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A proteção radiológica no âmbito das tripulações de voo

I. Enquadramento

I.1. A radiação cósmica e as tripulações de voo

Em termos ocupacionais o trabalhador pode estar sujeito a fontes de radiação artificial e


a fontes de radiação natural.

No domínio das fontes de radiação natural torna-se premente abordar os temas relativos
à radiação cósmica e consequentemente à exposição ocupacional das tripulações de voo.

O transporte aéreo realizado por aviões é cada vez mais frequente na nossa sociedade. A
maioria dos voos são realizados em elevadas altitudes e por longos períodos de tempo.
Levantam-se, por isso, preocupações quanto à exposição ocupacional das tripulações de
voo e quanto aos riscos com que se deparam, uma vez que existem estudos que
demonstram que este grupo de trabalhadores pode receber exposições radioativas acima
dos limites estabelecidos1.

A radiação cósmica pode ser dividida em radiação cósmica primária e em radiação


cósmica secundária. A radiação cósmica primária compreende a componente galáctica
que é a principal componente e abrange a componente solar. A radiação cósmica
secundária consiste na interação da radiação cósmica primária com a atmosfera terrestre.

A radiação cósmica solar e a radiação cósmica galáctica atingem a atmosfera terrestre que
é responsável pela absorção de uma grande parte de partículas inerentes aos raios
cósmicos.

A radiação cósmica solar não tem levantado grandes preocupações no domínio do


presente tema embora deva ser ponderada em termos de medição da dose.

1
Townsend, Lawrence W. – Radiation exposure of aircrew in high altitude flight. Journal of Radiological
Protection, Vol. 21, n.º 1 (2001), p. 1.
A radiação cósmica galáctica tem origem fora do sistema solar. Apresenta-se na feição
de partículas carregadas. Consiste em núcleos atómicos em conjunto com alguns
neutrões, positrões e antiprotões que viajam pela Galáxia, a alta velocidade.

Os raios cósmicos galácticos são os principais responsáveis pelos níveis de radiação


existentes na atmosfera. São compostos por cerca de 90 % em termos de potrões, 10 %
por partículas alfa e o remanescente por núcleos pesados como o urânio.

A intensidade dos raios cósmicos galácticos é máxima quando a atividade solar é mínima.
Outros fatores que variam quanto à exposição à radiação na atmosfera são a altitude e a
latitude.

A exposição à radiação na atmosfera aumenta com a altitude e é maior em maiores


latitudes.

Está comprovado que quanto maior a altitude maior a exposição. Significa isto que as
tripulações de voo são um grupo de risco quando se trate de exposição a radiações
cósmicas2. Numa altitude típica, inferior a 10 000 metros, a taxa de dose consegue ser
superior a 150 vezes a exposição à radiação cósmica ao nível do mar. Existem aviões a
jato que voam a altitudes superiores estimando-se um aumento de dose de 30 a 50% em
relação aos aviões normais3.

Acresce que a dose anual das tripulações de voo consegue ser superior em relação a outros
grupos de trabalhadores ocupacionalmente expostos4, mormente trabalhadores expostos
a radiação médica ou industrial. As tripulações de voo são expostas a níveis de radiação
de forma contínua dado os seus longos períodos de trabalho.

I.2. Efeitos da exposição

2
Enyinna, Paschal Ikenna (2016) - Radiological risk assessment of cosmic radiation at aviation altitudes (a
trip from Houston Intercontinental Airport to Lagos International Airport. Journal of Medical Physics. Vol.
41, p. 205-209. Disponível em http://www.jmp.org.in/text.asp?2016/41/3/205/189491

3
Comissão Internacional de Proteção Radilógica (2015) – Radiological Protection from Cosmic Radiation
in Aviation. Annals of the ICRP. ICRP Publicação XX. Relatório para consulta. Disponível em
http://www.icrp.org/docs/TG83DraftForPublicConsultation.pdf

4
Comissão Europeia - Evaluation of the Cosmic Radiation Exposure of Aircraft Crew. A background to
aircrew dose evaluation with results reported within the EC contract FIGM-CT-2000-00068 (DOSMAX).
Project ID: FIGM-CT-2000-00068. Disponível em http://cordis.europa.eu/publication/rcn/6863_en.html
Os efeitos associados com a radiação ionizante podem ser divididos nos designados
efeitos estocásticos (efeitos genéticos, efeitos somáticos (cancro) em pessoas
directamente expostas) e efeitos deterministas.

