Reitor
Marcelo Augusto Santos Turine
Vice-Reitor
Camila Celeste Brandão Ferreira Ítavo
CÂMARA EDITORIAL
Aguinaldo Silva
Aline de Lima Rodrigues
Edgar Aparecido da Costa
Igor Catalão
Marco Aurélio Machado de Oliveira
EDITOR DE REDAÇÃO
Igor Catalão
EDITOR RESPONSÁVEL
Edgar Aparecido da Costa
Semestral
ISSN 1517-4999
PUBLICAÇÃO SEMESTRAL
CÂMARA DE REDAÇÃO
Aguinaldo Silva Igor Catalão
Aline de Lima Rodrigues Marco Aurélio Machado de Oliveira
Edgar Aparecido da Costa
Catalogação na Fonte -
Revista GeoPantanal / Câmpus do Pantanal
Curso de Geografia / Mestrado em Estudos Fronteiriços
– Grupo de Estudos Pantanal Vivo/AGB
UFMS. v. 11 - n. 21, (2016) - . – Corumbá/MS:
Geografia / Mestrado em Estudos Fronteiriços
– CPAN/UFMS/Ed. UFMS, 2016.
Editorial________________________________________________________ 7
Apresentação ___________________________________________________ 9
O Ambiente Fronteiriço:
Traços Intangíveis e Realidades Sinuosas _________________________ 13
Marco Aurélio Machado de Oliveira
EDITORIAL
APRESENTAÇÃO
se tornou tão comum, de que a fronteira é lugar sem ordem nem lei,
influenciando as práticas de agentes públicos que lá trabalham. Desta
forma, é notável a distância entre os discursos oficiais e aquilo que é
reconhecido na prática cotidiana de seus habitantes.
Essas fronteiras também são centro de atenção quando se trata
de ações de integração internacional, seja no âmbito do MERCOSUL,
ou nas relações bilaterais entre os países. Entretanto, o que se percebe
é que mesmo que haja interesses e ações em todos os seus países
membros, as diferenças e semelhanças de suas fronteiras, quando
tratadas nos âmbitos superiores de cada política, apontam para poucas
práticas que tendam a ser efetivas.
Todo esse contexto pode ser exemplificado no caso das políticas
educacionais e sociais de forma mais ampla. Podemos arriscar em
afirmar que não são muitos os gestores dos diferentes sistemas
educacionais que conhecem a realidade da fronteira e desenvolvem
programas voltados para a população lindeira: atendimento a
estudantes estrangeiros, políticas linguísticas, formulação de materiais
contextualizados, programas de extensão universitária, etc. Em boa
parte dos casos, há um desconhecimento da legislação e da autonomia
inerente das instituições locais quanto a promoção de cooperação
internacional em educação entre países vizinhos.
Dessa forma, esta coletânea se propõe a contribuir com a educação
nos espaços de fronteira, por meio da publicação de conhecimento
construído por profissionais que vivenciam e/ou estudam o cotidiano
fronteiriço em suas instituições, universidades e institutos federais
de educação profissional. Os autores foram identificados durante
o trabalho realizado pela Assessoria Internacional do Ministério da
Educação, denominado “Panorama da Educação na Fronteira”, no
qual foram realizadas missões a 15 cidades-gêmeas da fronteira, com
a realização de 57 reuniões e o envolvimento de mais de 600 pessoas.
Os profissionais foram convidados a contribuir com distintos olhares
e reflexões mais aprofundadas sobre os desafios da fronteira.
A diversidade e riqueza dos textos podem ser percebidas durante
a leitura, assim como o envolvimento dos autores com as temáticas,
relacionadas a experiências práticas na sala de aula, nas comunidades,
nas universidades e institutos de educação profissional da imensa
faixa de fronteira do Brasil.
UFMS • CAMPUS DO PANTANAL • Curso de Geografia / Mestrado em Estudos Fronteiriços 11
1
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Esta-
dual de Campinas. Mestre em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Interna-
cional pela Universidade de Brasília. joana@bamaral.com
2
Doutor em História pela USP, docente na UFMS e no seu Mestrado em Estudos
Fronteiriços. marco.cpan@gmail.com
3
Secretária Executiva especialista em Gestão Pública. Responsável pela Cooperação Bila-
teral do Ministério da Educação com países da América Latina. sandra.sergio@mec.gov.br
UFMS • CAMPUS DO PANTANAL • Curso de Geografia / Mestrado em Estudos Fronteiriços 13
*
Doutor em História, Docente do Mestrado em Estudos Fronteiriços na Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul. Email marco.cpan@gmail.com
afirmar que tais categorias compõem, de maneira binária, uma das maximizações
do entendimento do Estado.
Entendemos que, tanto o imigrante quanto a fronteira, sejam a materialização
de soluções encontradas. Portanto, problemas existiram antes de suas existências:
as motivações para a saída da terra natal, no caso do imigrante; e a formalização
territorial da nação, no caso da fronteira. Ou seja, se um existe a partir da
deliberação de tornar-se ausente da nação de origem, a outra surgiu como resolução
de conflitos no século XVII, na Europa. Vale ressaltar que a emigração, qualidade
do imigrante (SAYAD, 1998, p. 13), apenas se efetiva quando a fronteira, enquanto
obstáculo ou instância pode ser ultrapassada. E, por essas categorias binárias
serem profundamente políticas, os problemas para o Estado parecem cada vez
mais distantes de um final tranquilo.
Mesmo que no sentido estrito de fronteira real, onde se situam as decisões do
circuito estatal, possa ocorrer uma política para as fronteiras, como no caso dos
Estados Unidos no início dos anos 2000 (CORNELIUS, 2001, p. 661-685), há que se
levar em conta a perspectiva de aplicação de tais políticas (OLIVEIRA; CAMPOS,
2015, p. 47-58). Neste sentido, a autoridade estatal ganha destaque em nossa análise.
Ao mesmo tempo em que reivindica isonomia com o restante do território nacional,
possui inacreditáveis autonomias para decidir o que é permitido ou não, tratando-se
de um sujeito com muitos poderes. Assim, a fronteira real é para o imigrante um
dos mais importantes espaços a ser enfrentado dentro de suas perspectivas. Seja
pelo aspecto funcional, legal, jurisdicional ou obscuro da autoridade, este conceito
de fronteira impõe ao imigrante o temor à não aceitação e à ilegalidade. Em outras
palavras, as políticas de imigração filtram a fronteira real em função de um limite
abstrato (RAFFESTIN, 1997, p.169), dando à autoridade a dúbia interpretação.
A autoridade estatal deveria estar presente tanto nos estudos de imigração
quanto o de fronteira como um tema a ser explorado, porque ela possui opiniões,
reproduz padrões de valores, tem o poder imediato da decisão e tem o ar de perito.
A autoridade é parte da hierarquia do Estado, portanto, é a personificação de um
sistema, ao qual se incorpora e lhe é permitido incorporar juízos, percepções e
tradições transmitidos no momento da resolução.
Importante salientar que a autoridade possui percepções, na maioria dos
casos, muito negativas a respeito da fronteira e do imigrante, como, por exemplo,
em estudos sobre a percepção sobre ambos os temas realizada na Finlândia
(PITKÄNEN; KOUKI, 2002, p. 46-59), na qual aponta a negatividade aflorada
nas autoridades de vigilância e de controle em contraponto às de educação
e de assistência social. Há, ainda, estudo que analisa a dialética do medo das
autoridades perante o imigrante e do imigrante perante a ela. Assim:
A universidade e a fronteira
Um dos aspectos mais intrigantes nas observações que realizamos
quando o assunto é a presença da Universidade em uma região de fronteira
é a constatação do quanto sua estrutura funcional, regimental e seus quadros
intelectuais são, predominantemente, conservadores. Há uma desconsideração
do fator fronteira, tanto na estrutura curricular dos seus cursos de graduação,
quanto no desenvolvimento de diversas pesquisas. São raros os casos de
estudos de desemprego e de inflação, por exemplo, que considerem o fator
fronteiriço nos cálculos e análises de seus resultados. Da mesma maneira,
estudos demográficos em região de fronteira são extremamente raros entre
os geógrafos, historiadores e demógrafos que atuam nessas regiões, além
disso, esses pesquisadores ainda precisam dimensionar melhor o pendular
migratório em seus estudos.
