A ESSÊNCIA DA FELICIDADE
ÍNDICE Prefácio I
Prefácio II
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3
Olá, tudo bem? 5
Pela ética do cuidado 6
As habilidades para empregabilidade e liderança estão mudando... 7
Nosso percurso 8
Ter por si próprio ódio ou compaixão 10
O sentimento de não ter valor algum 11
A cultura da escassez 12
A vulnerabilidade do ser 14
Que vozes nos habitam? 15
Conexões humanas 18
Sistemas sociais 21
Parceria como forma de valor 23
O que é bem-estar integral? 27
Autocompaixão: a chave para a aceitação de si 28
Cuidando de si mesmo 31
Abrindo o coração no dia-a-dia 32
Autocompaixão e estilos de apego 38
Aprendendo a estar com o sofrimento 39
Cultivando o autoperdão 40
Autoaceitação 41
Bondade em relação a si mesmo 43
Maior bem-estar 46
Expandindo o circulo de cuidado 48
2
PREFÁCIO I
“Há livros que são desinteressantes e sem conteúdo, outros que “Aquele que não sabe ... e pergunta.
são interessantes mas sem muito conteúdo, outros que são Aquele que sabe ... e ensina.
E aquele que ensina ... e pratica!”
desinteressantes mas com algum conteúdo, e finalmente aqueles
que são interessantes e com conteúdo. Esta última definição
Vale a pena conferir as perguntas, os ensinamentos e as práticas
retrata o caso desta obra “AUTOCOMPAIXÃO: A Essência da
contidos nesta pequena grande obra. Boa leitura!
Felicidade” que você está lendo agora. Este livro aborda um
tema que considero de suma importância, a saber, o Propósito
da Vida. Lembro-me bem em uma entrevista com uma repórter, Robert Wong
quando ela me fez a seguinte pergunta: “Sr. Wong, qual o
propósito da vida?” Respondi sem pestanejar: “O Propósito da Consultor, autor e empresário
Vida é viver uma Vida com Propósito!” A repórter exclamou:
www.robertwong.com.br
“Nossa! Esta é a resposta mais curta, precisa e pontual que recebi
até hoje sobre este complexo tema.”
PREFÁCIO II
O que nos faz felizes? O que destrava nossa curiosidade, nossa Feita de histórias e intensidades, de leituras e conversas, de
aceitação, nossa bondade conosco e com o outro, nossas lentes prática, reflexão e teoria, ela compartilha neste livro exatamente
mais elevadas? Por que, no mundo turvo que vivemos hoje, não o que seu subtítulo propõe, a essência da felicidade. A autora
conseguimos acessar essas lentes com a constância que destrincha, de maneira simples, direta e pessoal, temas
gostaríamos? Nas páginas a seguir, minha amiga Gabi Picholari complexos como sofrimento, cultura da escassez, aceitação,
descortina algumas revelações importantes sobre essas e outras vínculos, bem-estar integral e cuidado. Quando fala de
perguntas. autocompaixão, sua abordagem é precisa ao revelar os três
elementos principais que a constituem: atenção plena, gentileza
Não é contraditório perceber que as manchetes falam tanto de consigo e senso de humanidade comum.
economia e política quando o que as pessoas buscam, no fundo,
é felicidade? Por que, então, parece que isso não é importante, Ao final, são apresentados alguns exercícios práticos para o
quando na verdade é o que mais importa para a maioria de “desbloqueio” da felicidade que ajudam a materializar, na vida
nós? Felizmente, hoje em dia estamos verificando um aumento de cada um e de cada uma, os conceitos abordados.
expressivo nas pesquisas científicas sobre felicidade, que já tem Meditações, elaborações internas e reflexões individuais são um
sido objeto de estudo de vários outros campos do saber há convite à contemplação da única certeza da vida: a mudança.
milênios. De fato, devemos muito do nosso conhecimento sobre Como disse Rubem Alves, “não haverá borboletas se a vida não
um dos assuntos mais urgentes do gênero humano às tradições passar por longas e silenciosas metamorfoses”.
orientais, às sabedorias populares e ancestrais e à filosofia.