Quando as radiações ionizantes penetram em células vivas podem produzir, em termos


de riscos biológicos e quanto às características dos efeitos, dois efeitos como referido:
estocásticos (efeitos morosos) e efeitos não estocásticos ou deterministas (efeitos
imediatos). Quanto ao período de ocorrência desses efeitos distingue-se e exposição
aguda e a exposição latente e quanto ao objeto os efeitos podem ser somáticos e/ou efeitos
genéticos. Os efeitos não estocásticos configuram a feição de queimaduras, tonturas,
náuseas, cataratas5.

Em termos de tripulações de voo, estudos recentes demonstram que não existe nenhum
risco adicional de mortalidade por cancro quando se trate de exposição a radiações
ionizantes. Não obstante, outros estudos têm demonstrado que a investigação quanto aos
efeitos na saúde está apenas vocacionada para o cancro e não atende a outros danos como,
por exemplo, a melanoma maligno, outros cancros de pele, o cancro da mama em
hospedeiras de bordo. Estes outros danos têm elevada incidência quanto ao grupo em
análise. Mesmo o cancro cerebral aparece com uma elevada taxa de incidência, de acordo
com alguns estudos. Conclui-se que a investigação cientifica ainda não determinou
claramente quais os efeitos na saúde derivados de exposição à radiação por parte das
tripulações de voo6.

II. Enquadramento técnico e jurídico

II.1. As Recomendações da CIPR

5
De acordo com a Publicação n.º 103 da CIPR de 2007 desde 1990, p. 12, existem indícios que demonstram
a existência de doenças diferentes do cancro, induzidas pela exposição a radiações. Este facto baseia-se na
análise dos bombardeamentos japoneses e estão em causa doenças relacionadas com o coração, enfartes,
desordens digestivas e problemas respiratórios. De frisar que a CIPR realça as incertezas derivadas da
exposição a doses baixas ou reduzidas.

6
Zeeb Hajo, Hammer Gael P, Blettner Maria.- Epidemiological investigations of aircrew: an occupational
group with low-level cosmic radiation exposure. Journal of Radiological Protection. Vol. 32. N.º 1, p. 15-
9. Doi: 10.1088/0952-4746/32/1/N15
A Comissão Internacional de Proteção Radiológica (CIPR) abordou a temática da
exposição na Publicação 97, de 1965. Alguns parágrafos revelavam a importância do
tema, designadamente o parágrafo 26 que referia que os voos em alta altitude
aumentavam a exposição a fontes de radiação natural. A Publicação 398, de 1984,
classificava esta situação como a uma situação de exposição existente.

Posteriormente, surge a Publicação 609, de 1991, com uma panóplia de


recomendações quanto à proteção contra exposição a radiações cósmicas. Foi esta
publicação que considerou as tripulações de voo como grupos de trabalhadores
ocupacionalmente expostos e foi também ela que desvalorizou a necessidade de utilização
de dosímetros como forma de mediação das doses. Esta Publicação serviu de orientação
à Directiva 96/29/Euratom, do Conselho, de 13 de maio de 1996, que fixa as normas de
segurança de base relativas à proteção sanitária da população e dos trabalhadores contra
os perigos resultantes das radiações ionizantes. Assim, a Recomendação 60 da CIPR deu
origem à Directiva 96/29/EURATOM entretanto revogada pela Directiva
2013/59/EURATOM, do Conselho, de 5 de dezembro de 2013.

A Publicação 7510, de 1997, vem reforçar a ideia de que o grupo ocupacionalmente


exposto a elevados níveis de radiação cósmica são as tripulações de voo. Guias técnicos
foram realizados pela CIPR para garantir a proteção contra exposição à radiação natural
realçando-se alguns parágrafos relacionados com a proteção das tripulações de voo,
designadamente os parágrafos 66, 67 e 68. Previa-se que as tripulações de voo que
recebessem doses anuais entre os 1 e 6 mSv fossem sujeitas a estimativas individuais de
dose devendo as mesmas ser objeto de informação aos trabalhadores. Para voos de curta
distância, isto é, inferiores a 15 kms essa estimativa de dose deveria ser alcançada

7
Comissão Internacional de Proteção Radiológica (1966) – Recommendations of the IRCP: ICRP
Publication 9. Disponível em http://www.icrp.org/publication.asp?id=ICRP%20Publication%209
8
Comissão Internacional de Proteção Radiológica (1984) – Principles for Limiting Exposure of the Public
to Natural Sources of Radiation. Disponível em
http://www.icrp.org/publication.asp?id=ICRP%20Publication%2039

