ADMINISTRATIVO 01 - INTRODUÇÃO AO
ESTUDO DO DIREITO
ADMINISTRATIVO
ADM I – 2019.1
Versão 4.0
DIREITO ADMINISTRATIVO – PARTE GERAL – 2019.1 –– Profº. Francisco De Poli de Oliveira
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
PALAVRAS INICIAIS
Querido(a)s aluno(a)s,
Essa apostila está de acordo com o conteúdo das principais obras de Direito
Administrativo (parte geral), cuja compilação foi feita com base em renomadas doutrinas
publicistas, e de acordo com a bibliografia recomendada pelas mais concorridas instituições
de ensino superior.
Foi utilizada, também, a mais atual jurisprudência dos nossos tribunais superiores,
pesquisada em sites oficiais.
Procurei, sempre que tal se mostrou necessário, esquematizar os assuntos principais
para a sua melhor aprendizagem e fixação.
É certo que esse material não pretende – e nem poderia! – substituir os livros sobre a
matéria. Assim, procure sempre, dentro das possibilidades de cada um, adquirir as obras
recomendadas.
Bom estudo!
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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
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AS TRANSFORMAÇÕES DO ESTADO, DO
DIREITO ADMINISTRATIVO E A
ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA
MODERNA
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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
I – INTRODUÇÃO
1.1 A Evolução do Estado, o surgimento do Direito Administrativo e a consagração do
Estado Democrático de Direito
1. Não há como estudar, ou mesmo se situar, na organização administrativa, sem que se
compreenda o Estado Moderno. E isso se deve a um fator muito simples: o Estado se organiza
e se estrutura a partir das imposições do seu ordenamento jurídico.
5. Assim, para fins de estudo da evolução da Administração Pública a partir dos diferentes
tipos de Estado ao longo da história, tomaremos como ponto de partida o ESTADO DE
DIREITO LIBERAL.
6. Então:
REVOLUÇÃO CONSAGRAÇÃO DO
ESTADO DEMOCRÁTICO
FRANCESA
DE DIREITO
NASCIMENTO
4
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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
8. Deu-se mediante um processo evolutivo que passou por três estágios, a saber: 1º) A
concepção do Estado Liberal de Direito; 2º) O surgimento do Estado Social de Direito e, 3º) O
Estado Pós-social ou Subsidiário.
10. Antes desse estágio, ou seja, até o advento do Estado de Direito, vivia-se no
denominado ESTÁGIO DE PRÉ-DIREITO, onde não se concebia a existência de limites
impostos à atuação estatal. Era o ESTADO ABSOLUTO, ou “Estado de Polícia”, vigente nos
séculos XIV a XVIII, caracterizado pela centralização do poder nas mãos do monarca que
possuía poderes ilimitados. “A vontade do Rei era a própria vontade do Estado, a lei suprema”
(“l’Etat c’est moi”1). Temos, aqui, a irresponsabilidade civil do Estado (“The king can do
wrong”2).
1
O ESTADO SOU EU. A frase de Luís XIV "L'État c'est moi" (o Estado sou eu), proferida em 1655,
tornou-se símbolo do despotismo do ancien régime.
O desprezo votado a um interesse que seria superior ao do próprio rei - o interesse do Estado - não
fazia sentido na cabeça do então jovem Luís XIV, uma vez que o Estado e ele próprio se fundiam e
confundiam em si.
2
O rei não erra! A teoria da irresponsabilidade predominou nas monarquias absolutistas, pois o Estado
exercia plenamente a sua autoridade, não havendo por parte dos súditos a possibilidade de
contestação. A essência do Estado absolutista é a soberania, ou seja, a autoridade suprema que não
está submetida a mais ninguém.
O Estado absolutista, sendo soberano, instituía e tutelava o direito. Assim, não havia por parte do
Estado a possibilidade de violar a lei, pois em última análise todos os atos por ele praticados seriam
em princípio legais. O princípio “The King can do not wrong” e o equivalente em francês “Le roi ne peut
mal faire” (O rei não pode errar), bem como a máxima “Quod principi placuit habet legis vigorem” (Aquilo
que agrada o príncipe tem força de lei), refletem esta concepção de Estado. Celso Antônio Bandeira
de Mello expõe de maneira clara neste sentido: Com efeito, é sobejamente conhecida a frase de
Laferrière: “O próprio da soberania é impor-se a todos sem compensação”; bem como as fórmulas
regalengas que sintetizavam o espírito norteador da irresponsabilidade: “Le roi ne peut mal faire”, como
se afirmava na França, ou: “The King can do not wrong”, que é a evidente versão inglesa.
Em consequência, não se admitia que ao Estado absolutista fosse atribuída qualquer responsabilidade,
sob risco de ofender a sua soberania.
Com o advento do Estado de Direto, não fazia mais sentido isentar o Estado de responsabilidade, pois
o Estado passa a submeter-se ao império da Lei, sendo sujeito de direito, ou seja, titular de direitos e
obrigações.
Desse modo, a teoria da irresponsabilidade, que nunca foi admitida no Brasil, foi sendo superada e
deixou de ser definitivamente adotada pelas duas últimas nações que a sustentavam. Nos Estados
Unidos, a teoria foi abandonada em virtude do Federal Tort Claim Act, de 1946. Já na Inglaterra, o fim
veio com o Crown Proceeding Act, de 1947.
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11. Então, pelo fato de o Estado não se encontrar limitado pela ordem jurídica, não poderia
ser responsabilizado pelos danos eventualmente causados a terceiros (“The king can do
wrong”3)
3
A ideia de um Estado irresponsável e ilimitado nas suas ações não teve caráter absoluto,
especialmente com a consagração da TEORIA DO FISCO e o estabelecimento da “DUPLA
PERSONALIDADE DO ESTADO”. Por essa teoria, o Estado se desdobrava entre o “Estado
propriamente dito”, dotado de soberania e que não respondia pelos seus atos, e o Estado enquanto
“Fisco”, entidade que estabelecia relações jurídicas com os particulares, sendo perante eles
responsável.
6
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nas relações privadas via ATOS IMPOSITIVOS (atos administrativos) para garantir os direitos
fundamentais de 1ª geração (liberdade e propriedade);
14. O Estado teve que evoluir, pois a DESIGUALDADE SOCIAL gerada pelo
ABSTENCIONISMO do ESTADO LIBERAL gerou a necessidade da intervenção estatal nas
relações econômicas e sociais, através da imposição de normas de ordem pública.
4
Estado de bem-estar social (em inglês: Welfare State), também conhecido como Estado-providência,
é um tipo de organização política e econômica que coloca o Estado como agente da promoção
(protetor e defensor) social e organizador da economia. Nesta orientação, o Estado é o agente
regulamentador de toda vida e saúde social, política e econômica do país em parceria com sindicatos
e empresas privadas, em níveis diferentes, de acordo com o país em questão. Cabe ao Estado do bem-
estar social garantir serviços públicos e proteção à população.
