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RELATO DE CASO

Hemorragia pós-parto por atonia uterina:


relato de caso
Postpartum hemorrhage due to uterine atony: case report
Fabiana Bastos Rezende1, Fabrício Andrade Magalhães1, Sarah Pereira de Freitas1, Diego Nascimento Moraes1,
Fabiana Fagundes Almeida Santos1, Amanda do Prado Morais Pires1, Mariana Campos Linhares1, Priscila Valéria
do Carmo Carvalho1, Paula Cristina Martins Soares2, Alamanda Kfoury Pereira3

RESUMO

A hemorragia pós-parto representa emergência obstétrica que surge em 4 a 6% dos par- 1


Acadêmico(a) interno(a) em Obstetrícia e Ginecologia
pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de
tos, constituindo-se uma das principais causas de morte materna. No pós-parto imediato, Minas Gerais;
as etiologias mais frequentes são: a atonia uterina, a presença de lacerações do canal de 2
Obstetra da Maternidade do Hospital Universitário Riso-
leta Tolentino Neves;
parto, a retenção de restos placentários e os distúrbios de coagulação. Este artigo apre- 3
Professora Adjunta do Departamento de Ginecologia e
senta o relato de uma paciente com hemorragia uterina no pós-parto imediato, submeti- Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFMG.
da a histerectomia subtotal devido à atonia uterina refratária ao tratamento clínico.
Palavras-chave: hemorragia no pós-parto, atonia uterina, histerectomia.

ABSTRACT

Postpartum hemorrhage (PPH) is an obstetric emergency that arises in 4 to 6% of births.


It is a major cause of maternal morbidity. In the immediate postpartum period, the most
common etiologies are: uterine atony; trauma-related bleeding due to lacerations of the
birth canal, incisions or uterine rupture; retention of placenta remains; and coagulation
disorders. This article is the case report of a patient with uterine bleeding in the immedi-
ate postpartum period, who underwent subtotal hysterectomy due to uterine atony not
controlled with medical treatment.
Key words: postpartum hemorrhage, uterine atony, hysterectomy.

introdução

A hemorragia pós-parto representa emergência obstétrica que surge em 4 a 6%


dos partos, constituindo-se uma das principais causas de morte materna.1 A princi-
pal etiologia é a atonia uterina, seguida de lacerações do canal de parto, de retenção
de restos placentários e dos distúrbios de coagulação.1,2 Suas principais complica-
ções imediatas são o choque hipovolêmico, a coagulação intravascular dissemina-
da e as insuficiências renal, hepática ou respiratória; a longo prazo, a síndrome de
Sheehan (hipopituitarismo decorrente de necrose avascular hipofisária).1
A atonia uterina representa a incapacidade do útero de se contrair adequadamen-
Instituição:
te após o parto e está associada a vários fatores de risco (tabela I).1,2 A prevenção, Departamento de Ginecologia e Obstetrícia, Faculdade de
Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais;
o diagnóstico precoce e a reposição volêmica adequada, além de abordagem siste- Hospital Risoleta Tolentino Neves
matizada, são fundamentais para reduzir seu impacto.2, 3A atonia uterina associa-se Endereço para correspondência:
aos seguintes fatores de risco: hipertensão uterina, uso de relaxante uterino, gravidez Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas
Gerais
múltipla, anestésicos halogenados, macrossomia fetal, uso de sulfato de magnésio Av. Alfredo Balena, 190
Belo Horizonte/MG.
e polidrâmnio associados ao trabalho de parto. Entre os fatores intrínsecos estão: CEP: 30130-100