Contudo, há um traço acadêmico extremamente relevante: as ações extensionistas.
De caráter democrático e com capacidade de ter longo alcance, a extensão é um
importante ponto de partida para quaisquer iniciativas de integração acadêmica em
região de fronteira. Isso porque suas realizações vão de encontro às mais variadas
esferas sociais, percebendo onde de fato as relações de fronteira são afloradas.
Trabalharemos aqui com um exemplo: a aplicação de Comunidades de Prática
em região de Fronteira. A partir da iniciativa de pesquisadores do MEF, foi criado
em 2015 o Circuito de Apoio ao Imigrante (Circuito), em Corumbá, MS. Trata-se de
um coletivo intersetorial, não hierárquico, que conta com catorze membros. Havia na
época a necessidade de que os diversos órgãos que atuam diretamente com o imigrante
naquela cidade estabelecessem maior conectividade entre eles, uma vez que a rede de
atendimento já estava estabelecida, contudo, eles pouco se conheciam. Desta forma,
a primeira medida estabelecida pelo Circuito foi criar uma dinâmica de encontros
mensais que permitisse que os representantes dos órgãos membros pudessem dialogar
entre si, efetivando e estabilizando os contatos e rotinas funcionais.
Considerações finais
Desde março de 2016, o MEF tem aplicado CPs no Albergue de Corumbá,
que funciona como Casa de Passagem para os imigrantes. Pensamos que esta seja,
paralelamente à criação e implantação do Circuito, uma importante ação acadêmica no
sentido de inserir no corpo de permanente debate sobre a missão das universidades em
região de fronteira um elemento diferenciado: as CPs como componente da Estrutura
Curricular. Acreditamos que essa seja uma oportunidade de pensar, academicamente,
a fronteira a partir do que mais interessa: a própria fronteira.
Referências
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WENGER, E. Communities of practice. Learning, meaning and identity. New York: Cambridge
University Press, 1998.
(Endnotes)
1
Este artigo é fruto de desenvolvimento de estudos relacionados ao projeto de pesquisa intitulado:
CONSTRUÇÃO, TRANSFERÊNCIA E APLICAÇÃO DE SISTEMA DE INFORMAÇÃO AO
IMIGRANTE NA POLÍCIA FEDERAL NA REGIÃO DE FRONTEIRA EM MATO GROSSO DO SUL,
financiado pelo Edital Universal 2014 do CNPq.
Por outro lado, a noção de território está diretamente ligada com a noção de
fronteira, uma vez que
Considerações finais
A concretização de tais projetos instituições sugere o aumento da atenção
para as relações no subcontinente, mas por outro levanta o questionamento se
não seria adequado que todas as instituições fronteira contassem com um projeto
próprio de integração. Aparentemente as políticas educacionais para a fronteira
não poderão, a priori, serem construídas nacionalmente, mas sim localmente.
A variedade de desafios obedece à construção histórica local, nas disputas por
territórios, na formação das sociedades. Nestes ambientes poderão ser concebidos
programas e projetos que contem com o apoio do governo central, mas que
evolvam diretamente os atores sociais locais, que conhecem esta realidade própria
e complexa, e que podem formular, com auxílio de metodologias e estratégias
participativas, novas iniciativas, novas percepções e epistemologias.
Referências
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JAGUARIBE, Helio. Novo cenário internacional. Rio de Janeiro, Ed. Guanabara, 1986.
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(Endnotes)
1
Comissão Permanente de Desenvolvimento e Integração da Faixa de Fronteira: http://www.
mi.gov.br/comissao-permanente-para-o-desenvolvimento-e-a-integracao-da-faixa-de-fronteira
2
http://cdif.blogspot.com.br/2012/11/cidades-gemeas-municipios-codigo-ibge.html. Consulta feita
em 26/04/2016
3
A autora expõe a visão do nacionalista da fronteira matogrossense, José de Melo e Silva.
4
O PEIF foi institucionalizado no MEC por meio de sua inclusão no Programa Mais Educação.
5
http://portal.mec.gov.br/index.php?Itemid=836&id=12586&option=com_content&view=article
6
O PEIF foi institucionalizado no MEC por meio de sua inclusão no Programa Mais Educação.
7
http://portal.mec.gov.br/index.php?Itemid=836&id=12586&option=com_content&view=article
8
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=17449&Itemid=817
9
O total de escolas na faixa de fronteira, bem como as especificidades relacionadas a etapa de
ensino, quantitativo de docentes e estudantes foram levantados junto ao INEP durante a pesquisa
exploratória, e está brevemente descrito no item Metodologia deste Projeto.
*
Mestre em Antropologia Social, doutor em Sociologia e professor do Departamento de Antropo-
logia, Universidade Federal do Amazonas. E-mail linojoaokaemo@gmail.com
Terras indígenas
Quando se trata de reconhecer oficialmente terras ocupadas por grupos
indígenas são frequentes dois pontos de discordância: devem ser destinadas aos
índios “terras indígenas” ou “reservas indígenas” reduzidas, e, o segundo, quê
tamanho que deve ter uma “terra indígena”. A discussão sobre a conceituação
jurídica e o tamanho da terra destinada aos povos indígenas não está ligada apenas
a uma questão de extensão fundiária, mas expressa, antes de tudo, a discordância
entre reconhecer ou negar os direitos territoriais indígenas.
Conceituar as terras ocupadas pelos índios como “reservas indígenas” não
corresponde apenas a um vício de linguagem ou resquício de uma conceituação
antiga. Muito mais que apenas uma imprecisão conceitual, referir-se às terras
ocupadas pelos índios como “reservas indígenas” denota uma intencionalidade
política de deslegitimar o direito originário e histórico garantido aos povos
indígenas tanto pela Constituição Federal de 1988 como por legislações
internacionais reconhecidas pelo Brasil que reconhecem as áreas tradicionalmente
ocupadas pelos grupos locais como “terras indígenas”.
Outro argumento sempre recorrente é o de que as terras demarcadas
representam “muita terra para pouco índio”. Este argumento procura criar a falsa
ideia de que os povos indígenas “possuem” grandes extensões de terra, grandes
latifúndios, como são geralmente chamadas as “terras indígenas”. Na verdade
as terras hoje ocupadas pelos povos indígenas representam apenas uma parte
reduzida dos antigos territórios originais, e, que, ainda assim, são na verdade,
terras da União, terras públicas, sobre as quais aos índios é reconhecido apenas,
e unicamente, o direito de utilização dos recursos naturais destinados à sua
sobrevivência física e cultural.
Vale lembrar que embora os direitos indígenas estejam contemplados
na legislação em vigor no país, estes são seguidamente desrespeitados e não
cumpridos, inclusive com a conivência e participação ativa de poderes e
autoridades nacionais. De modo especial, os direitos territoriais indígenas são
sistematicamente violados, tanto através de invasões por empresários e segmentos
das populações locais, como pela implantação de programas e projetos de
desenvolvimento que provocam impactos irreversíveis ao meio ambiente indígena
e à vida das populações atingidas.
Essa longa fala de Brás de Oliveira França, liderança indígena na região do alto
rio Negro, no Estado do Amazonas, explicita a dificuldade de ser índio em situações
de contato interétnico, com a necessidade de adoção de estratégias diferenciadas
de sobrevivência física e cultural. Todos os indígenas, mesmo aqueles que não se
envolvem diretamente nas lutas etnopolíticas, conhecem de perto a dificuldade
de convivência em mundos distintos quando um deles não aceita a existência
diferenciada do “outro”. Em sua fala Brás testemunha o drama dos “vencidos”
(LEÓN-PORTILLA, 1992) subordinados, inviabilizados, excluídos, sujeitados às
mais severas formas de regulação social, sempre renovadas, pela simples razão
de sua existência étnica e cultural diferenciada.
Pontos para reflexão:
- Com relação a esse conflito de existência, na sua região qual a estratégia se
sobrevivência adotada pelos indígenas: a subordinação para permitir a sobrevivência
física e cultural? Ou a “resistência” para valorizar e fortalecer a cultura?