Os Estados de bem-estar social desenvolveram-se principalmente na Europa, onde seus princípios
foram defendidos pela social-democracia, tendo sido implementado com maior intensidade
nos Estados Escandinavos (ou países nórdicos) tais como Suécia, Dinamarca, Noruega e Finlândia),
sob a orientação do economista e sociólogo sueco Karl Gunnar Myrdal. Ironicamente Gunnar Myrdal,
um dos principais idealizadores do Estado de bem-estar-social dividiu, em 1974, o Prêmio de Ciências
Econômicas (Prêmio Nobel) com seu rival ideológico Friedrich August von Hayek, um dos maiores
defensores do livre mercado, economista da Escola Austríaca.
Esta forma de organização político-social, que se originou da Grande Depressão, se desenvolveu ainda
mais com a ampliação do conceito de cidadania, com o fim dos governos totalitários da Europa
Ocidental (nazismo, fascismo etc.) com a hegemonia dos governos sociais-democratas e,
secundariamente, das correntes euro-comunistas, com base na concepção de que existem direitos
sociais indissociáveis à existência de qualquer cidadão.
Pelos princípios do Estado de bem-estar social, todo o indivíduo teria o direito, desde seu nascimento
até sua morte, a um conjunto de bens e serviços que deveriam ter seu fornecimento garantido seja
diretamente através do Estado ou indiretamente, mediante seu poder de regulamentação sobre a
sociedade civil. Esses direitos incluiriam a educação em todos os níveis, a assistência médica gratuita,
o auxílio ao desempregado, a garantia de uma renda mínima, recursos adicionais para a criação dos
filhos, etc.
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b) Características:
1) Intervenção estatal na economia e nas relações sociais;
2) Ampliação dos serviços públicos ➔ maior atuação do Poder Público (adoção de
modelos próprios das instituições de direito privado) ➔ SURGIMENTO DO CONTRATO
ADMINISTRATIVO!
c) Consequências:
1) Hipertrofia do aparato estatal (consequência da ampliação e concentração das
atividades administrativas pelo Estado);
2) Surgimento das EMPRESAS ESTATAIS (Empresas Públicas e Sociedades de
Economia Mista) e das CONCESSIONÁRIAS DE SERVIÇOS PÚBLICOS.
3) Crescimento desmesurado do Estado e o inchaço da sua máquina
administrativa, o que levou à ineficiência das atividades administrativas.
RETORNO DO PÊNDULO...
18. Significa dizer que o Estado devolve aos particulares diversas tarefas, especialmente
as de caráter econômico, o que implicou na criação de EMPRESAS PÚBLICAS, SOCIEDADES
DE ECONOMIA MISTA, além das privatizações dos serviços públicos.
19. Por óbvio que não se trata propriamente de um simples retorno ao ESTADO LIBERAL
pós-revolução, pois, agora, o Estado não mais abdica da intervenção na área econômica e
social.
20. Então, onde essas mudanças fixaram o seu foco? Fixaram na técnica utilizada para
essa intervenção, que deixa de ser DIRETA e passa a ser INDIRETA. Temos aqui o surgimento
da REGULAÇÃO (ESTADO REGULADOR) e do FOMENTO PÚBLICO.
8
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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
21. Assim, a intervenção estatal direta estará ausente quando a sociedade for capaz de
atender aos interesses sociais. Há, portanto, uma valorização da sociedade como um todo na
satisfação do interesse público, devendo o Estado, meramente, criar condições materiais para
que os cidadãos possam atuar.
APB APG
X
• Descentralização;
• Avaliação de Desempenho.
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3º) SERVIÇOS São os prestados para a coletividade que não exigem o poder de
NÃO autoridade do Estado. Exemplo: saúde, educação, etc.
EXCLUSIVOS
d) Características:
1. Ausência da intervenção direta quando a sociedade for capaz de atender aos
interesses sociais;
2. Implementação de parcerias com particulares;
3. A intervenção passa a ser indireta (REGULAÇÃO);
4. O NÚCLEO ESTRATÉGICO é inerente ao Estado, cuja delegação é vedada;
5. Art. 173, da CRFB5.
5
Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade
econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional
ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de
suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de
prestação de serviços, dispondo sobre:
I - sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade;
II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e
obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários;
III - licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da
administração pública;
IV - a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a participação de
acionistas minoritários;
V - os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores.
§ 2º - As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios
fiscais não extensivos às do setor privado.
§ 3º - A lei regulamentará as relações da empresa pública com o Estado e a sociedade.
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II – DESENVOLVIMENTO
2.1 A Organização Administrativa em Setores
23. São os seguintes os setores da organização administrativa:
SETORES DA ORGANIZAÇÃO
ADMINISTRATIVA
BRASILEIRA
Estão a meio
caminho entre o
ESTADO e o
MERCADO
§ 4º - A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação
da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.
§ 5º - A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá
a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados
contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.
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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO
DIREITO ADMINISTRATIVO
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I – INTRODUÇÃO
1.1 Elementos Introdutórios
1. Direito Administrativo é um ramo do Direito Público tal como o Constitucional, o
Tributário, o Penal, etc. Ele tem por finalidade precípua o estudo dos princípios e das normas
reguladoras entre as pessoas e os órgãos do Estado, é recente (final do século XIX) e não foi
ainda codificado. O que vigora são leis específicas e legislação esparsa. Mas é importante
frisar que essa falta de codificação não o induz à ausência de autonomia.
2. Vejamos, por exemplo, a desapropriação. Para tal temos que acessar o DL nº. 3.365/41,
que está em vigor desde a época Vargas!
5. Importante se faz, portanto, analisar os conceitos desse eminentes publicistas para que
se possa “montar” um conceito que venha a atender as exigências dos concursos públicos
mais importantes.
6
Mazza, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2011.
13
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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
Maria “É o ramo do Direito Público que “Órgãos, agentes Põe em evidência como
Sylvia tem por objeto os órgãos, agentes e as pessoas objeto do Direito
Zanella Di e pessoas jurídicas integrantes da Administrativo os
Pietro administrativas que integram a Administração “ÓRGÃOS, AGENTES E AS
Administração Pública, a atividade Pública no campo PESSOAS INTEGRANTES
jurídica não contenciosa que jurídico não DA ADMINISTRAÇÃO
exercer e os bens de que se utiliza contencioso” PÚBLICA NO CAMPO
para a consecução de seus fins, JURÍDICO NÃO
de natureza pública” CONTENCIOSO”
7. Como pode ser observado nos conceitos acima, o Direito Administrativo é o ramo
que estuda “princípios e normas”. Assim, importante se faz alguns esclarecimentos sobre
as expressões utilizadas nesses conceitos, principalmente quando é evidenciado que o Direito
Administrativo é “o conjunto de normas e princípios (...)”.