Aprendi com a Gabi que a autocompaixão é a base para o
O que precisamos é de um resgate, e isso a Gabi faz muito bem. cultivo do altruísmo consciente. Que este livro sirva como guia
PREFÁCIO II 4
Alex Bretas
www.multiversidade.org
5
Hedva,
(healer norte-coreana)
A CULTURA DA ESCASSEZ
Uma pesquisa britânica similar, de 2012, revelou que mais de
um quinto dos participantes se sentiam sozinhos a maior
parte do tempo – e um quarto deles relataram que
passaram a se sentir ainda mais sozinhos ao longo da
pesquisa, que durou cinco anos.
emaranhado complexo de situações sem o questionamento do Brené Brown, especialista em vergonha e vulnerabilidade, chegou a
porquê estamos fazendo dessa forma. Uma cultura somente é uma conclusão bem importante, que pode não ser exatamente a sua
desconstruída, quando uma parcela significativa de pessoas própria questão, mas é para um grande número de pessoas.
começa a questionar. É preciso fomentar algum tipo de
comportamento que venha a substituir o comportamento antigo. Não nos damos muitas vezes o que precisamos pois não nos sentimos
merecedores. E não nos sentimos merecedores pois não nos sentimos
Preencha a seguinte frase: “Eu tenho medo de não ser... o bons o bastante. Estou falando de uma cultura formada em torno da
bastante.” escassez. Vamos compreender no que isso se manifesta?
A ideia é que você responda a primeira coisa que vier à cabeça,
sem ficar racionalizando, beleza? Escassez: o problema de nunca ser bom o bastante.
E aí, como foi pra você preencher essa frase? Veio algo de Nunca ser bom o bastante.
imediato ou de repente não veio nada? Veio apenas uma palavra Nunca ser perfeito o bastante.
ou vieram várias? Nunca ser magro o bastante.
Nunca ser poderoso o bastante.
90% das pessoas que preenchem esse exercício pensam em mais Nunca ser bem-sucedido o bastante.
de uma palavra antes mesmo da frase ter sido completada. E as Nunca ser inteligente o bastante.
respostas mais comuns tem a ver com ser bom ou perfeito o Nunca ser correto o bastante.
bastante. Nunca ser seguro o bastante.
Nunca ser extraordinário o bastante.
Essa situação interna de escassez é uma tendência mental que é a
base do ciúme, da cobiça, do preconceito e das nossas interações Comparação com a perfeição. As mulheres em especial são a todo
com a vida. Segundo a antropóloga e ativista Lynne Twist, vivemos tempo cobradas da perfeição. Comparar nossa humanidade
numa cultura da escassez, que tem como base a vergonha, imperfeita com algo que não existe, que é a perfeição.
comparação e desmotivação.
14
A VULNERABILIDADE DO SER
Não encontramos espaço para sermos vulneráveis ao
sentirmos que temos pouco. Na raiva e no medo, precisamos
nos defender e nos agarrar ao que a gente tem. Daí fica
mesmo difícil confiar nos outros. O sentimento de que somos
dignos de amor e aceitação desaparecem, impedindo que
criemos vínculos com outras pessoas. Mas os vínculos sociais
são considerados por Maslow como a terceira maior
necessidade do ser humano, logo após as necessidades
fisiológicas. Então dá pra perceber o quanto faz mal não
aceitarmos quem somos?
A crise que vivemos hoje é a oportunidade de vasculhar as
perguntas que ainda não foram feitas, para que possamos
caminhar para uma cultura de abundância, e de
reconhecimento de quem somos de verdade.
Vou trazer um exemplo bastante típico. Quando nos deparamos É importante perceber que a parte hesitante da pessoa é poderosa e
com grandes desafios nos relacionamentos, carreira, saúde, é na verdade aparece para protegê-la. Todas as partes, até mesmo as
natural que uma parte nossa sinta dor, questionando o porquê de que nos atrapalham estão apenas trabalhando para nos proteger, e
estarmos nos colocando numa situação com riscos e sem controle. por isso, quanto maior a nossa capacidade de observar os
movimentos da mente acolhendo todas essas vozes, mais seremos
No diagrama a seguir, a pessoa, que é superficialmente capazes de integrá-las e escolher quais delas alimentaremos.
comunicativa, sentimental, disposta e aventureira, começa a
confrontar-se com “partes menores”, que estão por trás do que as Trata-se de um processo que pode ser demorado dependendo do
pessoas veem. Essas partes, no caso, representam uma grande campo de dor envolvido, que acaba acionando diversos mecanismos
necessidade de proteção e controle que geram uma tensão e de autossabotagem. Esse assunto é complexo, mas o importante aqui
irritabilidade no momento em que a pessoa mais precisa da própria nesse livro é percebermos o impacto positivo que acolher todas essas
força para poder encarar com coragem os desafios. vozes pode ter em nossas vidas.