9
Comissão Internacional de Proteção Radiológica (1991) – 1990 Recommendations of the International
Commission on Radiological Protection. Disponível em
http://www.icrp.org/publication.asp?id=ICRP%20Publication%2060%20(Users%20Edition)

10
Comissão Internacional de Proteção Radiológica (1997) – General Principles for the Radiation Protection
of Workers. Disponível em http://www.icrp.org/publication.asp?id=ICRP%20Publication%2075
mediante programas informáticos. Por outro lado, para as situações de dose elevada,
previa-se que nenhum trabalhador recebesse mais do que 6 mSv anuais. Para os casos em
que esse valor fosse ultrapassado devia existir um registo de dose e vigilância médica
adequada. Os guias também recomendavam a desnecessidade de demarcação de áreas no
local de trabalho, mormente em vigiadas e em controladas.

A Publicação 10311, de 2007, veio influenciar o texto da Directiva


2013/59/EURATOM, do Conselho, de 5 de Dezembro de 2013. O principal responsável
pela revisão da Directiva normas de segurança de base foi a Publicação 103 da CIPR.

II.2. A Diretiva n.º 96/29/EURATOM, do Conselho, de 13 de maio de 1996

Em 13 de maio de 1996, foi aprovada a Directiva 96/29/EURATOM, mais de uma


década após a última revisão preconizada pela Directiva 84/467/EURATOM que veio a
ser revogada pela primeira. Os países membros tinham quatro anos para transpor a
directiva para o ordenamento jurídico interno.

Atendendo à opinião do Parlamento Europeu12 e do Comité Económico e Social13,


bem como às Recomendações n.º 60 da CIPR, ao princípio da justificação, optimização
e limitação das doses esta Directiva também vem aludir a diferentes grupos de pessoas
expostas: trabalhadores, aprendizes, estudantes e membros do público.

Como referido, a Recomendação n.º 60 da CIPR sugeriu a inclusão da exposição à


radiação natural por parte das tripulações de voo como exposição ocupacional. Assim, o
Título VII relativo ao aumento significativo da exposição devida a fontes de radiação
natural refere que o título é aplicável às atividades laborais não abrangidas pelo n.º 1 do
artigo 2.º sempre que a presença a fontes de radiação natural conduza a um aumento
significativo dos trabalhadores que não possa ser ignorado do ponto de vista da proteção
radiológica. Refere ainda na al. d) do n.º 2 do seu artigo 40.º que se aplica a tripulações

11
Comissão Internacional de Proteção Radiológica (2007) – The 2007 Recommendations of the
International Commission on Radiological Protection. Disponível em
http://www.icrp.org/publication.asp?id=ICRP%20Publication%20103

12
Jornal Oficial, Série C, n.º 128, 9, 5, 1994.

13
Jornal Oficial, Série C, n.º 108, de 19 de abril de 1993.
de aviões impondo a cada Estado-membro que assegure a identificação de atividades
laborais como a exemplificada que sejam suscetíveis de causar preocupação.

O artigo 42.º é expressamente relativo à proteção das tripulações de voo. Refere que
cada Estado-membro deve assegurar que as empresas de aviação “tenham em
consideração a exposição às radiações cósmicas do pessoal de voo que possa ser sujeito
a uma exposição superior a 1 mSv por ano. As empresas devem tomar medidas
adequadas, designadamente para: avaliar a exposição do pessoal em questão; ter em
consideração a exposição avaliada na organização dos horários de trabalho, a fim de
reduzir as doses das tripulações muito expostas; informar os trabalhadores em questão
sobre os riscos que o seu trabalho comporta para a saúde; e, aplicar o artigo 10.º à
tripulação feminina”.

II.3 A Diretiva n.º 2013/59/EURATOM, do Conselho, de 5 de dezembro de 2013

A Recomendação 103 da CIRP serviu de base ao escopo da Directiva


2013/59/EURATOM, do Conselho, de 5 de dezembro de 2013. A Directiva
2013/59/EURATOM revogou as Directivas 89/168/EURATOM, a Directiva
90/641/EURATOM, a Directiva 96/29/EURATOM, a Directiva 97/43/EURATOM e a
Directiva 2003/122/EURATOM e consolidou-as em um único diploma. As Directivas
revogadas consistiam em Directivas orientadas para o público, trabalhadores e pacientes.
A estrutura da nova Directiva sofreu alterações significativas, em primeiro lugar, para
permitir a incorporação de outras Directivas e, em segundo lugar, para permitir as
modificações introduzidas pela Recomendação 103 da CIPR.