14
DIREITO ADMINISTRATIVO – PARTE GERAL – 2019.1 –– Profº. Francisco De Poli de Oliveira
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
7
Mazza, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2011.
8
Norma cogente é aquela que constrange a quem se aplica, tornando seu cumprimento obrigatório de
maneira coercitiva.
15
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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
9
Princípio da harmonização ou concordância prática ou cedência recíproca: como os conflitos
entre normas constitucionais são apenas aparentes, cabe ao intérprete harmonizar as normas que
sejam aparentemente conflitantes. Isso se faz com base na ponderação de valores, percebendo que,
no conflito entre duas normas constitucionais, qualquer delas pode prevalecer, o que só se saberá de
acordo com o caso concreto. Apesar disso, deve-se sempre buscar a máxima efetividade dos valores
em confronto. Esse princípio possui especial relevância no estudo dos conflitos entre direitos
fundamentais. Por exemplo: no conflito entre o direito à vida e a liberdade de religião, tanto a vida pode
prevalecer, quanto pode a liberdade de religião "ganhar" esse conflito aparente (cedência recíproca) –
isso só se resolverá de acordo com o caso concreto. Mas, em qualquer caso, afirmar que "a vida ganha"
não significa retirar a validade da liberdade de religião.
10
Regras e princípios ("conflito" versus "colisão"): o Direito se expressa por meio de normas. As normas
se exprimem por meio de regras ou princípios. As regras disciplinam uma determinada situação;
quando ocorre essa situação, a norma tem incidência; quando não ocorre, não tem incidência. Para as
regras vale a lógica do tudo ou nada (Dworkin). Quando duas regras colidem, fala-se em "conflito"; ao
caso concreto uma só será aplicável (uma afasta a aplicação da outra). O conflito entre regras deve
ser resolvido pelos meios clássicos de interpretação: a lei especial derroga a lei geral, a lei posterior
afasta a anterior etc. Princípios são as diretrizes gerais de um ordenamento jurídico (ou de parte dele).
Seu espectro de incidência é muito mais amplo que o das regras. Entre eles pode haver "colisão", não
conflito. Quando colidem, não se excluem. Como "mandados de otimização" que são (Alexy), sempre
podem ter incidência em casos concretos (às vezes, concomitantemente dois ou mais deles).
11
Indicam normas para orientar o agir humano. Indicam que certos atos se constituem obrigatórios
para as pessoas.
12
Modais deônticos básicos das normas jurídicas. Pertencendo ao mundo da ética - daquilo
que DEVE SER - a norma jurídica opera com três modais deônticos básicos: proibição (é proibido
fumar neste recinto); obrigatoriedade (é obrigatório conceder férias anuais para os
empregados); permissão (não obriga, nem proíbe, apenas dá prerrogativa ou faculdade ao
destinatário para fazer ou não, como em é permitido casar). Esses modais podem, no ordenamento
jurídico, surgir misturados. Ex: o nosso CC, ao disciplinar o casamento, estatui que todos podem se
casar (é permitido casar), mas é obrigatório que os nubentes sejam maiores ou, nos limites legais,
tenham autorização dos pais ou responsáveis, sendo proibido o casamento entre menores
absolutamente incapazes, entre ascendentes e descendentes, entre irmãos, etc.
Há normas cuja formulação lógica não se enquadra em qualquer desses três modais
deônticos. Ex. art. 579 do CC, que define comodato como empréstimo gratuito de coisas não fungíveis.
Essa norma não encerra, em si, nem proibição, nem obrigação, nem permissão. Mas mesmo quando
a formulação lógica da norma não expressa um dever ser, sua natureza jurídica é de ordem, de
16
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11. É clássica a distinção de Ulpianus que, desde o Direito Romano, separava da “árvore
jurídica” (metáfora do Direito, considerado “uno”) dois ramos importantes: o direito público e o
direito privado15.
12. Esquematicamente:
"RAMOS" DO
DIREITO
DIREITO
DIREITO PÚBLICO
PRIVADO
prescrição, sua essência é sempre de dever ser _ deve ser cumprida, sob pena de aplicação de uma
sanção.
13
TAXIONOMIA é a natureza jurídica de determinado instituto do Direito.
14
Em contraposição às disposições do Direito Público Internacional, que tratam, grosso modo, de
assuntos exteriores do Estado.
15
Na realidade, apesar de Ulpianus ter se referido à distinção entre direito público e privado na
Antiguidade, a maior parte das disciplinas públicas, como o Direito Administrativo e o Direito
Constitucional, tem origem no fim do século XVIII e início do século XIX, em decorrência da Revolução
Francesa. A partir daí houve o desenvolvimento de princípios que lhes conferiram autonomia, como a
legalidade, a separação de poderes e a submissão do Estado aos tribunais, o que inclui a possibilidade
de responsabilização pelos danos causados. Antes desse período, não se pode dizer tecnicamente
que tenha havido um direito público.
17
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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
15. E é desse conceito que devemos extrair os elementos que são de vital importância
tanto para a sua compreensão, quanto para os diversos quesitos que são cobrados em
concursos públicos. Vejamos cada um deles:
16
Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o
Judiciário.
18
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17
Esse caráter primário da atuação legislativa é coerente com a origem do estado de Direito. O sentido
maior da Revolução francesa e dos movimentos constitucionalistas foi a ampliação das competências
do parlamento em relação aos outros Poderes.
18
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios
e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou
diretamente, nos termos desta Constituição.
19
Historicamente, os parlamentares surgiram como legítimos representantes do povo, enquanto o
Poder Executivo, herdeiro da função antes exercida pelos monarcas, representava diretamente os
interesses do Estado. O sentido maior da Revolução francesa e dos movimentos constitucionalistas foi
a ampliação das competências do parlamento em relação aos outros Poderes. Assim, atualmente,
considera-se que as leis constituem direta manifestação da vontade popular (art. 1º, parágrafo único,
da CRFB), e a primariedade da função legislativa reforça que o Executivo e o Judiciário são meros
aplicadores da vontade do povo.
19
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PODERES
PODERES
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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
o que o povo autoriza, por meio de leis promulgadas por seus representantes eleitos. Este,
portanto, é o caráter infralegal da função administrativa.
25. Para uma melhor compreensão desse elemento, vamos nos valer da Pirâmide
Kelsiana. Assim:
CRFB
LEIS
ATOS ADM
26. Como se pode ver, a Constituição ocupa o ápice da pirâmide. Num patamar
intermediário estão as leis e, no patamar mais baixo, os atos administrativos. Então, qual é a
conclusão que podemos extrair dessa hierarquização? Concluímos que os ATOS
ADMINISTRATIVOS ESTÃO HIERARQUICAMENTE SUBMETIDOS AOS DISPOSITIVOS
LEGAIS. E é por essa razão que sempre que um ato administrativo violar norma legal será
inválido.