Criança interior
PERFEC-
Distorções do cuidado CRIANÇA CIONISTA
INTERNA
Mecanismos de sobrevivência
Como te percebem
PROTETOR/ DISPOSTA
SOLITÁRIA CONTROLADOR
CALCULISTA
RACIONAL
HOMEM DE
COMUNICATIVA NEGÓCIOS SENTIMENTAL
(adaptado de The Voice Dialogue
Facilitator’s Guide Handbook, part 1)
17
A ÉTICA DO CUIDADO
CONEXÕES HUMANAS
Em muitas ocasiões, não refletimos se os julgamentos emitidos nos Para uma criança, mesmo uma experiência pequena de falta de
pertencem. Ou, se simplesmente nos apropriamos de julgamentos amor e aceitação, pode se transformar em algo grandioso e lhe trazer
coletivos, disponíveis ao alcance da mão. Em geral, esses muita dor.
julgamentos nos possuem, e não somos nós que os possuímos.
Quando nos tornamos adultos, levamos conosco as memórias
Podemos afirmar que um dos maiores medos - senão o maior medo inconscientes dessas dores das nossas necessidades não atendidas. E
dos seres humanos - é o medo do isolamento, e que é da natureza começamos a desenvolver a nossa couraça, uma espécie de
humana buscar criar vínculos. mecanismo de defesa, máscaras que nos impedem de mostrar quem
realmente somos, nos impedem de buscar o amor e a aceitação no
A pesquisadora Brené Brown define vínculo como sendo a energia outro e nos impedem de criar conexão e formar vínculos reais com
criada entre pessoas quando elas se sentem vistas, ouvidas e outras pessoas.
valorizadas; quando elas podem dar e receber sem julgamento. E
quando falamos em sermos vistos, ouvidos e valorizados, estamos A ligação eu/outro é o cerne do que nos torna humanos. Há fortes
dizendo também que, intrinsecamente ligada à nossa necessidade evidências científicas de que muitas coisas parecem depender de
de formar vínculos, está a nossa necessidade de amor e aceitação. nossa capacidade de nutrir compaixão por nós mesmos. Dos
E a partir desse entendimento começamos a explorar os desafios transtornos de ansiedade ao esgotamento no trabalho, das questões
que enfrentamos para estabelecer vínculos reais e empáticos com de relacionamento à motivação, nossa autocompaixão (o cuidado e
outras pessoas. a bondade que devotamos a nós mesmos) ou a falta dela, faz uma
grande diferença.
Segundo a Epigenética - novo ramo da Genética - esses desafios
começam a se formar antes mesmo de nascermos, pois as crenças Quando não a desenvolvemos, é difícil nos aceitarmos, e somos
são transmitidas quando ainda estamos no útero em formação. menos tolerantes e bondosos com nós mesmos. Essa deficiência pode
Porém, na nossa primeira infância, quando vivenciamos as primeiras se manifestar de variadas formas desagradáveis em nossa vida e nas
experiências de falta de amor e aceitação, experienciamos a interações com os outros, especialmente com aqueles que amamos.
realidade a partir do cérebro límbico, ou seja, o cérebro emocional.
19
● Reconhecer nosso potencial de mudança permite que acontecimentos traumatizantes - aqueles que
contribuem para o círculo vicioso de sofrimento e a manutenção do ódio de si - não impeçam o florescer da
autocompaixão.
● Os adultos trazem consigo memórias inconscientes de suas primeiras experiências envolvendo a falta de amor
e aceitação e, a partir daí, desenvolvem uma couraça que os impede de formar vínculos reais com outras
pessoas.
● A nossa cultura contemporânea individualista contribuiu para o enfraquecimento das conexões sociais. Sabe-
se hoje que a solidão extrema é mais perigosa que o fumo.
● Vivemos numa cultura que fomenta o medo da escassez, o que contribui para sentimentos como o ciúme e a
cobiça, a vergonha e a vulnerabilidade, o que prejudica as nossas interações com a vida. Com a escassez
interna, impedimos que a vulnerabilidade e a conexão humana estabeleça-se. Já podemos escolher
caminhar para a cultura da abundância.
● O nosso profundo anseio por conexão humana contribui para a nossa experiência da felicidade.
● Facilitar nosso diálogo interno pode nos ajudar a reconhecer as vozes que nos motivam, e as que
desmotivam. É necessário treinar nossa capacidade de observar os movimentos da mente, acolhendo todas
essas vozes, para assim caminhar em direção à nossa própria integração.
20
21
SISTEMAS SOCIAIS
Na jornada de lidar com as dores que nos impedem de nos aceitar, Se, ao analisar cada ambiente ou sistema social, você respondeu
é importante percebermos que a necessidade de buscar “sim" para as perguntas anteriores, esse é um ambiente que opera a
confiança fora de nós, é apenas um processo que nos ajuda a partir do paradigma da escassez.
reconhecer a confiança que já habita dentro de nós, mas que por Se você conseguiu identificar algum ambiente que vive na cultura da
diversas razões, não conseguimos acessar. escassez, responda as perguntas abaixo:
1) Nesse ambiente que você identificou e que opera a partir da
Para compreender se os ambientes nos quais você vive contribuem cultura da escassez, você consegue estar vulnerável?
com o bloqueio da sua vulnerabilidade (mesmo que Se você respondeu não para a pergunta anterior, responda:
ocasionalmente), antes de mais nada, é preciso identificar se esses 2) Se você estivesse vulnerável nesse ambiente o que poderia
ambientes operam a partir do paradigma da cultura da escassez. acontecer de ruim?
