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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

Rogério Lucena Suruagy do Amaral

A CONCILIAÇÃO NO PROCESSO JUDICIAL

CURITIBA
2011
Rogério Lucena Suruagy do Amaral

A CONCILIAÇÃO NO PROCESSO JUDICIAL

Monografia apresentada ao Curso de Direito da


Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti
do Paraná com requisito parcial para obtenção do título
de Bacharel.
Orientadora: Professora Patrícia Menezes de Oliveira

CURITIBA
2011
TERMO DE APROVAÇÃO
Rogério Lucena Suruagy do Amaral

A CONCILIAÇÃO NO PROCESSO JUDICIAL

Essa monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de bacharel no curso
de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, ____ de novembro de 2011.

Coordenador: ______________________________________
Dr. Eduardo Oliveira Leite

Faculdade de Ciências Jurídicas


Universidade Tuiuti do Paraná

Orientador: _______________________________________
Professora: Patrícia Menezes de Oliveira

______________________________________
Professor (a):

______________________________________
Professor (a):
RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo demonstrar alguns aspectos da conciliação,


como os ligados aos seus benefícios, obstáculos e facetas processuais, mostrando este
meio de autocomposição como uma forma rápida, barata e eficiente para solucionar
conflitos trazidos ao Judiciário. Também será abordado o papel do conciliador na
busca pela solução mais justa do conflito e na maioria dos casos, a obtenção da
pacificação social. Por fim, serão expostas as técnicas de que dispõem os
conciliadores para busca de acordos. Como fontes, utiliza a pesquisa bibliográfica e a
pesquisa de campo. É relevante o estudo à medida que mostra a conciliação como
meio alternativo de composição de conflitos rápido e eficaz.

Palavras-chave: principais vantagens; aspectos processuais; natureza jurídica papel do


conciliador; técnicas de conciliação.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................. 6

1 ASPECTOS GERAIS

1.1 CONCEITO................................................................................................... 9

1.2 NATUREZA JURÍDICA............................................................................... 13

1.3 ASPECTOS POSITIVOS DA CONCIAÇÃO JUDICIAL............................ 17

1.4 OBSTÁCULOS............................................................................................. 22

2 ASPECTOS PROCESSUAIS

2.1 O OBJETO DA CONCILIAÇÃO.................................................................. 26

2.2 NATUREZA JURÍDICA DA HOMOLOGAÇÃO DA CONCILIAÇÃO...... 34

2.3 O RITO DA CONCILIAÇÃO....................................................................... 38

2.4 REFORMA DO ACORDO............................................................................ 46

3 TÉCNICAS DE CONCILIAÇÃO

3.1 O CONCILIADOR........................................................................................ 49

3.2 MODELOS DE CONCILIAÇÃO................................................................. 52

3.3 TÉCNICAS DE ATUAÇÃO DO CONCILIADOR...................................... 56

4 CONCLUSÃO............................................................................................................. 61

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................ 64
6

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo analisar a conciliação como forma de

solução de conflitos onde ocorre um acordo de vontades entre as partes. Diante de um

conflito de interesses, os conflitantes, através de diálogo facilitado por um terceiro

imparcial, buscam a solução para tal controvérsia.

Uma das principais vantagens apresentadas pela conciliação é o seu efeito

apaziguador, que faz com que as partes reaproximem-se, sendo assim, um grande meio

de renovação de laços sociais.

Outro aspecto processual de grande importância da conciliação é sua celeridade,

pois dispensa instrução probatória e por não permitir uma infinidade de recursos que

acabam estendendo o tempo processual. E ainda, uma menor quantidade de recursos,

torna os custos com os processos mais baixos, estimulando as pessoas a procurarem o

Poder Judiciário. Há a superação do Estado de litigiosidade latente, no qual se evita

acionar a máquina estatal para solucionar controvérsias.

Destarte, a conciliação se mostra de grande valia para garantir a retidão das

decisões e a simplificação do processo judicial.

Questão relevante é o papel do conciliador na construção de acordo, também

abordado no estudo. É ele quem conduz a conciliação, sem, contudo, fazer qualquer

julgamento ou favorecimento das partes. Entretanto, apesar da importância dessa

figura, há poucos profissionais habilitados nessa função.

Mesmo com tal carência, a conciliação vem sendo bastante estimulada no

ordenamento jurídico. Na Justiça do Trabalho, é a forma preferida de solução de


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conflitos, tendo ali, grande êxito. É necessário observar que a celeridade é fundamental

em processo de natureza trabalhista, que na maioria das vezes discute verbas de

natureza alimentar.

Também nos Juizados Especiais dar-se privilégio a conciliação, já que eles têm

por competência controvérsias envolvendo valores pequenos, e a possibilidade de uma

solução rápida e barata estimula a busca pelo Judiciário e evita que os oponentes

resolvam suas questões com violência.

O presente trabalho, irá se desenvolver em torno da conciliação realizada no

âmbito judicial, em razão do impacto que gera no Poder Judiciário, bem como pelo

alcance social que o método de solução de conflitos tem atingido, uma vez que permite

que os processos sejam menos dispendiosos e mais céleres, facilitando o acesso à

Justiça para a população de menor renda.

Em um primeiro momento, analisar-se-á o conceito e a natureza jurídica da

conciliação. Também será feita uma análise sobre as vantagens da conciliação, assim

como se apontará alguns obstáculos existentes para sua melhor aceitação.

Após, será apresentada uma pesquisa sobre questões processuais atinentes à

conciliação. O estudo abrangerá a matéria que pode ser objeto da conciliação e

avançará analisando qual a natureza jurídica da decisão que homologa o acordo. A

seguir buscar-se-á apresentar os momentos em que a conciliação deve ser tentada.

Também será realizada análise sobre a possibilidade de interposição de recurso da

sentença homologatória da conciliação.

O último capítulo é destinado à figura do conciliador. O estudo abrangerá

algumas das características dessa figura e sua postura ao incentivar a conciliação.


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Então, será analisado o modelo didático do comportamento conciliatório para que se

esclareça como deve agir o conciliador nas fases desse procedimento, ultimando pelas

estratégias que o conciliador pode adotar para facilitar a construção de um acordo.

Após a análise de como se processa a conciliação e da figura do conciliador,

conclusivamente será apontada a importância desta forma de solução como meio de

pacificação social e como instrumento de acesso à Justiça, bem como será reafirmada a

importância da abordagem acadêmica sobre o assunto.


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1 ASPECTOS GERAIS

1.1 CONCEITO

Na forma dos estados modernos, três funções foram atribuídas ao Estado:

legislar, administrar e julgar os conflitos existentes entre as pessoas para que exista

harmonia na sociedade. Cabe ao Poder Judiciário, salvo raras hipóteses em que se

permite a autotutela, resolver os conflitos gerados no meio social.

Assim, a jurisdição é a função do Estado pela qual são solucionados os conflitos

surgidos entre as pessoas. Como ensina Fredie Didier Junior, “jurisdição é a função

atribuída a terceiro imparcial de realizar o Direito de modo imperativo e criativo,

reconhecendo/efetivando/protegendo situações jurídicas concretamente deduzidas, em

decisão insuscetível de controle externo e com aptidão para torna-se indiscutível.”

(2010, p. 83).

Para exercitar a função jurisdicional, o Estado confere aos magistrados o poder

de, ao fim de um processo judicial, observados princípios que garantam às partes

envolvidas a possibilidade de defender suas razões, dizer de modo impositivo a

solução da questão. Invariavelmente, uma das partes sairá perdedora e terá que se

submeter àquilo que foi determinado.

Este modo de resolução de conflitos é chamado de heterocomposição, já que

“(...) um terceiro substitui a vontade das partes e determina a solução do problema

apresentado.” (DIDIER JUNIOR, 2010, p. 84).

Além da jurisdição exercida pelo Estado por meio da atuação dos magistrados,
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pode-se citar como forma de heterocomposição a arbitragem. Por meio da arbitragem,

uma terceira pessoa escolhida pelas partes é convocada para que, imparcialmente,

decida a questão controvertida. No dizer de Fredie Didier Junior, “é técnica de solução

de conflitos mediante a qual os conflitantes buscam em uma terceira pessoa de sua

confiança, a solução amigável e “imparcial” (porque não feita pelas partes

diretamente) do litígio.” (2010, p. 98).

A arbitragem é constituída por um negócio jurídico chamado de convenção de

arbitragem, do qual são espécies as cláusulas compromissórias, estabelecidas entre as

partes abstratamente, sem existência prévia de controvérsia, e o compromisso arbitral,

estabelecido pelas partes após a ocorrência do litígio.

Ao lado da heterocomposição, existem outras formas de solução de conflitos,

como a autotutela e a autocomposição.

Pela autotutela, há a imposição da vontade de uma das partes, ou seja, é a

solução de conflito pela força. Essa forma de composição é própria dos primórdios da

civilização, sendo assim, raras vezes é permitida no ordenamento jurídico vigente1.

No mesmo sentido leciona Mauro Schiavi:

A autotutela ou autodefesa é o meio mais primitivo de resolução de conflitos


em que uma das partes, com utilização de força, impõe sua vontade sobre a
parte mais fraca. Nesta modalidade, há uma ausência de Estado na solução
do conflito, sendo uma espécie de vingança privada. (…)
Hoje nas legislações, ainda há resquícios de autotutela em alguns códigos,
como legítima defesa da posse no Código Civil, ou o estado de necessidade e
legítima defesa na esfera penal. (2010, p. 32).

1
Art. 1.210, CC: O possuidor tem direito a ser mantido na posso em caso de turbação, restituído no
esbulho, e segurado de violência eminente, se tiver justo receio de ser molestado.
§1º O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restitui-se por sua própria força, contanto
que o faça logo; os atos de defesa, ou de esforço, não podem ir além do indispensável à manutenção,
ou restituição da posse.
11

Como se pode notar, mesmo que a autotutela trate de uma forma primitiva de

resolução de conflitos ela ainda está presente no ordenamento jurídico. Entretanto, só

poderá ser utilizada quando existir previsão legal.

A autocomposição, como veremos a seguir, trata da solução amigável de

conflitos, onde ambas as partes definem a melhor forma de resolver suas pendências.

Neste sentido, para Fredie Didier Junior, a autocomposição:

É a forma de solução de conflitos pelo consentimento espontâneo de um dos


contentadores em sacrificar o interesse próprio, no todo ou em parte, em
favor do interesse alheio. É a solução altruísta do litígio. Considerada,
atualmente, como legítimo meio alternativo da pacificação social. Avança-se
no sentido de acabar com o dogma da exclusividade estatal para solução dos
conflitos de interesse. Pode ocorrer dentro ou fora do processo. (2010, p. 93-
97).

São formas autocompositivas: a transação (que compreende concessões

mútuas), a submissão (reconhecimento da procedência do pedido), e a renúncia pra

pretensão reduzida.

Dentre as modalidades mais utilizadas na autocomposição estão a mediação e

a conciliação.

A mediação é o meio pelo qual um terceiro aproxima as partes para que estas

resolvam uma disputa. Como assevera Mauro Schiavi, “mediação é a forma de solução

de conflitos por meio do qual o mediador se insere entre as partes, procurando

aproximá-las para que elas próprias cheguem a uma solução consensual do conflito”.

(2010, p. 33).

Já a conciliação é o meio de solução pacífica pelo qual ambas as partes

chegam a uma decisão, consensualmente. Como ensina Maurício Godinho Delgado:

A conciliação, por sua vez, é o método de solução de conflitos em que as


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partes agem na composição, mas dirigidas por um terceiro, destituído do


poder decisório final, que se mantém com os próprios sujeitos originais da
relação jurídica conflituosa. Contudo, a força condutora da dinâmica
conciliatória por esse terceiro é real, muitas vezes conseguindo implementar
resultado não imaginado ou querido, primitivamente, pelas partes (…).
(2010, p.1346).

Grande semelhança existe entre a mediação e a conciliação, entretanto as duas

modalidades não se confundem. A diferença está na forma de atuação do mediador.

Como preconiza Mauro Schiavi, “segundo a doutrina, a atividade do mediador é mais

intensa que a do conciliador, pois aquele toma mais iniciativas que este, não só

realizando propostas de conciliação, mas persuadindo as partes para que cheguem a

uma solução do conflito. Não obstante, o mediador, ao contrário do árbitro ou do juiz,

não tem poder de decisão”. (2010, p.34).

Assim observa-se que a mediação é um procedimento mais elaborado, melhor

adequado a situações nas quais haja continuidade das relações interpessoais. Como

assevera Juliana Demarchi:

Daí depreende que o método da conciliação é de menor complexidade e mais


rápido que a mediação, pois, em conflitos com aspectos subjetivos
preponderantes , nos quais há uma inter-relação entre os envolvidos, tais
como os conflitos que envolvem questões familiares, mostra-se mais
adequado o emprego da mediação, que exige melhor preparo do profissional
de solução de conflitos, mais tempo e maior dedicação, vez que é preciso
esclarecer primeiramente a estrutura da relação existente entre as partes
(como as partes se conheceram, como foi/é seu relacionamento), bem como
a estrutura do conflito, para, depois tratar das questões objetivas em
discussão. (2008, p. 55).

