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Rodolfo Neto, Olival Freire, José Fernando 51

REVELANDO O CARÁTER DETERMINÍSTICO


DA MECÂNICA NEWTONIANA - UMA PONTE
PARA O ENSINO DA FÍSICA MODERNA NO
ENSINO MÉDIO.

Rodolfo Alves de Carvalho Neto


Professor de Física dos Colégios Módulos e São Paulo.
Olival Freire Jr.
Doutor em História da Ciência, USP.
José Fernando Moura Rocha
Mestre em Física, UFBa

RESUMO: A introdução da Física Quântica no ensino médio


justifica-se em função do largo impacto cultural desta teoria científica.
Para tanto, nós adotamos uma abordagem histórica, não só sobre
assuntos da Física Moderna, mas também sobre assuntos da Física
Clássica, mudando a apresentação tradicional dos tópicos desta
última. Concluímos pela viabilidade desta modificação no Ensino da
Física acreditamos que os alunos expostos a esta modificação
melhoraram sua compreensão da própria Física Clássica. Encontramos
também, nestas experiências, interessantes evidências de concepções
espontâneas dos estudantes referentes às noções de determinismo e
probabilidade.

ABSTRACT: Our main argument for introducing quantum physics


in secondary school curriculum is the great cultural meaning of that
scientific theory; included because of its influence on the changes in our
world view. Our first attempts to introduce modern physics in Brazilian
secondary schools have adopted historical approach not only on
modern physics issues but also on classical physics subjects. We have
concluded that introducing modern physics implies changing our

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presentation of classical physics concepts and our students have, in this


way, obtained a better understanding of classical physics. We have
also found evidences about student’s spontaneous reasoning concerning
determinism and probability.

1 Introdução
Há quase 30 anos se discute, em vários países, (KNECHT, 1968;
MARX,1975), a introdução de conceitos quânticos e relativísticos no
ensino de Física nas escolas secundárias. A comunidade brasileira de
professores e pesquisadores em ensino de Física tem dedicado grande
atenção a estes temas (ARRUDA & VILLANI, 1995, TERRAZAN,
1992). É verdade, no entanto, que têm ocorrido dificuldades e mesmo
hesitações, quanto à viabilidade de tal projeto. No que pesem a dificuldades
e hesitações, a presença de Física Moderna, em especial da Física
Quântica, no Ensino Médio é uma realidade em muitos países, sendo já
objeto de avaliações e retificações (SOLBES, 1987; GIL PEREZ,1989).
Acreditamos que o alunado do Ensino Médio, de uma maneira
geral, independentemente da sua perspectiva profissional, não
pode estar alheio a determinadas mudanças conceituais introduzidas
na Física em nosso século. O abandono de descrições determinísticas
em uma escala atômica e uma concepção mais dialética da objetividade
das teorias científicas, por exemplo, são aquisições conceituais da
cultura do nosso século, para as quais a Física dos quanta deu uma
contribuição decisiva. A Física Moderna é, então, parte constitutiva
da alfabetização científica (CAZELLI, 1992) nas sociedades
contemporâneas. Como para a maioria do alunado do Ensino
Médio, o contato com a Física, via educação formal, se esgota na
própria escola secundária, pensamos ser um dever dessas escolas
ensinar Física Moderna como parte do patrimônio cultural de
nossa época. Neste sentido, e como conseqüência das pesquisas
que temos desenvolvido,1 publicamos um livro paradidático intitulado
“O universo dos quanta – Uma breve história da Física Moderna”
(FREIRE JR., CARVALHO NETO, 1997).

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2 Física Moderna no Ensino Médio: Prática e


Crítica

Livros de Ensino Médio, como o de AMALDI (1995), intitulado


«Imagens da Física: as idéias e as experiências do pêndulo aos quarks»,
introduzem tópicos da Física Moderna, como relatividade, quanta,
radioatividade fissão e fusão nuclear, ao final do programa usual para o
ensino de Física neste nível. Tal estratégia, embora louvável pelo seu
pioneirismo na introdução destes tópicos, apresenta, a nosso ver, o
inconveniente de assumir tacitamente que a introdução da Física Moderna
deve deixar inalterada a apresentação tradicional da Física Clássica, o que
não nos parece acertado. Concordamos com as proposições do educador
espanhol GIL-PEREZ (1989) e de sua equipe, que rejeitam a idéia de
apresentar «tópicos da Física Moderna», sem estabelecer, criticamente, a
existência de uma ruptura entre os conceitos clássicos e modernos. A nosso
ver, o conhecimento dos limites dos conceitos clássicos assegura uma
melhor compreensão da Física Clássica, além de sugerir para o aluno a
necessidade de conhecer uma nova Física que resolva problemas não
resolvidos pela Física Clássica. Deste modo, conforme GIL-PEREZ
(1989,53), «a introdução da Física Moderna pode contribuir para fornecer
uma imagem mais correta de toda a Física e da própria natureza do trabalho
científico». Somos da opinião, ainda, que estudos históricos e epistemológicos
podem subsidiar o professor de Física (HAMBURGER, 1990) a encontrar
os melhores exemplos e exercícios capazes de propiciar a apresentação dos
limites dos conceitos clássicos.