De frisar que esta Directiva deve ser entendida sobre os auspícios da Directiva-Quadro, a
Directiva 89/391/CEE, do Conselho, de 12 de junho de 1989. A Directiva-Quadro foi um
importante passo para a melhoria da Segurança e Saúde no Trabalho, garantindo as
exigências mínimas de Segurança e Saúde no Trabalho enquanto que os Estados-
membros podem manter ou aprovar medidas mais exigentes. Assim, nos termos do seu
artigo 15.º, os grupos expostos a riscos especialmente sensíveis deverão ser protegidos
contra os perigos que os afectem de maneira especifica14 e, nos termos do seu artigo 16.º,
serão adoptadas Directivas individuais sendo que a Directiva-Quadro é aplicável a todas

14
Como é o caso dos riscos derivados de exposição a radiações ionizantes.
as áreas abrangidas por essas Directivas individuais. Também os nove princípios gerais
de prevenção encontram-se implicitamente vertidos na Directiva, a saber: evitar os riscos,
avaliar os riscos que não possam ser evitados, combater os riscos na origem, adaptar o
trabalho ao homem, ter em conta o estado de evolução da técnica, substituir o que é
perigoso pelo que é isento de perigo ou menos perigoso, planificar a prevenção, dar
prioridade às medidas de proteção coletiva e dar instruções aos trabalhadores.

Os trabalhos preparatórios para a elaboração de uma nova Directiva


(2013/59/EURATOM) tiveram início logo após a publicação da Recomendação de 2007
da CIPR. Nos termos do artigo 31.º do Tratado EURATOM, um grupo de especialistas
apresentou a sua opinião em 201015 à Comissão Europeia. Seguiu-se a primeira proposta
de uma Directiva em 201116. Esta proposta foi mais tarde discutida em pormenor até maio
de 2013. Por fim, a Directiva 2013/59/EURATOM foi aprovada em 5 de dezembro de
2013 e publicada no Jornal Oficial em 17 de janeiro de 2014.

No que concerne o objeto distingue três formas ou tipos de exposição, mormente a


exposição profissional, a exposição da população e a exposição médica. Assim,
estabelece normas de segurança de base uniformes para a proteção da saúde das pessoas
sujeitas a exposição profissional, exposição da população e a exposição médica contra os
perigos resultantes de radiações ionizantes. Nada é referido no diploma de 1996 quanto
ao objeto. A Directiva passa, por conseguinte, a abranger todas as situações de exposição
e categorias de exposição.

De acordo com o Preâmbulo, as disposições da Directiva deverão estabelecer uma


distinção entre as situações de exposição existentes, planeadas ou de emergência
abrangendo, desta forma, um novo enquadramento. Na Recomendação da CIPR vertida
na Publicação 103 a filosofia seguida é modificada em termos de proteção radiológica
estabelecendo estas três formas de exposição. A nova Directiva aplicar-se-á, por
conseguinte e após a sua entrada em vigor, a todas as situações planeadas, existentes ou
de emergência englobando, assim, todas as fontes relevantes de radiação incluindo o

15
Para mais desenvolvimentos, consulte http://ec.europa.eu/energy/nuclear/radiation-
protection/article_31_en.htm. Consultado em 15 de fevereiro de 2015.

16
Comissão Europeia, Proposta para uma Directiva do Conselho estabelecendo as normas de segurança de
base relativa à protecção contra os perigos resultantes de exposição a radiações ionizantes, COM/2011/0593
final.
radão, os raios cósmicos e material de ocorrência natural de radioatividade (NORM), sem
qualquer distinção entre radiação artificial e radiação natural17. Significa isto que, em
alternativa, à sua abordagem em um título específico, a proteção contra as fontes de
radiação natural fazem parte integrante dos requisitos gerais.

O âmbito de aplicação também é alargado de forma a incluir a exposição das tripulações


aeronaves e espaciais às radiações cósmicas, a exposição exterior à radiação gama dos
materiais de construção e a proteção do ambiente para além das vias ambientais
conducentes à exposição humana.

O âmbito de aplicação inclui ainda as atividades humanas que envolvam a presença de


fontes de radiação natural conducentes a um aumento significativo de exposição dos
trabalhadores ou dos elementos da população, aplicando-se em especial: à exploração de
aeronaves e veículos espaciais no que diz respeito à exposição dos trabalhadores; e, ao
tratamento de materiais que contêm radionuclídeos naturais.