Contudo, não há regra absoluta que determine que para a solução de conflitos

objetivos se recorra à conciliação, enquanto que para conflitos subjetivos se aplique a

mediação. Tal escolha deve ser feita pelo profissional de solução de conflitos, de

acordo com o caso concreto.


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Nota-se, entretanto, haver controvérsia na doutrina a cerca da classificação da

mediação e da conciliação como meios de autocomposição ou heterocomposição.

Maurício Godinho Delgado considera serem meios de heterocomposição, justamente

pela influência exercida pelo mediador ou conciliador. Em suas palavras:

É que a diferenciação entre os métodos de solução de conflitos encontram-


se, como visto, nos sujeitos envolvidos e na sistemática operacional do
processo utilizado. Na autocomposição, apenas os sujeitos originais em
confronto é que se relacionam na busca da extinção do conflito, conferindo
origem a uma sistemática de análise e solução de controvérsia autogerida
pelas próprias partes. Já na heterocomposição, ao contrário, dá-se a
intervenção de um agente exterior aos sujeitos originais na dinâmica de
solução de conflito, transferindo, como já exposto, em maior ou menos grau,
para esse agente exterior a direção dessa própria dinâmica. Isso significa que
a sistemática de análise e solução dessa controvérsia deixa de ser
exclusivamente gerida pelas partes, transferindo-se em alguma extensão para
a entidade interveniente. (2010, p. 1344).

Observe que a idéia central da conciliação é a mesma, seja para quem

considera método de heterocomposição, seja para quem considera meio de

autocomposição: a existência de uma pessoa estranha ao conflito auxiliando as partes a

resolverem a pendência, contudo sem poder decisório para substituir a vontades das

partes.

Como explica Caetano Lagrasta Neto, “são públicos os processos judiciais e a

conciliação prevista tanto na justiça tradicional como nos Tribunais Especiais. São

privadas a negociação, a arbitragem e a mediação. Também pode sê-lo a conciliação,

quando realizada fora do sistema judicial, em escritórios privados”. (2008, p. 16).

1.2 NATUREZA JURÍDICA

A exemplo da classificação de conciliação judicial como forma de


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autocomposição ou heterocomposição, também não há consenso sobre a natureza

jurídica desse instituto.

Na explicação da Elaine Nassif (2005, p. 102-103), os estudiosos do tema

apontam haver diversas teorias para defini-la, dentre as quais a teoria jurisdicionalista

e a teoria contratualista, das quais derivam a teoria da conciliação judicial como

jurisdição voluntária e a teoria híbrida.

A teoria jurisdicionalista da conciliação utiliza do critério da verificação dos

poderes e deveres do juiz, assim, essa teoria equipara os efeitos da conciliação com os

efeitos da jurisdição contenciosa. Em síntese, “a conciliação é um instituto do

processo, pois é um de seus momentos, e produz efeitos processuais, privilegia o

princípio inquisitório e o papel do juiz interventor na formação da vontade das partes”.

(NASSIF, 2005, p.113).

Já a teoria contratualista privilegia a vontade das partes. Como explica a já

mencionada autora, Elaine Nassif Noronha, “ao contrário da jurisdicionalista, o poder

dispositivo das partes é privilegiado, o documento produzido não é uma sentença, mas

um negócio jurídico reconhecido pelo poder público para fazer valer título executivo,

que não produz coisa julgada. Pode ser modificado como os atos jurídicos em geral”.

(2005, p. 113).

A teoria da conciliação como jurisdição voluntária não é unitária, tendo

diferentes consequências conforme aquilo que se compreende por jurisdição

voluntária.

Fredie Didier Junior (2010, p.115-116) assevera que a doutrina se divide entre

aqueles que consideram a jurisdição voluntária como administração pública de


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interesses privados, como Frederico Marques, e aqueles que consideram ser atividade

jurisdicional, a exemplo de Passos e Ovídio Baptista.

Prevalece na doutrina a posição de que a jurisdição voluntária não é jurisdição,

e sim administração pública de interesses provados. Como ensina Fredie Didier Junior:

Essa construção doutrinária é um tanto tautológica. Partem da premissa de


que a jurisdição voluntária não é jurisdição, porque não há lide a ser
resolvida; sem lide, não se pode falar em jurisdição. Não haveria também
substitutividade, pois o que acontece é que o magistrado se insere entre os
participantes do negócio jurídico, não os substituindo. Porque não há lide,
não há partes, só interessados; porque não há jurisdição, não seria correto
falar de ação nem de processo, institutos correlatos à jurisdição; só haveria
requerimento e procedimento (...). (2010, p. 115-116).

A consequência para quem adota esta teoria sobre jurisdição voluntária é que a

conciliação produziria os mesmos efeitos defendidos pela corrente contratualista.

Como melhor sintetiza Elaine Nassif:

Na teoria contratualista, tal como aquela que vê a jurisdição voluntária como


administração de interesses privados, a função conciliativa é considerada
absolutamente extra jurisdicional, por não produzir efeitos de soberana
atuação do ordenamento, exaurindo-se na mera cooperação realizada através
de impulso e mediação, em nada diferentes daquela cooperação que pode ser
efetuada por outro terceiro influente para uma boa ou “justa” composição de
conflitos. (2005, p. 108).

A seu turno, há autores que vêem na jurisdição voluntária atividade

jurisdicional.

Na lição de Fredie Didier Junior (2010, p. 116-118), há varias razões pelas

quais se pode considerar a jurisdição voluntária atividade jurisdicional, dentre as quais

se destacam: a presença de lide; ser exercida por um juiz; desenvolver-se por meio de

formas processuais; há partes; e há, por fim, coisa julgada.

Sob o enfoque de que a jurisdição voluntária tem natureza de atividade


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jurisdicional, os efeitos da conciliação seriam os mesmos de quem adota a teoria

jurisdicionalista da conciliação judicial, ou seja, há efeitos próprios do processo na

decisão conciliada.

Ainda sobre jurisdição voluntária, vale lembrar que há parte minoritária da

doutrina, batizada pelos estudos de Fazzalari, que compreende que a jurisdição

voluntária é autônoma. Elaine Nassif (2005, p. 97), sintetizando o pensamento do autor

italiano, explica que o Estado tem funções legislativas, administrativas e jurisdicionais,

e que a jurisdição voluntária não se confunde com tais, sendo função autônoma.

Sobre o enfoque da autonomia da jurisdição voluntária, a conciliação judicial,

se assim considerada, tem efeitos autônomos, diferentes da teoria contratualista e

jurisdicionalista.

Considera-se ainda, que a conciliação judicial tenha natureza híbrida. Assim

aponta Elaine Nassif:

(...) ao lado de quem enquadra o instituto como ato de natureza


exclusivamente processual, surge a opinião de que se configure como um
fenômeno mais complexo: por um lado, como negócio sujeito à disciplina
que lhe é própria e dotado de autônoma eficácia (…), e outro, como ato
processual, em razão da irreversível extinção do processo a que dá causa.
Esta teoria vem sendo chamada pela doutrina italiana de teoria híbrida ou
complexa. (2005, p. 119-120).

Diante do exposto, observa-se haver diversidade de posições quanto à natureza

jurídica da conciliação judicial, considerando-se, portanto, que a teoria sobre a

conciliação ainda está por ser formulada.

Embora ainda não muito explorada, esta discussão se revela bastante

importante em razão das consequências geradas nos processos judiciais resolvidos por

meio da conciliação. Nota-se que, conforme se adote esta ou aquela teoria, a


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conciliação pode não fazer coisa julgada, por exemplo. Sobre os aspectos processuais,

contudo, haverá análise mais rigorosa em capítulo próprio.

1.3 ASPECTOS POSITIVOS DA CONCIAÇÃO JUDICIAL

Diversos são os fundamentos utilizados para aqueles que defendem a forma

conciliada de composição de conflitos.

Aponta-se hoje na doutrina diversos relatos sobre uma crise na estrutura

judiciária pátria. Frequentemente são apontados fatores como a morosidade nos

processos e seus altos custos, que dificultam o acesso à justiça; a mentalidade dos

juízes e jurisdicionados; a falta de informação sobre a possibilidade de soluções

pacíficas; a falta de conhecimento das técnicas conciliativas. Estes problemas, pois,

traduzem verdadeiros obstáculos ao acesso à justiça.

Tal é a posição de Luciane Moessa de Souza:

Os estudiosos do tema, como Mauro Cappelletti e Bryant Garth, em sua obra


clássica, e, no Brasil, entre outros, Luiz Guilherme Marinoni, apontam,
basicamente, quatro ordens de obstáculos para acesso a justiça:
a) obstáculos de natureza financeira, consistentes nos altos valores
praticados para a cobrança de custas processuais e honorários advocatícios,
bem como configurados pela economia de escala que os litigantes habituais
têm se comparados aos litigantes eventuais;
b) obstáculos temporais, consubstanciados na grande morosidade
característica do Poder Judiciário, seja por dificuldades institucionais,
relacionadas à má administração, falta de modernização tecnológica e/ou
insuficiência do número de magistrados e de servidores, seja em razão da
complexidade do nosso sistema processual, que permite a interposição
infindável de recursos;
c) obstáculos psicológicos e culturais, consistentes na extrema
dificuldade para a maioria da população no sentido de até mesmo reconhecer
a existência de um direito, especialmente se este for de natureza coletiva, na
justificada desconfiança que a população em geral (e em especial a mais
carente) nutre em relação aos advogados e ao sistema jurídico como um todo
e, ainda, na também justificável intimidação que as pessoas em geral sentem
diante do formalismo do Judiciário e dos próprios advogados; e
d) obstáculos institucionais, referentes aos direitos de natureza coletiva, em
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que a insignificância de lesão ao direito, frente ao custo e a morosidade do


processo, pode levar ao cidadão a desistir de exercer o seu direito por ser a
causa antieconômica. (2009, p. 59-60).

Um dos aspectos mais relevantes no que tange a dificuldade do acesso à

justiça está na morosidade da tramitação dos processos judiciais. Isto ocorre, ainda que

a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, LXXVII, determine que, “a todos, no

âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os

meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Há no judiciário brasileiro a existência de um sistema recursal que favorece a

postergação do fim do processo. Na justiça brasileira a morosidade é agravada por

indivíduos, firmas e grupos de interesses que utilizam a justiça não para pleitear

direitos, mas para postergar o cumprimento das obrigações.

O que também se conclui é que o acesso à ordem jurisdicional não é

necessariamente provocado pela falta de informação dos detentores do direito. Ao

contrário disso, um número cada vez maior de pessoas conhece seus direitos, mas

muitas vezes deixam de preiteá-lo por considerarem que o tempo e os custos da

tramitação do processo serão maiores que os da própria lesão.

Este quadro é conhecido como litigiosidade contida. Na percepção de Luciane

Moessa de Souza, “é preciso ter em mente, sempre, que a melhoria de qualidade e a

eficiência na prestação de serviços jurisdicionais, muitas vezes, faz aumentar o número

de litígios, por trazer à tona a chamada “litigiosidade contida”, ou seja, todos aqueles

litígios que esperavam solução, mas que não eram levados ao Poder Judiciário em

razão dos citados obstáculos”. (2009, p. 66).

Ao lado destas questões, observa-se que existe um contínuo aumento da


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demanda. Kazuo Watanabe afirma que, “o que devemos encarar, sem medo nem

preconceito, é o fato de que o Poder Judiciário, ao menos no Estado de São Paulo, não

mais está capacitado para atender à demanda: se antes se temia a litigiosidade contida,

teme-se hoje ante a litigiosidade expandida”. (2008, p. 12).

O problema não está necessariamente no número insuficiente de magistrados e

servidores, mas sim no fato de que cada vez mais indivíduos irão buscar a efetivação

dos seus direitos por meio judicial. Mesmo que se aumentasse a estrutura do Poder

Judiciário, o problema persistiria, pois na mesma escala cresceria a procura pela tutela

jurisdicional.

É nesse contexto que surge a conciliação judicial e toma força, pois por meio

deste método, as próprias partes resolvem seus conflitos. Não há despesas

desnecessárias com advogados ou para produzir provas, pois há concessões mútuas

sobre os fatos alegados. Não há uma demorada espera pelo provimento jurisdicional,

pois a solução nasce do próprio encontro das partes. Estes são os aspectos positivos de

maior relevância apresentados pelos estudiosos do tema.

Em razão dessas vantagens, a conciliação deve ser vista como instrumento útil

à satisfação de direitos fundamentais constantes em nossa constituição, a exemplo do

acesso a justiça e a duração razoável do processo.

Dentro deste contexto, chamando atenção para novos meios de soluções de

conflitos, Alexandre Freitas Câmara explica que os sucedâneos de jurisdição, dentre os

quais se destaca a conciliação, “são de extrema importância para que se torne possível

a completa satisfação do jurisdicionado, assegurando-se amplo acesso a ordem jurídica

justa”. (2009, p. 12).