A estrutura do Ensino Médio no Brasil, quando comparada com a de


outros países, onde já se ensina Física Moderna, traz à tona dificuldades
especiais para introduzir Física Moderna neste ciclo. A pequena carga
horária destinada ao ensino de Física, a seqüência programática estabelecida
(na qual a cinemática e a dinâmica ocupam mais de um ano letivo) e a
pressão do vestibular (especialmente ao longo do terceiro ano, quando é
completada a apresentação da Física Clássica), nos sugeriram propor,

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diferentemente de GIL-PEREZ e sua equipe, evidenciar os limites dos


conceitos clássicos à medida que eles iam sendo construídos, ao longo de
todo o Ensino Médio. Temos trabalhado com a premissa de que os
conceitos da Física Moderna podem ser incluídos em diversos estágios do
currículo da escola secundária, e que a introdução da Física Moderna
implica mudar nossa apresentação dos conceitos da Física Clássica. Esta
abordagem apresenta, por isto, a vantagem de ser viável mesmo nas
condições atuais do Ensino Médio em nosso país, pois torna-se inviável
estabelecer o contraste conceitual entre Física Moderna e Física Clássica
no final do terceiro ano, às vésperas do vestibular. Estas premissas têm
subsidiado projeto de pesquisa que se encontra em desenvolvimento.
Integram esse projeto: professores baianos, universitários e do Ensino
Médio. Certos resultados parciais já obtidos, que serão discutidos a seguir,
nos animam a perseverar nesta abordagem.

3 Modificando a Apresentação Usual da Mecânica


Clássica.

A apresentação e o uso condicionado e mecanizado da segunda lei de


Newton, por exemplo, não traduzem o seu conteúdo determinístico e
universal válido para a matéria macroscópica. Esse uso pode não dar,
ulteriormente, a dimensão do impacto científico e filosófico que o princípio
da indeterminação traz. No enfoque tradicional, desprovido de uma
abordagem histórica da apresentação da segunda lei de Newton, após ser
exposto ao formalismo matemático, o aluno é solicitado a resolver problemas.
Em princípio (e em grande parte do curso de Mecânica), esses problemas
tratam de partículas submetidas exclusivamente a forças de intensidade
constante.

É também usual que, seguindo a linha da repetição, o aluno seja


solicitado a resolver outros tantos problemas de mesma descrição cinemática.
Aos poucos, o estudo automatizante da Física vai afirmando-se de forma
frio, dogmático (LANGEVIN, 1993, 9) e muito nocivo à alfabetização

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científica do aluno. O aluno, portanto, não assimila a segunda lei enquanto


princípio físico, mas, ao contrário, compreende-a como uma “regra” para
obter acelerações constantes que serão utilizadas em equações cinemáticas.
Ocorre, então, uma redução da dinâmica à cinemática, uma «cinematização»
da mecânica. Com este enfoque, o caráter determinístico da segunda lei de
Newton não fica evidente ao aluno do Ensino Médio. É provável, por
exemplo, que esse aluno desconheça que os tempos da passagem do
cometa Halley próximo à Terra, possam ser calculados, via segunda lei de
Newton (mais a lei da gravitação universal).

Para esses alunos, submetidos a uma formação básica e alienante, o


traço possivelmente de maior impacto científico e cultural da Mecânica
Newtoniana não fica compreendido. Com efeito, o aluno não se apercebe
do conteúdo determinístico universal da segunda lei de Newton, válido para
os movimentos em escala macroscópica. Evidentemente que somente o
estudo das equações diferenciais (que foge da compreensão dos alunos do
Ensino Médio) confere à segunda lei de Newton um conteúdo determinístico,
de descrição quantitativa geral para o movimento dos corpos. Entendemos,
porém, que, mesmo sem o uso do cálculo diferencial e integral, o conteúdo
determinístico da segunda lei pode ser trabalhado em termos qualitativos
com o aluno das escolas secundárias.

