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O diálogo revela as posições de sujeitos sociais, seus pontos de vista acerca

da realidade, de forma a ilustrar a transformação sócio-ideológica das


linguagens e da sociedade.

Apoiados nessas reflexões, buscaremos, no cronótopo e nas rela ções


dialógicas do Conto da Ilha Desconhecida, observar o mundo e os valores
circundantes a ele que produziram o sentido histórico e ideológico proposto
pelo autor criador

Na ação da mulher da limpeza que decide abandonar tudo e sair pela porta
das decisões, vemos a necessidade do encontro consigo mesma:

Foi por meio da atitude corajosa do homem, que bateu à porta do rei para
pedir um barco, interpretada por muito como loucura, que se dá o estímulo
da travessia na mulher.Nos pensamentos da mulher expressos pela voz do
narrador, per cebe-se a ideologia de um grupo social que vê no mar a
própria sub sistência. O mar, embora temido e motivo de muitos
sofrimentos, era o símbolo do próprio eu português

Navegar, para encontrar a ilha desconhecida, representa a estrada que


conduz ao próprio caminho da vida. De acordo com Bakhtin, “a
metaforização do caminho é variada e muito planejada, mas o sustentáculo
principal é o transcurso do tempo”. É, pois, o caminho histórico do próprio
homem português: “navegar é preciso, viver não é preciso” .Assim, a
ideologia refratada pelo homem e compartilhada pela mulher da limpeza é
a necessidade de estar sempre navegando, em contato com o mar.

Embora considerado louco por um grupo social e achar-se só em sua


embrenhada, o homem tem, à sua sombra, a mulher da limpeza

Na reflexão do narrador, a mulher da limpeza representa o próprio destino


do homem; é, pois, o destino que corre atrás do ser, ou seja, os valores
ideológicos portugueses estão sempre atrás do homem para restabelecer
sua glória:

A concepção do homem é de que sempre há algo para se conhecer e,


portanto, deve-se sempre ir à busca deste desconhecido para tentar
encontrar-se. Faz parte dessa ideologia a ânsia por conquista.

“Não queres vir comigo conhecer o teu barco por dentro, Tu disseste que
era teu, Desculpa, foi só porque gostei dele, Gostar é provavelmente a
melhor maneira de ter, ter deve será pior maneira de gostar

Há nesse enunciado a ideologia do contentar-se com o que se tem, basta à


mulher da limpeza aquela caravela, simples, depreciada para a realização de
sua tarefa, limpar barcos.

Na enunciação do homem que conta à mulher seu insucesso na busca de


tripulantes, vemos expressos os valores ideológicos daqueles que já não se
inspiram nas viagens ultramarinas

Para esse grupo social, o mar não é mais tenebroso nem inspira maiores
conquistas, portanto O valor ideológico desse grupo contrapõe ao valor
representado pelo homem que considera ser o mar sempre tenebroso.
Desbravá-lo é essencial para reconstrução do império e da própria
identidade portuguesa: “quero encontrar a ilha desconhecida, quero saber
quem sou eu quando nela estiver”

Essa jamais passará a ser conhecida, pois como já havia proferido o homem,
há sempre algo novo a se conhecer, mas esse cronótopo do encontro dá
início à outra estrada, agora seguida por ambos: “A Ilha Desconhecida fez-se
enfim ao mar, à procura de si mesma”

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