3) Se você estivesse vulnerável nesse ambiente o que poderia
Exercício: Pense em todos os ambientes ou sistemas sociais dos acontecer de bom?
quais você faz parte (família, sala de aula, trabalho, comunidade, 4) Existem crenças nas quais você acredita acerca da vulnerabilidade
grupo de mulheres, grupo de amigos, etc) e sobre cada ambiente, que ainda impedem você de abraçar esse comportamento? Se sim,
responda se os componentes abaixo se fazem presentes: quais são?
Vergonha: O medo do ridículo e a depreciação são usados para Na minha jornada pessoal, eu precisei buscar novas formas de viver
controlar as pessoas? Apontar culpados é uma prática comum? para começar a me libertar das minhas autocríticas, o que me
Humilhações e linguagens abusivas são frequentes? O fortaleceu, me trazendo esperança. Fui viver em três ecovilas ao redor
perfeccionismo é uma realidade? do mundo, que pregam uma cultura de paz que tem, entre muitos
Comparação: Há competição, comparação e disputa o tempo princípios, a comunicação não-violenta, para entrar em contato com
todo? Há um modo ideal de ser ou um tipo de habilidade que é outras perspectivas do que é se relacionar.
usado como medida de valor para todos? Compreenda um pouco sobre o que é comunicação não-violenta
Desmotivação: As pessoas estão com medo de correr riscos e tentar assistindo a este vídeo: http://bit.ly/2mF3rM0 (importante para
coisas novas? As pessoas têm medo de expor suas opiniões? As acompanhar os próximos conceitos!)
pessoas precisam se esforçar para serem ouvidas?
22
http://bit.ly/1XsGUka
24
BEM-ESTAR INTEGRAL
(conceito criado pela Dra. Roberta Ribeiro,
baseado na teoria integral de Ken Wilber)
27
Tem pesquisas que mostram que as pessoas mais autocríticas são as De acordo com a pesquisadora Kristin Neff, uma das principais
que mais procrastinam. Quanto mais a gente se critica, maior vai pesquisadoras sobre autocompaixão, a melhor maneira de se
ser a expectativa em relação ao resultado, e isso vai fazer com que contrapor à autocrítica obsessiva consiste em compreendê-la, em ter
a pessoa aceite menos desafios pois nunca se sente pronta pra compaixão para com ela, depois substituí-la por uma reação mais
assumir nenhum deles. benevolente. Deixando-nos comover pelo sofrimento que sentimos
devido ao menosprezo por nós mesmos, reforçamos nosso desejo de
Também não podemos criticar a autocrítica. Ela tem algo a nos cura. Finalmente, após ter batido a cabeça contra as paredes por
dizer e muitas vezes está tentando nos proteger. Segundo Paul tempo suficiente, acabamos por decidir que isso basta, e buscar o fim
Gilbert, pesquisador e médico inglês, na autocrítica patológica, que das dores que causamos a nós mesmos.
constitui um tipo de assédio interior, uma parte de si acusa
constantemente uma outra, que odeia e despreza. Achamos mais Segundo Gilbert, um dos problemas daqueles que se autocriticam de
seguro nos autocensurarmos do que provocar a ira daqueles que maneira excessiva é que não dispõem de recordações reconfortantes
nos abusam, correndo assim o risco do aumento da violência. Às que possam ser evocadas quando se sentem mal, especialmente
vezes chegamos a nos antecipar e nos autocriticar para neutralizar recordações de tratamentos benévolos ou afetuosos. Focam na parte
o risco de sermos humilhados pelos outros. Diminuindo-nos, crítica de si mesmos, aquela que tem tendência a controlá-los e a
esperamos atrair um pouco de simpatia. Mas verificamos que em dominá-los, mas têm dificuldade em fazer subir à consciência e a
muitos casos quem adota essa estratégia esconde uma profunda visualizar imagens benévolas e compassivas. Um dos papéis da terapia
ira por quem o maltratou, acrescida de um sentimento de é ajudar a instaurar uma relação calorosa consigo mesmos.
vergonha.