4 Uma Experiência Concreta

A possibilidade de introduzir a Física Moderna no Ensino Médio,


vinculando-a a uma compreensão ainda mais consistente da Física Clássica,
nos encorajou, decisivamente, a levar para as salas de aula conceitos de
Física Moderna. O trabalho com esses conceitos iniciou-se no Colégio
Antônio Vieira (CARVALHO NETOS, 1995), na cidade do Salvador,
estado da Bahia, no segundo semestre de 1994. Foi, no entanto, no Colégio
Módulo, na mesma cidade, em experiência realizada por R.A. de
CARVALHO NETO, ao longo de 1995, que foram extraídas algumas
conclusões importantes referentes à reação dos alunos frente a determinados

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conceitos da Física Moderna. No planejamento do curso de Física para a


segunda série do Ensino Médio, na apresentação dos tópicos de dinâmica,
tivemos o cuidado específico de adequar a apresentação dos conceitos
clássicos à proposta, aqui apresentada, de introduzir a Física Moderna
ainda no Ensino Médio.

5 Análise de Alguns Resultados

5.1 A análise das avaliações (quatro turmas, cerca de 180 alunos),


das quais constaram questões como as que estão no anexo, nos indicou que
o percentual de acertos das questões da Física Clássica foi aproximadamente
o mesmo das questões da Física Moderna. Uma resposta satisfatória dos
alunos em relação ao entendimento de conceitos da Física Moderna. É um
resultado que tem para nós um significado importante, pois nos indica que
o aprendizado de tópicos da Física Moderna não apresenta dificuldades
distintas daquelas já existentes no aprendizado dos conceitos clássicos, e
que vêm sendo estudadas nas pesquisas contemporâneas sobre o ensino de
ciências.

5.2 O conteúdo da indeterminação, presente no princípio de Heisenberg,


foi interpretado inicialmente, por muitos alunos, de forma distorcida. Com
efeito, percebemos que esses alunos, inicialmente, interpretaram tal conteúdo
como se a impossibilidade de medir simultaneamente as grandezas momento
e posição de um elétron decorressem de uma insuficiência essencialmente
tecnológica, ou ainda, da ignorância atual do homem em descrever
movimentos caóticos de difícil previsibilidade. Diversas discussões levaram
os alunos a entender que a indeterminação quântica não decorria de
insuficiências tecnológicas ou de dificuldades de cálculos, mas tratava-se de
uma propriedade fundamental da realidade física descrita pela teoria
quântica. Diante deste esclarecimento, percebemos uma real tendência de
inconformismo do aluno frente ao «princípio da indeterminação». O apego,
por vezes inconsciente, ao determinismo clássico implícito nas leis de
Newton, confirmou a «já esperada» tentativa do aluno em «recriar o nosso

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universo visível no universo invisível dos átomos» (ORTOLI, 1986, p. 42).


Chamou-nos a atenção, por exemplo, depoimentos espontâneos de vários
alunos, manifestando uma crença na obtenção de uma descrição
determinística para o elétron, a ser obtida em futuro próximo. Isso nos fez
lembrar a posição de físicos como Lorentz, Einstein, de Broglie e David
Bohm que, na controvérsia sobre a interpretação dos quanta, mantiveram
a expectativa de uma preservação ou recuperação, do determinismo
clássico para a descrição dos movimentos dos corpos em escala
microscópica. Esse inconformismo surgiu associado, no entanto, a uma
maior valorização da Dinâmica Newtoniana, o que, aparentemente, constitui
um paradoxo. Mais do que em qualquer outra experiência didática nossa,
parte significativa dos alunos incorporou a segunda lei de Newton como um
grande patrimônio da ciência pelo seu caráter universal determinístico para
a matéria macroscópica.

