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Fundamentos Gerais
da Educação
S234f
ISBN 978-85-387-3722-3
Q
uando surgiu no cenário nacional a definição de Parâmetros Curriculares Nacionais para
o Ensino Médio, com claros indicadores para a qualidade dessa etapa de ensino, acenando
com mudanças profundas que pretendiam restabelecer sua importância e a integração do
aluno ao mundo contemporâneo, emergiu também, como consequência, a necessidade premente da
instauração de um processo de análise e discussão pelos protagonistas da ação educativa.
Aos educadores cabe o papel de interpretação e elucidação crítica dos princípios norteadores da
nova proposta, a difícil tarefa de revelar as implicações, a complexidade, os limites e as possibilidades
de sua real efetivação e ações que promovam a contextualização da proposta, a articulação entre o seu
ideal e a realidade educacional, tecendo os fios que possibilitarão sua viabilidade orgânica.
A maior virtude desse processo de reflexão é que ele traz à tona contradições de ordens filo-
sófica, política, cultural, pedagógica, entre outras, que, uma vez investidas de um amplo e profundo
debate, podem oferecer a possibilidade de enfrentamento e resolução dos problemas. Porém, cabe
alertar que a leitura ingênua, irrefletida ou dogmática, pode levar ao escamoteamento da proposta
com o consequente desestímulo associado à ideia de inviabilidade, o que só viria a contribuir para a
reafirmação de posições conservadoras.
Somente com um processo de interação consciente, de reflexão crítica, por parte de todos os
envolvidos na ação educativa, com clara definição de papéis, atribuições e responsabilidades será
possível a construção de um novo Ensino Médio.
O presente trabalho está organizado em duas apostilas e dividido em quatro módulos. O primei-
ro módulo apresenta uma reflexão sobre os fundamentos filosóficos e pedagógicos do Ensino Médio,
presentes nas novas diretrizes curriculares. Esse módulo está organizado em seis unidades: as duas
primeiras versam sobre os fundamentos filosóficos – Política da Igualdade, Ética da Identidade e Es-
tética da Sensibilidade; a terceira unidade busca estabelecer uma base conceitual para os princípios
da Autonomia, Identidade e Diversidade; a quarta unidade aponta para a discussão de temas mais
conhecidos da esfera pedagógica, interdisciplinaridade e contextualização, vinculados à questão do
trabalho e da cidadania; na quinta unidade está presente a preocupação de se buscar um debate sobre
as competências e tecnologias; e, para finalizar esse módulo, a sexta unidade propõe uma análise so-
bre os avanços e os limites dos Parâmetros Curriculares Nacionais.
Os outros três módulos apresentam as três áreas dos conhecimentos: linguagens e suas repre-
sentações; a condição humana como objeto de reflexão; natureza em transformação, e estão organiza-
dos (cada módulo) nas seguintes unidades: a primeira apresenta uma definição de cada área e discorre
sobre as suas disciplinas; a segunda unidade discute as competências das áreas; a terceira e a quarta
unidade abordam alternativas metodológicas nas áreas e a quinta unidade trata do processo de avalia-
ção em cada área do conhecimento.
Ética da Identidade
O homem nasce livre e em toda a parte encontra-se a ferros. O que se
crê senhor dos demais, não deixa de ser mais escravo do que eles.
Rousseau
O
estudo da Ética não tem a finalidade de inculcar regras, de educar para a
obediência tácita, mas, sim, de possibilitar o acesso às diversas concepções
de moral e, consequentemente, à análise crítica, ao debate e à compreensão
de que as regras e as leis são criações humanas e, por não terem origem natural ou
divina, são passíveis de transformações e mudanças. Nesse sentido, podemos afir-
mar que a Ética é o estudo da liberdade.
Moral (Dicionário Aurélio): conjunto de regras de conduta consideradas
como válidas, quer de modo absoluto para qualquer tempo ou lugar, quer
para grupo ou pessoa determinada.
Ética (Dicionário Aurélio): estudo dos juízos de apreciação que se referem
à conduta humana, suscetível de qualificação do ponto de vista do bem e do
mal, seja relativamente a determinada sociedade, seja de modo absoluto
(universal).
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Ética da Identidade
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Ética da Identidade
(COSTA, Cristina, Caminhando contra o vento: uma adolescente dos anos 60. São Paulo: Moderna, 1995, p. 18.)
vida. Portanto, a moral conser-
vadora, que desrespeita esse
princípio, é autoritária e violen-
ta, devendo ser transgredida.