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Hemorragia pós-parto por atonia uterina: relato de caso

indução do trabalho de parto, hemorragia pós-parto mento habitual e útero contraído ao nível da cicatriz
prévia, trabalho de parto prolongado, placenta pré- umbilical.
via, multiparidade (desgaste das fibras musculares A equipe médica foi acionada pela enfermagem
utrerinas), obesidade, remoção manual da placenta, para avaliar a paciente duas horas e meia após o
idade acima de 35 anos e retenção de coágulos.2, 3 parto, devido a sangramento uterino aumentado. A
puérpera encontrava-se hipocorada (3+/4+), sudoré-
Tabela 1 - Fatores de risco associados à atonia uterina tica, taquicárdica, com diminuição da pressão arte-
Hipertensão uterina Uso de relaxante uterino rial sistêmica. O útero apresentava-se pouco contra-
Gravidez múltipla Anestésicos halogenados ído na cicatriz umbilical, rapidamente contraindo-se
Macrossomia fetal após massagem e compressão uterina bimanual. O
Sulfato de magnésio
Polidrâmnio sangramento genital era acentuado, com formação
Fatores intrínsecos Associados ao trabalho de parto (TP) de coágulos.
Hemorragia pós-parto prévia Indução do TP As alterações observadas compunham o choque
Placenta prévia TP prolongado
hipovolêmico moderado devido à atonia uterina. Fo-
Multiparidade (Desgaste das fibras
ram iniciadas infusão de 1.000 mL de NaCl 0,9% em
Obesidade
musculares utrerinas) acesso venoso periférico calibroso, administração de
Remoção manual da placenta ocitocina EV e oxigenação suplementar por cateter
Idade > 35 anos
Retenção de coágulos nasal. Solicitada a reserva de hemoderivados. A pres-
Adaptado de 2,3 são arterial sistêmica normalizou-se após 15 minutos
da instituição dessas medidas, entretanto, o sangra-
mento manteve-se persistente. A paciente foi condu-
RELATO DE CASO zida ao Centro Cirúrgico para nova revisão do canal
do parto e realização de curetagem uterina. Houve a
Grávida de 27 anos, seis gestações, quatro partos retirada de volume moderado de coágulos e peque-
vaginais, um abortamento espontâneo no primeiro no volume de material sugestivo de restos ovulares.
trimestre com resolução médica, foi internada na Ao fim do ato operatório, o útero estava contraído 5
Maternidade do Hospital Universitário Risoleta Tolen- cm acima da sínfise púbica, com eliminação de ló-
tino Neves por trabalho de parto ativo, com 40 sema- quios fisiológicos. O coagulograma, o leucograma e a
nas e quatro dias de idade gestacional. contagem de plaquetas estavam normais. Os valores
A gravidez transcorreu sem intercorrências, ten- da hemoglobina e do hematócrito, entretanto, eram
do acompanhamento pré-natal adequado, com nove de 7,4 g/dL e 22,4%, respectivamente. Foram adminis-
consultas nos centros de atenção básica de saúde, trados 600 mL de concentrado de hemácias.
exames laboratoriais e ultrassonografias normais, A paciente evoluiu nas das seguintes à curetagem
sem antecedentes médicos ou cirúrgicos relevantes. com episódios recorrentes de hipotonia uterina e de
O trabalho de parto transcorreu sem intercor- sangramento genital moderado com coágulos. Ape-
rências, com evolução, em duas horas, para parto sar da infusão de medicamentos uterotônicos (oci-
vaginal, com recém-nascido vivo, masculino, com tócito, derivado de ergotamina) e massagem uterina
2.570 g, apgar 8/10 e 9/10 ao 1º e 5º minutos, respec- bimanual, não houve melhora da contração uterina
tivamente. A dequitação placentária realizou-se com e da hemorragia. Houve agravamento clínico geral
manejo ativo. Recebeu, logo após o desprendimento com sinais de hipoperfusão e confusão mental.
fetal, 10 U de ocitócito IM, procedimento de rotina Optou-se por realização de histerectomia subto-
realizado no 4º período do trabalho de parto. A pla- tal abdominal de emergência diante da hemorragia
centa apresentava-se completa, sem anomalias apa- persistente por atonia uterina refratária ao tratamento
rentes, cordão com três vasos sanguíneos e mem- clínico. A paciente e seu marido foram orientados em
branas translúcidas. Não foram encontrados restos relação a essa opção, devido à falha das medidas te-
placentários durante revisão de cavidade uterina. O rapêuticas até então realizadas.
canal do parto apresentava laceração de primeiro Durante a histerectomia, observou-se cavidade
grau em fúrcula vaginal, tendo sido realizada sutura uterina repleta de coágulos. A peça uterina foi envia-
sob anestesia local com lidocaína. Foi encaminhada da para exame anatomopatológico. Permaneceu es-
ao quarto estável hemodinamicamente, com sangra- tável hemodinamicamente durante o procedimento.