5.3 Um outro resultado nos chamou bastante a atenção: O contato de


alguns alunos com a palavra probabilidade, no contexto da apresentação
dos conceitos quânticos, induziu-lhes a enquadrar, equivocadamente, a
Física Atômica em leis determinísticas. Conscientes das dificuldades e das
controvérsias que cercam a interpretação da função de onda, da Física
Quântica, em termos probabilísticos, e, ao mesmo tempo, acreditando
naviabilidade e na importância de colocar o alunado a par de certas
mudanças conceituais introduzidas por aquela teoria física, optamos por um
caminho próprio: ao invés de introduzir, desde o início, a expressão
probabilidade ao nos referirmos à Física dos átomos, preferimos desenvolver
habilidades para se compreender o determinismo clássico implícito na
segunda lei de Newton. Somente após uma discussão maior com os alunos
acerca do determinismo, é que nos sentimos à vontade para não incluir os
fenômenos atômicos em leis determinísticas. Mesmo com estes cuidados,
o contato de alunos com a palavra probabilidade, contudo, ainda induziu-
lhes a enquadrar a Física atômica em leis determinísticas.
Estas observações nos remetem a um interessante e sensível pro-
blema da história da ciência, para o qual apenas chamaremos a atenção.

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Sabemos que o conceito de probabilidade é usado tanto na Física Clássica


quanto na Física Quântica, ainda que com significado diferente. Por isso
achamos conveniente refletirmos sobre as prováveis causas da
incompreensão, por parte dos alunos, acerca do uso do conceito de
probabilidade nas descrições fornecidas pela Física Quântica. Dessa
reflexão, certamente aparecerão cuidados que devemos tomar a fim de
contornar esta ambiguidade na compreensão do significado da palavra
probabilidade para Física Quântica. Notemos, de início, que o hábito de
usar probabilidades para tratar de eventos bem determinados, com imagens
nítidas e contínuas no espaço - tempo, sugere, inevitavelmente, que
probabilidade seja um conceito matemático útil que surge por conta de
incertezas experimentais e/ou insuficiências de informações. Nos noticiários
de televisão, por exemplo, referências às probabilidades, em Física,
ocorrem quase sempre num contexto clássico.

Na Física Quântica, contudo, a descrição do mundo microscópico


em termos probabilísticos aparece como uma consequência da
finitude do quantum de ação, conforme a interpretação de Niels
Bohr, que formulou a idéia de um postulado quântico, expresso no
quantum de ação, implicando a idéia de uma limitação ao uso
simultâneo de uma descrição no espaço-tempo junto com a conservação
de energia e momento. Esta limitação ao uso simultâneo de conceitos
clássicos, os quais estão na base de descrições determinísticas,
recebeu de BOHR (1958) a denominação de complementaridade.
Notamos, também, que, do mesmo modo que a interpretação da
teoria quântica é objeto de controvérsia, ainda em desenvolvimento,
também a interpretação da probabilidade, na Física em geral e na
Física Quântica em particular, é objeto de controvérsias e mesmo
de incompreensões entre os próprios cientistas fundadores da
Física dos quanta.5 A mesma expressão «interpretação estatística»,
por exemplo, foi usada nesta teoria física tanto por A. Einstein
quanto por M. Born, com significados inteiramente diversos (FREIRE
JR., 1998).

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6 Conclusão

A existência de dificuldades de aprendizagem na introdução de


conceitos quânticos no ensino da Física no Ensino Médio, não desautoriza
a necessidade e a possibilidade desta introdução. A necessidade desta
introdução prende-se, como vimos, a razões mais amplas, em especial ao
papel da Física Moderna na cultura contemporânea. Os nossos resultados,
ainda que parciais, apontam, conclusivamente, para a possibilidade desta
introdução. As nossas conclusões vão no mesmo sentido daquelas formuladas
por GIL-PEREZ (1989:53), em pesquisa semelhante: «As dificuldades de
aprendizagem da Física Moderna não são de natureza diferente da
aprendizagem da Física em geral; uma didática que coloque o aprendizado
com uma orientação construtivista traduzirá uma sensível melhora do
aprendizado, tanto da Física Clássica como da Física Moderna».

Parece-nos, finalmente, que o apego espontâneo dos estudantes ao


determinismo clássico e as ambiguidades associadas à compreensão da
descrição probabilística quântica traz à tona «a tese piagetiana segundo
desenvolvimento dos conceitos na história da ciência» (MATTHEWS,
1992, p.11, 22-24). Este problema exige, naturalmente, investigações
adicionais, que serão oportunamente desenvolvidas, até porque são muito
diversas as opiniões sobre a real natureza deste paralelismo entre história da
ciência e processos individuais de aprendizagem.

Nossos agradecimentos ao CNPq e à CAPES pelos auxílios que têm permitido o


desenvolvimento desta pesquisa.

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7 Anexos

EXEMPLO DE QUESTÕES USADAS EM AVALIAÇÕES


DE TÓPICOS DA FÍSICA MODERNA. COLÉGIO MÓDULO
- SALVADOR - BAHIA - BRASIL - 1995. AUTORIA: RODOLFO
ALVES DE CARVALHO NETO

Questão 1

Leia atentamente o texto. Em seguida responda a questão 1.