Para isso, podem ser utilizadas diversas técnicas como sugerir que
Esses sentimentos se manifestam geralmente desde a infância, logo imaginem a maneira como uma pessoa benévola consideraria sua
depois dos maus-tratos infligidos por seus próximos; provocam situação, e adotar o ponto de vista daquela pessoa. Ou ainda, é
distúrbios psicológicos graves, tais como inúmeras formas de fobias proposto que imaginem uma parte deles mesmos, ou que uma pessoa
sociais, angústia, depressão e agressividade voltada para si mesmos imaginária manifesta bondade e uma profunda compaixão para com
ou para os outros. A privação de amor e a autodesvalorização eles, e que evoquem essa imagem quando a autocritica surgir
podem assim conduzir ao desespero, até ao suicídio. novamente.
AUTOCOMPAIXÃO: A CHAVE PARA A ACEITAÇÃO DE SI 30
Os exemplos anteriores são a base da maior parte das meditações extrema não percebem que são capazes de bondade para com eles
de autocompaixão conduzidas pela Dra. Kristin Neff. Mais adiante mesmos. Por isso, solicita-se que comecem por identificar essa
neste livro, teremos alguns exercícios que nos preparam para entrar possibilidade, mesmo que sintam de maneira muito fraca, para em
um pouco melhor nas meditações que requerem uma habilidade seguida vivificá-la. Indo um pouco além aqui, inconscientemente,
de visualização. Algumas delas, serão disponibilizadas por e-mail essas pessoas não se sentem merecedoras de paz e de amor. É
por áudio e em Encontros Intimistas (workshops presenciais). importante não distanciar demais “essas pessoas”, pois cada um de
nós pode ter algum nível de rejeição inconsciente limitando o
Encorajar as pessoas a terem compaixão pelos seus erros e crescimento de alguma área da vida. Marisa Peer, reconhecida
inadequações permite com que elas tenham uma visão mais clara hipnoterapeuta, que já atendeu a família real britânica e grandes
delas mesmas quando uma autoverificação é necessária. Ou seja, jogadores de futebol, diz que quando alguma coisa trava e não flui
é possível ter maior clareza das próprias limitações, e isso se dá bem, ela sempre começa o tratamento revendo as crenças em
porque não é necessário esconder de si mesmo suas falhas para relação ao sentimento de rejeição presentes na pessoa.
evitar a própria autocrítica. E isso é benéfico na hora de corrigir
padrões de comportamentos nocivos, trazendo bom-humor e Indivíduos que tem autocompaixão evidenciam maior saúde mental
atenção. do que os que não tem, pois na hora de lidar com a dor e o fracasso,
eles não se condenam. Essa atitude de apoio em relação a eles
Se um paciente se automutila, por exemplo, pede-se a ele que mesmos é associada a menores índices de depressão, ansiedade,
tente sentir compaixão pela sua lesão. É necessário também auxiliar menos perfeccionismo e maior satisfação na vida. Além disso, a
os pacientes a compreenderem que a maneira com a qual autocompaixão tem um elemento de proatividade em relação aos
confrontam suas emoções nunca será objeto de qualquer comportamentos que promovem a manutenção do bem-estar como
desaprovação. Assim, lhes é explicado que não é “mal” se comer bem, ter tempo livre para não se sobrecarregar de trabalho,
automutilar, que isso é compreensível levando em conta o que eles entre outros.
viveram, mas que poderiam considerar uma maneira diferente de
superar suas dificuldades. Agora que vimos as vantagens e desvantagens de nos nutrir
emocionalmente com uma atitude autocompassiva, vamos praticar?
Neff aponta que aqueles que adquiriram hábitos de autocrítica
31
CUIDANDO DE SI MESMO
“Se eu mesmo não tenho paz, como posso ajudar outros a
encontrá-la?
(Tsongkhapa)
eletromagnético do nosso coração, o que nos deixa inclusive mais Exercício: Estabelecendo uma intenção
suscetíveis a doenças, pois enfraquece nosso sistema imunológico.
Encontre uma postura confortável para se sentar. Se puder, sente-se
Como abrir o coração? em uma almofada no chão ou numa cadeira, com as solas dos pés
Além de meditações que veremos, temos a vida cotidiana para tocando o chão – o que traz a sensação de uma base sólida. Se
praticar! Cada oportunidade de sermos bondosos – e de nos preferir, pode deitar de barriga para cima. Quando encontrar sua
sentirmos elevados pela bondade dos outros – é uma chance para postura, relaxe quanto puder, se necessário fazendo alguns
abrir e aquecer o coração. É importante tomar consciência alongamentos, sobretudo nos ombros e nas costas. Então, com os
quando essas situações surgem, em vez de apenas passar para a olhos fechados, inspire fundo de três a cinco vezes, observando a
próxima ação. Podemos usar a arte também para nos inspirar. movimentação da sua caixa torácica na inspiração e expiração. A
seguir, com uma expiração longa e lenta, expulse todo o ar. Se isso
Na tradição tibetana, a compaixão é reconhecida como o mais ajudar, você pode exalar pela boca. Inspire... e expire.
alto ideal espiritual e a mais alta expressão de nossa humanidade.