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Ao lado dos aspectos práticos da celeridade e baixos custos do processo que

conferem importância à conciliação judicial, há outros fundamentos, de natureza

social, que justificam sua importância.

Observa a doutrina que a conciliação, além de instrumento de solução de

controvérsias entre as partes litigantes, é também instrumento de pacificação social.

Isto ocorre porque na autocomposição, não há a substituição da vontade das partes por

um terceiro, de modo que ninguém resulta perdedor do embate, evitando injustiças.

Segundo o raciocínio de Ada Pellegrini Grinover:

Revela assim, o fundamento social das vias conciliativas, consistente na sua


função de pacificação social. Esta, via de regra, não é alcançada pela
sentença que se limita da dotar autoritativamente a regra para o caso
concreto, e que, na grande maioria dos casos, não é aceita de bom grado pelo
vencido, o qual contra ela costuma insurgir-se com todos os meios na
execução; e que, de qualquer modo, se limita a solucionar a parcela de lide
levada a juízo, sem possibilidade de pacificar a lide sociológica, em geral
mais ampla, da qual aquela se imergiu, como simples ponta do iceberg. Por
isso mesmo, foi salientado que a justiça tradicional se volta para o passado,
enquanto a justiça informal se dirige para o futuro. A primeira julga a
sentença; a segunda compõe, concilia, previne situações de tensões e
rupturas, exatamente onde a coexistência é um relevante elemento
valorativo. (2008, p. 04).

A questão atinente à pacificação é de suma importância, principalmente

quando existem relações continuadas entre as partes envolvidas, como no caso de

disputas entre vizinhos, ou envolvendo questões de família. Ao exporem suas razões,

as partes além de resolverem a questão posta em discussão, resolvem também outras

questões não expostas diretamente e evitam que novos conflitos surjam entre si.

Destarte, do ponto de vista judicial a conciliação é vantajosa por seu caráter

pacificador, não observado na heterocomposição.


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A Constituição Federal afirma, em seu artigo 1º, I e II2, que a cidadania e a

dignidade da pessoa humana são, dentre outros, fundamentos do nosso Estado

Democrático de Direito e com uns dos objetivos fundamentais, a construção de uma

sociedade livre justa e solidária. Observa-se que a cidadania concebida com a

completa fruição dos direitos e garantias pelo ordenamento jurídico é privilégio

reservado a poucos em detrimento da maioria excluída aos mais elementares direitos.

Nota-se, portanto, que a realização da cidadania tal como, o digno tratamento a pessoa

humana, figuram como outras vantagens da conciliação.

Há ainda um quarto aspecto da conciliação judicial, que é seu fundamento

político, pois permite que haja participação popular na administração da justiça. É que

o sistema processual formal resulta na imposição pelo Estado de uma solução para

uma competição. Nos meios autocompositivos, não há essa imposição, de modo que as

próprias partes criam a solução. Como salienta Ada Pellegrini Grinover, “representa

ela, ao mesmo tempo, instrumento de garantia e instrumento de controle, configurando

meio de intervenção popular direita pelos canais institucionalizados de conciliação e

mediação”. (2008, p. 05). Dessa forma, as pessoas concretizam sua cidadania.

2
Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios
e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou
diretamente, nos termos desta Constituição.
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1.4 OBSTÁCULOS

A implementação da conciliação judicial como meio preferido para solução de

litígios também encontra vários desafios a serem vencidos.

O principal deles, para Kazuo Watanabe, é a mentalidade dos operadores do

Direito. Afirma o autor:

O grande obstáculo, no Brasil, à utilização mais intensa da conciliação, da


mediação e de outros meios alternativos de resolução de conflitos, está na
formação acadêmica dos nossos operadores de Direito, que é voltada,
fundamentalmente, para a solução contenciosa e adjudicada de conflitos de
interesses. Vale dizer, toda ênfase é dada à solução de conflitos por meio de
processo judicial, onde é proferida uma sentença, que constitui a solução
imperativa dada pelo juiz como representante do Estado. (2008, p. 06).

Tal afirmação se confirma ao observarmos o comportamento de todos

envolvidos no processo.

Em um primeiro momento, se analisarmos a conduta das partes, como já

mencionado anteriormente, podemos perceber que não há, necessariamente, a intenção

de resolver o conflito. Muitas vezes o que está presente ao buscar o Poder Judiciário é

o interesse de postergar o cumprimento das obrigações, como por exemplo, fazendo

uso dos inúmeros recursos cabíveis no processo e aproveitando a morosidade da

justiça.

Aponta-se, ainda, para uma cultura popular que valoriza o conflito em

detrimento da sua solução. André Gomma de Azevedo assinala:

As partes consideram vitória sobre a outra como a única opção adequada.


(…) Ao tratar conflitos como um jogo de soma zero, frequentemente as
partes em conflito, inadvertidamente abdicam de diversos interesses que
possuem, como manutenção do relacionamento social pré-existente com a
outra parte ou a resolução dos pontos controvertidos como objetivamente
23

apresentados no início do conflito e não em razão de um acirramento de


conflito que se expandiu, tornando-se “independente de suas causas inicias”.
A percepção de que se faz necessário em um determinado conflito que uma
parte “vença a outra” (jogo soma zero) – e não “objetivamente resolva os
pontos em relação ao quais as partes divergem” - faz com que as partes
evitem esforços para prejudicar uma à outra e não necessariamente apenas
para resolver os pontos controvertidos. (2009, p. 25-26).

O problema percebido é que para as partes, a conciliação ainda não traduz

método eficiente para conclusão de questões litigiosas. Assim, apontam Liliam Maia

de Morais Sales e Cilana Morais Soares Rabelo que deve haver adequação entre o

conflito e o tipo de solução apresentado. Para as autoras, “(...) é importante desapegar-

se da visão de que só é possível a resolução de um conflito por um caminho exclusivo

ou quando houver intervenção estatal e passar a construir a idéia de que um sistema

conta com instituições e procedimentos que procuram prevenir e resolver controvérsias

a partir da necessidade e dos interesses das partes”. (2009, p. 75-76).

Em relação aos advogados, observa-se uma postura zelosa na defesa dos

interesses de seus clientes. André Gomma de Azevedo é quem dita esta questão:

Os advogados adotam uma postura excessivamente litigiosa e adversal.


Muitos advogados, ao ponderarem sobre suas práticas profissionais,
concluem que o efetivo “empenho” previsto no preâmbulo de Código de
ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil requer que
desenvolvam maior número de atividades dentro da suas relações
processuais em curso, desde que estas não sejam expressamente proibidas
em lei. Essa conduta estimula advogados a litigar de forma enfática,
buscando auferir todas as formas possíveis de ganhos para seus clientes. Em
regra, esta relação ocorre sob forma de jogo de soma zero – isto é, busca-se
vencer determinada lide, derrotando a parte contrária. (2009, p. 26).

Os advogados, portanto, também exercem uma obstrução às vias conciliatórias

ao concluírem ser indispensável atuar de modo mais intenso possível no processo,

lançando mão de todos os tipos de recursos processuais existentes.

A resistência ainda pode partir do próprio magistrado, que tem a cultura de


24

sentenciar as questões que lhe são apresentadas. Essa cultura é alienada pela

sobrecarga de trabalho, como afirma Kazuo Watanabe:

Todavia, a mentalidade forjada nas academias e fortalecida na práxis forense


é aquela que já mencionada, de solução adjudicada autoritativamente pelo
juiz, por meio de sentença, mentalidade esta agrava pela sobrecarga
excessiva de trabalho (os juízes cíveis da Capital do Estado de São Paulo
recebem, anualmente, cerca de 5.000 novos processos).
Disso tudo nasceu a chamada cultura da sentença, que se consolida
assustadoramente. Os juízes preferem proferir sentença ao invés de tentar
conciliar as partes para a obtenção da solução amigável dos conflitos.
Sentenciar, em muitos casos, é mais fácil e mais cômodo do que pacificar os
litigantes e obter, por via de consequência, a solução dos conflitos. (2008, p.
07).

A ausência de abordagem acadêmica sobre as possíveis alternativas à

heterocomposição também cria uma deficiência no quadro de profissionais

especializado nas técnicas conciliatórias. Bem assinala Kazuo Watanabe que “não se

nota, todavia, um investimento maior na formação e treinamento de profissionais

voltados à solução não-contenciosa de conflitos, como negociação, conciliação e

mediação”. (2008, p. 06).

Como por exemplo, o grande obstáculo a ser observado para que a conciliação

alcance maior aplicabilidade é a ausência de exploração do tema nos meios

acadêmicos. A abordagem das técnicas autocompositivas no período de formação, por

consequência, proporcionará sua maior aceitação e utilização por parte dos futuros

profissionais de Direito.

Não se pode pensar, contudo, que os obstáculos de ordem cultural ou a

ausência de abordagem acadêmica das soluções amigáveis de conflitos seriam os

únicos a serem enfrentados.

Ciente desses problemas existe também a necessidade de se destinar recursos


25

financeiros para que se instale a justiça da conciliação, pois é fundamental que haja

espaço físico e equipamentos, além de servidores, conciliadores e magistrados

destinados a este fim.

Diante do exposto, nota-se que a cultura da conciliação ainda precisa ser

assimilada pelos brasileiros. Para tanto, o problema pode ser contornado se houver

maior investimento em formação de profissionais, assim como a necessária destinação

de recursos financeiros para um reaparelhamento do Poder Judiciário.


26

2 ASPECTOS PROCESSUAIS

2.1 O OBJETO DA CONCILIAÇÃO

Apesar do muito que se fala sobre as vantagens da conciliação, nem todas as

matérias estão sujeitas ao seu procedimento. Isso porque alguns direitos são

fundamento da personalidade humana e permitem que cada um possa exercer sua

liberdade sem que isso afete sua dignidade.

Deste modo, alguns direitos são indisponíveis para o seu titular e sobre eles

não pode haver negociação. Servem, pois, para proteção de certas condições inerentes

ao ser humano.

Na conciliação ocorrem concessões mútuas, ou seja, as partes abrem mão de

parte dos direitos que acreditam serem titulares para solucionar uma controvérsia. Por

isso, a princípio, a conciliação só pode envolver direitos disponíveis para as partes.

Dita o artigo 3313 do Código de Processo Civil que quando a causa versar

sobre direitos que admitam transação haverá uma audiência preliminar no intuito de se

alcançar a conciliação. A seu turno, o artigo 447 do mesmo diploma legal determina

que versando o litígio sobre direitos patrimoniais de caráter privado, assim como nas

3
Art. 331. Se não ocorrer qualquer das hipóteses previstas nas seções precedentes, e versar a causa
sobre direitos que admitam transação, o juiz designará audiência preliminar, a realizar-se no prazo de
30 (trinta) dias, para a qual serão as partes intimadas a comparecer, podendo fazer-se representar por
procurador ou preposto, com poderes para transigir.
§ 1º Obtida a conciliação, será reduzida a termo e homologada por sentença.
§ 2º Se, por qualquer motivo, não for obtida a conciliação, o juiz fixará os pontos controvertidos,
decidirá as questões processuais pendentes e determinará as provas a serem produzidas, designando
audiência de instrução e julgamento, se necessário.
§ 3º Se o direito em litígio não admitir transação, ou se as circunstâncias da causa evidenciarem ser
improvável sua obtenção, o juiz poderá, desde logo, sanear o processo e ordenar a produção da prova,
nos termos do § 2º.
27

que envolvem direito de família, será oportunizada a conciliação.4

O citado artigo 331 faz menção aos direitos que admitam transação, instituto

de Direito Civil que se assemelha à conciliação. Pela transação, “cada parte abre mão

de parcela de seus direitos para impedir ou por fim em demanda.” (VENOSA, 2004, p.

315).

Todavia, embora a transação também seja a solução de um litígio por meio de

concessões mútuas, ela tem natureza contratual, diferente da conciliação.

A transação pode recair, conforme redação do artigo 8415 do Código Civil,

sobre direitos patrimoniais de caráter privado. Como explica Sílvio de Salvo Venosa,

“(...) os direitos indisponíveis, os relativos ao estado e à capacidade das pessoas, os

direitos puros de família, os direitos personalíssimos, não podem ser objetos de

transação. De modo geral, pode haver transação sobre direitos que não estão no

comércio jurídico”. (2004, p. 319).

Contudo, a conciliação pode atingir outros contornos que não se enquadram na

limitação posta neste artigo. Ainda que o direito seja indisponível, sobre o aspecto

patrimonial deste direito se pode dispor. É o caso das questões quantitativas que

decorrem desse direito.

Na lição de Luiz Rodrigues Wambier:

(…) há casos em que apesar da indisponibilidade que caracteriza alguns


direitos, sobre eles é perfeitamente possível realizarem-se acordos,
especialmente quando a pretensão gira em torno de aspectos puramente
quantitativos. Exemplo: ações que evolvam prestações de natureza alimentar
são evidentemente indisponíveis, mas suscetíveis de ser objeto de acordo, no

44
Art. 447. Quando o litígio versar sobre direitos patrimoniais de caráter privado, o juiz, de ofício,
determinará o comparecimento das partes ao início da audiência de instrução e julgamento.
Parágrafo único. Em causas relativas à família, terá lugar igualmente a conciliação, nos casos e para os
fins que a lei consente a transação.
5
Art. 841. Só quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se permite a transação.
28

que diz respeito ao quantum, Mesmo as chamadas ações de estado, que


apesar de versarem sobre direitos tidos como indisponíveis, contemplam
hipóteses de acordo. (p. ex., a “separação litigiosa” pode resolver-se
consensualmente). (2008, p. 424-523).