Analisaremos agora um movimento de difícil previsão. Para isso considere


uma bola de futebol chutada do alto de um edifício rumo a uma praia vizinha.
Imediatamente após perder o contato com o pé do arremessador, a bola
sofrerá a ação da gravidade e do ar. Ao cair na água, certamente será
arrastada pelas correntes de água e vento, chegando até a areia da praia.
Não descartamos a possibilidade de a bola ser arrastada quilômetros de
extensão chegando a alguma ilha próxima. Tudo irá depender de como as
forças que agem na bola se manifestem, bem como da massa do corpo e
suas condições iniciais. Agora uma pergunta crucial: O MOVIMENTO
DA BOLA É REGIDO POR UMA LEI DETERMINÍSTICA? A
resposta é afirmativa! Isso porque a posição e a velocidade da bola
assumem valores únicos a cada instante. Se conhecêssemos uma equação
de força resultante, a massa, bem como o local e a velocidade de partida,
obteríamos, via segunda lei de Newton, uma função horária contínua e
única, tanto de posição quanto de velocidade. Isso implicaria uma descrição
exata do futuro da bola. Se não a fazemos é por falta de dados
(desconhecimento do comportamento da maré, de ventos etc.).

Um movimento como o da bola, de difícil previsão, nem sempre mereceu


muita atenção. Só nos últimos tempos é que o interesse pelo estudo de
movimentos complexos tem crescido muito. «Novas linhas de investigação
científica, que podem vir a ter repercussões tecnológicas importantes,

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surgiram nas duas últimas décadas em áreas em que a influência da


matemática é maior.» A palavra encontrada para traduzir esses movimentos
complexos foi «CAOS». Experiências distintas podem revelar que, um
mesmo corpo, em movimento caótico, poderá ter destinos completamente
diferentes quando a sua posição inicial e/ou velocidade inicial mudam
ligeiramente, de uma experiência para a outra. Se pudéssemos, por
exemplo, chutar a bola citada no início do texto, numa segunda vez, de um
local 3,0 cm distante de onde havia sido chutada inicialmente, o seu destino
poderia ser outro, completamente diferente do anterior (mesmo com maré
e vento comportando-se de forma idêntica como no primeiro chute.) A
sensibilidade às condições iniciais (posição e velocidade iniciais) é o que
caracteriza o caos! Tal sensibilidade é que impõe «severas restrições a uma
previsão muito precisa sobre o comportamento futuro.» (Ciência Hoje,
Editorial, 80,1992)

Questão 1:
Como vimos, a sensibilidade às condições iniciais (posição e
velocidade iniciais) é o que caracteriza o caos! Isso nos permite
concluir que o movimento caótico é regido por uma lei não determinística?
Justifique a sua resposta.
Instrução: Leia atentamente o texto. Em seguida responda as
questões 2 e 3
Como vimos, o determinismo implícito na segunda lei de Newton
assegura a existência única de posição e velocidade para um corpo num
dado instante. Isto é diferente de dizermos que podemos sempre calcular
a posição e a velocidade de um corpo num dado instante. Se ligarmos um
liquidificador, por exemplo, contendo água e uma bolinha de isopor não
tardaremos a perceber o «caos». Teríamos, neste caso, enorme dificuldade
em fazer previsão de futuro da bolinha, mesmo sabendo que esse movimento
é regido por uma lei determinística. Assim, o teor determinístico implícito na
segunda lei de Newton nada nos diz sobre a facilidade ou dificuldade de
calcularmos velocidade e posições de um corpo. Ao invés disso, o

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determinismo nos assegura a existência de uma única posição e de uma única


velocidade para um corpo num dado instante.
As implicações científicas e filosóficas do determinismo nos parecem
claras. Se, dentre outras coisas, dispuséssemos de informações exatas,
obteríamos a descrição do futuro dos movimentos de forma exata. O
posicionamento do matemático Laplace, em 1815, é revelador desta
situação. A declaração que segue foi feita um século, aproximadamente,
depois da existência de Newton. Veja:
"Devemos, portanto, ver o estado presente
do universo como o efeito do seu estado
anterior, e como a causa daquele que virá.
Uma inteligência que, em qualquer instante
dado, soubesse todas as forças pelas quais o
mundo natural se move e a posição de cada
uma de suas partes componentes, e que tivesse
também a capacidade de submeter todos estes
dados à análise matemática, poderia
enquadrar na mesma fórmula os movimentos
dos maiores objetos do universo e aqueles dos
menores átomos, nada seria incerto para ela,
e o futuro, assim como o passado, estaria
presente diante de seus olhos... Todos os
esforços na busca da verdade tendem a levá-
la (a mente humana) cada vez mais próxima
daquela inteligência que consideramos, mas
que ainda permanecerá sempre infinitamente
inatingível."

