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az ‘3 ee 2. 424 4y> MANLEL Bauneika POESIA E VERSO 10 sophie Dine aia, oo comesar 0 eserever un fio didn a gue der cna deitiso. de Si aon dente oder os sn gun tanas vies vrtna a como uma corrente elétrica e 8 sob a forma de misteriosas Tagei= soube no momento forjar j& nfo digo uma dofiniggo racional, dessas que, segundo a a todo 0 definido @ 6 lisemente que néo sei. Mas conheco da poasia, por ia propria, essa maneira inapreendida de aco: — 107 L combinagées de palavras. A propésito, vol contar-vos uma anedota. Havia na Avenida Marechal Floriano ‘um hotel que se chameva Hotel Peninsula Fernandes, Mo sei fégo em suma de quali imo, Porque aquéle yndes? Uma tarde subiu 26 portugués terra ratura. ide, mas porque se conteve, simples, respondeu o hlomem. F'rnan- des porque 6 0 meu nome, e P'ninsula porque & bonito! © nome estava realmente explicado, mas a emocdo wo: ntuava de maneita inapreendida. ia, ou um homem é essassinado, ow uma estrangeira em trénsito para Bucnos Aires desembarca na Praga Maud em trajes pouco mais que menores: forma-se logo um ajuntamento e os que vio chegando \ ¢ aderindo ao grupo ¢ os que de Jonge nfio sabem sinda o que se passou. Paira no ar_um certo tumulto emocional, eriando uma como que aimosfera de poesia. Pois bem, © poeta suscita a mesma coisa, s6 que me- diante apenas uma coliséo de palavras. que atua além e 9: 108 — queria referirse aquele mundo do subconsciente que todos trazemos dentro de és. A poesia seria entio ‘a ponte entre o subconsciente do poeta @ o subconsciente itor. Se adotei no meu livro a def jue ela esclarece, a meu ver, ‘a que no ocorre no foco da consciéa- cia. Mas 6 evidente que a poesia pode nascer também fem pleno foco da consciéncia, e portanto atuar de mar Em meu poema "Pa vel perfeitamente 1s eu mesmo no eaberia explicar es estré Elae pertencem a um poema gue foco da consciént inapreen comunicarei: & segrédo profissio Nos mesmas condigées de “Pal sonéto “O lutador”, também elaborade em sonbo, Nile a intervengao posterior em estado de vigitia foi minima. © sonato, com titulo ¢ tudo, é fielmente © do sonho. Tive de o interpretar como se ou fésse um estranho a mim mesmo, como qualquer um de vés 0 poderia interpretar segundo as sugestées do seu sub- consciente estimulado, Para mim — mensagem do meu Subconsciente & minha conséiéncia, mensegem muito vegamente apreendida por esta e de novo re- frangida para o seu mundo original. — 109 Assentado que a poesia pode atuar dentro ou fora, acima ou absixe de consciéncia, comecei a registrar ices de poesia que fui encontrando 20 a8 Jeituras. Organizel assim uma peque- de tipos, que thes facilitam © exame. Seno vejamos: Certos autores define a poesia como ficgio: "Poe- ta”, esereveu Jonson, grande dramaturgo temporineo de Shakespeare © um dos homens mais cultos do seu tempo, "é, nfo aquéle que esereve com 1, mas 0 que finge e forma uma fabula, pois" fabula e fiegzo f izer, a forma e @ alma de téda obra poética ow poema”. B’ 0 mesmo conceito de dois outros grandissimos poetas ingléses seiscentis- "Dryden, para quem “a ficcko 6 a esséncia da poesi Pergunto eu agora: nfio haveré poesia quando reatizo em polavras uma transposicio da reclidade wentar nada, sem “fingir” nada? Como’ neste dese ello nu pga de Ino do atv saitne# nde, no chte fos con at per, Quatro pombas passciam. : 10 — Poema que & uma simples reprodugéo por imita- gio, pera empreger as velhas palavras de Aristételes. 