O seu método genealó-
gico de investigação leva-o à
descoberta de uma origem dis-
torcida e até mesmo de uma in-
versão dos valores de bem e mal
e das virtudes como compai-
xão, renúncia, abnegação, pie-
dade e altruísmo, entre outras,
tão propagadas e defendidas
pela moral da nossa sociedade.
“Necessitamos uma crítica dos
valores morais, e antes de tudo
deve discutir-se o valor desses
valores, e por isso é de toda a
necessidade conhecer as condi-
ções e os meios ambientes em
que nasceram, em que se de-
senvolveram e deformaram.”
(NIETZSCHE, 1976, p. 13)
Nietzsche argumenta que
existe uma moral de senhores
e uma moral de escravos, uma
moral de fortes e uma moral de
fracos e que, muitas vezes, essas
morais coexistem numa mesma
pessoa. A origem dos valores de
bem e de mal é diferente para
senhores e para escravos.
Uma vez que o primeiro (valor do senhor) surge de uma autoafirmação e o último (valor do
escravo) de uma negação e oposição, eles não podem ser equivalentes. [...] O valor “bom” de
uma moral corresponde exatamente ao valor “mau” da outra. Enquanto os fortes afirmam:
nós nobres, nós bons, nós belos, nós felizes; os fracos dizem: se eles são maus então nós so-
mos bons. Portanto, “mau” no sentido da moral do ressentimento é precisamente o nobre, o
corajoso, o mais forte; é o “bom” da moral dos senhores. (MARTON, 1993, p. 54)
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Ética da Identidade
Pode-se concluir que a origem dos valores da moral dos fracos consiste numa
inversão, numa mera reação. Não sendo capazes de criar seus próprios valores, os
fracos (ressentidos) precisam negar os fortes para só então estabelecerem as bases da
sua moral. Por não poderem admitir essa fragilidade e incapacidade de criar seus
próprios valores, os fracos deslocam a origem dos valores tirando-a do domínio hu-
mano e transferindo-a para um plano metafísico. Criados desde sempre, sobrehuma-
nos e divinos, os valores devem ser apenas obedecidos. Trata-se de tentar impor aos
fortes a culpa pela sua ação criadora de valores, transformando-a em desobediência
às leis divinas e, com esse artifício, garantir a manutenção dos seus valores fracos,
deturpados e invertidos.
O homem do ressentimento traveste sua
Estética da Sensibilidade
Para Marx, a relação entre o homem e o mundo é estética, isto é, baseia-se na
sensibilidade. Sua estética propõe o resgate da unidade entre intelecto e sensibilida-
de, perdida na tradição preponderantemente racionalista do mundo ocidental e nas
relações impostas pelo sistema capitalista. “O homem se afirma no mundo objetivo
não apenas no pensar, mas também com todos os sentidos” (MARX, 1987, p. 178).
Os sentidos humanos (audição, olfato, paladar, tato e visão) são vistos por Marx de
duas formas, como sentidos naturais/biológicos/instintivos e também como sentidos
transformados pela cultura – humanizados.
1998, p. 23.)
Desejos de Transformação: 30 anos de maio de 1968, Curitiba,
Para o ouvido não musical a mais bela música não tem
sentido algum, não é objeto [...]. A formação dos cinco
sentidos é um trabalho de toda a história universal até os
nossos dias. (MARX, 1587)
um enfeite, um compo-
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Ética da Identidade
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Ética da Identidade
linguagens da arte deve perpassar todas as áreas do conhecimento, não devendo ser
compreendida como atributo exclusivo de algumas disciplinas ou áreas.
Contra a concepção de natureza como objeto disponível e manipulável para a exploração, os
frankfurtianos propõem a gratuidade da fruição estética e da arte. Na dimensão estética deli-
neiam-se as potencialidades liberadoras da imaginação produtora e criadora, os poderes de
Eros contra a civilização repressiva, porque a arte transcende a determinações espaço-tem-
porais, vence a morte. A arte é testemunha de um outro princípio de realidade que não o da
submissão à produtividade; ao desempenho do mundo competitivo do trabalho e da renúncia
ao prazer. Trata-se de um princípio que reconcilia o homem com a natureza exterior, interior
e com a história. Para os frankfurtianos Horkheimer, Adorno, Marcuse e Benjamim, a arte é
o antídoto contra a barbárie.
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Ética da Identidade
2. A partir das ideias apresentadas acerca do significado de ética, elabore a sua própria concepção
de uma Ética da Identidade no espaço da sua escola.
3. Quais os novos elementos trazidos pela Estética da Sensibilidade para o contexto escolar e de
que forma eles podem colaborar qualitativamente com a Educação Básica?