- As instituições públicas locais (prefeituras, secretarias e câmaras de vereadores;
hospitais e postos de saúde; escolas e Universidades; agências da Funai, do Ibama, do
ICM-Bio; pelotões de fronteira, delegacias de polícia, Polícia Federal; etc.) e entidades
da sociedade civil (igrejas, associações de moradores, entidades profissionais,
organizações governamentais etc.) contribuem para a perpetuação da “colonialidade
do poder”? Ou valorizam e fortalecem os sobre os povos indígenas.
Comunidades transfronteiriças
Quando da repartição das terras do Novo Mundo entre as Coroas de Espanha
e Portugal a presença dos povos indígenas estabelecidos nas áreas limítrofes foi
sumariamente desconsideradas. Posteriormente, com a definição das fronteiras
nacionais entre os países livres, a mesma arbitrariedade continuou a dividir
comunidades étnicas, separadas por nacionalidades distintas.
As fronteiras, que dividiam domínios coloniais e hoje definem territórios
nacionais distintos, para os indígenas continuam a ser linhas imaginárias
sem qualquer razão de ser para as suas existências, linhas divisórias traçadas
no papel que configuram mapas de domínios geopolíticos com pouco ou
nenhum sentido prático na vida cotidiana de comunidades transfronteiriças,
principalmente quando se trata de grupos indígenas que se identificam como
parte de um mesmo povo.
No imaginário indígena as comunidades indígenas transfronteiriças
continuam a ser parte do território étnico original, continuam formando o contínuo
cultural onde se vai para celebrações, onde se vai visitar parentes, onde se vai trocar
sementes, coletar frutos, explorar recursos naturais, no processo incessante de
permanência étnica que não se intimidou com a imposição das fronteiras nacionais
e as suas imposições totalmente alheias ao mundo indígena.
No alto rio Solimões, por exemplo, região de tríplice fronteira Brasil-Colômbia-
Peru, as fronteiras nacionais não apresentam nenhuma correspondência cultural e/
ou política com os povos indígena que originalmente ocupavam e que ainda hoje
ocupam estas terras limítrofes. Como explica Pedro Inácio Pinheiro, importante
liderança Ticuna do alto Solimões,
Nós nos consideramos brasileiros, porque a gente está na terra do Brasil, como ela é cha-
mada. No momento que a gente vai para a terra do Peru, ou da Colômbia, aí nós somos
colombianos porque estamos na terra da Colômbia, ou peruanos, quando estamos no
Peru. Mas na realidade nosso sangue é de índio Ticuna; brasileiro porque nascemos no
Brasil. A diferença do Ticuna que mora no Brasil para o Ticuna que mora no Peru ou na
Colômbia é só pela língua, mas a história é uma só. A língua ticuna, falada no Brasil, no
Peru e na Colômbia, é diferente um pouquinho e a língua não-indígena, o português e o
espanhol, é diferente também. É só essa a diferença (PINHEIRO, 2011).
Brasileiros ou índios?
Para uma anacrônica concepção positivista, embora ainda presente no
discurso de determinados setores da vida nacional, “terra indígena” continua a
ser concebida como um espaço de reclusão ao qual deveriam ser confinados os
índios durante o período em que durar a sua integração à sociedade nacional.
Ao processo de descaracterização étnica a que são submetidos os índios,
Aníbal Quijano (2006) chama de “desindianização”, o processo sociocultural
de afastamento dos indígenas dos modos de vida e dos mundos indígenas.
Pode-se dizer que no caso brasileiro, e mais exatamente na Amazônia, essa
Interculturalidade na fronteira
Interculturalidade, multiculturalismo, plurinacionalidade, são conceitos
totalmente distantes da razão ocidental, hegemônica, totalizante e homogeneizadora
que preside a organização dos estados e sociedades modernos. Frente a essa
tradição intelectual moderna:
se começa a levantar outra visão de futuro. O reconhecimento da multietnicidade como
componente, de fato, da realidade social latino-americana, obriga a tomar distância
de velhas formas de pensamento e seus projetos derivados, porque não integram nem
apreendem a complexidade [latino-americana] percebida (Civilización: configuraciones
de la diversidade,1985, p. 5).
fronteiras nacionais e étnicas, não diz respeito apenas a tais contextos, sendo
necessário estar presente em toda a rede de ensino no país.
Em seu sentido positivo o termo “intercultural”, e outros que dele derivam,
indicam a relação não excludente em que dois ou mais polos do encontro cultural
mantêm relações não coloniais dando origem a um cenário de equidade, em
tudo distinto das situações de hegemonia e dominação versus colonialidade e
subordinação que caracterizam as relações coloniais de imposição cultural.
O que defendo é que se pretendemos que a “fronteira” se torne lugar de
encontro e convivência entre povos “multicultural” e “multiculturalismo” devem
ser tomados no sentido assinalado por Pierre Bourdieu e Loïc Wacquant, em sua
conotação europeia que acena para a possibilidade de convivência de diferenças
culturais, étnicas, religiosas, políticas etc. e no sentido assinalado por Boaventura
de Sousa Santos e João Arriscado Nunes, enfatizando a dimensão étnica que
diferencia entre si os diversos povos indígenas que reivindicam identidades
específicas que no espaço político plural os diferencia de outros segmentos das
sociedades nacionais, em particular de comunidades transfronteiriças.
A proposta de uma sociedade intercultural passa necessariamente pela
descolonização as relações sociais, o que significa, necessidade de reinventar
o Estado-nação suprimindo dele o seu propósito de hegemonia de poder e
homogeneização das diferenças, para daí dar origem a um Estado Plural onde
as diferenças – culturais, étnicas, políticas, epistemológicas etc. – convivam em
condições de igualdade.
Reconhecer os vários povos indígenas como diferentes entre si, portanto
superando a visão simplista do índio genérico, é o primeiro passo para compreender
que a descolonialidade do poder não consiste apenas na destruição ou eliminação
das instituições e agentes coloniais, mas sim na erradicação das relações de poder
e, principalmente, na “produção de um novo mundo histórico intercultural e de
uma autoridade política (pode ser o Estado) comum, portanto, intercultural e
internacional, mais que multicultural ou multinacional” (QUIJANO, 2006).
Se por um lado descolonizar o Estado “é a única forma de democratizá-lo”,
por outro lado “se esse processo chegar a ser vitorioso, o novo estado não poderá
ser um Estado-nação ou um Estado nacional, e sim um multinacional, ou melhor,
internacional” (QUIJANO, 2006). Na fala de Aníbal Quijano, fundamentada na
realidade política plural dos povos indígenas latino-americanos fica claro que
Estado “multinacional”, ou Estado plural, deve ser entendido como aquele que
reconhece a existência de múltiplas nações, com relações simétricas de poder entre
nações (inter-nações) que se reconhecem e respeitam mutuamente.
Considerações finais
A proposta de convivência intercultural defendido pelos povos indígenas latino-
americanos em sua relação com as sociedades e os Estados nacionais se apresenta
no cenário político contemporâneo como a alternativa mais viável de superação dos
limites restritos das fronteiras nacionais e étnicas que dividem e separam povos e
culturas, colocando no horizonte a possibilidade de que as fronteiras venham a se
constituir como o ponto de encontro entre povos e sociedades diferentes capazes
de viver o presente sem conflitos e discriminações, na busca de um futuro de
convivência respeitosa entre povos e comunidades transfronteiriças.
Mais do que uma utopia, como poderia ser tomada pelo pensamento
autoritário, unificador e excludente que preside o mundo moderno, a proposta
explicitada pelos povos indígenas de novos Estados Plurais, necessariamente
pluriétnicos e interculturais, demonstra a sua viabilidade e eficácia na constatação
da existência de diferentes culturas que historicamente interagem entre si sem
Referências
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caminhos do cosmopolitismo multicultural. Porto: Edições Afrontamento, 2004, p. 19-51.
(Endnotes)
1
Estatuto do Índio, Lei 6.001, de 19 de dezembro de 1973, que apesar de defasado e contestado
pelos índios ainda é o instrumento legal que regulamenta as relações do Estado nacional para
com os povos indígenas no Brasil; enquanto a proposta do novo “Estatuto dos Povos Indígenas”
permanece, desde 1990 no Congresso Federal à espera de ser votado.