27. Lembrem-se:
21
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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
30. Por derradeiro, importa salientar que esses poderes não são personalíssimos, ou seja,
não pertencem aos agentes em particular. São, sim, INSTRUMENTOS A SERVIÇO DA
FUNÇÃO PÚBLICA20.
1.3.2 Sentidos21
33. São dois os sentidos do Direito Administrativo: o subjetivo e o objetivo. Vejamos,
esquematicamente:
20
Prova disso pode ser observada quando o agente público está afastado das suas funções, situação
na qual tais poderes são inaplicáveis.
21
NOHARA, Irene Patrícia. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2016.p.06.
22
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SENTIDOS
35. Assim, partindo-se da distinção entre planejar e executar, diz-se que a Administração
Pública, em sentido amplo, contém:
23
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SENTIDO AMPLO
(Conteúdo)
SUBJETIVAMENTE OBJETIVAMENTE
36. Convém salientar que, apesar de ser polemica a diferenciação entre função política e
função administrativa, sendo que grosso modo se entende que os contornos da função
política22 seriam objeto mais próximo do estudo do Direito Constitucional, diz-se que a
Administração Pública em sentido estrito envolve apenas órgãos administrativos no
desempenho da função administrativa.
37. Assim:
22
Uma vez que na atualidade se discute a judicialização das políticas públicas, não sendo mais correto
dizer que o judiciário não poderá analisa-las à luz das diretrizes da Constituição Federal. Ademais,
entende-se também que “não há uma categoria de atos políticos, como entidade ontológica autônoma
na escala dos atos estatais, nem há um órgão ou Poder que os pratique com privatividade”.
24
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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
40. O Regime Jurídico Administrativo deve ser pensado a partir de duas premissas.
Vejamos, esquematicamente:
PREMISSAS DO REGIME
JURÍDICO ADMINISTRATIVO
42. Agora, uma pergunta: a Administração Pública desempenha apenas atividades sob o
regime jurídico integralmente público?
25
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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
43. A resposta é negativa. Existem situações nas quais o Estado desenvolve atividades
econômicas em sentido estrito, isto é, em que atua no mercado, sob regime privado,
parcialmente derrogado pelo Direito Público (será estudado ao longo do curso).
44. Essas atividades são normalmente realizadas através das EMPRESAS PÚBLICAS e
SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA em virtude de IMPERATIVOS DA SEGURANÇA
NACIONAL ou de RELEVANTE INTERESSE COLETIVO, conforme exigência expressa no art.
173, caput, da CRFB23.
23
Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade
econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional
ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
24
Exceto no caso da desapropriação, em que se sabe que haverá um “sacrifício” de direito,
acompanhado da devida indenização, como medida compensatória.
25
Práxis é uma palavra com origem no termo em grego praxis que significa conduta ou ação.
Corresponde a uma atividade prática em oposição à teoria.
Este termo é abordado por vários campos de conhecimento, como filosofia e psicologia, que classificam
práxis como uma atividade voluntária orientada para um determinado fim ou resultado. Vários
pensadores mencionaram o conceito de práxis nas suas obras, como Karl Marx e Jean Paul Sartre,
este último na sua obra intitulada Critique de la Raison Dialectique (Crítica da Razão Dialética).
26
Oligarquia é um termo que tem origem na palavra grega "oligarkhía" cujo significado literal é
“governo de poucos” e que designa um sistema político no qual o poder está concentrado em um
pequeno grupo pertencente a uma mesma família, um mesmo partido político ou grupo econômico.
26
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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
Estado
É produto
DIREITO Sociedade
do(a)
Mercado
27
Direito consuetudinário é o direito que surge dos costumes de uma certa sociedade, não passando
por um processo formal de criação de leis, no qual um poder legislativo cria leis, emendas
constitucionais, medidas provisórias etc.
É mencionado, por exemplo, no art. 376 do CPC/2015: “A parte que alegar direito municipal, estadual,
estrangeiro ou consuetudinário provar-lhe-á a teor e a vigência, se assim o juiz determinar”.
28
A Lex mercatoria foi um sistema jurídico desenvolvido pelos comerciantes da Europa medieval e que
se aplicou aos comerciantes e marinheiros de todos os países do mundo até o século XVII.
27
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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
Realidade Social
INTERPRETAÇÃO e
APLICAÇÃO do DIREITO Há que ser considerada Realidade Econômica
ADMINISTRATIVO
Consequências
ecorrentes das
decisões
administrativas
51. É possível afirmar, destarte, que o Direito não se resume ao legalismo, existindo,
portanto, uma pluralidade de fontes na atualidade. Em razão dos impactos tecnológicos e do
desenvolvimento de setores da economia, é possível encontrar, no interior do próprio Estado,
uma pluralidade de subsistemas jurídicos (Teoria dos ordenamentos setoriais), pautados por
princípios, conceitos e estruturas hierárquicas específicas de cada setor (ex:
telecomunicações, energia etc.).
53. As fontes do Direito podem ser classificadas de diversas formas. São elas:
a) fontes formais: são aquelas que emanam do Estado, criadas por meio de
processos formais estabelecidos pela ordem jurídica (ex.: lei); e fontes materiais (ou reais):
são produzidas fora do ambiente institucional (ex.: costumes);5
b) fontes imediatas ou diretas: são aquelas que possuem força suficiente para gerar
normas jurídicas (ex.: lei e costume); e fontes mediatas ou indiretas: não possuem força
suficiente para produção de normas jurídicas, mas condicionam ou influenciam essa produção
(ex.: doutrina e jurisprudência);
c) fontes escritas (ex.: lei em sentido amplo) e fontes não escritas (jurisprudência,
costumes e os princípios gerais de direito).
54. Esquematicamente:
28
DIREITO ADMINISTRATIVO – PARTE GERAL – 2019.1 –– Profº. Francisco De Poli de Oliveira
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
FONTES DO
DIREITO
ADMINISTRATIVO
PRECEITOS PRECEDENTES
JURISPRUDÊNCIA DOUTRINA COSTUMES ADMINISTRATIVOS
NORMATIVOS
DO E PRAXE
ORDENAMENTO ADMINISTRATIVA
JURÍDICO
55. LEI (JURIDICIDADE): a lei, como fonte do Direito Administrativo, deve ser considerada
em seu sentido amplo para abranger as normas constitucionais, a legislação
infraconstitucional, os regulamentos administrativos e os tratados internacionais.
56. Trata-se da ideia de juridicidade segundo a qual o administrador deve respeitar a lei e
o Direito. Em virtude do processo de constitucionalização do ordenamento jurídico, o Direito
Administrativo deve ser (re)interpretado à luz do texto constitucional, fato que demonstra a
necessidade de releitura de alguns institutos jurídicos clássicos para se adequarem aos
direitos fundamentais e demais normas constitucionais vigentes.