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Ética da Identidade
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Ética da Identidade
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Autonomia, Identidade e
Diversidade – a complexidade
da trajetória entre o ideal da
proposta e sua operacionalização
O
estudo dos Parâmetros Curriculares para o Ensino Médio, incluindo o Pa-
recer 15/98, embora não revele discordância com relação ao significado
imediato do trinômio Autonomia, Diversidade e Identidade, denuncia o
distanciamento entre aqueles que idealizaram a proposta e aqueles que efetivamente
deverão colocá-la em prática.
A forma excessivamente econômica na apresentação dos conceitos quanto à
sua extensão e profundidade, juntamente com o compromisso e a responsabilidade
atribuída aos protagonistas da ação educativa nas unidades escolares, provocam pre-
ocupação e inquietação. Ao se remeter aos princípios norteadores, sejam eles a Polí-
tica da Igualdade, Ética da Identidade, Estética da Sensibilidade, ou aos que estamos
tratando nesta unidade: Autonomia, Diversidade e Identidade, a proposta estabelece
com muito rigor os pontos de partida e de chegada, nesse último caso, anunciando
inclusive os instrumentos avaliativos para mensuração dos resultados. Defende “me-
canismos de prestação de contas que facilitem a responsabilização dos envolvidos”,
entretanto, pouco investimento é destinado ao processo de elucidação da complexi-
dade semântica e filosófica dessas ideias, bem como da sua execução pedagógica e
administrativa. Talvez esse seja um bom começo para colocar em discussão o con-
ceito de Autonomia.
Autonomia
Autonomia: auto-nomos (dar a si mesmo suas leis).
Heteronomia: normas, regras e leis estabelecidas por outros.
Anomia: ausência de leis.
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Autonomia, Identidade e Diversidade – a complexidade da trajetória
entre o ideal da proposta e sua operacionalização
A autonomia surge, como germe, assim que a interrogação explícita e ilimitada se manifesta,
incidindo não sobre “fatos” mas sobre as significações imaginárias sociais e seu fundamento
possível. Momento de criação, que inaugura não só outro tipo de sociedade; mas também
outro tipo de indivíduo. Eu falo exatamente de germe, pois a autonomia, tanto social como in-
dividual, é um projeto.[...] o que se pergunta é, no plano social: nossas leis são boas? Elas são
justas? Que leis devemos fazer? E no plano individual: o que eu penso é certo? Posso saber se
é certo e como? [...] O momento do nascimento da democracia e da política, não é o reinado
da lei ou do direito, nem o dos “direitos do homem”, nem mesmo a igualdade dos cidadãos
como tal: mas o surgimento, no fazer efetivo da coletividade, da discussão da lei. Que leis
devemos fazer? Nesse momento nasce a política; em outras palavras nasce a liberdade como
social-historicamente efetiva. (CASTORIADIS, 1992, p. 139-140)
No processo de operacionaliza-
ção da proposta, atribuir à instituição
mantenedora, no caso da escola pública,
a proposição de ações que assegurem
reais condições para o desenvolvimen-
to de um projeto autônomo em cada
Frostispício da partitura de “A internacional”, hino do
movimento operário, composto em 1870 por Eugenio Pottier.
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Autonomia, Identidade e Diversidade – a complexidade da trajetória
entre o ideal da proposta e sua operacionalização
unidade de ensino é condição essencial para que a Autonomia não se torne apenas
mais uma apropriação indébita de um discurso emancipador, visando isentar o Estado
de suas responsabilidades. Entre essas ações podemos citar o orçamento participativo;
a corresponsabilidade na elaboração, desenvolvimento e resultados dos projetos; a de-
finição conjunta de programas de qualificação profissional; o estabelecimento de um
canal de diálogo permanente; a superação de imposições economicistas resgatando o
verdadeiro papel do Estado e suas obrigações constitucionais. Nesse sentido, é preocu-
pante para todos os envolvidos na ação educativa, a insistência com que o Estado vem
sugerindo às escolas públicas que busquem “articulações e parcerias com instituições
públicas ou privadas” ou ainda, as “fabulosas” campanhas publicitárias com “estórias
sobre os amigos da escola”, num claro “disfarce” para encobrir sua isenção em mais
uma forma de exclusão. (PCN, 1999. Adaptado.)