2
Como sugere Aníbal Quijano (2006), “não é tempo de nos perguntarmos por que a Suíça ou a
Bélgica, que não têm os recursos de nossos países [latino-americanos], nem o tamanho de nossas
populações, têm, entretanto grandes mercados internos?”, ao que complementa, “essa questão não
pode ser indagada, nem contestada, a não ser em termos da colonialidade do poder”.
*
Linguista, professor doutor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e pesquisador
do Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística (IPOL) em Florianópolis,
Brasil. E-mail gimioliz@gmail.com
El arte de olvidar
Non sei direito quem era la garota, nem seu nome, nem si era de familia rica
e importante, y tudo lo que sei es que los três alunos idiotas musculosos le dieron
duro a aquella yiyi hermosa, la ayudante de professores de 27 anos, alli mesmo,
nel gym del liceum, mientras los outros três alunos también idiotas y musculosos
assistíam al show porno y um deles filmaba. Yo nunca había estudiado nessa
droga de colégio.
Que as três estratégias acima descritas – a alternância de código, o diálogo
bilíngue e o uso de uma interlíngua – nem sempre se separam totalmente na
prática linguística cotidiana demonstra o trecho abaixo, oriundo do Levantamento
Sociolinguístico do Projeto Escolas Interculturais Bilíngues de Fronteira (PEIBF) realizado
na Escola “El Salto”, em Santa Elena de Uairén, na Venezuela, em 2009, na conversa
com crianças venezuelanas de cinco e seis anos (OLIVEIRA; STURZA, 2012).
Exemplo I Entrevista I - 1º Ano, Escola “El Salto” (crianças de cinco e seis anos):
1 (...) G. Do que que vocês gostam de brincar na hora do recreio?
2 A1. Que dijo?
3 G. Do que que vocês brincam na hora do recreio?
pelo menos décadas (nas fronteiras mais recentes) de ação homogeneizadora dos
estados da região. Mas que, sendo uma área tão multilíngue, é ainda uma região,
do ponto de vista das instituições e das políticas linguísticas, pouco plurilíngue…
Se as fronteiras, como outros espaços, são multilíngues, isso não quer dizer
necessariamente que sejam plurilíngues. Temos feito a distinção entre o termo
que aponta para a presença de várias línguas numa localidade ou sociedade – o
multilinguismo, um termo descritivo, portanto. Plurilinguismo, em contraste, seria
o termo que aponta para uma valorização positiva deste multilinguismo, a sua
utilização como efetivo recurso para a vida das pessoas envolvidas nas práticas
comunicativas em questão, para as instituições e para o país: somente neste caso
falamos de plurilinguismo. Assim, as nossas fronteiras são espaços multilíngues,
mas dada a geopolítica dos Estados e muito especialmente do Estado brasileiro,
recém começam a ser espaços plurilíngues.
Berger (2015) investigou de que maneira uma escola de Ponta Porã, em Mato
Grosso do Sul, na fronteira com o Paraguai, percebia e tratava as línguas faladas
pelos alunos e as suas famílias, num contexto em que muitos estudantes são
paraguaios, por exemplo. Estabeleceu a tabela abaixo, que descreve as atitudes
dos docentes e gestores da escola frente ao multilinguismo dos alunos, atitudes
que podiam ir de práticas de opressão, proibição, discriminação até práticas de
reconhecimento e promoção das línguas, passando por polos intermediários,
como a indiferença, a tolerância ou ao discurso retórico de reconhecimento, mas
sem nenhuma ação prática concreta.
Considerações Finais
Na medida em que os Estados Nacionais evoluem, lentamente e com muitas
resistências, para Estados Pós-Nacionais, que podem funcionar no quadro de uma
cidadania com um leque amplo de identidades – também identidades linguísticas
diversas – sem que isso se constitua como uma ameaça à sua integridade e unidade,
o Estado deixa de saber gerir apenas a sua língua oficial ou língua nacional e apenas
de nela investir, como até agora, e passa ser o gestor de um hub linguístico, com
amplas consequências para as comunidades linguísticas.
Como um hub aeroportuário, que recebe voos de todo o mundo e os redistribui
para outros tantos destinos, os novos países, geridos por Estados Pós-Nacionais,
tenderão a ter uma cidadania crescentemente multilíngue, como já vemos acontecer
nas grandes cidades do mundo, conectadas às suas comunidades linguísticas,
espalhadas pelo mundo, em territórios reticulares, isto é, em redes, criando relações,
conhecimento e valor através das línguas.
As fronteiras se ressignificam nesse novo contexto mundial, deixam de ser
áreas anômalas no corpo do Estado Nação homogêneo: as suas características
culturais e linguísticas passam a ser a normalidade. Deixam paulatinamente de
ser periferias, consagradas, no imaginário de tantos, ao contrabando, ao tráfico,
à criminalidade, e se colocam no centro dos processos integracionaistas, do fluxo
de pessoas, mercadorias e conhecimentos. Paulatinamente, pé ante pé, vamos
passando de uma realidade multilíngue a políticas de plurilinguismo, de uma
geopolítica do monolinguajamento a uma geopolítica do plurilinguajamento.
Referências
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um olhar a partir do Observatório da Educação na Fronteira. UFSC: Tese de Doutorado, 2015,
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realpolitikmag.org/wp/wp-content/uploads/2015/10/1.-Geopol%C3%ADtica-conceitos-e-teorias-
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www.youtube.com/watch?v=d2q7RBec2BY[acesso em 29.07.2016]
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Paulo, v.20, n.57, p.157-170, Aug. 2006.
(Endnotes)
1
Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística, de Florianópolis:
http://e-ipol.org/
A língua portuguesa
e a formação do povo brasileiro
Portugal, no século XV, já havia se
consolidado na Europa pelas grandes
descobertas marítimas, favorecendo a
expansão da língua portuguesa aos novos
domínios lusitanos. A Língua Portuguesa,
que surgira no século XIII, iniciara seu
processo de gramatização no século XVI,
como acontecera no resto da Europa com
as línguas nacionais. Nos séculos XV e
XVI, Portugal conquistou vastos territórios
na África, América e Oceania. No começo
do século XVI, teve início a colonização do
Brasil, fato esse que representa também o
começo da história da língua portuguesa
no território brasileiro.
Essa ação tem por objetivo orientar acerca da promoção dos direitos dos
povos indígenas à educação escolar, por meio do fortalecimento dos Territórios
Etnoeducacionais, assim como reconhecer e valorizar a diversidade sociocultural
e linguística, a autonomia e o protagonismo desses povos, conforme estabelecido
na Constituição Federal. A implementação se dá em regime de colaboração com os
Estados, o Distrito Federal, os Municípios e as Instituições de Ensino Superior (IES),
estas sendo responsáveis pelo processo de formação continuada dos professores
indígenas para atuar em escolas indígenas de educação básica.
A ação Saberes Indígenas na Escola abarca uma perspectiva bilíngue/multilíngue,
capaz de contemplar a complexidade étnica e sociolinguística dos povos indígenas
atendidos, e realiza-se com base nos seguintes eixos: I - letramento e numeramento
em línguas indígenas como primeira língua; II - letramento e numeramento em
Língua Portuguesa como primeira língua; III - letramento e numeramento em
línguas indígenas ou Língua Portuguesa como segunda língua ou língua adicional
e IV - conhecimentos e artes verbais indígenas.
Os princípios que norteiam a formação de professores indígenas estão ancorados
no respeito à organização sociopolítica e territorial dos povos e comunidades
originárias, com destaque para a valorização das línguas indígenas entendidas como
expressão, comunicação e análise da experiência sociocomunitária.
Nessa perspectiva, cabe destacar a formação continuada para professores
indígenas atuantes na alfabetização/letramento, numeramento e anos iniciais
do ensino fundamental oferecida por Redes de Universidades, com foco na
alfabetização pelos conhecimentos indígenas e realidade dos usos linguísticos
das comunidades: língua materna como primeira ou segunda língua, língua
portuguesa como primeira ou segunda língua, bem como produção de materiais
didáticos adequados à realidade das comunidades indígenas.