29
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-
lhe:
(...)
§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de
inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos
e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública
direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.
30
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de
dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula
que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos
do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal,
bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
29
DIREITO ADMINISTRATIVO – PARTE GERAL – 2019.1 –– Profº. Francisco De Poli de Oliveira
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca
das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que
acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.
§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de
súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.
§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente
a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato
administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou
sem a aplicação da súmula, conforme o caso.
31
STF, Tribunal Pleno, MI 670/ES, Rel. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, j. 25.10.2007, DJe 31.10.2008;
STF, Tribunal Pleno, MI708/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 25.10.2007, DJe 31.10.2008; STF, Tribunal
Pleno, MI 712/PA, Rel. Min. Eros Grau, j.25.10.2007, DJe 31.10.2008, Informativo de Jurisprudência
do STF n. 485.
61. Existem dois elementos inerentes aos costumes: (a) elemento objetivo: repetição de
condutas; e (b) elemento subjetivo: convicção de sua obrigatoriedade.
31
DIREITO ADMINISTRATIVO – PARTE GERAL – 2019.1 –– Profº. Francisco De Poli de Oliveira
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
62. Os costumes podem ser divididos em três espécies: (a) secundum legem: é o previsto
ou admitido pela lei; (b) praeter legem: é aquele que preenche lacunas normativas, possuindo
caráter subsidiário, conforme previsão contida no art. 4.º da LINDB 32; e (c) contra legem: é o
que se opõe à norma legal33.11
63. A consagração do costume como fonte autônoma do Direito Administrativo não é livre
de polêmicas. Parte da doutrina nega a possibilidade de reconhecimento do denominado
“Direito Administrativo consuetudinário”, uma vez que a sua observância depende do seu
acolhimento pela lei, como ocorre, por exemplo, no Direito Tributário (art. 100 do CTN 34).12
64. Outra parcela da doutrina sustenta que os costumes somente são considerados fontes
quando criam direitos para os particulares perante a Administração, sendo vedada a instituição
de deveres em razão do princípio da legalidade.
65. Rafael Carvalho Rezende de Oliveira entende que, ressalvado o costume contra
legem, o costume é fonte autônoma do Direito Administrativo35. A releitura do princípio da
legalidade, com a superação do positivismo, a textura aberta de algumas normas jurídicas e a
32
Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os
princípios gerais de direito.
33
Os costumes, em determinados sistemas jurídicos, apresentam normatividade superior (ex.: Direito
Romano clássico e common law inglês) ou igual às leis (Direito canônico). Todavia, após a instituição
do regime constitucional, prevalece a ideia de que os costumes são inferiores às leis. Não é possível o
consuetudo contre legem, mas apenas o consuetudo praeter legem e, excepcionalmente o consuetudo
secundum legem. Nesse sentido: SANTAMARÍA PASTOR, Juan Alfonso. Principios de derecho
administrativo general. Madrid: Iustel, 2004. v. I, p. 154.
34
Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos
decretos:
I - os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas;
II - as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa, a que a lei atribua
eficácia normativa;
III - as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas;
IV - os convênios que entre si celebrem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.
Parágrafo único. A observância das normas referidas neste artigo exclui a imposição de penalidades,
a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo.
35
Nesse sentido: CASSAGNE, Juan Carlos. Derecho administrativo. 8. ed. Buenos Aires: Abeledo-
Perrot, 2006. t. I, p. 206-208; CASTRO NETO, Luiz de. Fontes do direito administrativo. São Paulo:
CTE Editora, 1977. p. 80-90. Registre-se que os costumes são considerados fontes do Direito
Constitucional (ex.: possibilidade de promulgação de partes de Propostas de Emendas Constitucionais,
que já foram aprovadas nas duas Casas do Congresso Nacional, sem prejuízo do exame das outras
partes que ainda não foram objeto de deliberação final). Nesse sentido: MENDES, Gilmar Ferreira;
COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 2. ed.
São Paulo: Saraiva, 2009. p. 21-22.
32
DIREITO ADMINISTRATIVO – PARTE GERAL – 2019.1 –– Profº. Francisco De Poli de Oliveira
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
68. O precedente administrativo pode ser conceituado como a norma jurídica retirada de
decisão administrativa anterior, válida e de acordo com o interesse público, que, após decidir
determinado caso concreto, deve ser observada em casos futuros e semelhantes pela mesma
entidade da Administração Pública.
70. A teoria dos precedentes administrativos é aplicada em relações jurídicas distintas que
apresentam identidade subjetiva (mesmo ente federativo e/ou a mesma entidade
administrativa) e objetiva (semelhança entre os fatos envolvidos no precedente administrativo
e no caso atual).
36
A jurisprudência e a doutrina majoritária têm reconhecido essa possibilidade, malgrado a inexistência
de previsão normativa expressa. Vide, por exemplo: STJ, 2.ª Turma, RMS 24.675/RJ, Rel. Min. Mauro
Campbell Marques, DJe 23.10.2009, Informativo de Jurisprudência do STJ n. 411; BARROSO, Luís
Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro . 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 69-
71.
33
DIREITO ADMINISTRATIVO – PARTE GERAL – 2019.1 –– Profº. Francisco De Poli de Oliveira
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
73. Nesses casos, é possível aplicar a teoria denominada prospective overruling, segundo
a qual os tribunais, ao mudarem suas regras jurisprudenciais, podem, por razões de segurança
jurídica (boa-fé e confiança legítima), aplicar a nova orientação apenas para os casos
futuros.18
74. Assim, por exemplo, no âmbito do controle de legalidade dos atos administrativos, a
autoridade administrativa pode determinar a incidência de efeitos prospectivos de suas
respectivas decisões a partir da aplicação analógica do art. 27 da Lei 9.868/1999 ou de regras
específicas, como ocorre no Estado do Rio de Janeiro (art. 53, § 3.º, da Lei 5.427/2009).
75. Em determinadas hipóteses, o caráter vinculante dos precedentes tem previsão legal
expressa, como ocorre, por exemplo, no caso do art. 40, § 1.º, da LC 73/1993, que institui a
Lei Orgânica da AGU, ao dispor que o parecer aprovado e publicado com o despacho
presidencial vincula a Administração Federal, cujos órgãos e entidades ficam obrigados a lhe
dar fiel cumprimento.19
77. PRAXE ADMINISTRATIVA: a praxe administrativa, por sua vez, é a atividade interna,
reiterada e uniforme da Administração Pública na aplicação das normas e atos jurídicos
(exemplo: a pesquisa de preços na fase interna da licitação ou na dispensa de licitação, com
a obtenção de, no mínimo, três orçamentos de fornecedores distintos).20
79. Outra diferença que pode ser mencionada refere-se ao fato de que o precedente não
exige reiteração de decisões administrativas no mesmo sentido, sendo suficiente uma decisão
34
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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
administrativa para que esta seja considerada precedente a ser observado em casos
semelhantes. A praxe administrativa, assim como os costumes, pressupõe a reiteração
uniforme de condutas internas da Administração.