Os movimentos emancipadores modernos, sobretudo o movimento operário, mas também o
movimento das mulheres, colocaram a questão: pode haver democracia, ou pode haver, para
todos que assim quiserem, igual possibilidade efetiva de participar do poder, numa sociedade
onde existe e se reconstitui constantemente formidável desigualdade do poder econômico,
imediatamente traduzível em poder político? Ou então, pode haver democracia, numa socie-
dade que tendo concedido há algumas décadas, os “direitos políticos” às mulheres, continua
de fato a tratá-las como “cidadãos passivos”? As leis da propriedade (privada, ou “do Esta-
do”) caíram do céu? Em que Sinai foram recolhidas? (CASTORIADIS, 1992, p. 144-145)
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Autonomia, Identidade e Diversidade – a complexidade da trajetória
entre o ideal da proposta e sua operacionalização
Identidade
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Autonomia, Identidade e Diversidade – a complexidade da trajetória
entre o ideal da proposta e sua operacionalização
pessoas uma adequação imediata às exigências volúveis de um mercado, acirrando
relações de competitividade. Essa situação acaba desencadeando na relação desses
indivíduos com o mundo circundante o acionamento de mecanismos que promovem
reações de indiferença, isolamento, distanciamento da relação social, individualismo.
A ameaça à integridade individual encontrou na síndrome do pânico sua mais atual
forma de expressão. Surgem então, desse “balcão de negócios” que se transformou
a sociedade humana, “iniciativas mitigadoras” visando preservar uma “ilusão iden-
titária”, literaturas de autoajuda e esotéricas, evangelização instantânea, vitaminas
miraculosas, tecnologias diet/light, drogas farmacológicas e da psiquiatria biológica,
produtos do narcotráfico e
[...] drogas oferecidas pela TV, pela publicidade, pelo cinema comercial e por outras mídias
mais. Identidades prêt-à-porter, figuras glamourizadas imunes aos estremecimentos das for-
ças. Mas, quando são consumidas como próteses de identidade, seu efeito dura pouco, pois os
indivíduos – clones que então se produzem, com seus falsos self estereotipados, são vulnerá-
veis a qualquer ventania de forças um pouco mais intensas. Os viciados nessa droga vivem
dispostos a mitificarem e consumirem toda imagem que se apresente de forma minimamente
sedutora, na esperança de assegurarem seu reconhecimento em alguma órbita do mercado.
(ROLNIK, 1997, p. 22)
(SALGADO, Sebastião. Êxodos. São Paulo: Cia das Letras, 2000, p. 232-234.)
ção apresentada acima, um projeto, uma história
de vida. Está inscrita inicialmente num complexo
de significações que vem do outro, do mundo que
o rodeia. Nesse sentido, o indivíduo nasce com a
sua identidade predeterminada e, é na sua relação
com o mundo, com as instituições – língua, famí-
lia, escola, igreja, trabalho etc. – que o indivíduo
vai delineando os contornos da sua identidade.
Reafirma-se, aqui, uma concepção já apresentada
anteriormente, que a identidade só pode ser cons-
truída a partir da ação. Por ser ação, a identidade
é passível de mudança, de transformação.
Dentro do universo escolar é importante o
reconhecimento dessa característica singular e
“mutante” da criança ou do jovem que busca a
escola, superando definições homogeneizadoras e
simplificadoras. Aquele que frequenta uma escola
merece mais que o rótulo identificador – aluno –,
devendo ser considerado como um sujeito parti-
cular, com experiências de vida, necessidades e
expectativas singulares, traduzidas nos contornos
de sua identidade. Ao identificá-lo como aluno, Exiladas na Tanzânia preparam-se para o retorno a Moçambique
– Sebastião Salgado.
parece que pouca coisa ainda resta por dizer. No
que tange à identidade do professor, também é necessário romper com as atribuições
extraprofissionais e superdimensionadas, quando é exigido do professor que se apre-
sente como modelo identitário, responsável por constituir os traços de identidade
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Autonomia, Identidade e Diversidade – a complexidade da trajetória
entre o ideal da proposta e sua operacionalização
de seus alunos. Nesse processo fica a singularidade do professor ameaçada por uma
padronização moralista imposta pelo imaginário social. O professor, comprometido
com o projeto coletivo da escola, consciente da sua função de educador – dentro das
perspectivas pedagógica, ética e política – é também um indivíduo autônomo que tem
clareza da importância da sua subjetividade. O que se propõe é o rompimento com
universais nebulosos e estigmatizados, seja com relação ao aluno ou ao professor.
Além de incorporar as várias identidades individuais, a escola também se cons-
titui como uma identidade social, que se manifesta por meio do seu projeto político-
-pedagógico e da ação de seus professores, funcionários, alunos e pais, quer de forma
individual, quer de forma coletiva, através da organização de grêmios, associações,
conselhos, sindicatos e outros. A identidade da escola se constrói internamente pelo
complexo de relações entre seus protagonistas, como também externamente, por
meio de suas articulações com outros setores da sociedade. Nesse sentido, podemos
dizer que a escola se configura como um espaço profícuo da democracia partici-
pativa. Pensadores de notoriedade no campo da política defendem a tese de que os
movimentos sociais, tanto ou mais do que a democracia representativa, se confi-
guram como espaço do verdadeiro exercício da democracia. É reconhecida, hoje, a
crise que atravessa a representação política decorrente do baixo nível de escolaridade
dos eleitores, da truculência da indústria política, do paternalismo e do clientelismo.