Para desenvolver a Ação Saberes Indígenas na Escola foram constituídas 7
Redes de Instituições de Educação Superior, em diferentes regiões geográficas,
compostas de 23 núcleos. Cada RIES é formada por Instituições de Ensino Superior,
sendo uma delas denominada Instituição Sede e as outras, Núcleos da RIES. A
organização das RIES obedece a critérios de organização próprios, observando-se
o número de cursistas e de povos indígenas atendidos na região.
A Rede de Instituições de Ensino Superior-RIES- é composta pelas seguintes
instituições: 1) UFMS/SEDE: 4 núcleos; 2) UNEB/SEDE: 2 núcleos; 3) UFMG/
SEDE: 6 núcleos; 4) UFG/SEDE: 3 núcleos; 5) UFAM/SEDE: 3 núcleos; 6) UNIR-
JI-PARANÁ/SEDE: 2 núcleos; 7) IFRR/SEDE: 3 núcleos. Total de IES/SEDE: 7.
Total de Núcleos: 23.
Considerações finais
As discussões apresentadas sobre as fronteiras que separam a língua
portuguesa de outros idiomas no território nacional servem para mostrar
os desafios que existem e as barreiras que precisam ser superadas diante da
necessidade de consolidação de políticas de valorização das diferenças linguísticas
existentes no Brasil.
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http://www.fnde.gov.br/index.php/programas/livro-didatico/livro-didatico-apresentacao. Acesso
em 8/5/2016
Dilvo RISTOFF*
decenais, entre as quais estão: (1) 30% de matrículas no ensino superior até 2011 para
jovens de 18 a 24 anos; (2) 40% do total das matrículas em instituições públicas e (3) a
garantia de qualidade com base na avaliação institucional, avaliação de cursos e avaliação
do desempenho dos estudantes.
Esses objetivos foram todos perseguidos, mas não totalmente alcançados, ou
seja, a taxa de escolarização líquida em 2014 foi de 20% - um aumento significativo
em relação aos 9% que representava em 2003, mas ainda assim 10% abaixo da meta
estabelecida; as matrículas no setor privado mantiveram-se obstinadamente em
cerca de 75% do total das matrículas, apesar de um enorme aumento no número
de universidades públicas, da criação de centenas de novos campi universitários
federais e de Institutos Tecnológicos públicos.
A grande conquista foi a criação de um sistema de avaliação da educação
superior nacional em 2004 (SINAES), um sistema que foi concebido para avaliar
as instituições de 5 em 5 anos, os programas de 3 em 3 anos e os estudantes
ingressantes e concluintes de cada curso a cada três anos. Esse sistema de avaliação
opera hoje como a referência básica no processo de regulação da educação superior:
credenciamento e recredenciamento de instituições e autorização, reconhecimento
e renovação de reconhecimento de cursos de graduação.
Deve-se dizer, portanto, que, embora a expansão tenha sido uma meta fundamental
na política nacional, orientada pelo Plano Nacional de Educação (2001-2011) e pelos
enormes desafios de inclusão no Brasil quando comparado com alguns países da
América Latina e do mundo, outras preocupações permaneceram muito presentes nas
mentes dos tomadores de decisão e formuladores de políticas para a educação brasileira.
A expansão, por exemplo, tem-se mantido uma dessas questões inarredáveis
- discutindo as causas e os efeitos desta expansão da educação via setor privado,
apesar das políticas nacionais e de diretrizes de organizações internacionais que
têm apontado a direção oposta como preferencial. Da mesma forma, a expansão
e a diversificação – que tem buscado analisar a expansão no contexto de novas
modalidades acadêmicas de ensino, e do crescimento de novas titulações de
graduação, novos diplomas e certificados e o seu impacto nas oportunidades de
acesso e no controle regulatório do Ministério da Educação.
A expansão, devido ao tamanho, às peculiaridades geográficas e às grandes
distâncias, também tem sido vista no contexto da interiorização e da expansão em
zonas de fronteira - apresentando o crescimento da educação superior nas diferentes
regiões do país e nos estados, apontando para a dimensão social da expansão em
curso. Por último, mas não menos importante, durante os últimos doze anos, como
já foi dito, a expansão tem andado de mãos dadas com a democratização - indicando
que a expansão, como um dogma, da década de 1990 foi substituída pela ideia da
expansão com democratização, abrindo novas oportunidades para o acesso ao ensino
superior, público e privado, através de políticas públicas, importantes e recentes, de
inclusão dos setores historicamente excluídos do campus brasileiro.
1.400.000
1.200.000 1.154.344
1.113.850
992.927
1.000.000 930.179
838.125
800.000 727.961
600.000
369.766
400.000
207.206
200.000 114.642
49.911 59.611
0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
O significativo impacto desse programa fez com que outros idiomas fossem
logo adicionados, e o Programa veio a ser chamado Idioma sem Fronteiras. Esse novo
esforço exigiu uma reestruturação significativa dentro da Secretaria de Educação
Superior - reestruturação que ainda está em curso - e que, sendo preservadas as
intencionalidades do governo anterior para este setor, provavelmente irá significar
a criação de um departamento específico em prol das políticas linguísticas e
formação específica dos professores de línguas estrangeiras no país.
Duas outras importantes iniciativas que marcaram a educação superior
no Brasil nos últimos anos foi a criação de duas novas universidades federais,
ambas voltadas à internacionalização. Não obstante às dificuldades financeiras
e operacionais enfrentadas por essas duas universidades ainda em processo
de consolidação, não resta dúvida de que representam um marco importante e
diferenciado no processo de internacionalização da educação superior brasileira.
A Unilab (Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-
Brasileira), sediada na cidade de Redenção, no estado do Ceará, é uma universidade
criada para promover, ao mesmo tempo, a interiorização da educação superior e
a integração Luso-Afro-Brasileira, ou, como destaca a versão preliminar de seu
Plano de Desenvolvimento Institucional, para
atender à política do governo brasileiro de incentivar e promover a cooperação Sul-Sul
com responsabilidade científica, cultural, social e ambiental, inserida no contexto de
internacionalização da educação superior, e atuando na perspectiva de cooperação soli-
dária, valorizando e apoiando o potencial de colaboração e aprendizagem entre países,
como parte do crescente esforço brasileiro em assumir compromisso com a integração
internacional no campo da educação superior (UNILAB, p 9).
As vagas são destinadas 50% para brasileiros e 50% para estudantes falantes
de língua portuguesa de países africanos, oriundos de Angola, CaboVerde, Guiné-
Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. A universidade já está
em operação e deve formar seus primeiros alunos em 2016.
A Unila (Universidade para a Integração Latino-Americana) foi criada com
uma visão semelhante à da Unilab, desta vez, visando à integração do Brasil
com os muitos países vizinhos e da América Latina como um todo. Sediada
em Foz do Iguaçu, no estado do Paraná, região conhecida como a da tríplice
fronteira (Brasil, Argentina e Paraguai), a Unila foi concebida em sintonia com a
cooperação regional proposta pela Conferência Mundial da UNESCO. Sua missão
institucional declarada nos documentos oficiais está claramente vocacionada para
a internacionalização, ou seja,
formar recursos humanos aptos a contribuir com a integração latino-americana, com
o desenvolvimento regional e com o intercâmbio cultural, científico e educacional da
América Latina, especialmente no Mercado Comum do Sul (Mercosul). A vocação da
Considerações Finais
Resumindo, poderíamos dizer que os grandes desafios da internacionalização
hoje, em especial neste momento em que o país enfrenta grave crise política e forte
retração econômica, são os seguintes:
Referências
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Constitucionais de nº 1 a nº 62.
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______. Lei nº 10.172, de 10 de janeiro de 2001 (institui o Plano Nacional de Educação).
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______. Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005 (institui o Programa Universidade para Todos - PROUNI).
______. Decreto nº 6.096, de 24 de abril de 2007 (institui o Programa de Apoio a Planos de
Reestruturação das Universidades Federais - REUNI).
______. Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Brasília: MEC, 2007.
______. Lei nº 11.502, de 11 de julho de 2007 (modifica Competências e Estrutura organizacional
da CAPES).