0 flegéo um novo elemento — @ mi & fiegio retorica posta em “mt fem numeroses outras definigdes. “A poesk ina que ela é “a apreser waginagio, de nobres fundamentos as nobres ‘Nao se pode negar que a mésica seja um elemento da poesia eo tempo em que ela foi sem mis fentendido, no sentido de nfo procurar o poeta fazer verso cantar no poema, Outro poeta, e que Pp ge, definia 0 poema “aquela espécie: de compo- fo que se opée as obras de ciéncia por visar como objeto imediato © prazer © nfo a verdad imediato, porque em profundidade ste de todos os outros conhecim octal 0 grande romantica lor e 0 perfurne mont, ela anuncia as relacdes meitos prinefpios e as verdedes secundérias da vi jd dissera que “a poesia € 0 real absolut Jderno Matitain precisa: “Poesia € 0 conh avelmente: conhecimento-experiéncia mento, incompat conhecimento existencial. Bla 6 ‘conheclmento-emoséo, it © fruto do contato do espirito com a realidade em si mesma inefavel e com a sua fonte, que screditamos er Deus". © epiteto "inefavel” leve-nos a "Poesia 6 a linguagem que nos reagiio mais ou menos emocionel, tio pode ser dita”. Devo esclarecer que tédas esas definigées & muitas outras que coligi, aperecem em contextos onde fe procura spreender a esséncia do fenémeno postico: no foram apresentadas isolademente como definigéo ‘no sentido légico da palavra, ¢ de isolélas como fiz, "do do pensamento de seus autores, Nada obstante, cada uma contém uma parcela mina um Angulo do problema, que 6 ‘Todas me parecem falar em t8mos de poesia, com o seu vago, 0 seu mistério, Nenhuma te refere ao que & a matéria-prima da poesia na arte fe tanto se podem splicar a tes plsticas. Paul Valéry menciona-as ni ino pooma: “Poesi intativa de representar ou do restituir por melo da linguagem arti coisas ou aquela coisa que os gestos, as facio esquecido de Ban tenha saido da cabega de um daqueles mestres que ‘Thibaudet chemou os Tetrarcas do Parnaso: “Poesia. .. ua — cadas, de uma maneira certs, por que todavia nao as exprimem". Comentando largamente a d comege Gide pelos vocdbulos “magi (sorcellerie) “Vaiéry, de maneira volunt ambigua, diré cherm... O verdadeiro posta 6 um mago. Nio se trata tanto para tle de ser comovido, mas de induzir o leitor a comover-se: “por melo de uma combinagéo de sons’, que so palavras, Que « ico dessas palavras importa, nfo ser4 preciso nfo, porém, independentemente da sonoridade defas. © verso delicioso de Racine, téo freqiiente- mente citado como exemplo de encantaéo harmoniosa: Vous mourdtes au bord ot vous fates Iaisséo. Mudai as palavras, dizei: Vous étes morte sur le rivage of ‘Thésed vous avait abandonnée. O significado continua (© mesmo, mas 0 “encanto” desapar : “Nio é com idéis que com palavras”. Nao que o sentido yporte, Imports, mas nfio como advertiu Gide, independentemente da conoridade deles. Natu- ralmente 0 sentimento esta subentendido, 6 éle que faz achar as comUinagées de palqvras suscitadoras da emogdo poética. A grande dificuldade, porém, esta em que uns se comovem diante de certos versos © outros néo. Hé pes 13 sons que acham intensa poesia nos versos de Murilo Mendes; outres néo a acham nenhuma, encontram-na & ‘nos sonetos de Emilio de Meneses, onde os admiradores de Murilo néo véem sequer a sombra dela. a8 que niio suportam nem um nem outro: gostam é da suave misica de Olegétio Meriano. Afinal em poesia tudo relative: a pos relago entre 0 munds de, a sua cultura, os suas vivéncias, e © mun- ior daquele que 0 Se passamos da definigho de poesia para a defi- nigéio do verso, as dificuldades diminuem, mas nio desaparecem, Abri um tratado de versificagio qual- lac e Guimaraens Passos, por exemplo, e ali vereis definido © verso come “o ajuntamento de Palavras, ott ainda uma 96 palavra, com pausas obriga- das e determinedo niimero de silabas, que redundam em traduzem os dois autores © francés 