Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
I. Enquadramento
No domínio das fontes de radiação natural torna-se premente abordar os temas relativos
à radiação cósmica e consequentemente à exposição ocupacional das tripulações de voo.
O transporte aéreo realizado por aviões é cada vez mais frequente na nossa sociedade. A
maioria dos voos são realizados em elevadas altitudes e por longos períodos de tempo.
Levantam-se, por isso, preocupações quanto à exposição ocupacional das tripulações de
voo e quanto aos riscos com que se deparam, uma vez que existem estudos que
demonstram que este grupo de trabalhadores pode receber exposições radioativas acima
dos limites estabelecidos1.
A radiação cósmica solar e a radiação cósmica galáctica atingem a atmosfera terrestre que
é responsável pela absorção de uma grande parte de partículas inerentes aos raios
cósmicos.
1
Townsend, Lawrence W. – Radiation exposure of aircrew in high altitude flight. Journal of Radiological
Protection, Vol. 21, n.º 1 (2001), p. 1.
A radiação cósmica galáctica tem origem fora do sistema solar. Apresenta-se na feição
de partículas carregadas. Consiste em núcleos atómicos em conjunto com alguns
neutrões, positrões e antiprotões que viajam pela Galáxia, a alta velocidade.
A intensidade dos raios cósmicos galácticos é máxima quando a atividade solar é mínima.
Outros fatores que variam quanto à exposição à radiação na atmosfera são a altitude e a
latitude.
Está comprovado que quanto maior a altitude maior a exposição. Significa isto que as
tripulações de voo são um grupo de risco quando se trate de exposição a radiações
cósmicas2. Numa altitude típica, inferior a 10 000 metros, a taxa de dose consegue ser
superior a 150 vezes a exposição à radiação cósmica ao nível do mar. Existem aviões a
jato que voam a altitudes superiores estimando-se um aumento de dose de 30 a 50% em
relação aos aviões normais3.
Acresce que a dose anual das tripulações de voo consegue ser superior em relação a outros
grupos de trabalhadores ocupacionalmente expostos4, mormente trabalhadores expostos
a radiação médica ou industrial. As tripulações de voo são expostas a níveis de radiação
de forma contínua dado os seus longos períodos de trabalho.
2
Enyinna, Paschal Ikenna (2016) - Radiological risk assessment of cosmic radiation at aviation altitudes (a
trip from Houston Intercontinental Airport to Lagos International Airport. Journal of Medical Physics. Vol.
41, p. 205-209. Disponível em http://www.jmp.org.in/text.asp?2016/41/3/205/189491
3
Comissão Internacional de Proteção Radilógica (2015) – Radiological Protection from Cosmic Radiation
in Aviation. Annals of the ICRP. ICRP Publicação XX. Relatório para consulta. Disponível em
http://www.icrp.org/docs/TG83DraftForPublicConsultation.pdf
4
Comissão Europeia - Evaluation of the Cosmic Radiation Exposure of Aircraft Crew. A background to
aircrew dose evaluation with results reported within the EC contract FIGM-CT-2000-00068 (DOSMAX).
Project ID: FIGM-CT-2000-00068. Disponível em http://cordis.europa.eu/publication/rcn/6863_en.html
Os efeitos associados com a radiação ionizante podem ser divididos nos designados
efeitos estocásticos (efeitos genéticos, efeitos somáticos (cancro) em pessoas
directamente expostas) e efeitos deterministas.
Em termos de tripulações de voo, estudos recentes demonstram que não existe nenhum
risco adicional de mortalidade por cancro quando se trate de exposição a radiações
ionizantes. Não obstante, outros estudos têm demonstrado que a investigação quanto aos
efeitos na saúde está apenas vocacionada para o cancro e não atende a outros danos como,
por exemplo, a melanoma maligno, outros cancros de pele, o cancro da mama em
hospedeiras de bordo. Estes outros danos têm elevada incidência quanto ao grupo em
análise. Mesmo o cancro cerebral aparece com uma elevada taxa de incidência, de acordo
com alguns estudos. Conclui-se que a investigação cientifica ainda não determinou
claramente quais os efeitos na saúde derivados de exposição à radiação por parte das
tripulações de voo6.
5
De acordo com a Publicação n.º 103 da CIPR de 2007 desde 1990, p. 12, existem indícios que demonstram
a existência de doenças diferentes do cancro, induzidas pela exposição a radiações. Este facto baseia-se na
análise dos bombardeamentos japoneses e estão em causa doenças relacionadas com o coração, enfartes,
desordens digestivas e problemas respiratórios. De frisar que a CIPR realça as incertezas derivadas da
exposição a doses baixas ou reduzidas.