______. Decreto nº 6.094, de 24 de abril de 2007 (Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação).
______. Decreto nº 6.095 de 24 de abril de 2007 (Cria Institutos Federais de Educação Tecnológica).
*
Doutor em Ciência Política. Pró-Reitor de Cooperação e Relações Interinstitucionais e Professor
do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do Amapá- UNIFAP. Pesquisador do
Observatório das Fronteiras do Platô das Guianas- OBFRON. Pró- Reitor de Cooperação e Ralações
Interinstitucionais da UNIFAP. Email: paulogustavo1978@gmail.com. Este pesquisador tem apoio
financeiro do Edital Nº 015/2015 PROPESPG/UNIFAP.
**
Mestra em Teoria Literária. Chefe da Divisão de Cooperação e Relações Interinstitucionais e Pro-
fessora no curso de Letras na Universidade Federal do Amapá – Campus Binacional de Oiapoque.
Membro do Núcleo de Pesquisa em Estudos Literários- NUPEL. E-mail: marianaalves@unifap.br
Educação, Universidade
e ação internacional
O conceito de paradiplomacia ainda
é pouco utilizado no Brasil, pois ele tem
maior amplitude, no qual, os processos
de regionalização são mais intensos
como na Europa. A paradiplomacia, de
acordo com José Vicente da Silva Lessa,
se explica como uma política deliberada
de delegação de responsabilidades. Isso
superada. É notório que as relações se edificam com o passar dos anos, e levando
em consideração que a entrada e saída de acadêmicos na fronteira deve se tornar
uma prática frequente, consequentemente, acrescidas pela integração educacional,
o direito de ir e vir entre os países será respeitado.
Dessa forma, entendemos que as potencialidades das regiões de fronteira estão
intimamente ligadas às pessoas que compõem este cenário educacional e a sua atuação
no contexto em que elas estão inseridas. Certamente, com o avanço de pesquisas na
região e estudos voltados à compreensão e desenvolvimento desse painel complexo
que envolve a circulação de pessoas, saberes e culturas, assim como a aproximação
dos territórios educacionais que favorecem o desenvolvimento científico, logo, se terá
um espaço educacional em constante transformação. Assim como os elementos que
devem sinalizar as dificuldades encontradas na fronteira e as adaptações que devem ser
feitas para se ajustar à realidade local, e dessa maneira, auxiliar nas políticas públicas
educacionais destinas à fronteira medidas consoantes à necessidade do município, e
se caso elas não existirem, apontar um caminho para que elas sejam criadas.
A cidade de Oiapoque tem poucas escolas de ensino fundamental e médio
que estejam adequadas, tanto ao que se refere à infraestrutura - prédio, materiais
e equipamentos - quanto a formação profissional, e a situação não é diferente
do outro lado, expressão muito utilizada por pessoas da região ao se referir a
cidade de Saint George de l’Oyapoque, na Guiana Francesa, a primeira cidade
de acesso ao território francês relacionada ao município de Oiapoque. Nesta
cidade, contudo, não há o ensino médio ou como se diz em francês, o Lycéepara
os estudantes concluintes. Aqueles que desejam continuar seus estudos devem ir
à capital – Cayenne – para fazê-lo, senão, e se for o caso deste estudante ter dupla
nacionalidade, ele vem ao Brasil que é relativamente mais próximo do que a capital
para continuar seus estudos. Assim das duas soluções para o estudante estrangeiro,
ele deve optar por uma: ou a família garante a estadia e os estudos dele na capital
ou este estudante, se guianense nativo conclui o ensino fundamental e para de
estudar (pelo menos, até que seja construído em Saint George de l’Oyapoque um
Lycée) ou se ele tem dupla nacionalidade – brasileira e francesa – ele pode voltar
para o país de origem de seus pais para seguir seus estudos até a universidade.
Esta, inclusive, é uma condição frequente na região de fronteira.
São muitas as especificidades, assim como os desafios quando tratamos de
uma fronteira jovem, com apenas 70 anos, e a necessidade de se organizar as
estruturas administrativas assim como atender às demandas educacionais. Para
tanto, a aproximação entre os territórios deve ser considerada, e quando nos
referimos ao território destaca-se, primeiramente, o fortalecimento das relações na
seguinte escala: Município, Estado e Governo. Se não há diálogo ou cooperação
Considerações Finais
Em síntese, cabe à comunidade acadêmica fazer valer a assertiva de que a
universidade deve cumprir seu papel social junto à comunidade para modificá-la,
desenvolvê-la e transformá-la. Se conseguirmos aliar os poderes, assim como as
pessoas por meio de iniciativas de base educacional, certamente haverá resultado
na aplicação das políticas públicas e também o engajamento da sociedade civil.
Na fronteira de Oiapoque, assim como em outras pelo Brasil, várias questões
já foram apontadas neste sentido, algumas até diagnosticadas, mas falta ainda a
efetiva aproximação de atores sociais, que possam fazer circular os saberes, os
conhecimentos das comunidades tradicionais da região – com respeito aos seus
costumes, crenças e identidade cultural -, assim como a contribuição das outras
culturas para a formação de uma sociedade equilibrada politicamente, com opinião
e capacidade de pensar as dificuldades não como problemas locais, mas como
desafios universais. É exatamente neste ponto que concluímos: o investimento na
formação de profissionais para atuar na região deve continuar em parceria com
instituições, sejam elas brasileiras ou estrangeiras, mas com o intuito de se aliar ao
poder público em todas as escalas: municipal, estadual ou federal. E a instituição
que deve representar esta ligação na fronteira entre os setores educacionais é a
universidade, para a resolução de problemas primários ligados à qualificação
profissional, estes que retardam o desenvolvimento regional, e também para
sinalizar por meio da pesquisa e extensão as demandas da sociedade local.
A UNIFAP inseriu dentro de sua estratégia de internacionalização e
desenvolvimento nos últimos anos a aproximação com seu entorno geográfico. A
exploração das potencialidades regionais, inexploradas até então, pode trazer um
diferencial para o Campus do Oiapoque e da UNIFAP de forma geral. A realidade
da fronteira entre Brasil e França, brevemente relatada aqui, aponta para os grandes
desafios do desenvolvimento da educação na fronteira. Entretanto, esses desafios
têm sido enfrentados com um comportamento proativo da Universidade como
ator local e paradiplomático na relação com o entorno geográfico.
Referências
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Austral, v. 5, p. 111-150, 2014.
CORREA, Paulo Gustavo Pellegrino. As iniciativas de integração e segurança dos países amazónicos e
o papel do Brasil neste contexto. 2014. 182 f. Tese (Doutorado) - Curso de Ciência Política, Ciência
Política, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2014.
LESSA, J.V.S. A paradiplomacia e os aspectos legais dos compromissos internacionais celebrados por
governos não-centrais. Brasília: Ministério das Relações Exteriores, 2002.
PINHEIRO, L.; BESHARA, G.L. Política externa e educação: confluências e perspectivas no marco
da integração regional. In: PINHEIRO, L.; MILANI, C.R.S. (Org.). Política externa brasileira: as
práticas da política e a política das práticas. 1.ed. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 2012,
v. , p. 149-180.
VIDAL, Lux Boelitz. Povos Indígenas do Baixo Oiapoque: o encontro das águas, o encruzo dos saberes
e a arte de viver. 2 ed. Rio de janeiro: Museu do Índio e Iepé, 2009.
VIGEVANI, T & CEPALUNI, G. A política externa de Lula da Silva: A estratégia da autonomia pela
diversificação. Contexto Internacional, v. 29, n.2, julho/dezembro de 2007. p. 273-335.
*
Mestre em Cooperação Internacional e Desenvolvimento pelo Centro de Estudos Avançados Mul-
tidisciplinares da Universidade de Brasília (CEAM/UnB). É Pesquisador Tecnologista do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) e atual Coordenador de De-
senvolvimento de Cooperação Técnica da Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI). Foi
Coordenador do Núcleo de Américas Multilateral da Assessoria Internacional do Ministério da
Educação do Brasil. E-mail: leonardoserikaw@yahoo.com.br.
onze estados (Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima, Mato Grosso,
Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina), os quais fazem
fronteira com dez países (Argentina, Bolívia, Colômbia, Guiana, Guiana Francesa,
Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela).