Mesmo a palavra em tibetano para compaixão, nyingjé, que Quando se sentir mais calmo, contemple as seguintes perguntas: “O
literalmente significa o “rei do coração”, demonstra que a que eu valorizo profundamente? O que, no fundo do meu coração,
compaixão é uma prioridade. A cultura tibetana é o principal desejo para mim mesmo, meus entes queridos e o mundo?”
recurso que Thunten Jinpa, ex-monge e pesquisador, tem utilizado
para desenvolver treinamentos de inteligência emocional em Concentre-se um pouco nessas questões e veja se surge alguma
Stanford e Harvard. reposta. Se não houver uma resposta específica, não se preocupe,
apenas fique com as perguntas em aberto. Pode ser difícil se
Todo treinamento tem início com o estabelecimento de uma acostumar com isso, uma vez que no geral queremos respostas.
intenção consciente. Existe relação entre o grande volume de Acredite que as próprias perguntas estão funcionando mesmo – e
informação que recebemos no cotidiano e sentimentos difusos de especialmente se não encontrar respostas prontas. Se e quando as
estarmos sobrecarregados e estressados. A intenção consciente, respostas surgirem, reconheça-as e preste atenção a quaisquer
aplicada a esse ou qualquer outro agente estressor, funciona como pensamentos e sentimentos que elas possam trazer.
um filtro a esses sentimentos negativos que nascem do estresse.
ABRINDO O CORAÇÃO NO DIA-A-DIA 34
Por último, desenvolva um conjunto de pensamentos como sua Que todos os seres alcancem a felicidade e suas causas.
intenção consciente – para o dia de hoje, por exemplo. Você pode Que todos os seres sejam livres do sofrimento e suas causas.
pensar: “Hoje, que eu esteja mais consciente do meu corpo, da Que todos os seres nunca sejam separados da alegria que é livre de
minha mente e das minhas palavras quando interagir com os tristeza.
outros. Que eu evite ao máximo ferir aos outros deliberadamente. Que todos os seres permaneçam equânimes, livres das distorções do
Que eu me relacione comigo mesmo, com os outros e com os apego e da aversão.
acontecimentos ao meu redor com generosidade, compreensão e
menos julgamentos. Que meu dia transcorra de modo a estar O amor-bondade é o desejo de que alguém seja feliz; a compaixão é
afinado com meus valores mais profundos.” Assim, crie o tom do o desejo de que alguém fique livre de sofrimento.
dia.
Para que nossas motivações possam se tornar cada vez mais
As intenções também podem nos ajudar a ter mais autocontrole, o alinhadas com nossas intenções, o Dalai Lama uma vez sugeriu um
que pode fazer com que toda a nossa vida pareça muito menos modo simples de verificar nossas motivações, fazendo a nós mesmos
fora de controle. Esse é um modo de exercer o controle onde ele é as perguntas a seguir:
possível, e grande parte do estresse vem da sensação de que
nossas vidas estão fora do controle. Quando estabelecemos uma Isso é só para mim ou para os outros?
intenção pela manhã, estamos fazendo uma escolha do tipo de Pelo benefício de poucos ou de muitos?
dia que queremos ter. Estamos tomando a vida em nossas mãos em Para agora ou para o futuro?
vez de esperar que ela apenas aconteça. Podemos vacilar ou
esquecer nossa intenção completamente por alguns períodos do Essas questões nos ajudam a esclarecer nossas motivações e ter
dia, mas o próprio ato de estabelecer e restabelecer uma intenção consciência crítica da razão de querermos cuidar de nós mesmos e o
nos mostra que temos uma escolha que, por si só, pode nos dar impacto positivo que isso pode trazer ao mundo. A bondade, tem
uma sensação mais intensa de controle. Outra razão é que a muitos benefícios não intencionais, como veremos a seguir, e é
intenção é uma forma de preparação. interessante perceber que quando o cuidado vem com metas
compassivas, no nível emocioanal, cuidadores motivados pelo
As intenções por trás da compaixão são: ecossistema se sentem mais tranquilos, lúcidos e amorosos.
35
● Diante da autocrítica, pare e imagine como uma pessoa benévola agiria. Nesse
exercício, aprenda como a bondade e a autocompaixão podem agir para
neutralizar sentimentos de autodesvalorização. Em seguida, comece por identificar
a possibilidade de agir bondosamente consigo mesmo.
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CULTIVANDO O AUTOPERDÃO
No treinamento para compaixão ensinado em Stanford, são
utilizados os seguintes exercícios.