Não se aplica à exposição ao nível natural de radiação como, por exemplo, dos
radionuclídeos contidos no corpo humano ou aos raios cósmicos ao nível do solo; à
exposição de membros da população ou de trabalhadores, que não sejam membros de
tripulações aéreas ou espaciais, a radiações cósmicas durante os voos ou no espaço18.

Quanto à exposição das tripulações de voo a radiações cósmicas, as mesmas devem ser
tratadas como situações de exposição planeada.

Nos termos do n.º 3 do art. 35.º da Diretiva semore que a dose efectiva recebida pela
tripulação resultante de radiação cósmica seja suscetível de exceder 6 mSv por ano
aplicam-se os requisitos previsto no Capítulo VI relativos à exposição profissional, com
as necessárias adaptações.

Se a dose efetiva para a tripulação for suscetível de ser superior a 1 mSv por ano, a
autoridade competente exige que a empresa tome as medidas necessárias para: avaliar a

17
Mundigl, Stefan (2014), Modernization and consolidation of the European Radiation Protection
Legislation: the new EURATOM Safety Standards Directive, Radiation Protection Dosimetry, 164, 1-2,
pp. 9-12, Oxford Journals, DOI: 10.1093/rpd/ncu285.

18
A alínea b) do artigo 3.º pode levantar dúvidas de interpretação. Significa que se tratarem-se de meros
passageiros de voos aéreos ou trabalhadores por conta de outrem distinto da organização empresarial
responsável pelo voo não estão abrangidos pelo âmbito de aplicação da presente Directiva.
exposição da tripulação em questão; ter em conta a exposição avaliada na organização
dos horários de trabalho de forma a reduzir as doses das tripulações muito expostas; para
informar os trabalhadores envolvidos sobre os riscos que a sua atividade acarreta bem
como sobre o registo de dose individual.

Aos membros grávidos das tripulações aéreas aplica-se o disposto no n.º 1 do art. 10.º.
Assim, a proteção conferida ao nascituro deve ser equivalente à dispensada a qualquer
membro da população. Mal a trabalhadora aérea (hospedeira de bordo, por exemplo)
informe a empresa de que está gravida a entidade empregadora deve salvaguardar que as
condições de trabalho impliquem a aferição de uma dose o mais reduzida possível e, em
último caso, que não seja provável a aferição de uma dose superior a 1mSv durante pelo
menos o resto da gravidez.

II.4 O regime jurídico português

O artigo 16.º do Decreto-lei n.º 222/2008, de 17 de novembro consagra a epígrafe


“Protecção das tripulações de voo e passageiros frequentes relativamente à exposição à
radiação cósmica” referindo-se, assim, expressamente às tripulações de voo.

Dispõe que as empresas de aviação civil devem realizar uma avaliação dos níveis de
radiação cósmica recebida pelas tripulações para cada rota que operam, a cada cinco anos.
Impõe ainda que os resultados da avaliação devem ser considerados no escalonamento de
serviços devendo procurar-se manter as exposições abaixo dos limites anuais para os
membros do público, isto é, 1 mSv. Dispõe ainda que sempre que for aprovado que, apesar
do escalonamento, os limites anuais para os membros do público podem ser superados
aplicar-se-á o disposto no n.º 1 do artigo 15.º, isto é, devem ser considerados como
trabalhadores expostos, aplicando-se os respetivos requisitos de vigilância, monitorização
e proteção radiológica adequados.

Enaltece ainda no n.º 5 o dever de informação às tripulações de voo sobre os efeitos de


exposição à radiação cósmica e consagra a proteção especial das mulheres grávidas ou
lactantes que sejam tripulações de voo remetendo para o artigo 7.º. nos termos do artigo
7.º do referido Decreto-lei a trabalhadora grávida deve comunicar o seu estado à entidade
empregadora devendo ser concedida ao nascituro uma proteção equivalente à dispensada
aos membros do público devendo a dose equivalente recebida pela criança em gestação
ser tão reduzida quanto possível e desde que não exceda 1 mSv durante a gravidez.
Quanto à mulher lactante, após informação do seu estado, a mesma não poderá
desempenhar funções que envolvam um risco significativo de contaminação.