80. De qualquer forma, as referidas diferenças não são tão significativas, uma vez que as
duas hipóteses refletem comportamentos administrativos ou manifestações jurídicas que
repercutem de forma semelhante na ação estatal e nos interesses dos cidadãos.
83. O direito não pode ser desconectado dos fatos. As disposições genéricas e abstratas
devem ser conformadas à realidade com o objetivo de garantir a justiça e a equidade. O texto
legal é ponto inicial da interpretação e da aplicação das normas jurídicas que deve ser
complementado com a realidade. Isso significa que a interpretação jurídica é contextualizada,
isto é, o sentido da norma depende do respectivo contexto histórico, social, econômico e
político em que se encontra inserida.24
84. Existem, por certo, significados mínimos que antecedem o processo de interpretação.
As palavras, utilizadas pelo texto, limitam e condicionam, de alguma forma, as possibilidades
de significados que podem ser atribuídos pelo intérprete. Ainda que impreciso o conceito
previsto na lei (conceito jurídico indeterminado), é possível extrair da expressão uma “certeza
negativa” (situações que certamente não se inserem no conceito) e uma “certeza positiva”
(hipóteses que certamente se encaixam no conceito). Entre essas duas “zonas de certezas”,
existe a chamada “zona de penumbra” ou “de incerteza” em que a definição do conceito
demanda uma criatividade maior do intérprete.
85. É por essa razão que não se deve confundir o texto da lei ou o dispositivo legal com o
conceito de normas jurídicas37. Por mais precisa que seja a disposição legal, sempre será
necessária a interpretação, não devendo ser admitida a máxima in claris non fit interpretatio.
37
Não existe relação necessária entre texto e norma, sendo viável a existência de norma sem
dispositivo (ex.: princípio da segurança jurídica não possui dispositivo específico no texto
constitucional), dispositivo sem norma (ex.: enunciado constitucional que prevê a “proteção de Deus”),
dispositivo com várias normas (ex.: dispositivo que exige lei para instituição e majoração de tributos
gera diversas normas, tais como o princípio da legalidade, da tipicidade, proibição de regulamentos
independentes e proibição de delegação legislativa) e vários dispositivos e uma norma (ex.: princípio
da segurança jurídica é retirado da leitura de vários dispositivos que garantem a legalidade, a
irretroatividade e a anterioridade). ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação
dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 22; GRAU, Eros. Ensaio e discurso sobre a
interpretação/aplicação do direito. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 80-82.
36
DIREITO ADMINISTRATIVO – PARTE GERAL – 2019.1 –– Profº. Francisco De Poli de Oliveira
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
86. A clareza dos dispositivos legais somente pode ser auferida após o processo de
interpretação. Em outras palavras: a clareza não é a premissa, mas resultado da interpretação.
TEORIA SIGNIFICADO
MENS a interpretação busca compreender a vontade do legislador.
LESGISLATORIS
(SUBJETIVA)
MENS LEGIS o objetivo da interpretação é encontrar a vontade da lei. Tem
(OBJETIVA): prevalecido a teoria objetiva, especialmente pelo fato de ser
impossível admitir a existência, no interior do complexo processo
legislativo, da vontade de um legislador consagrada no texto da
lei.2
CATEGORIA SIGNIFICADO
AUTÊNTICA É a interpretação pelo próprio legislador que elabora normas (“leis
interpretativas”) destinadas ao esclarecimento de outras normas
jurídicas.
JUDICIAL É a interpretação por órgãos do Poder Judiciário.
DOUTRINÁRIA É a interpretação levada a efeito pela doutrina.
Existem vários caminhos possíveis que podem ser percorridos na
busca da mens legis (interpretação objetiva). São os chamados
métodos de interpretação, que podem ser enumerados da
seguinte forma:
a) interpretação lógico-gramatical: a atividade interpretativa
tem por objetivo compreender os significados das palavras
utilizadas pela norma;
37
DIREITO ADMINISTRATIVO – PARTE GERAL – 2019.1 –– Profº. Francisco De Poli de Oliveira
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
90. Todos os métodos de interpretação acima citados são importantes e devem ser
considerados pelo intérprete. Todavia, diante dos denominados “casos difíceis”, em que a
utilização dos diferentes métodos leva a resultados diferentes no caso concreto, a doutrina tem
dado primazia aos métodos sistemático e teleológico.
93. A analogia decorre da máxima ubi eadem legis ratio, ibi eadem legis dispositio, ou seja,
onde existe a mesma razão, deve ser aplicada a mesma disposição, o que decorre do princípio
da igualdade. Existem duas espécies de analogia:
38
Em sentido semelhante, o art. 108 do CTN dispõe: “Na ausência de disposição expressa, a
autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada:
I – a analogia; II – os princípios gerais de direito tributário; III – os princípios gerais de direito público;
IV – a equidade”.
38
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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
94. Enquanto a analogia legis busca regra existente aplicável a caso semelhante, a
analogia iuris procura nos princípios gerais de Direito a solução para integração da lacuna.
95. Tanto a analogia legis quanto a analogia iuris podem ser utilizadas para supressão de
lacunas no Direito Administrativo39. No entanto, a legitimidade da utilização da analogia
depende do respeito ao princípio federativo, bem como da necessidade de prestigiar a
autonomia desse ramo do Direito.
96. Por essa razão, a analogia deve ser feita, preferencialmente, com normas jurídicas de
Direito Administrativo, sobretudo com base nas normas editadas pelo Ente Federado
respectivo ou com base nas normas gerais ou constitucionais, devendo ser evitada a aplicação
analógica de normas de Direito Privado40. Ex.: aplicação analógica do art. 21 da Lei
4.717/1965, que estabelece o prazo prescricional de cinco anos para propositura da ação
popular, à ação civil pública41.
39
É importante notar que alguns autores admitem apenas a analogia legis no Direito Administrativo,
refutando a utilização da analogia iuris, uma vez que a criação de uma norma analógica a partir de todo
o sistema jurídico contraria o sistema rígido de reserva legal da ação do Estado. Nesse sentido:
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2009. p. 123.
40
Em sentido semelhante: WILLEMAN, Flávio de Araújo; MARTINS, Fernando Barbalho. Direito
administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. v. 6, p. 5. Por essa razão, o STJ não admitiu a
aplicação, por analogia, do instituto da recondução previsto no art. 29, I, da Lei 8.112/1990 a servidor
público estadual nos casos de omissão na legislação estadual (STJ, 2.ª Turma, RMS 46.438/MG, Rel.