6
Zeeb Hajo, Hammer Gael P, Blettner Maria.- Epidemiological investigations of aircrew: an occupational
group with low-level cosmic radiation exposure. Journal of Radiological Protection. Vol. 32. N.º 1, p. 15-
9. Doi: 10.1088/0952-4746/32/1/N15
A Comissão Internacional de Proteção Radiológica (CIPR) abordou a temática da
exposição na Publicação 97, de 1965. Alguns parágrafos revelavam a importância do
tema, designadamente o parágrafo 26 que referia que os voos em alta altitude
aumentavam a exposição a fontes de radiação natural. A Publicação 398, de 1984,
classificava esta situação como a uma situação de exposição existente.
7
Comissão Internacional de Proteção Radiológica (1966) – Recommendations of the IRCP: ICRP
Publication 9. Disponível em http://www.icrp.org/publication.asp?id=ICRP%20Publication%209
8
Comissão Internacional de Proteção Radiológica (1984) – Principles for Limiting Exposure of the Public
to Natural Sources of Radiation. Disponível em
http://www.icrp.org/publication.asp?id=ICRP%20Publication%2039
9
Comissão Internacional de Proteção Radiológica (1991) – 1990 Recommendations of the International
Commission on Radiological Protection. Disponível em
http://www.icrp.org/publication.asp?id=ICRP%20Publication%2060%20(Users%20Edition)
10
Comissão Internacional de Proteção Radiológica (1997) – General Principles for the Radiation Protection
of Workers. Disponível em http://www.icrp.org/publication.asp?id=ICRP%20Publication%2075
mediante programas informáticos. Por outro lado, para as situações de dose elevada,
previa-se que nenhum trabalhador recebesse mais do que 6 mSv anuais. Para os casos em
que esse valor fosse ultrapassado devia existir um registo de dose e vigilância médica
adequada. Os guias também recomendavam a desnecessidade de demarcação de áreas no
local de trabalho, mormente em vigiadas e em controladas.
11
Comissão Internacional de Proteção Radiológica (2007) – The 2007 Recommendations of the
International Commission on Radiological Protection. Disponível em
http://www.icrp.org/publication.asp?id=ICRP%20Publication%20103
12
Jornal Oficial, Série C, n.º 128, 9, 5, 1994.
13
Jornal Oficial, Série C, n.º 108, de 19 de abril de 1993.
de aviões impondo a cada Estado-membro que assegure a identificação de atividades
laborais como a exemplificada que sejam suscetíveis de causar preocupação.
O artigo 42.º é expressamente relativo à proteção das tripulações de voo. Refere que
cada Estado-membro deve assegurar que as empresas de aviação “tenham em
consideração a exposição às radiações cósmicas do pessoal de voo que possa ser sujeito
a uma exposição superior a 1 mSv por ano. As empresas devem tomar medidas
adequadas, designadamente para: avaliar a exposição do pessoal em questão; ter em
consideração a exposição avaliada na organização dos horários de trabalho, a fim de
reduzir as doses das tripulações muito expostas; informar os trabalhadores em questão
sobre os riscos que o seu trabalho comporta para a saúde; e, aplicar o artigo 10.º à
tripulação feminina”.
De frisar que esta Directiva deve ser entendida sobre os auspícios da Directiva-Quadro, a
Directiva 89/391/CEE, do Conselho, de 12 de junho de 1989. A Directiva-Quadro foi um
importante passo para a melhoria da Segurança e Saúde no Trabalho, garantindo as
exigências mínimas de Segurança e Saúde no Trabalho enquanto que os Estados-
membros podem manter ou aprovar medidas mais exigentes. Assim, nos termos do seu
artigo 15.º, os grupos expostos a riscos especialmente sensíveis deverão ser protegidos
contra os perigos que os afectem de maneira especifica14 e, nos termos do seu artigo 16.º,
serão adoptadas Directivas individuais sendo que a Directiva-Quadro é aplicável a todas
14
Como é o caso dos riscos derivados de exposição a radiações ionizantes.
as áreas abrangidas por essas Directivas individuais. Também os nove princípios gerais
de prevenção encontram-se implicitamente vertidos na Directiva, a saber: evitar os riscos,
avaliar os riscos que não possam ser evitados, combater os riscos na origem, adaptar o
trabalho ao homem, ter em conta o estado de evolução da técnica, substituir o que é
perigoso pelo que é isento de perigo ou menos perigoso, planificar a prevenção, dar
prioridade às medidas de proteção coletiva e dar instruções aos trabalhadores.