Ao entrar em contato com a necessidade subjacente que o levou Mais uma vez, faça de três a cinco respirações profundas, enchendo
a agir daquela maneira, fique com ela por um tempo. o peito a partir do abdome e soltando o ar suavemente. Permaneça
alguns segundos em silêncio.
Agora, expirando o ar, lenta e completamente, libere qualquer
tensão no corpo, deixe de lado qualquer rigidez da mente e, Agora traga à sua mente uma imagem que representa para você,
refletindo sobre seus pensamentos anteriores de autocensura, diga amor, cuidado, sabedoria e força. Leve o tempo que for necessário
em silêncio para si mesmo: “Eu posso abrir mão disso. Eu vou fazer para esse pensamento compassivo permear a sua mente. Não é
isso.” necessário ter uma imagem realista; o essencial é sentir sua presença.
Por fim, imagine que você se sente livre e expansivo em seu peito, e Agora imagine que, na presença dessa imagem, você se sente
então expire plenamente mais algumas vezes. completamente você mesmo – nada mais, nada menos.
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AUTOACEITAÇÃO
Não há necessidade de fingimento de tentar ser alguém que
você não é. Não há julgamento nem voz crítica. Em vez
disso, o que você encontra é a simples aceitação, calorosa
e terna. Alimente-se dessa sensação de aceitação
incondicional. Como se sente? Sente seu coração batendo
mais devagar, uma liberação de tensão em algum lugar do
corpo, uma sensação de desapego?
44
● Nosso sistema afiliativo determina o nosso estilo de apego, que por sua vez
influencia a nossa personalidade e a forma como nos relacionamos com os outros.
MAIOR BEM-ESTAR
Treinar a compaixão contribui para um relacionamento mais É verdade que às vezes pessoas muito bondosas se magoam e não se
positivo com outras pessoas, pois nos tornamos gratos pelas pessoas recuperam com facilidade. Talvez sejam mais sensíveis ao sofrimento
mais importantes em nossa vida ao lhes desejarmos felicidade e dos outros e focadas em excesso no bem-estar alheio. É útil lembrar a
libertação do sofrimento. A compaixão também fortalece nosso distinção entre empatia e compaixão. A empatia é muito importante
senso de propósito de vida, e há evidências sugerindo que um para dar origem à compaixão, mas ficar encalhado na zona de
maior propósito está correlacionado com saúde física e empatia pode ser exaustivo e levar a sentimentos de impotência e
longevidade. esgotamento. Por isso, a autocompaixão é tão importante para nos
nutrirmos e criarmos o espaço interno para sentirmos compaixão, um
Por fim, o treino da compaixão tem tudo a ver com crescimento estado interno mais poderoso, no qual empenhamos nossa energia
pessoal, a última dimensão do bem-estar psicológico. Um esforço em desejar aos outros que se livrem do sofrimento e procuramos fazer
consciente para transformar nossa perspectiva de vida e mudar o algo a respeito. A bondade é a expressão dessa compaixão por meio
modo como nos relacionamos com nós mesmos e com os outros da ajuda prestada, uma forma básica de altruísmo. É a
seres humanos – ou seja, estarmos envolvidos num processo autocompaixão que pode garantir um equilíbrio saudável entre a
consciente e comprometido de crescimento – é necessariamente nossa preocupação conosco e com os outros. Assim, não caímos em
algo que faz com que nos vejamos como seres em constante extremos.
aperfeiçoamento. Quando a bondade chega até nós, sentimos relaxamento,
Talvez o maior benefício do treinamento de compaixão para a reconhecimento e valorização, nos sentimos afirmados. Quando
saúde mental seja o fato de nos tornarmos mais resilientes. Um ajudamos alguém devido a uma preocupação genuína por seu bem-
estado de mente compassivo é necessariamente menos estar, nossos níveis de endorfina – o hormônio associado à sensação
preocupado consigo, mais relaxado, menos inibido. Não é exagero de euforia – aumentam, causando o que conhecemos como “o
dizer que é a nossa conexão com os outros que nos torna livres. prazer de ajudar”. Os estudos nos quais os participantes eram
Segundo Thupten Jinpa, que coordena o Treino de Cultivo de orientados a estender a compaixão aos outros de forma consciente,
Compaixão em Stanford, quando o ego é resiliente, não há apontam que a satisfação advinda de uma ação altruísta é efeito
necessidade de erguer muros e colocar máscaras para nos dela, não seu objetivo. Esta é a “pegadinha” - feliz – da compaixão:
proteger. Podemos parar de nos esconder e apenas ser. quanto mais ajudamos os outros, mais saímos ganhando.