foi proposto a quebra do determinismo a um nível de partículas subatômicas


tais como os elétrons. Esta nova teoria, conhecida como teoria quântica,
teve como fundadores os físicos Schrödinger, Dirac, Heinsenberg e mais
uma figura central: Niels Bohr. Segue abaixo o Princípio da Indeterminação,

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QUESTÃO 2:

Assinale apenas as proposições verdadeiras.

1 - Até a época de Laplace acreditava-se que todos os movimentos


macroscópicos e microscópicos se enquadravam em leis determinísticas.

2 - Ao dizer que a inteligência superior é inatingível, Laplace deixa


subentendidas limitações no determinismo.
3 - Ao dizer que a inteligência superior é inatingível, Laplace deixa
subentendido que nós não podemos fazer uma previsão de movimento de
todas as partículas que compõem o universo.
4 - A idéia atual de que o determinismo não se aplica ao mundo atômico
já estava presente em homens do Século XIX, como Laplace.

QUESTÃO 3:
Justifique sua resposta em relação à proposição (02) da questão 2.

Instrução: Leia atentamente o texto. Em seguida responda à ques-tão


04 assinalando apenas as proposições verdadeiras.

Uma Nova Teoria Científica


No final do século XIX, grande parte dos cientistas acreditava que a
teoria da Física estivesse praticamente completa. Entretanto, no início do
século XX, alguns resultados estranhos à Fisica Clássica começaram a
aparecer. Uma atividade científica revolucionária começou a tomar conta
da comunidade científica a partir de 1900. Vinte e sete anos depois estava
formulada uma nova teoria física, que violentava radicalmente a Física
Clássica, incluindo a Mecânica Clássica. No ano de 1927 (mais de 200
anos depois da formulação das leis de Newton), a Física sofreu, talvez, a
mudança conceitual de maior impacto de toda a sua existência. Com efeito,

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foi proposto a quebra do determinismo a um nível de partículas subatômicas


tais como os elétrons. Esta nova teoria, conhecida como teoria quântica,
teve como fundadores os físicos Schrödinger, Dirac, Heinsenberg e mais
uma figura central: Niels Bohr. Segue abaixo o Princípio da Indeterminação,
formulado por Heinsenberg, que põe fim do determinismo no nível da
matéria microscópica: «Não se pode, em microfísica, atribuir a uma
partícula uma posição e uma velocidade em determinado instante». Essa
idéia está em completo desacordo com o determinismo próprio da Mecânica
Newtoniana. É importante observar que, na concepção de Heinsenberg,
não podemos admitir a existência de um par (posição e velocidade para o
elétron) em um determinado instante. Apenas para ilustrarmos convêm
lembrar que, no mundo macroscópico, velocidade e posição são grandezas
e sempre simultaneamente atribuíveis aos corpos, ainda que, em movimentos
mais complicados, tenhamos a dificuldade de calcular as grandezas posição
e velocidade a cada instante.

QUESTÃO 4:

1 - Uma das implicações do determinismo é a garantia de sempre


podermos prever com facilidade o movimento de qualquer matéria
macroscópica.

2 - Uma das implicações do determinismo é a garantia de que, a cada


instante, a matéria macroscópica tem uma única posição e uma única
velocidade, mesmo que não possamos calculá-las.

3 - Uma das implicações do determinismo é a garantia de que sempre


podemos associar uma trajetória ao movimento de uma partícula
macroscópica.

4 - Na concepção de Heisenberg, o conhecimento das condições


iniciais de um elétron é necessário para uma previsão do futuro desse
elétrons.

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5 - Na concepção de Heisenberg, o elétron descreve um movimento


caótico com posições e velocidades que só poderiam ser calculadas se
dispuséssemos das condições iniciais do elétron, sua massa e uma equação
da força resultante.

6 - Na concepção de Heisenberg, o conceito de trajetória não se


aplica aos elétrons.

7 - A Física do Século XX (em particular a Física Quântica) se apóia


em leis determinísticas.

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