Min. Humberto Martins, DJe 19.12.2014, Informativo de Jurisprudência do STJ n. 553). O mesmo STJ
utilizou a analogia com as normas do Direito Administrativo, e não do Direito Civil para fixar o prazo de
cinco anos para tomada de contas especial pelo TCU (REsp 1.480.350/RS, Rel. Min. Benedito
Gonçalves, DJe 12.04.2016, Informativo de Jurisprudência do STJ n. 581).
41
STJ, 2.ª Seção, REsp 1.070.896/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 04.08.2010, Informativo de
Jurisprudência do STJ n. 430)
39
DIREITO ADMINISTRATIVO – PARTE GERAL – 2019.1 –– Profº. Francisco De Poli de Oliveira
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
97. Por fim, a analogia não pode ser utilizada para fundamentar a aplicação de sanções
ou gravames aos particulares, especialmente no campo do poder de polícia e do poder
disciplinar42.
DUALIDADE DE JURISDIÇÃO
Contencioso Administrativo)
Tribunal de Conflitos:
decide a jurisdição competente
42
Nesse sentido: CASSAGNE, Juan Carlos. Derecho administrativo. 8. ed. Buenos Aires: Abeledo-
Perrot, 2006. t. I, p. 214; BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. Princípios gerais de direito
administrativo. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. v. I, p. 415. Ademais, a analogia não poderá resultar
na exigência de tributo não previsto em lei, conforme vedação contida no art. 108, § 1.º, do CTN.
43
Mazza, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2011.
40
DIREITO ADMINISTRATIVO – PARTE GERAL – 2019.1 –– Profº. Francisco De Poli de Oliveira
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
102. Os fundamentos históricos para este sistema estão intimamente ligados com a
Revolução Francesa (1789). Antes dela, a França era uma monarquia absolutista que possuía
os poderes estatais centralizados na figura do rei. Assim, os órgãos judiciais eram todos
nomeados pelo monarca, motivo pelo qual dificilmente julgavam contrariamente aos interesses
da coroa. Com a Revolução Francesa, contudo, foi aprovada em 1790 uma lei que proibia os
magistrados de decidir causas de interesse da Administração Pública. O contencioso
administrativo surgiu, portanto, como consequência de séculos de domínio monárquico que a
revolução pretendia enterrar para sempre.
44
Art. 13. As funções judiciárias são distintas e permanecerão sempre separadas das funções
administrativas. Não poderão os juízes, sob pena de prevaricação, perturbar de qualquer modo as
operações dos corpos administrativos, nem citar diante de si os administradores por motivo das funções
que estes exercem.
41
DIREITO ADMINISTRATIVO – PARTE GERAL – 2019.1 –– Profº. Francisco De Poli de Oliveira
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
105. O contencioso administrativo foi sofrendo evoluções com o passar do tempo. A sua 1ª
fase foi a do administrador-juiz, quando a própria Administração decidia os seus conflitos com
os particulares, já que o Judiciário não podia fazê-lo. Era a Administração, ao mesmo tempo,
juiz e parte.
AUTOR RÉU
(ADM PÚBLICA)
107. Mais adiante, no ano VIII, começa a se desenvolver uma verdadeira jurisdição
administrativa, com a criação do Conselho de Estado, que só passa a exercer função
verdadeiramente jurisdicional a partir de 1872 (2ª fase), quando se tornou independente e suas
decisões deixaram de submeter-se ao chefe de Estado. É a partir daqui que se desenvolveram
inúmeros princípios informativos do Direito Administrativo que foram incorporados ao regime
jurídico de inúmeros outros países.
108. Já a autonomia do Direito Administrativo (3ª fase), ou seja, a sua posição como ciência
dotada de objeto, método, institutos, princípios e regime jurídico próprios, começou a
conquistar-se após o caso Blanco (1873). Esse famoso caso envolveu uma menina (Agnès
Blanco) que, ao atravessar uma rua da cidade francesa de Bordeaux, foi colhida por uma
vagonete da Companhia de Manufatura de Fumo, que transportava matéria-prima de um para
42
DIREITO ADMINISTRATIVO – PARTE GERAL – 2019.1 –– Profº. Francisco De Poli de Oliveira
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
Tribunal des conflits - février 1873 – Blanco - Compétence du juge administratif pour connaître de la responsabilité
à raison des dommages causés par des services publics
Analyse
Par l’arrêt Blanco, le Tribunal des conflits consacre à la fois la responsabilité de l’État à raison des dommages
causés par des services publics et la compétence de la juridiction administrative pour en connaître.
Une enfant avait été renversée et blessée par un wagonnet d’une manufacture de tabac, exploitée en régie par
l’État. Le père avait saisi les tribunaux judiciaires pour faire déclarer l’État civilement responsable du dommage,
sur le fondement des articles 1382 à 1384 du code civil. Le conflit fut élevé et le Tribunal des conflits attribua la
compétence pour connaître du litige à la juridiction administrative.
L’arrêt Blanco consacre ainsi la responsabilité de l’État, mettant fin à une longue tradition d’irresponsabilité, qui ne
trouvait d’exceptions qu’en cas de responsabilité contractuelle ou d’intervention législative, telle la loi du 28
pluviôse an VIII pour les dommages de travaux publics. Il soumet toutefois cette responsabilité à un régime
spécifique, en considérant que la responsabilité qui peut incomber à l’État du fait du service public ne peut être
régie par les principes qui sont établis dans le code civil pour les rapports de particulier à particulier. La nécessité
d’appliquer un régime spécial, justifié par les besoins du service public, est ainsi affirmée. Le corollaire de
l’existence de règles spéciales réside dans la compétence de la juridiction administrative pour connaître de cette
responsabilité, en application de la loi des 16 et 24 août 1790, qui interdit aux tribunaux judiciaires de “troubler, de
quelque manière que ce soit, les opérations des corps administratifs”. Au-delà même de la responsabilité, l’arrêt
reconnaît le service public comme le critère de la compétence de la juridiction administrative, affirme la spécificité
43
DIREITO ADMINISTRATIVO – PARTE GERAL – 2019.1 –– Profº. Francisco De Poli de Oliveira
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
des règles applicables aux services publics et établit un lien entre le fond du droit applicable et la compétence de
la juridiction administrative.