1ologia das palavrus “pros” indica a diferenga essencial da rem do adjetivo latino prosa (subentendendo-se 0 subst discurso, ora $0) — ratio prosa, » seauido, © tespeitando a ordem gram: Hvado de versus, do verbo — porque, uma vez esgotado um certo némero de bas, a oragio se interrompe e volta de novo ao pot fim de comeger outra evolucio silébiea”. igo de Bilae ¢ Guimareens Passos, que @ mais ou menos o de todoa op outros tratadistas, 114 — podie servir para a nossa lingua e mé mas sb até 0 advento do versotivre. Que de se pode dar do verso, de modo que ela se aplique a vivo ou morto, ¢ em qualquer tempo? © corte da prosa ein pardgrafos atende téo sémente lade de ordenacéo das repstigio. O verso, em sua esol fica porque se repete e forma séries. podem as unidades ser semethantes ou dessemelhantes, Podem ser unidades “lutuantes, Maa 6 necessério que cada verso soja uma como que enti- dade, ou como disse Valéry “uma palavra total, vasta, native, perfeit © que go através de todos os idiomas ¢ de totlos os tempos so 06 expedientes de que se valerem os poetas para por em maior evidéncla 0 ritmo. Expedi valores de silabas (quentidade), acentos a © acréstico, Talvez le meus ouvintes nfo este- | Coe es | ‘algo biblico Augusto Frederico Sch Porque chorar se 0 cfu ‘$0 as Vaces estéo nas trapadeires batengaroy 00 adoro love do vente. idadp 202 eaminhos, Poxquo chorar c0 Wi fo as do Portugal? Se hi sinos Bat Nese poema do Canto da Noite o posta s6 aban- dona a interrogagéo “porque ct para passer & ocugio encacleadora “ Porque ehoisr — meu Dour, co eztou felis © pobre, Folte como ot pobrev desconhecidos dos hospitais, Falls como os cogas para quem a tus & mais bola do quo m Jus, Foltz como... ote, © paralelismo 6 © repetigiio ideolégica. Es © paralelismo tiveram a sua fase de ouro em tuguésa no ternpo dos cancionelr quo chemaram inte” era uma cantiga psralelistice e encadeada. ‘im esta “batcarol Ouites do time de Vi So vistes meu anise! E al, Dour, a0 varré code Ordon do roar tev E ek, Deus, 22 vores eedc! saw amide, ‘que eu surpto! E ai, Deus, so vered code! Essa cei pares repetem n ras ig6es de palavras para variar o tim vogal ténica das rimas (i e a); 6 encadeada, porque 0 impar se repete como seguinte. | time, repetigfo de (& da time vogal Gtona. Leis tune radium, Lembraivvos de Shakespeare, que no sonéto pre- Saciador de Romeu e Julicta rima “dignity” com ‘mu- tiny”; de Milton que no sonéto “On Shakespeare” es- ereveu : timando terlich”: ‘Doch wonn du eprichet: “Ich Hebe dich!" no fim de contas, uma rima ao contrério, ou ji rima dos comecos das palavras, Sei bem jo houve intengiio, pelo menos de Goncalves Dias em rimar por tercoira estrofe da “Canc&o do exilio”, ma que essa rimas 20 contrério dio & peque- Mio pormiia Dous que eu morra ‘Sem quo relto para Yé; Sem que desleute 08 pelmores (Quo mio destruto Sem quo ida avi Onde canta o sabi © niimero fixe de silabas, com pausas obrigadas, 6 Gem dGvida' o mais imperioso metrénomo do ritmo. 118 — Todavia nio & preciso ficarse no mesmo metro para manter © mesmo ritmo, No poema de Goncalves Dies intitulado “Minha vida e meus amores”” ocorre uma mudanga de metro muito interessante, O poe vversejando em deca ou na quarta ¢ citava: Outen vor que De sibito, nos versos 67 € 68, faz coir as pausas na quarta e sétimas sflabas, aproximando o ritmo decas- sildbico do ritmo do verso de onze cilabas, que vai parecer nos versos 70 ¢ 71: | O movimento ritmico de um verso pode sofrer a influéncia do verso anterior ou do seguinte. que na poesia etpanhola e na portuguésa anti vogal inicial de um verso podia embeber-se no verso | precedente. Gongalves Dies, tio lido numa ¢ noutra, | também versejou essim, © que admira 6 que até — 19 mestre de uma escola de rigorosa métrica, haja procedido da mesma maneira, tal inadvertidamente, quando em "O exame de Hercil ‘esoreveu : do wn salto 5 tog tg dua cle Ibro do fo60 © quarto verso (“Ao Barh-alAbish de agua clara”) tem cito silabas, mas a primeira (“ao”) se embebe flaba do verso anterior, de sorte que no contexto da estrofe se mantéin o ritmo do heptassilabo. Ha casos até em que é forgoro quebrar 0 verso para manter 0 ritmo, Como féz Casimiro de Abreu ‘Mas na citima estrofe pés © poeta a palavra “pélida” no fim de dois versos: a valea Consent Picante Prostreda, Turbedat iemaven, No chlor © vocébuto proparoxitono obrigava o poeta a abrir © verso seguinte por uma palavra comegendo por vogal ou a quebrar o metro de duas silabes para uma. Casimiro valeuse de um e outro recurso, um da pri- meira vez, 0 outro da segunda, Se éle néo tivesse atendido & interrelagiio dos versos e em lugar de 121 instante” © em vez de “rosa” © ritmo seria sacrificado : “entio” dissesse escrevesse “comél Pentavas, Ciarnavas, E extavas Foi em observagio a ésse j8g0 de cessonéneias de um verso em outro que eu no poema “Bot morto", escrito em octossilabos, quebrei « medida no terceiro verso da Gltima estrofe, Disco atrés que o encadeamento é 0 principal apofo ritmico de que se serve Augusto Frederico Schmidt nos seus poemas. Adalgise Nery, que também emprega, ainda que menos assiduamente que Schmidt, © encadeamento, comecou a usar da rima em versos nfo ereio que do seu livro Ar do Mas verso-ivre com por cento 6 aquile que néo se socorre de nenhum sinal exterior senfio a da volta 426 ponto de partida a exquerde da féika do papel verto derivado de vortero, voltar. A primeira vista, 122 — | parece mais ffcil de fazer do que 0 verso metrticado, Mas é engano. Baste dizer que no verso-livre’ poeta tem de criar o seu ritmo sem auxilio de fora. IE’ como 0 sujeito que s6lto no recesso da floresta deve achar © seu caminho © sem béssola, sem vores que de Longe © orientem, sem os gréozinhos de feijéo de histéria de Joio © Maria. Sem divide néo custa nada escrever um trecho de prosa © depois distribuilo fem Tinhas jrregulares, obedecendo tio smonte bs pauses do pensamento. Mas isso nunca foi verso- clivee, Se fise, qualquer pessoa poderia pér em verso até 0 Glkimo relatério do Ministro da Fazenda. Este cenganosa facilidade & causa da superpopulagio de poc- tas que infestom agora as nossas letras, © modernismo teve isso de catas razendo para a nossa © versolivre, dew a todo © mundo ilusto de que uma série de linhas desiguais 6 poema, Resultado:’ hoje ‘qualquer subeseriturdrio de autarquia em crise de dor de cotovelo, qual rotinho desifudide do namorado, qualquer belzaquiana desajustada no seu ambiente fa- mifier se julgam hebilitados a concorrer com Joaquim Cardozo ou Cecilia Meircles. ia que cu lia as sempre com prazer do Comércio, ‘poesia que no Por isso era sempre com di de Eloi Pontes no Globo | evitica eriticos sem contemplacio para com se exprime em versos medidos entristece & ver que éles munca ‘bastante para por um parac como eostumava dizer 0 primeiro no seu ham tide influéneia Por isso tenho as vézes uma grende tentagio de ‘esquecor tudo que aprendi com mestre Urefia e dizer ¢ jurar para téda a gente que “verso € 0 ajuntamenta| : de palayras, ou ainda uma s6 palavre, com pausas obrigedas e determinado ntimero de sflabas", como ensinavam Bilec © Guamaraens Passos. Isto , talvez juntamento”, que me soa vagor a obrigagio da Concordais ? rima © do duplo acrés (Conteréncia pronunciads ux Cate do Eetudante do Br

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