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Hemorragia pós-parto por atonia uterina: relato de caso

Evoluiu no primeiro dia de pós-operatório com longo prazo com a retirada do útero, especialmente
melhora clínica, sangramento vaginal discreto, coa- psíquicos, com consequências comportamentais e
gulograma normal, ainda hipocorada (hemoglobina sexuais. Deve-se estar preparado para lidar com es-
6,4 g/dL). Recebeu 600 mL de concentrado de hemá- ses impactos, considerando-se que em determinado
cias e alta no 2º dia de pós-operatório, estável clinica- momento a prioridade deve ser a vida da paciente.
mente, com sangramento vaginal escasso e elevação O caso revela a gravidade clínica e a utilização de
da hemoglobina para 9,1 g/dL. histerectomia para controle da hemorragia, procedi-
mento que compromete de forma definitiva o futuro
reprodutor da paciente. Dessa maneira, evidencia-se
DISCUSSÃO a necessidade de rápido diagnóstico e intervenção
como fatores primordiais para um tratamento efetivo
A hemorragia pós-parto (HPP) constitui-se um dessa séria complicação.
dos cinco principais motivos de mortalidade mater-
na, tanto em países desenvolvidos como nos em de-
senvolvimento,4 devido principalmente à atonia uteri- CONCLUSÃO
na.1,2 Vários métodos terapêuticos são descritos para
o tratamento da HPP secundária à atonia uterina.5 A gravidade da atonia uterina resulta na opção da
Seu tratamento inicial consiste em massagem uterina histerectomia como última medida de preservação
e uso de agentes uterotônicos como a ocitocina, ergo- da vida, apesar de amputações fisiológicas e psíqui-
metrina e prostaglandinas.3 No insucesso destas me- cas. O caso relatado revela a gravidade clínica da
didas iniciais, outros métodos devem ser aplicados atonia uterina, só resolvida com a histerectomia para
rapidamente, na tentativa de controle da hemorragia. controle da hemorragia.
Existem métodos mecânicos, como a compressão
uterina bimanual, a compressão da aorta abdominal
e o tamponamento uterino, além de métodos cirúrgi- REFERÊNCIAS
cos, como ligaduras arteriais, suturas de compressão
uterina, embolização angiográfica e histerectomia.4,5 1. Devine PC. Obstetric Hemorrhage. Semin Perinatol. 2009; 33:76-
81.
Diante dessa hipotonia, a ligadura das artérias hipo-
gástricas constituiria o procedimento indicado para 2. Breathnach F, Geary M. Uterine Atony: Definition, Prevention,
Nonsurgical Management, and Uterine Tamponade. Semin Peri-
preservar o futuro reprodutivo destas mulheres.
natol. 2009; 33:82-87.
Neste caso, especialmente, por tratar-se de jovem,
3. Jacobs AJ. Causes and treatment of postpartum hemorrhage
embora G6 P4 A1. A limitação da ligadura das hipo- (Uptodate Review). Uptodate Database www.uptodate.com.
gástricas decorre da formação deficiente em cirurgia 2009,Version 17.2.
geral dos obstetras, o que na maioria das vezes os 4. Dildy GA 3rd. Postpartum hemorrhage: new management op-
faz optar pela histerectomia, procedimento radical e tions. Clin Obstet Gynecol. 2002; 45(2): 330-44.   
familiar em sua formação. Esse recurso não chega a 5. Tamizian O, Arulkumaran S. The surgical management of post-
ser problema neste caso, devido à prole já constituí- partum haemorrhage. Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol. 2002;
da pelo casal. Entretanto, existem muitos impactos a 16(1): 81-98.

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