No que se refere, por exemplo, às Escolas Interculturais de Fronteira, uma
iniciativa do MERCOSUL Educacional, o programa alcança hoje aproximadamente
180 escolas, localizadas em 36 municípios nos estados do Acre, Amazonas,
Amapá, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rondônia, Roraima, Rio Grande do Sul e
Santa Catarina. De acordo com o Censo Escolar 2012, nas 17 escolas do PEIF, eram
atendidos à época 7.522 estudantes no ensino fundamental. E, apesar de todo esse
potencial instalado, pouco dele é aproveitado.
Não há dúvidas de que a fronteira é o lugar da diversidade e da complexidade
e que a região é rica em oportunidades. Contudo, esses aspectos inerentes ao próprio
contexto não foram suficientes para sensibilizar e organizar instituições para lidarem
com essa pluralidade e com as especificidades locais. O que se vê, no entanto, é uma
desarticulação entre os atores e um despreparo destes para lidar com o diferente.
Um exemplo emblemático, para exemplificar essa dificuldade das instituições,
é o caso dos Projetos Políticos Pedagógicos (PPPs). Em geral, os PPPs seguem
rigidamente as diretrizes nacionais da educação e desconsideram as especificidades
locais, não deixando espaço para o atendimento adequado dos alunos estrangeiros.
Ao mesmo tempo, ignoram a presença de outras instituições potencialmente
parceiras, algumas vezes, escolas estrangeiras localizadas imediatamente após a
fronteira, e se fecham para a possibilidade de formações de redes de aprendizado.
Dada a natureza sui generis das zonas de fronteira, que conta com aproximadamente
588 municípios brasileiros, é preciso reinterpretar essas diretrizes para permitir um
melhor planejamento das escolas para lidarem com a figura do “outro” 2.Além disso,
há a necessidade de investimento na formação de profissionais e professores capazes
de lidarem com um cenário multicultural. Para isso, é fundamental a articulação entre
diferentes instituições, desde as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação até
universidades e institutos federais, nacionais e estrangeiros, cuja vocação e expertise
são fundamentais na formação localizada de professores multiculturais e bilíngues.
Entretanto, existem boas práticas. Um exemplo é citado por Thomaz (2010)
quanto aos programas de formação docente em português e espanhol realizados
por universidades brasileiras e argentinas, em especial pela Universidade Federal
de Santa Catariana (UFSC), pelo Instituto de Investigação e Desenvolvimento
em Política Linguística (IPOL) e pelo Instituto de Educación Superior Lenguas Vivas
Juan Ramón Fernandez (IESLVF).
Considerações Finais
A ausência de diagnósticos e a dificuldade de formulação e implementação
de soluções conjuntas, o desconhecimento mútuo, o desrespeito à diversidade
cultural e a dificuldade de integração dos sistemas de ensino locais nas regiões
de fronteira, são alguns dos desafios ― não todos ― que fazem da integração
um “problema maldito” para os países sul-americanos, em especial para o Brasil,
dada a extensão de sua fronteira, que atravessa dez unidades federativas, o Brasil
deveria ser o maior interessado na resolução dos problemas nas zonas lindeiras.
Ainda que isso ocorresse, dependeria de uma coordenação e uma cooperação
com os estados vizinhos, os quais muitas vezes não têm o tema como prioritário.
Em função dessa ausência estatal de ambos os lados, crescem os problemas
socioeconômicos nas bordas do país, originados por uma presença marcante das
organizações criminosas nessas regiões, que se apropriam desse “regionalismo
aberto” para contrabandear e traficar sem grandes empecilhos.
É mister para os Estados ― incluindo seus entes e instituições nacionais
― ocupar essas regiões, não somente por uma questão de segurança, mas
Referências
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com foco no estado do Mato Grosso. Disponível em: <http://www.esg.br/images/Monografias/2012/
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THOMAZ, Karina Mendes. A política linguística do projeto escolas interculturais de fronteira do
MERCOSUL: ensino de segunda língua para as áreas fronteiriças. Revista Línguas & Letras, Vol.
11, Nº 21, 2010. Disponível em: <http://e-revista.unioeste.br/index.php/linguaseletras/article/
view/3545/3462>. Acesso em 5 de junho de 2016.
(Endnotes)
1
Face à necessidade de ampliar as perspectivas de integração para além da linha econômica, em 13
de dezembro de 1991, o Protocolo de Intenções firmado pelos Ministros da Educação dos Estados-
membros é assinado, criando a Reunião de Ministros da Educação (RME) e o Setor Educacional
do MERCOSUL (SEM). Com a Decisão 07/91, do Conselho Mercado Comum (CMC), essa reunião
tornou-se o órgão responsável pela coordenação das políticas educacionais da região.
2
No sentido de superar essas dificuldades, Brasil e Argentina firmam um acordo de cooperação
em 2004, criando o Programa de Escolas Interculturais de Fronteira (PEIF), que hoje avança, por
iniciativa brasileira, sobre o arco norte do país. Antes de 2004, já existiam iniciativas autônomas
localizadas nas chamadas “cidades-gêmeas”, anteriores ao PEIF, contudo não se deve tampouco
superestimar seus resultados.
*
Coordenador de Assuntos Binacionais e Professor dos cursos binacionais no Câmpus de Santana
do Livramento do Instituto Federal Sul-Rio-Grandense. Mestre em Engenharia e Tecnologia de
Software (Universidad de Sevilla, 2010), especialista em Tecnologia e Educação a Distância (UNI-
CID, 2011) e graduado em Informática (URCAMP, 2006). E-mail: migueldinis@ifsul.edu.br
**
Professor e ex-diretor-geral do campus Santana do Livramento do Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense. Doutor em Ciência da Computação (UFRN), mestre em
Tecnologia (UTFPR), especialista em Educação (UnB), bacharel em Análise de Sistemas (UCPel) e
licenciado em Informática (CEFETRS). E-mail asconavietaph@gmail.com
Fundamentação legal
Várias são as atas de entendimento entre o IFSul e o CETP-UTU que definem as
regras de funcionamento dos cursos. Além disso, na área educacional, três acordos
foram fundamentais e propiciaram os elementos legais de amparo às ditas atas:
● O Acordo Básico de Cooperação Científica e Técnica (Junho/1975) - as partes
contratantes comprometeram-se a elaborar e executar programas e pro-
jetos de cooperação científica e técnica de comum acordo, das seguintes
formas: projetos de pesquisa, seminários e conferências, programas de
estágio etc (BRASIL, 1975).
● O Acordo de Permissão de Residência, Estudo e Trabalho a Nacionais Fronteiri-
ços Brasileiros e Uruguaios (Agosto/2002) - concede permissão de residên-
cia, exercício de trabalho, ofício ou profissão e frequência a estabeleci-
mentos de ensino públicos e privados na localidade vizinha, nos limites
da faixa de fronteira, desde que seja portador do Documento Especial de
Fronteiriço (BRASIL, 2002).
● O Acordo de Criação de Escolas e/ou Institutos Binacionais Fronteiriços Pro-
fissionais e/ou Técnicos e para o Credenciamento de Cursos Técnicos Binacio-
nais Fronteiriços (Abril/2005) - tem objetivo de promover qualificação
e formação profissional, permitindo a inclusão social da população
fronteiriça e tendo na educação um elemento de fortalecimento do pro-
cesso de integração. O acordo prevê que, em cada curso oferecido, os
postulantes de cada parte teriam direito a cinquenta por cento do total
de vagas, entre outras definições (BRASIL, 2005).
2. Seleção de alunos
4. Matrículas
7. SISTEC
8. EDUCACENSO
9. Visitas técnicas
No caso de menores de idade, fator comum para uma escola com ensino
médio binacional de fronteira, é necessário que os pais acompanhem o menor
até o setor de imigração, onde será emitida uma autorização a ser apresentada na
polícia federal (ou migración uruguaia) para entrada no país vizinho.
10. Veículos
11. Estágios
14. Editais
16. PPCs
o curso ocorrer no Uruguai ele é escrito em espanhol. Isso foi acordado entre as
instituições, pois o trabalho de tradução além de causar uma grande morosidade
para aprovação dos projetos, pode também afetar no real sentido das questões
técnicas constantes no documento.