Conclusão

Conclui-se que com a nova Directiva o regime de protecção radiológica passa a aplicar-
se às tripulações de voo de forma consistente devendo essa transposição figurar no
ordenamento jurídico português. A Directiva n.º 2013/59/EURATOM terá de transposta
ser para o ordenamento jurídico interno até 2018.

Referências

Enyinna, Paschal Ikenna (2016) - Radiological risk assessment of cosmic radiation at


aviation altitudes (a trip from Houston Intercontinental Airport to Lagos International
Airport. Journal of Medical Physics. Vol. 41, p. 205-209. Disponível em
http://www.jmp.org.in/text.asp?2016/41/3/205/189491

Comissão Europeia - Evaluation of the Cosmic Radiation Exposure of Aircraft Crew. A


background to aircrew dose evaluation with results reported within the EC contract
FIGM-CT-2000-00068 (DOSMAX). Project ID: FIGM-CT-2000-00068. Disponível em
http://cordis.europa.eu/publication/rcn/6863_en.html

Comissão Internacional de Proteção Radiológica (2015) – Radiological Protection from


Cosmic Radiation in Aviation. Annals of the ICRP. ICRP Publicação XX. Relatório para
consulta. Disponível em http://www.icrp.org/docs/TG83DraftForPublicConsultation.pdf

Comissão Internacional de Proteção Radiológica (2007) – The 2007 Recommendations


of the International Commission on Radiological Protection. Disponível em
http://www.icrp.org/publication.asp?id=ICRP%20Publication%20103

Comissão Internacional de Proteção Radiológica (1997) – General Principles for the


Radiation Protection of Workers. Disponível em
http://www.icrp.org/publication.asp?id=ICRP%20Publication%2075
Comissão Internacional de Proteção Radiológica (1991) – 1990 Recommendations of the
International Commission on Radiological Protection. Disponível em
http://www.icrp.org/publication.asp?id=ICRP%20Publication%2060%20(Users%20Edi
tion)

Comissão Internacional de Proteção Radiológica (1984) – Principles for Limiting


Exposure of the Public to Natural Sources of Radiation. Disponível em
http://www.icrp.org/publication.asp?id=ICRP%20Publication%2039

Comissão Internacional de Proteção Radiológica (1966) – Recommendations of the IRCP:


ICRP Publication 9. Disponível em
http://www.icrp.org/publication.asp?id=ICRP%20Publication%209

Decreto-lei n.º 222/2008, de 17 de novembro de 2008 que transpõe parcialmente para o


ordenamento jurídico interno a Directiva 96/29/EURATOM, do Conselho, de 13 de maio
que fixa as normas de segurança de base relativas à protecção sanitária da população e
dos trabalhadores contra os perigos resultantes das radiações ionizantes. Publicado no
Diário da República Electrónico, I Série, A, n.º 223, de 17 de novembro de 2008.

Directiva 2013/59/EURATOM, do Conselho, de 5 de dezembro de 2013 que estabelece


as normas básicas de segurança para a protecção dos perigos resultantes de exposição a
radiações ionizantes e revoga as Directivas 89/618/EURATOM, 90/641/EURATOM,
96/29/EURATOM, 97/43/EURATOM e 2003/122/EURATOM. Publicada no Jornal
Oficial, Série L, n.º 13, de 17 de janeiro de 2014.

Directiva 96/29/EURATOM de 13 de maio de 1996 que estabelece as normas de


segurança de base para a protecção da saúde dos trabalhadores e dos membros do público
contra os perigos resultantes de exposição a radiações ionizantes. Publicada no Jornal
Oficial, Série L, n.º 159, de 29 de junho de 1996.

Jornal Oficial, Série C, n.º 128, 9, 5, 1994.


Jornal Oficial, Série C, n.º 108, de 19 de abril de 1993

Mundigl, Stefan (2014), Modernization and consolidation of the European Radiation


Protection Legislation: the new EURATOM Safety Standards Directive, Radiation
Protection Dosimetry, 164, 1-2, pp. 9-12, Oxford Journals, DOI: 10.1093/rpd/ncu285.

Townsend, Lawrence W. – Radiation exposure of aircrew in high altitude flight. Journal


of Radiological Protection, Vol. 21, n.º 1 (2001), p. 1

Zeeb Hajo, Hammer Gael P, Blettner Maria.- Epidemiological investigations of aircrew:


an occupational group with low-level cosmic radiation exposure. Journal of Radiological
Protection. Vol. 32. N.º 1, p. 15-9. Doi: 10.1088/0952-4746/32/1/N15

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