O supracitado autor explica que a conceituação de um direito como

indisponível é problemática, pois há direitos, ainda que indisponíveis, que admitem

alguns acordos. Há, portanto, diferentes graus de indisponibilidade, de modo a permitir

que certos direitos não disponíveis sejam transacionados. Explica o autor:

Assim é possível encontrar, sob a proteção da indisponibilidade, direitos de


diferentes matrizes, cada qual com uma conformação própria, e que tem
muito pouco em comum entre si. Na verdade, o que há de comum entre uns e
outros desses direitos é um espectro de maior rigidez no tratamento legal, ora
mais ora menos acentuado, Há, como se viu, exemplos de direitos
absolutamente irrenunciáveis (indisponíveis, portanto), mas que, nem por
isso, ficam fora do alcance de eventual tentativa de composição extrajudicial
dos interesses em litígio. (2008, p.524).

Observa-se assim que podem ser objeto de transação os direitos patrimoniais

disponíveis e os aspectos econômicos relativos a direitos indisponíveis. Ilustrando a

segunda hipótese, o direito a alimentos é direito indisponível, mas a partes podem

discutir o seu quantum.

Em relação às lides que envolvem relações interpessoais continuadas, como

nos casos de direitos de família ou vizinhança, a solução pacífica dos conflitos é

sempre a preferida, por ser capaz de resolver questões além das postas em juízo. Isso

porque, quando as próprias partes, por meio de concessões mútuas, criam suas próprias

decisões não há vencedor nem vencido; ambos os litigantes ganham com a

conciliação.

Como ensina Vânia Maria Ruffini Peteado Balera:


29

(...) nas relações interpessoais, envolvendo conflitos de ordem subjetiva, a


solução deve ser buscada através de composição, elaborada pelas próprias
partes, onde não tenham espaço para vitorioso ou perdedor.
Deve-se buscar solução de convivência, de tolerância entre as partes, capaz
de permitir que a situação de conflito seja apaziguada, tornando
desnecessária a intervenção de terceiro, na hipótese o juiz, para dar solução
ao problema que lhe é submetido à apreciação. A sentença, solução dada
pelo juiz, porá fim ao processo e, não raro, a situação em litígio perdurará no
tempo. Quantas são as decisões que fixam guarda, visitas, alimentos e
quantos são os pedidos de revisão de pensão, alteração de guarda
envolvendo as mesmas partes em curto espaço de tempo. (2008, p. 45).

Também no direito da família, que envolve relações continuadas, a conciliação

é possível. Daniel Fabretti afirma que se pode obter a conciliação em se tratando de

ações de alimentos, lembrando que “as partes tem ampla liberdade para fixação do

valor da pensão por meio de acordo.” (2008, p. 45).

Daniel Fabretti (2008, p. 56) prossegue salientando que pode resultar em

conciliação as ações de separação, divórcio, reconhecimento e dissolução de união

estável e investigação de paternidade, quando o acordo poderá abranger partilha dos

bens comuns, fixação de pensão entre as partes ou dispensa recíproca de pensão,

fixação de guarda dos filhos menores, fixação de regime e visitas e pensão para filhos

menores, e estabelecimento do período em que durou a união estável e

estabelecimento quanto ao nome da mulher, que volta a usar o nome de solteira.

Neste último quesito, fica nítido que a conciliação também pode atingir

direitos indisponíveis, pois o nome que a pessoa usará após o divórcio também pode

ser definido por acordo.

Ainda como exemplo, Daniel Fabretti (2008, p. 81) cita que podem ser objeto

de conciliação as ações cíveis em geral, como problemas entre vizinhos, envolvendo

direitos dos consumidores, acidentes de trânsito e cobranças em geral.

A questão da indisponibilidade de direitos no Direito do Trabalho, a seu turno,


30

é vista sobre outro enfoque. É que é neste ramo do Direito vige o princípio da

indisponibilidade das normas trabalhistas.

Este princípio, segundo Maurício Godinho Delgado (2010, p. 186), é traduzido

pela inviabilidade técnico jurídica de o empregado poder se despojar de suas vantagens

e proteções garantidas pela ordem jurídica.

Os direitos trabalhistas, em geral, trazem em si a imperatividade, posto que

são normas que visam resgatar o equilíbrio social.

Nas palavras de Maurício Godinho Delgado:

A indisponibilidade inata aos direitos trabalhistas constitui-se talvez no


veículo principal utilizado pelo Direito do Trabalho para tentar igualizar, no
plano jurídico, a assincronia clássica existente entre os sujeitos da relação
socieconômica de emprego. O aparente contingenciamento da liberdade
obreira que resultaria da observância desse princípio desponta, na verdade,
como o instrumento hábil a assegurar afetiva liberdade no contexto da
relação empregatícia; é que aquele contingenciamento atenua ao sujeito
individual obreiro a inevitável restrição de vontade que naturalmente tem
perante o sujeito coletivo empresarial. (2010, p. 186-187).

Contudo, embora a importância do princípio da indisponibilidade das normas

trabalhistas seja indiscutível por assegurar ao trabalhador um patamar civilizatório

mínimo, também se observam dois alcances desta indisponibilidade. Assim, um direito

indisponível pode ser relativo ou absoluto. Recorre-se à lição do supracitado autor para

melhor descrição do fenômeno:

A indisponibilidade inerente aos direitos oriundos da ordem justrabalhista,


não tem, contudo, a mesma exata rigidez e extensão. Pode-se, tecnicamente,
distinguir entre direitos imantados por indisponibilidade absoluta ao lado de
direitos imantados por indisponibilidade relativa.
Absoluta será a indisponibilidade, do ponto de vista do Direito Individual do
Trabalho, quando o direito enfocado merecer uma tutela de nível de interesse
público, por traduzir um patamar civilizatório mínimo firmado pela
sociedade política em um dado momento histórico. É o que ocorre, como já
apontado, ilustrativamente, com o direito à assinatura do CTPS, ao salário
mínimo, à incidência das normas de proteção à saúde e segurança do
31

trabalho. (...)
Relativa será a indisponibilidade, do ponto de vista do Direito Individual do
Trabalho, quando o direito enfocado traduzir interesse individual ou bilateral
simples, que não caracterize um padrão civilizatório geral mínimo firmado
pela sociedade política em um dado momento histórico. É o que se passar,
ilustrativamente, com a modalidade de salário paga ao empregado ao longo
da relação de emprego (salário fixo versus salário variável, por exemplo):
essa modalidade salarial pode se alterar, licitamente, desde que a alteração
não produza prejuízo efetivo ao trabalhador. As parcelas de indisponibilidade
relativa podem ser objeto de transação (não de renúncia, obviamente), desde
que a transação não resulte em efetivo prejuízo do empregado. (2010, p.
201).

Do exposto, podemos perceber que ainda que a indisponibilidade do direito

trabalhista seja relativa, sua alteração nunca pode resultar em prejuízo ao trabalhador.

Observa-se neste ponto uma aparente contradição: o empregado titular de um

direito trabalhista, dele não pode dispor se disso resultar em prejuízo, embora na

conciliação ele acabe por abrir mão de parcela desse direito.

Nota-se ainda, que na Justiça do Trabalho, a conciliação é sempre preferida,

devendo ser tentada em diversos momentos processuais.

Para solucionar os impasses decorrentes das concessões feitas na conciliação e

a indisponibilidade dos direitos trabalhistas, a doutrina criou pontos de equilíbrio

artificiais, dentre os quais se destaca o dogma da res dubia. Por este dogma, colocam-

se em incerteza os direitos das partes, permitindo que sobre essa dúvida se possa

conciliar. Na explicação de Elaine Nassif:

Ora, o direito patrimonial é traduzido no valor quantitativo que o exprime,


ele não é um protocolo de intenções. Dizer-se que renunciar ao quantitativo
não é a mesma coisa que renunciar ao direito é inaceitável. A certeza dobre o
direito a receber somente é possível após a sentença. Antes da sentença tudo
é res dubia. (2005, p. 214).

Para alguns autores, portanto, a indisponibilidade de direitos é resolvida a

partir de uma criação artificial, na qual se coloca em dúvida a titularidade dos direitos
32

trabalhistas.

Já Mauro Shiavi usa outro raciocínio, sustentando que “o fato de existirem

normas de ordem pública do Direito do Trabalho não significa dizer que os Direitos

Trabalhistas são indisponíveis” (2010, p. 35). Para o autor, a indisponibilidade dos

direitos deve perdurar enquanto se mantiver a relação de subordinação existente na

relação de trabalho para que se mantenha o equilíbrio nas ralações. Todavia, cessado o

vínculo de emprego e a subordinação, os direitos poderiam ser objeto de disposição.

Em suas palavras:

Pertencendo ao Direito Privado e contando com uma elevada gama de


normas de ordem pública e, ainda, considerando-se o estado de subordinação
a que está sujeito o empregado, os Direitos Trabalhistas, durante a vigência
do contrato de trabalho são irrenunciáveis, como regra geral. Entretanto, uma
vez cessados o vínculo de emprego e o consequente estado de subordinação,
o empregado pode renunciar e transacionar direitos, máxime estando na
presença de um órgão imparcial, como o Sindicado da Justiça e do Trabalho
(2010, p. 35).

Desta maneira, a questão de indisponibilidade dos direitos trabalhistas não é

um obstáculo para que se busque a conciliação no âmbito da Justiça do Trabalho. Para

tanto, há quem considere duvidosa a titularidade do direito discutido (res dubia) e

ainda, quem considere cessada a indisponibilidade com o fim do vínculo de emprego e

da subordinação.

Ainda sobre o objeto da conciliação, observamos um aspecto interessante, que

é a possibilidade de alteração da lide. Isso porque ao ajustar suas decisões, a parte

pode recorrer a questões não postas em juízo. Sobre esta questão manifesta-se Luiz

Rodrigues Wambier:

Por outro lado, a transação permite a alteração da lide, circunstâncias em que


as partes “cedem”, alterando a postulação feita em juízo. Pode ocorrer que,
33

em determinada causa, em que originalmente se tenha formulado pedido em


torno de direito indisponível, se faça acordo sobre direito disponível. Por
exemplo, pela literalidade do dispositivo, nem seria de se designar audiência
preliminar numa causa que versasse sobre anulação de casamento. A
jurisprudência, todavia, admite ser possível sua transformação em separação
consensual . (2008, p. 524).

Também na Justiça do Trabalho observa-se que a conciliação é a mais

eficiente forma de solução de conflitos porque pode abarcar mais questões que as

expostas na inicial. Neste sentido há a possibilidade de ser dada a quitação geral de um

contrato de trabalho por meio de um acordo. Como explica Mauro Schiavi:

Embora a CLT não preveja, a conciliação pode abranger prestações não


postas em juízo, ou seja, que não fazem parte do processo, pois tanto a
conciliação como a transação tem por finalidade primordial não só
solucionar, mas prevenir eventuais litígios. Além disso, o escopo da
conciliação é a pacificação. Por isso, são frequentes, na Justiça do Trabalho,
constarem dos termos de homologação de conciliação que o empregado dá
quitação do todos os direitos decorrentes de objeto do processo e do extinto
contrato de trabalho, para não mais reclamar. (2010, p.37).

Em relação a esta possibilidade de alteração do pedido inicial na solução

conciliada, aspecto importante é o alcance subjetivo que a conciliação tem. Muitas

vezes, os aspectos subjetivos não são trazidos na inicial, e as reais razões que levaram

ao conflito não podem ser analisadas pelo juiz na hora de sentenciar. Assim, a sentença

irá por fim ao processo, mas não irá pacificar as partes. Em consequência, as relações

sociais não serão retomadas.

Nota-se, portanto que a conciliação pode envolver uma gama enorme de

situações postas em juízo, indo além da disposição sobre direitos patrimoniais de

caráter privado. Assim, direitos indisponíveis podem ter sua indisponibilidade

graduada de modo a se admitir acordos sobre eles, bem como é nítido o caráter

quantitativo destes direitos e a possibilidade de admitir-se a conciliação. Inclusive, na


34

Justiça do Trabalho, para viabilizar a conciliação, são criados mecanismos para que se

permita que direitos indisponíveis admitam acordo.

2.2 NATUREZA JURÍDICA DA HOMOLOGAÇÃO DA CONCILIAÇÃO

Obtida a conciliação, a mesma é homologada pelo juiz e, por determinação do

artigo 4496 do Código de Processo Civil, tem força de sentença.

Caso não seja cumprido o acordo, pode ensejar procedimento de execução. Tal

é a redação do artigo 475-N, III, do Código de Processo Civil, que determina que a

sentença homologatória de conciliação ou de transação é título executivo judicial,

ainda que inclua matéria não posta em juízo.