Segundo Norberto Bobbio, os indivíduos não se sentem hoje representados por seus
grupos e, consequentemente, não se sentem protagonistas da vida política. Além
disso, o representante eleito para defender os interesses da nação não pode ficar vin-
culado aos interesses de grupos particulares, promovendo, assim, uma transgressão
ao princípio da representatividade.
Entretanto, a perspectiva emancipadora da escola – espaço para o exercício
da democracia participativa – não pode encobrir um olhar crítico sobre a dinâmica
peculiar de funcionamento dos grupos sociais que dela fazem parte e que, por vezes,
na tentativa de construir uma identidade que incorpore as necessidades, expectativas
e projetos de seus membros, acabam por promover a exclusão do diferente, da diver-
sidade, e correm o sério risco de enclausurarem-se em guetos.
Esse processo de fraternidade por exclusão dos “intrusos” nunca acaba, é um círculo cada
vez mais fechado, que reclama “autonomia” em relação ao mundo exterior, onde manter a
comunidade se torna um fim em si mesmo, e a atividade fundamental é excluir aqueles que a
ela não pertencem. (MAHEIRIE, 1997, p. 63)
Diversidade
A diversidade cultural pode ser tratada como virtude ou como problema. Quan-
do é respeitada a singularidade de cada indivíduo, os aspectos culturais presentes na
sua vida, a pluralidade de experiências que marca cada sujeito, a trajetória que cons-
tituiu sua existência, entre outros, a diversidade é virtude. No entanto, quando se
impõe uma homogeneidade, uma integração forçosa, desrespeitando as diferenças, a
diversidade é transformada em problema.
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Autonomia, Identidade e Diversidade – a complexidade da trajetória
entre o ideal da proposta e sua operacionalização
A diversidade racial do Brasil. (Nova Enciclopédia Ilustrada da Folha de São Paulo, 1996, p. 132.)
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Autonomia, Identidade e Diversidade – a complexidade da trajetória
entre o ideal da proposta e sua operacionalização
(SALGADO, Sebastião. Êxodo. São Paulo: Cia das Letras, 2000, p. 232,234.)
Grupo de rapazes habitantes de compartimento subterrâneo de águas pluviais – Cidade do México.
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Autonomia, Identidade e Diversidade – a complexidade da trajetória
entre o ideal da proposta e sua operacionalização
experiências e relações sociais, prévias e paralelas à escola. O tratamento uniforme dado pela
escola só vem consagrar a desigualdade e as injustiças das origens sociais dos alunos.
Uma outra forma de compreender esses jovens que chegam à escola é apreendê-los como
sujeitos socioculturais. Essa outra perspectiva implica superar a visão homogeneizante e es-
tereotipada da noção de aluno, dando-lhe um outro significado. Trata-se de compreendê-lo
na sua diferença, enquanto indivíduo que possui uma historicidade, com visões de mundo,
escala de valores, sentimentos, emoções, desejos, projetos, com lógicas de comportamentos e
hábitos que lhe são próprios. (DAYRELL, 1996, p. 140)
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Autonomia, Identidade e Diversidade – a complexidade da trajetória
entre o ideal da proposta e sua operacionalização
Cornelius Castoriadis (1922) – filósofo grego, vive na França desde 1945. Foi um dos fundadores da
revista Socialismo ou Barbárie. Publicou, entre outras obras: A Instituição Imaginária da Sociedade
e Encruzilhadas do Labirinto I, II e III.
lgnácio Ramonet – editor do Le Monde Diplomatique. Obras publicadas: A Desordem das Nações e
A Geopolítica do Caos.
Juarez Dayrell – professor da FAE-UFMG e membro do Núcleo de Estudos, Educação, Cultura e
Sociedade.
Kátia Maheirie – professora do Departamento de Psicologia da UFSC.
Norberto Bobbio – filósofo italiano. Publicou, entre outros: Dicionário de Política (et al.); O Conceito
de Sociedade Civil e Direita e Esquerda.
Suely Rolnik – psicanalista, professora titular na PUC-SP. É autora de Cartografia Sentimental: trans-
formações contemporâneas do desejo e coautora, com Félix Guatarri, de Micropolítica: cartografia
do desejo.
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