15
Para mais desenvolvimentos, consulte http://ec.europa.eu/energy/nuclear/radiation-
protection/article_31_en.htm. Consultado em 15 de fevereiro de 2015.
16
Comissão Europeia, Proposta para uma Directiva do Conselho estabelecendo as normas de segurança de
base relativa à protecção contra os perigos resultantes de exposição a radiações ionizantes, COM/2011/0593
final.
radão, os raios cósmicos e material de ocorrência natural de radioatividade (NORM), sem
qualquer distinção entre radiação artificial e radiação natural17. Significa isto que, em
alternativa, à sua abordagem em um título específico, a proteção contra as fontes de
radiação natural fazem parte integrante dos requisitos gerais.
Não se aplica à exposição ao nível natural de radiação como, por exemplo, dos
radionuclídeos contidos no corpo humano ou aos raios cósmicos ao nível do solo; à
exposição de membros da população ou de trabalhadores, que não sejam membros de
tripulações aéreas ou espaciais, a radiações cósmicas durante os voos ou no espaço18.
Quanto à exposição das tripulações de voo a radiações cósmicas, as mesmas devem ser
tratadas como situações de exposição planeada.
Nos termos do n.º 3 do art. 35.º da Diretiva semore que a dose efectiva recebida pela
tripulação resultante de radiação cósmica seja suscetível de exceder 6 mSv por ano
aplicam-se os requisitos previsto no Capítulo VI relativos à exposição profissional, com
as necessárias adaptações.
Se a dose efetiva para a tripulação for suscetível de ser superior a 1 mSv por ano, a
autoridade competente exige que a empresa tome as medidas necessárias para: avaliar a
17
Mundigl, Stefan (2014), Modernization and consolidation of the European Radiation Protection
Legislation: the new EURATOM Safety Standards Directive, Radiation Protection Dosimetry, 164, 1-2,
pp. 9-12, Oxford Journals, DOI: 10.1093/rpd/ncu285.
18
A alínea b) do artigo 3.º pode levantar dúvidas de interpretação. Significa que se tratarem-se de meros
passageiros de voos aéreos ou trabalhadores por conta de outrem distinto da organização empresarial
responsável pelo voo não estão abrangidos pelo âmbito de aplicação da presente Directiva.
exposição da tripulação em questão; ter em conta a exposição avaliada na organização
dos horários de trabalho de forma a reduzir as doses das tripulações muito expostas; para
informar os trabalhadores envolvidos sobre os riscos que a sua atividade acarreta bem
como sobre o registo de dose individual.
Aos membros grávidos das tripulações aéreas aplica-se o disposto no n.º 1 do art. 10.º.
Assim, a proteção conferida ao nascituro deve ser equivalente à dispensada a qualquer
membro da população. Mal a trabalhadora aérea (hospedeira de bordo, por exemplo)
informe a empresa de que está gravida a entidade empregadora deve salvaguardar que as
condições de trabalho impliquem a aferição de uma dose o mais reduzida possível e, em
último caso, que não seja provável a aferição de uma dose superior a 1mSv durante pelo
menos o resto da gravidez.
Dispõe que as empresas de aviação civil devem realizar uma avaliação dos níveis de
radiação cósmica recebida pelas tripulações para cada rota que operam, a cada cinco anos.
Impõe ainda que os resultados da avaliação devem ser considerados no escalonamento de
serviços devendo procurar-se manter as exposições abaixo dos limites anuais para os
membros do público, isto é, 1 mSv. Dispõe ainda que sempre que for aprovado que, apesar
do escalonamento, os limites anuais para os membros do público podem ser superados
aplicar-se-á o disposto no n.º 1 do artigo 15.º, isto é, devem ser considerados como
trabalhadores expostos, aplicando-se os respetivos requisitos de vigilância, monitorização
e proteção radiológica adequados.
Conclusão
Conclui-se que com a nova Directiva o regime de protecção radiológica passa a aplicar-
se às tripulações de voo de forma consistente devendo essa transposição figurar no
ordenamento jurídico português. A Directiva n.º 2013/59/EURATOM terá de transposta
ser para o ordenamento jurídico interno até 2018.
Referências