Uma vez resolvida a lide por meio de acordo entre as partes, havendo

homologação pelo juiz, não mais se discutirão aspectos relativos ao conflito. A

conciliação homologada, portanto, faz coisa julgada material e põe fim a fase de

conhecimento do processo.

Outra característica da homologação da conciliação é que a coisa julgada pode

atingir inclusive as parcelas que não foram postas no pedido inicial. Como afirma Luiz

Rodrigues Wambier:

A característica básica da transação é a reciprocidade de concessões, sendo


lícito às partes levar a transação elementos, em princípio, estranhos à lide. A
lide é praticamente redefinida na transação, pois que, do contrário, de
transação não se trataria. O juiz, havendo transação, terá a liberdade de optar,
ao decidir, cingida a esfera mínima de verificação da existência dos
requisitos formais – ficando, após essa etapa, vinculado. (2008, p. 553).

6
Art. 449. O termo de conciliação, assinado pelas partes e homologado pelo juiz, terá valor de
sentença.
35

Assim, o trânsito em julgado poderá ir além do pedido e obrigar

definitivamente tanto autor quanto réu. Uma vez descumprido o acordo, o

procedimento de execução de sentença é cabível para ambas as partes, já que a

conciliação prevê concessões mútuas, ou seja, ambos os lados saem, em parte,

vencedores.

Contudo, observa-se dinâmica diferenciada da Justiça do Trabalho em relação

à Justiça Comum. Tal diferenciação decorre da já mencionada natureza dos direitos

trabalhistas, que estabelecem um patamar civilizatório mínimo para o trabalhador e

que por isso, são gravados pela indisponibilidade.

Em razão dessa indisponibilidade, e também da fragilidade do trabalhador em

relação ao seu empregador, o Tribunal Superior do Trabalho editou a Súmula 418 com

o seguinte teor:

SUM-418 MANDADO DE SEGURANÇA VISANDO A CONCESSÃO DE


LIMINAR OU HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO (conversão das
Orientações Jurisprudenciais nºs 120 e 141 da SBDI-2) – Res. 137/2005. DJ
22, 23 E 24 E 24.08.2005
A concessão de liminar ou homologação de acordo constituem faculdade do
juiz, inexistindo direito líquido e certo tutelável pela via do mandado de
segurança. (ex.-Ojs da SBDI-2 nºs 120 – DJ 11.08.2003 – e 142 DJ
04.05.2004) .

Nota-se que o Juiz do Trabalho não fica vinculado ao acordo celebrado entre

as partes, podendo deixar de homologar a conciliação se assim o entender, desde que

de modo motivado.

Não há, portanto, “direito” à homologação na Justiça do Trabalho, de modo

que o juiz pode negá-la para proteger o trabalhador. Neste caso, o juiz determinará o

prosseguimento normal do processo. A seu turno, no processo civil, são menores as

possibilidades de haver negação da homologação por envolver direitos disponíveis. A


36

negação da homologação precisa ser motivada, podendo ter natureza processual ou

material.

Assim como no processo civil, as conciliações homologadas na Justiça do

Trabalho também são irrecorríveis. Como menciona Carlos Henrique Bezerra Leite,

“outra peculiaridade do processo do trabalho repousa na equiparação prática do termo

de conciliação à coisa julgada.” (2007, p. 81).

Elaine Nassif entende que há uma grande diferença entre a atribuição de efeito

de sentença aos acordos no Processo Civil e no Processo do Trabalho, determinada

pela questão da desigualdade entre as partes que o celebram da Justiça Laboral e que,

por tal razão requer proteção. Em suas palavras:

Assim, uma grande diferença é que, em tese, enquanto no juízo cível a parte,
em condição de igualdade com sua ex adversa, discute direito patrimonial
disponível e tem o direito de contar com a assistência em um advogado,
profissional, que poderá auxiliá-la na tomada de decisão e mesmo aconselhá-
lo a não celebrar o acordo, no juízo trabalhista, em tese, a parte em condição
de desigualdade econômica com sua ex adversa, discute direito indisponível
(ou relativamente indisponível) sem assistência qualificada, ou seja, um
advogado ( 2005, 163).

O tema atinente à irrecorribilidade da decisão conciliada é conteúdo do artigo

831 da Consolidação das Leis do Trabalhado, em seu parágrafo único, que determina

que “no caso de conciliação, o termo que for lavrado valerá como decisão irrecorrível,

salvo para a Previdência Social quanto às condições que lhe forem devidas.7”

Sobre as contribuições previdenciárias, como afirma Carlos Henrique Bezerra

Leite, “constata-se que, com relação ao INSS, a decisão que homologa a conciliação

entre os sujeitos originários da lide em comento produzirá os efeitos da coisa julgada,

7
Art. 831 - A decisão será proferida depois de rejeitada pelas partes a proposta de conciliação.
Parágrafo único. No caso de conciliação, o termo que for lavrado valerá como decisão irrecorrível,
salvo para Previdência Social quanto ás condições que lhe forem devidas.
37

se aquela autarquia, intimada para tomar ciência da decisão, deixar transcorrer in albis

o prazo judicial que lhe for assinalado para manifestação.” (2007, p. 483).

Em uma análise mais aprofundada sobre a natureza jurídica da homologação

da conciliação, nota-se uma impropriedade ao falar que a homologação do acordo tem

natureza de sentença. Assim de posiciona Elaine Nassif ao afirmar que “o legislador

brasileiro deu ao termo de conciliação, assinado pelas partes e homologado pelo juiz, o

valor de sentença. Certo é que a forma, o efeito e o conteúdo de ambos são

completamente diferentes” (2005, p. 128).

Prosseguindo a explicação, a autora aponta que na homologação da

conciliação não são exigidos os requisitos essenciais da sentença, a saber, relatório,

fundamento, e dispositivo, assemelhando-se, portanto, a um despacho. Também quanto

aos efeitos, Elaine Nassif (2005, p.128) explica que a homologação faz coisa julgada

imediatamente, enquanto a sentença pode ser atacada por recurso, para somente então

transitar em julgado.

Em razão destas diferenças, após a análise do Código de Processo Civil sobre

os atos do juiz, conclui a autora que “a homologação, portanto, é (no atual e

equivocado sistema) um ato jurídico processual com forma de despacho e o efeito de

sentença transitada em julgado”. (2005, p. 129).

Contudo, prevalece que no Processo Civil, a decisão que homologa a

conciliação tem natureza de sentença transitada em julgado, inclusive sobre matérias

não postas em juízo, mas abrangidas pelo acordo, podendo ser objeto de procedimento

de cumprimento de sentença. Já no Direito do Trabalho, a conciliação possui natureza

de decisão irrecorrível, embora se admita que o juiz não fique adstrito ao termo da
38

conciliação, podendo, caso entenda, não homologar a conciliação e determinar o

procedimento normal do processo.

2.3 O RITO DA CONCILIAÇÃO

A conciliação vem sendo muito estimulada como alternativa à decisão

impositiva dada pelo juiz. Vários são os momentos em que o juiz deve estimulá-la,

como adiante se vê.

No processo civil, determina-se que a conciliação deve ser tentada tanto no

procedimento sumário quando no procedimento ordinário. Do mesmo modo, o

procedimento dos Juizados Especiais também é voltado para a autocomposição.

Nota-se, na leitura do artigo 277 8 do Código de Processa Civil, que no

procedimento sumário, o juiz, após designar a audiência, determinará a citação das

partes para audiência de conciliação. A doutrina, por sua vez, prefere denominar esta

audiência de audiência preliminar, já que a conciliação não é seu único objetivo. É o

que ensina Alexandre Freitas Câmara:

8
Art. 277. O juiz designará a audiência de conciliação a ser realizada no prazo de trinta dias, citando-
se o réu com a antecedência mínima de dez dias e sob advertência prevista no § 2º deste artigo,
determinando o comparecimento das partes. Sendo ré a Fazenda Pública, os prazos contar-se-ão em
dobro.
§ 1º A conciliação será reduzida a termo e homologada por sentença, podendo o juiz ser auxiliado por
conciliador.
§ 2º Deixando injustificadamente o réu de comparecer à audiência, reputar-se-ão verdadeiros os fatos
alegados na petição inicial (art. 319), salvo se o contrário resultar da prova dos autos, proferindo o
juiz, desde logo,
§ 3º As partes comparecerão pessoalmente à audiência, podendo fazer-se representar por preposto com
poderes para transigir.
§ 4º O juiz, na audiência, decidirá de plano a impugnação ao valor da causa ou a controvérsia sobre a
natureza da demanda, determinando, se for o caso, a conversão do procedimento sumário em
ordinário.
§ 5º A conversão também ocorrerá quando houver necessidade de prova técnica de maior
complexidade.
39

Deferida que seja a petição inicial, determinará o juiz a citação do


demandado para comparecer a uma audiência chamada pelo CPC de
audiência de conciliação (art. 277), embora também aqui tenha a doutrina
preferido a termologia audiência preliminar. Isto porque tal audiência (assim
como a prevista no art. 331 do CPD para o procedimento ordinário) tem
múltiplas finalidades, como ela se visando alcançar não só a conciliação das
partes, mas também (se o acordo não for obtido) a prática da maior parte dos
autos que compões o procedimento sumário, como a apresentação de
resposta, sendo possível, até mesmo, que nesta audiência seja proferida
sentença. (2009, 363).

A audiência de conciliação visa, portanto, a obtenção de um acordo, mas no

caso de sua impossibilidade, outras finalidades serão atendidas. É nesta audiência que

a parte ré, caso não tenha entrado em acordo, apresentará sua resposta.

O supracitado artigo determina que na audiência de conciliação, a parte deve

comparecer pessoalmente à audiência ou se fazer presente por preposto com poderes

de transigir, de modo a permitir a conciliação. Ainda, o § 2º do artigo 277 determina

que a ausência do réu acarreta a revelia, com a presunção relativa da veracidade dos

fatos alegados pelo autor.

A parte, portanto, tem três formas de afastar a revelia: comparecer sozinha na

audiência, se fazer representar por preposto com poderes para transigir ou comparecer

à audiência acompanhada de advogado.

Dessas três hipóteses, há consequências.

Mais nítida é a revelia. Em a parte não comparecendo, nem se fizer representar

por pessoa com os poderes necessários, os fatos narrados pelo autor reputar-se-ão

verdadeiros. Esta é a literalidade do § 2º do artigo 277, CPC.

Já mais complexa é a situação em que a parte comparecer, mas

desacompanhada de advogado. A questão reside no fato de que na audiência de

conciliação do procedimento sumário, caso não seja obtida a conciliação, deve ser
40

apresentada a defesa do réu, em geral a contestação. Caso a parte compareça

pessoalmente, sem estar acompanhada de advogado, falta-lhe a capacidade

postulatória para apresentar sua resposta, então o réu nesta situação é revel.

Já se a parte não comparece, fazendo-se apenas representar por seu advogado,

as consequências não estão pacificadas pela doutrina. Há quem entenda que há revelia,

pela determinação expressa dessa consequência no § 2º do artigo 277 no Código de

Processo Civil. A seu turno, há quem entenda que o advogado pode apresentar a defesa

afastando com isso a revelia, que se configura essencialmente pela ausência de

resposta do réu.

Recorrendo à doutrina de Alexandre de Freitas Câmara, para quem o não

comparecimento pessoal da parte que se faz representar por advogado não leva à

revelia extrai-se seu pensamento:

A seguir, há que se verificar a consequência processual da ausência do réu,


que não comparece nem se faz representar por preposto seu. Aqui há, a meu
juízo, que se tomar em consideração as seguintes hipóteses: se o réu não vai
(nem mesmo representado por prepostos com poderes para transigir), não
comparecendo tampouco seu advogado, a consequência é a revelia. De outro
lado, se o réu comparece (ou se faz representar por preposto), mas
desacompanhado de advogado, será possível a tentativa de conciliação, mas
não obtida esta, o réu ficará revel (por não poder contestar). Até este ponto
parece haver consenso na doutrina. Fica então, uma última possibilidade: de
o réu não comparecer pessoalmente, mas se fazer representar apenas pelo
seu advogado (tenha ele ou não poderes para transigir). Parte da doutrina
considera que, nesta hipótese, haverá revelia (pelo não comparecimento).
Esta, todavia, não me parece a melhor posição. Revelia no sistema do CPC
continua a ser “ausência de contestação”. A ausência (ainda que sem
justificativa) do demandado, que apesar disto, se faz representar em juízo por
advogado, não levará necessariamente à falta de contestação, a qual poderá
ser oferecida pelo causídico. Por esta razão, não me parece se possa aqui
falar em revelia. (2009, 364-365).

Há semelhança no que tangencia a conciliação nos procedimentos sumário e


41

ordinário. Sobre este, determina o Código de Processo Civil, em seu artigo 3319. O

mencionado dispositivo determina que deve ocorrer o comparecimento pessoal das

partes, mas caso ele não ocorra, não há consequências processuais. Como ensina

Alexandre Freitas Câmara, “a esta audiência deverão, nos termos da lei, comparecer as

partes (que podem se fazer representar por procurador – que pode ser o próprio

advogado – ou o preposto com poderes para transigir). A ausência de qualquer das

partes, que não vá pessoalmente nem se faça representar, implica, tão somente, tornar

inviável a conciliação neste momento.” (2009, p. 346).