47
(MATTHIEU RICARD)
•
48
“A sobrevivência global depende do desenvolvimento da fazendo todo mundo meditar pra mostrar que com treinamento
compreensão até então pouco considerado: a compaixão por mental, nossas intenções mudam, e podemos ser motivados pela
estranhos.” solidariedade e encarar o altruísmo como uma solução real e
(Paul Ekman) pragmática para a maior parte das questões globais.
Nesse trajeto que fizemos até aqui - a partir da desconexão até a Podemos perceber que a tal revolução do altruísmo proposta tem
compaixão -, estamos falando sobre como nos libertar de uma bastante a ver com o amadurecimento dos seres humanos, e com a
cultura que tem seu fundamento no medo. E que a mudança dos coragem de cada um em descobrir e seguir seu propósito de vida.
nossos paradigmas interiores tem um grande papel nisso. Imaginem Não é sobre criar um trabalho com propósito, mas sobre criar uma
só um mundo com mais pessoas comprometidas a agirem pra vida com sentido.
terminar com o sofrimento do outro e gerar felicidade, sem
esquecerem de si mesmas? Enxergar o trabalho como algo que está separado do propósito e do
sentido da vida faz parte de uma visão fragmentada de mundo que
É exatamente isso que o Matthieu Ricard, biólogo molecular e nós estamos ultrapassando.
monge, considerado o homem mais feliz do mundo e o cérebro
mais estudado em Harvard, junto com o Richard Davidson, um As pessoas que me procuram para fazer um coaching de propósito de
renomado neurocientista, têm tentado fomentar, trazendo vida, buscam, em realidade, amadurecer, serem quem são, e
argumentações bastante lógicas. harmonizar o trabalho com o ritmo natural de suas vidas.
Simplesmente porque isso é sustentável, para cada indivíduo e para o
Se nos preocupamos com nossos amigos e família, por que não mundo.
podemos nos importar com toda a humanidade quando tomamos
decisões importantes? Se você não tivesse que ganhar dinheiro nem agradar alguém, o que
você faria da sua vida? O que faria com o seu tempo?
Isso porque se você tem consideração pelos outros, vai se
preocupar em tornar o mundo um lugar melhor. Então esses
cientistas participaram do último Fórum Econômico Mundial,
EXPANDINDO O CÍRCULO DE CUIDADO 49
“A síntese da maturidade é a tranquilidade de ser o que se é.” SUSTENTAR O BEM, O PRAZER POSITIVAMENTE ORIENTADO E O BOM É O
(Eduardo Gianetti) MAIOR DESAFIO NO NOSSO PLANETA.
Essas reflexões existenciais acabam surgindo ao longo da vida. Rick Podemos utilizar o nosso tempo com sabedoria e significado, ou não.
Jarrow, consultor em desenvolvimento humano e facilitador em Para mim, a autocompaixão como combustível da compaixão, é a
alinhamento vocacional, aponta que à medida que trabalhamos chave para uma vida repleta de significado.
para a autêntica manifestação da carreira, vamos descobrir a
necessidade de recuperar uma profunda confiança em nós Todos os temas aqui trazidos são amplos e profundos, mas espero
mesmos e nos outros. As terapias podem ser muito úteis para isso e sinceramente que algumas das reflexões e sugestões oferecidas aqui
podem ser necessárias se quisermos passar para um estado de possam te ajudar a perceber que ao colocar a compaixão no centro
maior funcionalidade. Em termos de experiência meditativa, o de sua vida, é possível testemunhar sua capacidade em contribuir
nosso nível de confiança se revela facilmente por nossos padrões para a transformação do mundo!
de respiração.
RESUMINDO:
● Compaixão: a última dimensão do bem-estar psicológico.
REFERÊNCIAS
LOPEZ, Gabrielle Stephanie Picholari. UMA ANÁLISE DA AUTOCOMPAIXÃO SOB A PERSPECTIVA DO EMPREENDEDORISMO SOCIAL. Trabalho
de conclusão de curso: Pós-graduação Latu Sensu em Bases da Medicina Integrativa apresentado ao Instituto Israelita de Ensino e
Pesquisa Albert Einstein, São Paulo, 2016.
Neff, K.D., Kirkpatrick, K.L., & Rude, S.S. (2007). Self-compassion and adaptive psychological functioning. Journal of Research in Personality,
41(1), 139-154.
Neff KD; Vonk R (2009). Self-compassion versus global self-esteem: two different ways of relating to oneself. J Pers;77(1):23-50.
Neff, KD (2009). The Role of Self-Compassion in Development: A Healthier Way to Relate to Oneself. Hum Dev;52(4):211-14.
Neff, K. & Germer, C. K.. (2013). Self-compassion in clinical practice. Wiley Periodicals, 69, 1-12.
http://www.nudeyogagirl.com/
http://www.fernandalenz.com/
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