasil ou no exterior. da Universidade de aulas, porque gostava de temas
Ao se candidatarem ao Cietec, São Paulo (USP). Depois passou ligados à área de gestão de pessoas
os futuros empreendedores por duas grandes empresas e comportamental, disciplinas
passam por um curso de 40 horas multinacionais e agora dá aulas cursadas na especialização na FGV
para decidir se querem seguir esse em cursos de pós-graduação em e no MBA empresarial feito na
caminho. “Pedimos ao candidato instituições como a Fundação Fundação Dom Cabral em 2002.
para fazer uma reprogramação Instituto de Administração (FIA) “Era um caminho possível, mas
na vida profissional e também da USP e a Fundação Escola de para mudar era preciso coragem e
mostramos o que ele vai enfrentar. Comércio Álvares Penteado (Fecap), eu estava acomodado.”
Muitos desistem ou percebem na capital paulista, além de Em suas férias em maio de 2009
que ainda não estão preparados trabalhar como coach executivo e decidiu fazer o caminho de Santiago
e voltam mais tarde”, diz Risola, de carreira. “A única ocasião em de Compostela, na Espanha.
que também é professor do curso que trabalhei como engenheiro “Foi um marco na minha vida, um
de empreendedorismo e novos foi durante um estágio de um ano divisor entre o antes e o depois.”
negócios da Fundação Getúlio que fiz na área técnica na Cofap, Em São Paulo ficaram mulher,
Vargas (FGV), em São Paulo. tempo suficiente para saber que filhos e todo o estilo de vida a que
Entre as características pessoais não era o que eu queria fazer.” estava acostumado. Durante 30 dias
para um novo empreendedor, Depois trabalhou durante seis anos ele caminhou 800 quilômetros
Risola diz que ser um bom na Allison Transmission, fabricante por um percurso que, segundo ele,
formador de equipe, saber liderar, de câmbios automáticos para não tem nada de místico. “É um
delegar, insistir, não ter medo de ônibus e caminhões, divisão da GM caminho de autorreflexão, em que
errar, além de não desistir diante do Brasil. Durante três anos foi tive a oportunidade de me conhecer
das dificuldades, tudo isso tem instrutor técnico na área de melhor”, diz. Na volta, comunicou
sentido, mas o mais importante pós-venda, no treinamento de sua decisão de se desligar
é a dedicação e paixão pelo sucesso distribuidores e concessionários, da empresa. Em fevereiro
do negócio. Outra coisa lembrada e por mais três anos coordenou de 2010 começou seu mestrado
fotos 1 cietec 2  eduardo cesar  ilustraçãO  daniel bueno

por Risola é a escolha dos os serviços de pós-vendas. na Faculdade de Economia,


sócios. As brigas entre eles “Era uma área muito operacional Administração e Contabilidade
são responsáveis por quase 5% da e eu queria trabalhar com da USP e o seu tema de pesquisa
mortalidade de empresas na estratégia e planejamento. foi transições de carreira. “Estudei
incubadora, e seria maior se não Em 1999 decidiu fazer um curso de um fenômeno e me analisei ao
houvesse a adequada intervenção especialização em administração mesmo tempo”, diz. Ferrari diz
dos gestores nas situações de falta na Fundação Getúlio Vargas. sempre uma frase a seus alunos:
de entendimento entre os sócios. Foi então trabalhar na Telefônica “A resposta para o que queremos
Para Risola, é preciso escolher bem como analista sênior na área fazer no futuro está quase
porque ninguém chega ao sucesso de marketing. Durante 10 anos sempre relacionada com alguma
sozinho e as tarefas da empresa na empresa, ocupou os cargos coisa que fizemos no passado
são variadas e exigem tempo. de gerente e superintendente de e nos deu muito prazer”.

PESQUISA FAPESP 215 | 97


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98 | janeiro DE 2014
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