O Código de Processo Civil chamou essa audiência, diferente do que ocorre

no processo sumário, de audiência preliminar. A conciliação é a prioridade, mas caso

não seja alcançada, haverá o saneamento do processo.

A audiência preliminar no procedimento ordinário é possível nos casos em que

estão envolvidos direitos que admitem transação, embora se admita que a mesma

recaia sobre o quantitativo de direitos indisponíveis, conforme já estudado. A mesma

não ocorrerá, conforme redação de § 3º do artigo 331, se a causa versar sobre direito

que não admita transação ou se as circunstâncias da causa evidenciarem improvável a

conciliação. Sobre esta segunda parte, há manifestações críticas da doutrina.

Luiz Guilherme Marinoni assevera que a dispensa da audiência de conciliação

9
Art.331. Se não ocorrer qualquer das hipóteses previstas nas seções precedentes, e versar a causa
sobre direitos que admitam transação, o juiz designará audiência preliminar, a realizar-se no prazo de
30 (trinta) dias, para a qual serão as partes intimadas a comparecer, podendo fazer-se representar por
procurador ou preposto, com poderes para transigir.
§ 1º Obtida a conciliação, será reduzida a termo e homologada por sentença.
§ 2º Se, por qualquer motivo, não for obtida a conciliação, o juiz fixará os pontos controvertidos,
decidirá as questões processuais pendentes e determinará as provas a serem produzidas, designando
audiência de instrução e julgamento, se necessário.
§ 3º Se o direito em litígio não admitir transação, ou se as circunstâncias da causa evidenciarem ser
improvável sua obtenção, o juiz poderá, desde logo, sanear o processo e ordenar a produção da prova,
nos termos do § 2º.
42

não pode ser feita com base em critérios puramente subjetivos do juiz. Em suas

palavras:

(…) quando as circunstâncias da causa evidenciarem ser improvável a


obtenção de conciliação, o juiz deverá consultar as partes sobre a intenção de
conciliar. Ao juiz não se pode dar a possibilidade de dispensa da audiência
preliminar com base em simples “impressão subjetiva” das “circunstâncias
da causa”. Para que o juízo capaz de dispensar a audiência preliminar possa
ser mais preciso, facilitando inclusive a tarefa do julgador, é necessária a
consulta às partes a respeito da possibilidade de conciliação. (2007, p. 244).

No mesmo sentido é a posição de Alexandre Freitas Câmara, para quem a

audiência preliminar não deveria ser dispensada por permitir um diálogo entre o juiz e

as partes, facilitando o julgamento. Explica o autor:

(…) a audiência preliminar era extremamente útil mesmo nos casos em que a
causa versa sobre direitos que não admitem transação, eis que permite um
diálogo entre o juiz as partes e seus advogados, o que otimiza a instrução
processual. A possibilidade de as partes e o juiz dialogarem a respeito da
instrução probatória permite evitar a prática de atos processuais
desnecessários para a solução da causa. (2009, 364-353).

Não obtida a conciliação na audiência preliminar, haverá um segundo

momento no procedimento ordinário em que as partes tentarão conciliar, que ocorre na

audiência de instrução e julgamento, como determina os artigos 447 e seguintes do

Código de Processo Civil10.

Assim, nota-se que no procedimento ordinário, dois são os momentos em que

a conciliação é tentada antes de haver a substituição da vontade das partes pela do Juiz.

10
Art. 447. Quando o litígio versar sobre direitos patrimoniais de caráter privado, o juiz, de ofício,
determinará o comparecimento das partes ao início da audiência de instrução e julgamento.
Parágrafo único - Em causas relativas à família, terá lugar igualmente a conciliação, nos casos e para
os fins em que a lei consente a transação.
Art. 448. Antes de iniciar a instrução, o juiz tentará conciliar as partes. Chegando a acordo, o juiz
mandará tomá-lo por termo.
Art. 449. O termo de conciliação, assinado pelas partes e homologado pelo juiz, terá valor de sentença.
43

Maior relevância adquire a conciliação nos procedimentos dos Juizados

Especiais. Os Juizados Especiais, por sua própria competência, são destinados a

atender questões que demandem menor valor da causa e menor complexidade na

instrução probatória. São verdadeiros mecanismos de acesso à Justiça, e que para

atender a população, adota em seu procedimento princípios próprios, como o da

celeridade e da simplicidade.

A Lei 9099/1995, que dispões sobre os Juizados Especiais, logo em seu artigo

1º estabelece que os Juizados Especiais são criados para “conciliação, processo,

julgamento e execução, nas causas de sua competência”.11

A mesma lei determina, em seu artigo 2º, que a conciliação ou transação

sempre devem ser buscadas nas causas submetidas à apreciação pelos Juizados

Especiais.12

Assim, conforme leciona Luiz Guilherme Marinoni, “a conciliação é

notoriamente privilegiada nos Juizados Especiais, onde é estabelecida a tentativa de

conciliação como pressuposto necessário e inarredável para passagem à fase de

instrução e julgamento.” (2007, p. 244).

Seguindo o procedimento, apresentado o pedido inicial, o réu é citado para

audiência de conciliação. A regra nos Juizados Especiais é a citação do réu pelo

correio, e excepcionalmente se admite a citação por oficial de justiça, conforme

determinação do artigo 18 da Lei 9099/1995. O não comparecimento do réu à

11
Art. 1º. Os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, órgãos da Justiça Ordinária, serão criados pela
União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para conciliação, processo, julgamento e
execução, nas causas de sua competência.
12
Art. 2º. O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia
processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.
44

audiência de conciliação pode levar aos efeitos da revelia.13

Comparecendo as partes à audiência de conciliação, deverá haver por parte do

juiz um estímulo à conciliação, conforme determinação do artigo 21 14 da Lei dos

Juizados Especiais.

O procedimento adotado pelos Juizados Especiais é todo voltado para a

conciliação, por ser um método mais célere e de menos custo para a solução de

conflitos menos complexos apresentados ao Poder Judiciário. Ademais, a adoção e

estímulo da conciliação têm como um de seus objetivos garantir o acesso à justiça por

parte de todos os cidadãos.

Nos procedimentos, ordinário e sumário trabalhista, a conciliação deve ser

tentada em dois momentos distintos: por ocasião da abertura da audiência (artigo 831,

CLT) e após o termino da instrução e apresentação de razões finais pelas partes (artigo

850, CLT).

Salienta-se que parte da doutrina aponta que no processo trabalhista, caso

sejam omitidas as duas tentativas de conciliação, há nulidade do processo. Esta opinião

é partilhada por Carlos Henrique Bezerra Leite, ao afirmar que:

Embora não haja previsão legal expressa na hipótese de inobservância do


preceptivo em causa, tem-se entendido que, se o juiz não propõe a

13
Art. 18. A citação far-se-á:
I - por correspondência, com aviso de recebimento em mão própria;
II - tratando-se de pessoa jurídica ou firma individual, mediante entrega ao encarregado da recepção,
que será obrigatoriamente identificado;
III - sendo necessário, por oficial de justiça, independentemente de mandado ou carta precatória.
§ 1º A citação conterá cópia do pedido inicial, dia e hora para comparecimento do citando e
advertência de que, não comparecendo este, considerar-se-ão verdadeiras as alegações iniciais, e será
proferido julgamento, de plano.
§ 2º Não se fará citação por edital.
§ 3º O comparecimento espontâneo suprirá a falta ou nulidade da citação.
14
Art. 21. Aberta a sessão, o Juiz togado ou leigo esclarecerá as partes presentes sobre as vantagens da
conciliação, mostrando-lhes os riscos e as consequências do litígio, especialmente quanto ao disposto
no § 3º do artigo 3º desta Lei.
45

conciliação, haverá nulidade absoluta dos atos processuais posteriores.


Parece-nos acertado esse entendimento uma vez que a proposta de
conciliação no processo do trabalho é matéria de ordem pública. (2007, p.
479).

A culminação de nulidade na ausência de tentativa de conciliação, a seu turno,

não ocorre no processo civil. Como ensina Humberto Theodoro Junior:

Por outro lado, não obstante tenha o juiz o dever de tentar a conciliação das
partes, não há culminação de nulidade para a omissão da providência. Isto
porque o objeto dela é apenas abreviar a solução do litígio, de sorte que, se
houver a instrução completa e o julgamento de mérito, não haverá prejuízo
alguém que a parte possa invocar para justificar a anulação do processo.
(…)
Mormente se as partes nada alegaram na oportunidade, não tem cabimento
que, posteriormente, venham pleitear anulação do processo em grau de
recurso, a pretexto de não ter o juiz tentado a solução conciliatória do litígio.
(2007, p. 551-552).

Como se viu até o momento, diversos são os dispositivos que determinam, em

vários tipos de procedimento, tanto na Justiça Comum, como na Justiça do Trabalho,

que a conciliação deve ser buscada e incentivada.

Contudo, no tempo em que o ordenamento determina que a conciliação deve

ser tentada, não se prevê a forma que ela deve seguir.

Em que pese se tratar de procedimento rito próprio, há estudos sobre técnicas e

posturas que devem ser tomadas pelo conciliador, abordas em capítulo distinto.

Ao tempo em que se observa que o ordenamento jurídico determina as

situações em que a conciliação deve ser tentada, não se proíbe que a mesma seja

atingida em outros momentos do processo, até mesmo em grau de recurso.

Do exposto, portanto, observa-se que o ordenamento jurídico ocupou-se de

determinados momentos nos quais a conciliação deve ser tentada, tanto no processo

civil como no trabalhista. Em que pese esta tentativa de estimular a realização de


46

acordos, o ordenamento jurídico não determinou a forma como essa conciliação deve

ocorrer, de modo que ficam livres as partes e o juiz para alcançá-la da maneira mais

eficiente.

2.4 REFORMA DO ACORDO

Como já mencionamos anteriormente, a homologação da conciliação pelo juiz

tem força de sentença e transita em julgado, inclusive sobre as matérias não propostas

no pedido inicial.

Desta forma, a conclusão é que sobre a sentença que homologa a conciliação

não cabe recurso, como bem esclarece Humberto Theodoro Junior:

O recurso visa evitar ou minimizar a risco de injustiça do julgamento único.


Esgotada a possibilidade de impugnação recursal, a coisa julgada entra em
cena para garantir a estabilidade das relações jurídicas, muito embora corra o
risco de acobertar alguma injustiça latente no julgamento. Surge, por último,
a ação rescisória que colima reparar a injustiça da sentença transita em
julgado, quando seu grau de imperfeição é de tal grandeza que supere a
necessidade da segurança tutelada pela res judicata. (2007, p. 768).

Para desconstituir o acordo, portanto, é preciso uma nova ação, que se funde

em uma das hipóteses elencadas no artigo 485 do Código de Processo Civil:

Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida


quando:
I - se verificar que foi dada por prevaricação, concussão ou corrupção do
juiz;
II - proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente;
III - resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou
de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei;
IV - ofender a coisa julgada;
V - violar literal disposição de lei;
VI - se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo
criminal, ou seja, provada na própria ação rescisória;
47

VII - depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência


ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar
pronunciamento favorável;
VIII - houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação,
em que se baseou a sentença;
IX - fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa;
§ 1º - Há erro, quando a sentença admitir um fato inexistente, ou quando
considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido.
§ 2º - É indispensável, num como noutro caso, que não tenha havido
controvérsia, nem pronunciamento judicial sobre o fato.

O artigo 486 do mesmo diploma legal determina que “os atos judiciais, que

não dependem de sentença, ou em que esta for meramente homologatória, podem ser

rescindidos, como os atos jurídicos em geral, nos termos da lei civil”.15

Em que pese a conciliação ser apenas homologada pelo juiz, não se confunde

som a situação acima descrita, pois a sistemática do Código de Processo Civil deu a

ela força de sentença com resolução de mérito e atribuiu os efeitos da coisa julgada

formal e material.

Portanto, não há que se falar em ação anulatória de sentenças que

homologuem a conciliação porque estas decisões seguem dinâmica diferente, devendo

ser atacadas via ação rescisória, conforme a dinâmica do artigo 486 do Código de

Processo Civil.

Cumpre ressaltar que os juizados especiais, conforme determinação do artigo

41 da Lei 9099/1995,16 da decisão que homologa conciliação não cabe recurso. Do

mesmo modo, transitada em julgado a sentença, contra ela não cabe ação rescisória

nos termos do artigo 59 da mesma Lei.17

Na Justiça do Trabalho, a dinâmica é a mesma do processo civil, de modo que


15
Art. 486. Os atos judiciais, que não dependem de sentença, ou em que esta for meramente
homologatória, podem ser rescindidos, como os atos jurídicos em geral, nos termos da lei civil.
16
Art. 41. Da sentença, executada a homologação de conciliação ou laudo arbitral, caberá recurso para
o próprio juizado.
17
Art. 59. Não se admitirá ação rescisória nas causas sujeitas ao procedimento instituído por esta lei.
48

a conciliação também só pode ser atacada por ação rescisória. Neste sentido afirma

Mauro Schiavi que “uma vez homologadas, tanto a transação como a conciliação, em

sede trabalhista, importam a extinção do processo com resolução de mérito, exceto

quanto às contribuições devidas à Previdência Social (art. 831, parágrafo único da

CLT), e não podem ser atacadas por recurso ordinário, somente por ação rescisória.

