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10/06/2019 O Brasil irá à guerra - 10/06/2019 - Luiz Felipe Pondé - Folha

Luiz Felipe Pondé (/colunas/luizfelipeponde/)


ponde.folha@uol.com.br (mailto:ponde.folha@uol.com.br)

O Brasil irá à guerra


O PT tem tendência faccionalista; o bolsonarismo é seu reflexo no espalho

Ricardo Cammarota/Folhapress

10.jun.2019 às 2h00

A primeira baixa no processo de radicalização que vivemos no Brasil é a


elegância. As pessoas se tornam mesquinhas e mal-educadas quando
convidadas ao debate, ansiosas pelo sangue dos outros entre os dentes. 

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Nada, nem ninguém, é poupado, nem velhas amizades, nem o rito milenar do
respeito ao “santuário”, local em que se conversa educadamente sobre
questões em disputa sem tentar vencer o outro. Aprofundemos um pouco
esse mau presságio.

Polarização, faccionalismo, radicalização. Suspeito que o termo polarização


já não apreenda a totalidade da experiência política no Brasil atual.
Expressões como faccionalismo, no sentido dado pelos federalistas
americanos (voltaremos a eles depois), capturam nossa experiência no país
hoje de forma mais ampla e profunda. Por último, radicalização, à
semelhança do uso no caso islâmico, parece-me descrever melhor o dano
cognitivo, afetivo e político-social que a polarização causa no Brasil.

A polarização política poderá nos levar à exaustão. Infelizmente, mesmo os


agentes públicos do pensamento se radicalizam à medida que o tempo passa,
num movimento psicológico de infantilização intelectual e afetiva.

Trago para o diálogo os federalistas americanos Alexander Hamilton, James


Madison (o mais essencial deles) e John Jay, autores de um volume não muito
conhecido no Brasil cujo título é “O Federalista”, na tradução portuguesa da
editora Calouste Gulbenkian, de Lisboa —em inglês o livro é conhecido como
“The Federalist Papers”, e foi escrito nos últimos anos do século 18. 

Com esse diálogo, pretendo oferecer recursos bibliográficos para aqueles que
tiverem a boa vontade de combater a polarização. Esta está para a junk food
assim como a tentativa de superá-la está para uma dieta ampla. A
polarização é uma forma de regressão política.

Um dos riscos sempre temidos nos regimes populares (leia-se, as


democracias) é o faccionalismo. Esse fenômeno, um dos focos de atenção
dos federalistas, é quando grupos de diferentes tamanhos e densidade
elegem como foco privilegiado sua própria agenda em detrimento da agenda
do país como um todo. 

Sua vocação é distinta daquela conhecida por nós como lobby, porque seu
ethos é o da guerra, da intransigência e da violência. O faccionalismo destrói
a capacidade de convívio, e faz com que conflitos outrora tratados no âmbito

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da institucionalidade transbordem para a violência autojustificada. A


competição entre manifestações é um primeiro passo para o faccionalismo
pleno.

A trajetória provável do faccionalismo é a desarticulação da democracia, e


sua possível lenta destruição. O Brasil de hoje tem ao mesmo tempo um
presidente faccionalista com um guru faccionalista (Olavo de Carvalho), e
uma oposição faccionalista com um guru faccionalista (o Lula), que vê a si
mesma como uma legião de boas almas cuja missão é salvar o país de si
mesmo. O PT sempre teve uma vocação faccionalista.

O bolsonarismo é seu reflexo no espelho. Julgar-se do bem na política sempre


carrega um traço de faccionalismo.

Quanto à radicalização, vejamos outro clássico da política: “Considerações


sobre a Revolução na França”, livro do britânico Edmund Burke publicado
pela É Realizações e datado dos últimos anos do século 18.

Nesta peça literária sobre filosofia política, Burke imagina a invasão dos
aposentos da rainha Maria Antonieta pelos jacobinos enraivecidos: “logo
descobrirão que a rainha é só uma mulher, e que uma mulher é só um
animal”.Essa passagem é conhecida como a matriz do conceito de
imaginação moral, que não trataremos aqui.

O próprio Burke sabia que essa raiva era fundamentada: a aristocracia


francesa rompera seu acordo de cuidar da nação francesa, levando seu povo
ao desespero.

Não me refiro aqui aos “miseráveis” a perder a elegância e perceber que uma
mulher ou um homem são meros animais, passando a tratá-los como tais.
Refiro-me à elite intelectual brasileira, que está a ponto de perder a elegância
no debate entre nós mesmos. Se não há nada a fazer a não ser o ódio prático,
o que nos resta?  A guerra? Querer “ganhar” a briga intelectual não é indício
de bolsonarismo e petismo mentais?

Se a responsabilidade é de nós todos, a maior parte cabe, sem dúvida, ao


governo. Romper o faccionalismo é a tarefa diante dele e da oposição. A

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vaidade é uma inimiga mortal de quem quer cuidar de uma nação. A


humildade é a única virtude que cabe aos líderes. E sua filha dileta, a
prudência.

Luiz Felipe Pondé


Escritor e ensaísta, autor de “Dez Mandamentos” e “Marketing Existencial”. É doutor em
filosofia pela USP.
ENDEREÇO DA PÁGINA

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