Si l’arrêt Blanco est à bien des égards fondateur du droit administratif, l’évolution ultérieure de la jurisprudence
doit conduire à nuancer les règles qu’il dégage en matière de répartition des compétences. Le service public n’est
plus un critère absolu de la compétence du juge administratif: en particulier, les litiges relatifs à des services publics
industriels et commerciaux relèvent en principe de la juridiction judiciaire (voir T.C. 22 janvier 1921, Société
commerciale de l’Ouest africain , p. 91). Or la transformation du service des tabacs et des allumettes en entreprise
publique en a fait un service public à caractère industriel et commercial, de telle sorte qu’une solution différente
serait aujourd’hui appliquée à l’espèce. Pour ce qui est des services publics gérés par des personnes privées, il
est nécessaire que le dommage résulte à la fois de l’accomplissement d’un service public et de l’exercice d’une
prérogative de puissance publique (par ex.: 23 mars 1983, S.A. Bureau Véritas et autres, p. 133). Enfin, la loi
modifie parfois dans certains domaines la répartition des compétences entre les deux ordres de juridiction, telle la
loi du 31 décembre 1957 transférant aux tribunaux judiciaires le contentieux des dommages de toute nature causés
par des véhicules, au nombre desquels devrait être compté le wagonnet de l’affaire Blanco.
Le droit de la responsabilité administrative, depuis l’arrêt Blanco, s’est construit sur un fondement essentiellement
jurisprudentiel, de façon autonome par rapport au droit civil. Il ne s’ensuit toutefois pas que les solutions dégagées
par le juge administratif soient radicalement différentes de celles dégagées par le juge judiciaire, ni que le code
civil ou les principes dont il s’inspire ne s’appliquent jamais à la responsabilité administrative, comme le montre la
responsabilité décennale des constructeurs. Et si la principale spécificité du droit administratif résidait au départ
dans l’absence de caractère général et absolu de la responsabilité de l’État, celle-ci a été reconnue de plus en
plus largement, y compris en l’absence de faute, que ce soit sur le terrain du risque ou sur celui de la rupture
d’égalité devant les charges publiques. Il en résulte un régime dans certains cas plus favorable aux victimes que
le droit civil, par exemple en matière de responsabilité médicale (Ass. 9 avril 1993, B…, n°69336 p. 127).
Tribunal des conflits - 8 février 1873 - Blanco - 1er supplt - Rec. Lebon p. 61
111. A partir de então, inegável foi a contribuição do Conselho de Estado francês para a
elaboração de princípios informativos do Direito Administrativo. “Em 1945, o Conselho de
Estado francês invocou, pela primeira vez de modo expresso, os princípios de direito
aplicáveis, mesmo na ausência de textos legais, às relações entre Administração-indivíduo,
Administração-funcionário ou entre órgãos administrativos. E a partir de então se expediu
naquele tribunal essa diretriz, atribuindo-se aos princípios força de lei quanto aos atos
administrativos gerais e especiais. Em virtude do surgimento de regulamentos autônomos
previstos na Constituição francesa de 1958 e dotados da mesma força de lei, o Conselho de
estado passou a conferir aos princípios gerais, valor constitucional, com base no preâmbulo
da referida Constituição”.
112. O Direito Administrativo francês é, em grande parte, não legislativo, porque formulado
pelo juiz. E isso se deve ao repúdio pelo Código Civil e ao direito privado. A imensidão de
lacunas legislativas levou o juiz a fazer verdadeiramente o direito. A função do juiz
administrativo não era só a de interpretar o direito positivo, como fazia o juiz comum, mas
também preencher, por suas decisões, as lacunas da lei. Daí a contribuição do Conselho de
Estado para a elaboração de princípios informativos do Direito Administrativo, ainda hoje
vigentes em vários sistemas: o da responsabilidade civil da Administração, o da alteração
44
DIREITO ADMINISTRATIVO – PARTE GERAL – 2019.1 –– Profº. Francisco De Poli de Oliveira
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
unilateral dos contratos administrativos, os concernentes ao regime jurídico especial dos bens
do domínio público, e a teoria da nulidade dos atos administrativos.
114. Finalizando, afirma Vedel (1964:48): “o que permanece verdadeiro da tese clássica é
que, ao contrário do juiz judiciário, o juiz administrativo é senhor de decidir se os Códigos e as
leis de direito privado se aplicam a tal ou tal matéria dependente de sua competência.
Conforme os casos, ele próprio forjará as regras aplicáveis ou considerará inútil a derrogação
das regras do direito privado”.
116. As suas bases no nosso ordenamento jurídico se encontram no art. 5º, XXXV, da
CRFB45. Esse preceito atribui ao Poder Judiciário o monopólio da função jurisdicional, não
importando se a demanda envolve ou não interesse da Administração Pública.
117. Sendo a separação de Poderes cláusula pétrea (art. 60, § 4º, III, da CRFB), pode-se
entender que o citado art. 5º, XXXV, da CRFB proíbe taxativamente a adoção do contencioso
administrativo no Brasil, já que esse sistema representa uma diminuição das competências
jurisdicionais do Poder Judiciário, de modo que a emenda constitucional que estabelecesse o
contencioso administrativo entre nós tenderia a abolir a Tripartição de Poderes.
45
“A lei não excluirá da apreciação do Poder judiciário lesão ou ameaça a direito”.
45
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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
II - DESENVOLVIMENTO
2.1 Estado, Governo, Poder Executivo, Poder Público e Administração Pública.
2.1.1 Administração Pública e Governo
118. No início do nosso estudo de Direito Administrativo, é importante que se explique a
diferença entre Administração Pública e Governo. Governo é uma opção política e dotada de
discricionariedade, enquanto a Administração Pública é um conjunto de órgãos, entidades e
agentes que tem por finalidade precípua materializar as políticas do governo.
119. Governo não tem nada a ver com Administração Pública. Não são sinônimos. Ocorre
que andam lado a lado, de mãos dadas. A Administração Pública é quem materializa,
operacionaliza a opção política do Governo através de seus órgãos.
120. O Estado não existe sozinho, já que não é algo vazio. Ele aí está para promover o
bem-estar da sociedade através da pedra angular do Direito Administrativo: a prestação do
serviço público. Para cumprir com as suas finalidades, o Estado vai precisar de um
instrumento, de um aparelho. Esse instrumento é o que chamamos de Administração Pública.
É a Administração Pública, portanto, um conjunto de Órgãos, entidades e agentes (servidores).
2.1.2 Estado
121. Estado nada mais é que o POVO46 situado em determinado TERRITÓRIO. Três são
os elementos definidores desse conceito. São eles:
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Povo não se confunde com população, conceito demográfico que significa contingente de pessoas
que, em determinado momento, estão no território do Estado. É diferente também de nação, conceito
que pressupõe uma ligação cultural entre os indivíduos.
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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
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Conceito de Diogo de Figueiredo Moreira Neto
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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
Persegue o legítimo interesse da coletividade O Estado, como PJ, tem mero interesse
patrimonial
Tem supremacia sobre o interesse particular Não tem supremacia sobre o interesse particular
Jurisprudência:
1. (Resp 1074750/RO). Considerando que a AGU é
incumbida da defesa do interesse público
patrimonial secundário;
2. (Resp 1046519/AM) O interesse estatal de não
realizar o pagamento de indenização à qual foi
condenado constitui interesse público secundário.
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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
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