(2010, p. 37).

Em razão da irrecorribilidade das decisões que promovem a conciliação, o

Tribunal Superior do Trabalho editou a súmula 259, assim determinando:

SUM-259 – TERMO DE CONCILIAÇÃO. AÇÃO RESCISÓRIA (mantida)


– Res. 121/2003, DJ 19, 20, 21 E 21.11.2003
Só por ação rescisória é impugnável o termo de conciliação previsto no
parágrafo único do art. 831 da CLT.

Desta forma, neste ponto há semelhança entre o Processo do Trabalho e o

Processo Civil. Em ambos, uma vez homologada a conciliação, a mesma transita em

julgado e não pode ser atacada por recurso. Assim, o único meio para atacar a

conciliação após sua homologação é a ação rescisória.


49

3 TÉCNICAS DE CONCILIAÇÃO

3.1 O CONCILIADOR

Para que a conciliação seja viabilizada como solução alternativa de conflitos,

algumas providências devem ser tomadas para que os profissionais do Direito melhor

dominem as técnicas autocompositivas. Torna-se relevante, neste quesito, a figura do

conciliador.

O conciliador é de extrema importância na administração da Justiça, pois

permite a solução mais célere de conflitos e de forma eficiente. Lembra Daniel Fabretti

que:

A atuação dos conciliadores e mediadores contribui, para a agilização dos


serviços umas vez que a pauta dos juízes costuma estar preenchida com
audiências já designadas por vários meses, o que faz com que muitos
processos fiquem apenas aguardando a data designada para a audiência de
conciliação, verdadeiro tempo morto do inter processual. Além disso, os
juízes são, em geral, assoberbados de trabalho, o que faz com que não
possam se dedicar de maneira mais detida às audiências de conciliação.
Assim, a atuação do conciliador e do mediador podem não apenas agilizar a
prestação jurisdicional, mas também melhorar a atividade do Poder
Judiciário, que visa, sobretudo, à solução de conflitos. Isso porque o
conciliador e o mediador dispõem de mais tempo que o juiz para se dedicar à
tentativa de composição das partes e esta pode, assim, ser obtida com maior
frequência e com maiores bases. (2008, p. 73).

A atuação do conciliador consiste basicamente em promover o acordo entre as

partes. Sabe-se que sem sempre isso se mostra uma atividade simples a ser executada,

então o conciliador deve tomar certas posturas e procedimentos para facilitá-la.

Advertem André Gomma de Azevedo e Roberto Portugal Bacellar:

O conciliador é uma pessoa selecionada para executar munus público de


auxiliar os litigantes a compor a disputa. No exercício dessa função, ele deve
50

agir com imparcialidade e ressaltar às partes que não defenderá nenhuma


delas em detrimento da outra. O conciliador, uma vez adotada a
confidencialidade, deve enfatizar que tudo o que for dito a ele não será
compartilhado com mais ninguém, exceto do supervisor do programa de
conciliação (se houver) para eventuais elucidações de algumas questões.
Observa-se que uma vez adotada a ferramenta da confidencialidade, o
conciliador deve deixar claro que não comentará o conteúdo das discussões
nem mesmo com o juiz. Isto porque, o conciliador deve ser uma pessoa com
quem as partes possam falar abertamente (2009, p. 21).

No mesmo sentido, Daniel Fabretti:

O conciliador é um terceiro imparcial que auxilia as partes na obtenção de


um acordo que seja vantajoso para ambas as partes. Ou seja, o conciliador
deve atuar com imparcialidade, não deve tomar partido de qualquer das
partes e não deve se mostrar favorável a uma ou a outra. Ao conciliador não
incumbe julgar os interesses e propostas da partes e muito menos dar
orientação legal aos mesmos, ou seja, não deve dizer quem tem razão, e isso
deve ser reiteradamente esclarecido para as partes, o papel do conciliador é
ajudar a dialogar, e não emitir opiniões sobre os assuntos tratados pelas
partes. (2008, p. 73).

Observamos que o conciliador, para bem exercer sua atividade e facilitar

ajustes entre as partes, precisa ser imparcial e não privilegiar nenhum dos envolvidos;

precisa, também, não interferir emitindo opiniões ou julgamentos; do mesmo modo,

deve garantir a confidencialidade do que presencia nas audiências de conciliação.

O Código de Processo Civil permitiu, em seu artigo 277, § 1º, que no

procedimento sumário, o juiz, na audiência de conciliação, possa se auxiliado por

conciliador. Também na lei 9099/1995, no seu artigo 7º, prevê a participação de

conciliadores e Juízes leigos no procedimento dos juizados especiais. Podem ser juízes

leigos os bacharéis em Direito com mais de cinco anos de experiência, enquanto,

enquanto para os conciliadores, apenas se recomenda que sejam bacharéis em Direito,


51

não sendo esta condição indispensável para o exercício da função.18

A participação de conciliadores e Juízes leigos, além de auxiliar o juiz e

acelerar o trâmite processual tem um segundo reflexo, que é permitir a participação

popular na administração da justiça. Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart

assim lecionam:

Ademais, também não pode se desconsiderado o aspecto político da


conciliação e da arbitragem, o qual é posto em evidencia pela possibilidade
de participação popular na administração da justiça. A presença de “leigos”
na conciliação e na arbitragem, significando participação popular, além de
contribuir para a educação cívica, atende à necessidade de legitimação
democrática da administração da justiça. (2007, p. 700).

Embora não se exija uma formação profissional específica ou um perfil

determinado para ser conciliador, Roberto Portugal Bacellar e André Gomma de

Azevedo apontam algumas características de um bom conciliador: capacidade de

aplicar diferentes técnicas autocompositivas de acordo com a necessidade de cada

disputa; capacidade de escutar a exposição de uma pessoa com atenção; capacidade de

inspirar respeito e confiança; capacidade de estar confortável em situações em que os

ânimos estejam acirrados; a paciência; capacidade de afastar seus preconceitos por

ocasião da conciliação; imparcialidade; possuir empatia e a gentileza e respeito no

trato com as partes. (2009, p. 27-28).

A essas características, como lembram os autores devem ser somadas a um

bom treinamento sobre as técnicas e ferramentas dos processos de conciliação para

desenvolvimento da habilidade, que se aperfeiçoam com a prática da atividade de

conciliador. (2009, p. 28).

18
Art. 7º. Os conciliadores e Juízes leigos são auxiliares da justiça, recrutados, os primeiros,
preferentemente, entra os bacharéis em Direito, e os segundos, entre advogados com mais de cinco
anos de experiência.
52

3.2 MODELO DE CONCILIAÇÃO

Não há, como já mencionado, uma forma pré-definida pela qual se deve

orientar a conciliação. A informalidade que a guia faz com que situações diferentes

sejam resolvidas de formas diversas. O que se perquire não é a observação de um rito

determinado, mas sim a obtenção de um acordo entre as partes e o fim de uma disputa

judicial.

Diante disto, Roberto Portugal Bacellar e André Gomma Azevedo apresentam

um estudo sobre as diferentes etapas de um processo conciliatório, com a ressalva de

que essa separação em etapas tenha apenas fins didáticos, já que “pelo seu próprio

cunho informal, não se pode estipular, com precisão, que o processo irá se desenrolar

de um determinado modo.” (2009, p. 31).

É com base na visão desses dois autores que serão explicadas as diversas

etapas do processo de conciliação, sempre lembrando que tais etapas podem ser

manejadas pelo conciliador para melhor adequá-las as necessidades de cada conflito.

Trata-se, pois, de mera exemplificação de um procedimento.

As fases identificadas pelos autores são as seguintes: início de conciliação,

reunião de informações, identificação de questões, interesse e sentimentos,

esclarecimento de controvérsias e dos interesses, resolução de questões e registro das

soluções encontradas. (2009, p. 25-26).

Roberto Portugal Bacellar e André Gomma de Azevedo afirmam que a

conciliação deve iniciar com o preparo do local em que se realizará a audiência e com

familiarização do conciliador com o conflito, para que possa prever as estratégias que
53

devem ser empregadas. Este preparo inicial garante o conforto, tanto para as partes

como para o conciliador. (2009, p. 34).

Contudo, os autores lembram que se deve ter me mente que nem sempre o

contato prévio com a situação controversa pode ser realizado, de modo que “é bastante

útil formular-se uma classificação de conflitos usuais, tais como conflito de trânsito,

vizinhança, conflito familiar, conflito de contrato inadimplido, sistema financeiro,

pois, assim, o conciliador ao menos, antes de chamar as partes e dar início ao processo,

terá uma vaga noção de como poderá atuar.” (2009, p. 33).

No início da conciliação, é importante que o conciliador apresente às partes o

processo de conciliação. É nesta fase que o conciliador deve estabelecer um tom

ameno para o debate e ganhar confiança das partes.

Como lembra Juliana Demarchi, “o primeiro ato do conciliador para com as

partes deve ser a explicação sobre o procedimento que será observado, esclarecendo-as

sobre o objeto e objetivos da conciliação, suas regras e implicações da celebração ou

não do acordo.” (2008, p. 56).

É também nesta fase que se deve afirmar o sigilo da conciliação. Para Juliana

Demarchi, “isso significa que as declarações feitas pelas partes ou seus advogados não

produzirão efeitos probatórios em eventual processo judicial, assim como os

documentos mencionados nas tratativas não serão analisados pelo conciliador, que não

exerce função julgadora.” (2008, p. 56).

No mesmo sentido, Roberto Portugal Bacellar e André Gomma de Azevedo

assinalam que “é importante dizer às partes que o conciliador não é juiz e, por isso,

não irá proferir julgamento algum em favor de uma ou outra parte. Ademais, deve ele
54

frisar a sua imparcialidade e confiança do sucesso da conciliação que está em curso.”

(2009, p. 42).

Assegurar a confidencialidade é fundamental para que as partes se sintam a

vontade para falar abertamente sobre o problema e constituir uma solução

conjuntamente.

Após iniciada a conciliação, a próxima fase tem por objetivo reunir

informações sobre o conflito. É fundamental que ambas as partes possam falar e não

sejam interrompidas. O importante aqui é que se retome o diálogo. Como afirma

Juliana Demarchi,

A fim de realizar seu trabalho, o conciliador deve estimular as partes a


falarem sobre o conflito, provocando a escuta recíproca e a identificação das
posições e interesses das partes. A retomada da comunicação permite o
esclarecimento mútuo das partes a cerca do conflito, de seus anseios e
perspectivas, assim como a percepção de pontos comuns que podem auxiliar
na obtenção do acordo. (2008, p. 57).

Aspectos relevantes para a obtenção de acordo é lembrado por Roberto

Portugal Bacellar e André Gomma Azevedo, para quem “pode-se afirmar que ser

ouvido adequadamente significa ser levado a sério e ser respeitado. Nesta fase de

reunião de informações o conciliador não deve apenas registrar as questões, os

interesses e os sentimentos das partes, mas também deve certifica-se de que estas se

sentiram ouvidas.” (2009, p. 50).

Relaciona-se com esta fase, conforme prosseguem os autores, a identificação

de questões, interesses e sentimentos das partes. É a correta identificação dos

sentimentos que faz com que “a parte sinta-se adequadamente ouvida e

compreendida.” (2009, p. 59).


55

Com o objetivo de compreender corretamente o problema, Roberto Portugal

Bacellar e André Gomma Azevedo ensinam que sessões individuais podem ser

realizadas, sobretudo se não há comunicação eficaz entre as partes. (2009, p. 65).

Esclarecidos os pontos de conflitos, após debates sobre eles, inicia-se a fase da

construção de um acordo. Sobre esta construção, afirma Juliana Dermachi que “o

conciliador deve estimular as partes a formularem propostas e opções de acordo para o

debate. Nos casos em que as partes mostrarem-se reticentes à prolação de propostas,

pode o próprio conciliador sugerir soluções, ressaltando, ao fazê-lo, que não está

tomando partido de uma ou de outra parte, mas apenas visando a solução do

problema.” (2008, p. 58).

A mesma autora afirma a importância de haver opção de acordo, pois “quanto

mais propostas forem debatidas, mais seguras ficaram as partes para escolher a que lhe

parece melhor.” (2008, p. 61).

Ao final, o acordo deve ser passível de execução em caso de inadimplemento,

indicando que a conciliação foi bem desenvolvida, sem esquecer que o melhor consiste

no adimplemento espontâneo do acordo desenvolvido. Em regra, o fato de uma das

partes ter de executar um acordo obtido em uma conciliação indica que, ao menos uma

das partes não se satisfez com a conciliação.

Embora não haja um procedimento pré-estabelecido para a conciliação, devem

ser observadas algumas regras para que haja equidade no tratamento entre as partes e

que estas se sintam confortáveis para falarem sobre suas perspectivas sobre o conflito

abertamente. Somente assim se garante um bom acordo para os oponentes, que será

cumprido espontaneamente por eles e resultará na efetiva pacificação social.


56

3.3 TÉCNICAS DE ATUAÇÃO DO CONCILIADOR

Algumas técnicas podem ser utilizadas pelos conciliadores para facilitar o

diálogo entre as partes e a obtenção de acordos.

Na fase pré-processual, o preparo do ambiente é bastante relevante. O

posicionamento das partes e do conciliador é de suma importância. Como explica

Roberto Portugal Bacellar e André Gomma de Azevedo,

A forma como as partes irão se sentar durante a sessão de conciliação


transmite muito mais informações do que se possa imaginar. Trata-se de uma
forma de linguagem não verbal, que deve ser bem analisada a fim de
perceber o que as partes podem esperar da conciliação e como elas irão se
comportar nesse ambiente. A forma como será organizada a posição física
das partes deverá diferir conforme o número das partes, o grau de
animosidade entre elas, o tipo de disputa, o patamar cultural e a própria
personalidade dos envolvidos (…). (2009, p. 35).

As partes devem estar equidistantes do conciliador e entre elas a posição deve

facilitar o diálogo e a aproximação. Dispor os participantes em mesas redondas afasta

a ideia de hierarquia entre eles, enquanto que dispô-las lado a lado cria a impressão de

autoridade do conciliador, mas retira deles a impressão de rivalidade, conforme ensina

os supracitados autores. (2009, p. 36-37). Em ambos os casos, facilita-se a

comunicação entre os litigantes e afasta a ideia de disputa.

O conciliador, como ensina a Desembargadora do Tribunal de Justiça do

Estado do Paraná Lélia Samardã Giacomet, pode adotar a técnica de Rapport, por meio

da qual se busca estabelecer afinidades com as partes e entre elas, gerando empatia, e a

técnica de Coach, que funciona com estímulos e motivação para obtenção de um

resultado. (2009, p. 09-10). Utilizando estas técnicas o conciliador pode criar um

ambiente propício para a conciliação.


57

Iniciada a conciliação, após a apresentação das regras a serem seguidas no

procedimento, o conciliador vai buscar informações sobre os fatos para compreender o

problema. Também para isso, existem diversas técnicas.

Mostra-se fundamental que o conciliador desenvolva a capacidade de ouvir e

entender o que está sendo dito, para que a parte sinta-se compreendida e perceba que

no procedimento não haverá privilégios para ninguém. Ademais, como ensinam

Roberto Portugal Bacellar e André Gomma Azevedo, “(...) apenas ouvindo com

atenção poderá o conciliador identificar as questões mais importantes, as suas emoções

e a dinâmica do conflito – o que faz com que as intervenções do conciliador sejam

muito mais eficientes e oportunas.” (2009, p. 83).

O conciliador pode, segundo Lélia Samardã Giacomet, se utilizar da escuta

dinâmica, pela qual se busca escutar e compreender as partes. Não basta apenas ouvir

o que dizem as partes, e sim entender. Além disso, é importante estar atento à

linguagem não verbal das partes, como gestos e olhares. No dizer da autora:

(…) podemos afirmar que, o ajeitar de papéis em cima da mesa, os olhares


de irritação, o atender do telefone, o próprio folhear do processo, podem
traduzir para a parte que estamos ouvindo, mas não estamos escutando.
Manter uma postura receptiva à parte interlocutora, evitar sinais de tensão,
tudo demonstra uma atitude positiva de atenção física. Do mesmo modo,
buscar manter um contato visual, fazer perguntas, resumir respostas quando
forem duvidosas para esclarecimentos construir novas ideias a partir do que
foi dito etc. representam a atenção verbal. (2009, p. 10).

Ainda ensina a autora, que pode ser usada como estratégia o silêncio, que

provoca na parte uma reflexão, ainda que breve, ou pode representar a desaprovação

em relação a determinada atitude. Do outro lado a técnica do afago propõe em reforço

positivo para a parte que está contribuindo para obtenção de acordo. (2009, p. 11-13).

Na busca pela compreensão dos fatos, o conciliador pode fazer perguntas às


58

partes, porém é sempre necessário que as respostas sejam ouvidas e compreendidas.

Para a Desembargadora Lélia Samardã Giacomet, “o maior dos vícios que o

perguntador deve evitar é o de não esperar as respostas, fazer perguntas e prosseguir,

interromper o respondente ou demonstrar parcialidade, falta de interesse ou

irritabilidade.” (2009, p. 13).

Deve-se ter em mente que o conciliador, ao interpretar o que ouve, não pode se

enclausurar em preconceitos ou padrões, tentando sempre entender o conflito. Como

ensina Juliana Dermachi, “procura-se, com isso, o aprofundamento da abordagem do

conflito, inclusive com a criação de novos paradigmas, de novas formas de lidar com a

situação, o que se dá por meio de escuta atenta, da aceitação dos limites de nossas

percepções e de nossos pensamentos, da auto-observação e da aquisição de nova

percepção e de novos valores.” (2008, p. 51).

O importante, portanto, nesta fase, é ouvir as partes e entender seus conflitos,

por isso, as estratégias são todas voltadas para o diálogo.

É uma estratégia importante para o conciliador, na visão de Roberto Portugal

Bacellar e André Gomma de Azevedo, separar as pessoas dos problemas. Para eles

“(...) é comum que uma parte, assim que tenha oportunidade de falar, comece a atacar

a outra, ressalte seus defeitos e fale de maneira ríspida ao se dirigir à outra parte.

Nestes casos, é importante que o conciliador busque extrair daquilo que foi dito, os

reais interesses das partes.” (2009, p. 85).

Para focar o problema, o conciliador pode se utilizar de uma técnica chamada

técnica de resumo, na qual, após a manifestação das duas partes, o conciliador retoma

as questões principais, e também os interesses subjacentes da partes.


59

Sobre o resumo, assevera Lélia Samardã Giacomet:

Permite saber se o conciliador entendeu exatamente o que as partes buscam;


auxilia as partes a organizar seus pensamentos; auxilia a organizar a
discussão; auxilia na formulação de perguntas adequadas para a solução do
conflito; permite lembrar às partes o que realmente interessa no conflito.
Essa técnica é muito importante porque a grande maioria dos processos
possui uma causa psicológica e não apenas econômica (ou judicial). Quando
o juiz descobre a real razão da pretensão, fica mais fácil tanto a apuração da
verdade quanto o romper das resistências para se chegar a um acordo que
contente às partes. (2009, p. 14).

Outra técnica apontada por Roberto Portugal Bacellar e André Gomma de

Azevedo para facilitar o acordo é a normalização, pela qual o conciliador deve mostrar

às partes que estar em conflito é natural nas relações humanas, não sendo motivo para

que as partes se envergonhem. (2009, p. 54).

Ultrapassada a fase em que as partes expõem seus motivos, inicia-se a fase de

acordo. Nesta fase, o conciliador pode apresentar sugestões de acordo, mas nunca

forçar as partes a aceitá-lo. Como Juliana Dermachi afirma, “a atuação do conciliador

e do mediador não pode deixar de considerar que as partes nunca são obrigadas a

celebrar qualquer acordo que não se coadune com a sua vontade.” (2008, p. 61).

Assim como leciona Daniel Fabretti, “são feitas sugestões para a relação de

acordos, que, frise-se, não passam mesmo de meras sugestões, pois, como já

ressaltado, as partes possuem ampla liberdade para definir os termos do acordo e, além

disso, a prática mostra que cada pessoa possui sua particularidade, não havendo

solução uniforme e genericamente aplicada.” (2008, p. 75).

Destarte, as estratégias de atuação do conciliador são todas voltadas para que

se obtenha uma boa percepção do conflito, buscando resgatar o diálogo entre as partes.

Nota-se que é importante que o conciliador saiba dirigir a audiência de modo a focar
60

no problema e nas questões subjetivas decorrentes dele, tornando viável a produção de

um acordo satisfatório para ambas as partes, o que aumenta a probabilidade de seu

cumprimento espontâneo.
61

4 CONCLUSÃO

Como é percebido, houve um grande aumento no número de demandas

judiciais, em sua maioria para discutir direitos de caráter patrimonial. O aumento das

relações de consumo aliados a uma maior informação da população sobre estes direitos

também contribuem para o aumento da busca pelo Poder Judiciário.

Para atender a esta demanda, têm sido estimuladas soluções alternativas de

conflitos, dentre as quais se destaca a conciliação.

A conciliação é uma forma de autocomposição, pela qual as partes criam a

solução para o problema, fazendo concessões mútuas sobre a situação discutida. Sobre

este acordo, observou-se que embora não haja unanimidade na doutrina, a conciliação

tem natureza de jurisdição, uma vez que o ordenamento vigente deu à conciliação

efeitos típicos de uma sentença judicial.

A conciliação tem a seu favor fatores como a celeridade, os baixos custos e a

eficiência. Além de a solução ocorrer sem dependência de instrução probatória, cara e

demorada, a eficiência também pesa porque há uma maior probabilidade de

cumprimento espontâneo da obrigação assumida.

Outra característica que se julga importante nos acordos é a capacidade de

pacificação social, pois no desenvolver do procedimento há reaproximação das partes

e é retomado do diálogo. A solução conciliada atinge, portanto, mais que o conflito em

si, mas também suas nuances subjetivas.

Conclui-se, contudo, não haver fortes bases para a conciliação, pois a

mentalidade que prevalece é a cultura da sentença contenciosa, na qual se espera que o


62

entendimento do juiz substitua a vontade das partes, e que os advogados atuem

exaustivamente defendendo os interesses de seus clientes. Esta visão parece estar

distorcida, pois o que se busca não é uma boa disputa, mas sim uma boa solução para a

lide. Este problema só teria solução diante de um novo meio de abordagem da

conciliação, que deveria ocorrer ainda dentro das academias de Direito.

O implemento da conciliação seria uma saída para desburocratizar os

processos judiciais e desafogar o Poder Judiciário, já que a maioria das causas versam

sobre direitos patrimoniais disponíveis, ou sobre o caráter patrimonial de direitos

indisponíveis. A conciliação tem potencialidade para recair, como se viu, sobre a

grande maioria das lides propostas. Inclusiva na Justiça do Trabalho, que envolve

direitos de natureza indisponível, a doutrina criou mecanismos para relativizar a

indisponibilidade de modo a permitir a conciliação.

Sobre os aspectos processuais, observou-se não haver maiores discussões.

Sinteticamente, obtida a conciliação, esta é homologada com força de sentença

transitada em julgado, somente podendo ser atacada via ação rescisória. O trânsito em

julgado atinge tanto as matérias descritas na inicial quanto aquelas não explicadas

pelas partes, mas trazidas à tona na discussão. Isso comprova o já dito anteriormente

sobre a capacidade de pacificação social da conciliação, que resolve muito mais que o

próprio conflito e resgata a relação social perdida da disputa.

Não há na doutrina minuciosas explicações sobre as técnicas de conciliação.

Os mais relevantes esforços advêm do próprio Poder Judiciário, e exemplo do

Movimento pela Conciliação realizado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.

Em geral, verifica-se haver no procedimento da execução algumas fases


63

distintas, como a fase de apresentação, o entendimento do problema e a construção do

acordo. Em um primeiro momento, faz-se a apresentação do procedimento pelo

conciliador, onde se explicarão as regras da conciliação e onde se determinará o tom

do andamento da audiência. Após, as partes expõem todas as suas razões, devendo o

conciliador procurar compreender bem o que cada uma diz. É importante fazer com

que o oponente sinta-se ouvido. Por fim, inicia-se a construção de um acordo, caso

seja a intenção das partes. A conciliação, pois, não pode ser forçada.

As estratégias de conciliação apresentadas, em geral, são voltadas à captação

de informações das partes sobre suas perspectivas acerca da controvérsia. Conclui-se

que somente quando se distingue bem as intenções das partes é que se pode passar a

pensar na fase de acordo, porque assim melhor atenderão as expectativas de cara um.

De todo o exposto, há pouca exploração de alguns temas pela doutrina, Este

reflexo também se sente no meio acadêmico, onde ainda não se aborda a conciliação

em todos os seus aspectos.

Nota-se que a conciliação pode ser um instrumento poderoso na busca de

soluções para os problemas do Poder Judiciário. Os que mais se destacam são o amplo

acesso a Justiça e a pacificação social.

Destarte, acredita-se que campanhas em prol da conciliação em muito tem

contribuído para se difundir este método de solução de conflitos, aumentando a sua

aceitação por aqueles que buscam o judiciário.

Espera-se que assim haja maior condicionamento dos jurisdicionados em

resolver seus problemas sem a intervenção do juiz, fazendo com que a conciliação

deixe de ser uma alternativa para se tornar um meio frequente no Judiciário brasileiro.
64

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