Após as diversas definições, os projetos pedagógicos dos cursos ainda têm
que passar por todas as instâncias de avaliação interna de cada instituição, do
lado brasileiro pela avaliação da PROEN, Câmara de Ensino e, posteriormente,
pela aprovação no Conselho Superior, do lado uruguaio, passa pela aprovação
do Campus através de uma rotina chamada planillado, do Planeamiento Educativo
e do Consejo de Educación Técnico Profesional.
Até o momento, estão em atividade somente cursos técnicos de nível médio,
três na modalidade integrado e cinco na modalidade subsequente, mas dois
projetos de cursos superiores já estão em análise no MEC.
17. Diplomação
Considerações finais
O ponto geográfico onde essa experiência inovadora está localizada, a
facilidade para o fluxo de pessoas e sua comunicação, além da boa relação entre
a população fronteiriça e, também, a relação de confiança estabelecida através do
tempo entre os gestores envolvidos no processo foram fatores que influenciaram
muito para o sucesso do projeto.
Ao invés de virar as costas para o outro lado da linha divisória de fronteira,
estamos entrelaçando ideais através de uma metodologia inovadora, da qual a principal
vantagem proporcionada à população fronteiriça é a ampliação das possibilidades
de formação com a parceria entre instituições de ensino brasileiras e uruguaias. Não
consideramos esse projeto como um produto pronto e acabado, mas sim como uma
longa estrada que está sendo percorrida, retirando as pedras do caminho uma a uma.
Muitos dos desafios provenientes da binacionalidade dos cursos não
dependem exclusivamente do IFSul ou do CETP-UTU para serem resolvidos, pois
necessitam de soluções legais ou de instituições externas, com isso, tornam-se de
difícil solução. Ainda assim, tanto do lado brasileiro, quanto do lado uruguaio,
busca-se encaminhar as instituições competentes com a finalidade de ir corrigindo
as lacunas encontradas pelo caminho.
Embora esses desafios existam, o preço do pioneirismo é encontrar e
remover barreiras. Contudo, vários são os indicadores que demonstram que
se está caminhando em direção a um bom resultado: os cursos estão evoluindo
em quantidade e modalidades; segundo o planejamento de desenvolvimento
institucional há a expectativa de duplicar a oferta até 2019; à medida que os cursos
vão sendo conhecidos aumenta consideravelmente a procura no vestibular e nas
inscrições no Uruguai; várias instituições brasileiras e uruguaias têm demonstrado
interesse em visitar e conhecer o sistema diferenciado dos cursos binacionais;
o IFSul e o CETP-UTU estão reproduzindo o projeto iniciado em Sant’Ana do
Livramento e Rivera em outros campi de ambas as instituições; e por fim em 30 de
maio de 2011, foi emitido um “comunicado conjunto dos Presidentes da República
Federativa do Brasil, Dilma Rousseff, e da República Oriental do Uruguai, José
Mujica” no qual reconheceram:
o esforço e a prioridade do Conselho de Educação Técnica Profissional, Universidade
do Trabalho do Uruguai, e do Instituto Federal Sul-Rio-Grandense (IFSul) na oferta e
implementação de cursos binacionais nas disciplinas de informática e meio ambiente
nas cidades de Rivera e Santana do Livramento; e seu compromisso com os jovens e o
desenvolvimento em regiões de fronteira por intermédio de uma proposta educacional
conjunta. Expressaram sua vontade de fortalecer a educação técnica, especialmente na
região da fronteira, orientada a setores estratégicos tais como telecomunicações, avia-
ção, indústria naval, energias alternativas e logística (BRASIL, 2011).
Referências
BRASIL. Comunicado conjunto dos Presidentes da República Federativa do Brasil, Dilma Rousseff,
e da República Oriental do Uruguai, José Mujica. 2011. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.
br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/atos-assinados-por-ocasiao-da-visita-da-presidenta-dilma-
rousseff-ao-uruguai-montevideu-30-de-maio-de-2011. Acesso em 01 Nov 2014.
*
Pedagogo, Mestre em Educação pela UnB e Doutorando em Educação pela UFSC. Especialista de
Desenvolvimento Industrial do Departamento Nacional do SESI (DF), Professor da Universidade
Paulista (DF), Coordenador Nacional do PEIF no MEC de 2012 a 2014.
Keywords: Interculturalism; Educational Policies; Nacional (LDB) de 1996 reforça que cabe
Border Strip; Intercultural Border Schools Program.
à União, ou seja, ao MEC
estabelecer, em colaboração com os
Estados, o Distrito Federal e os Muni-
cípios, competências e diretrizes para
a educação infantil, o ensino funda-
mental e o ensino médio, que nortea-
rão os currículos e seus conteúdos mí-
nimos, de modo a assegurar formação
básica comum (artigo 9º, inciso IV).
os anseios do futuro que borbulham também nas fronteiras, têm para que o Brasil conheça
os “brasis”? A partir dessas, podemos elaborar várias outras perguntas – talvez,
sem muitas respostas, mas com provocações pertinentes.
Então, passamos a entrar no cerne desse texto que é delinear premissas para
o currículo escolar intercultural. Começaremos com a contemplação do mapa do
Brasil (Figura 1)
O Brasil possui extensa fronteira com dez países da América do Sul: Guiana
Francesa, Suriname, Guiana Inglesa, Venezuela, Colômbia, Peru, Bolívia, Paraguai,
Argentina e Uruguai. Denomina-se faixa de fronteira a “área interna de 150
quilômetros de largura, paralela à linha divisória terrestre do território nacional”
- Lei nº 6.634, de 02 de maio de 1979 (BRASIL, 1979, p. 1).
todo o processo com os demais projetos, programas e ações locais existentes, além
de prover condições para que o intercâmbio docente aconteça. Atrelada a essa
mediação, a escola torna viva a dimensão da convivência, dos saberes e práticas,
organiza e produz conhecimentos importantes para a humanidade.
No que tange ao currículo intercultural na perspectiva da formação integral,
as propostas pedagógicas das Secretarias de Educação e das escolas precisam se
apropriar de uma filosofia de educação que priorize conhecimentos teórico-práticos
de uma metodologia diferenciada (projetos de aprendizagem) e considerem aspectos
sócio-histórico-culturais próprios à comunidade onde a escola está inserida.
Um dos principais desafios do PEIF é a sua inserção na agenda
desenvolvida por outros órgãos governamentais que tenham ações na faixa
de fronteira, prioritariamente, pela Presidência da República, Ministério
das Relações Exteriores, Ministério da Integração Nacional, Ministério da
Justiça, Ministério da Defesa, dentre outros grupos, comitês, comissões,
governamentais ou não-governamentais.
Considerações finais
Ser fronteiriço, conhecer a fronteira, estar na fronteira, morar na fronteira,
é estar em um espaço privilegiado de formação humana que o interior do país
desconhece. Cada vez mais é preciso divulgar e promover o conhecimento sobre as
línguas, as festas, as práticas cotidianas que vão além do livre comércio e do limite
político. Na educação, as diferenças se evidenciam, mas também é uma grande
oportunidade para que se descubram as semelhanças e se construa o respeito à
história e aos modos de falar, sentir, expressar e desejar o futuro de cada povo,
de cada cidadão brasileiro, ou melhor, cidadão fronteiriço que talvez não sinta
pertença de um país ou de outro, mas de ambos que o acolhem e o fazem ricos de
sabedoria e de convivência transnacional. Coisa que o “miolo” deve desconhecer.
Ainda temos muito o que descobrir em nossas fronteiras.
Referências
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BRASIL. Ministério da Educação, Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CEB nº 4, de 13
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Teixeira. Censo Escolar da Educação Básica 2015. Brasília: MEC/INEP, 2015.
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Interculturais de Fronteira, que visa a promover a integração regional por meio da educação
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Brasília: Imprensa Nacional, 2012.
*
Pedagogo do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Roraima, atualmente exerce
a função de Diretor de Políticas de Ensino de Graduação do IFRR. E-mail cesarpedago@ifrr.edu.br
escolarizada são seres com uma bagagem prévia de crenças, significados, valores,
atitudes e comportamentos adquiridos fora das escolas (SACRISTÁN, 1995, p. 89).
Partindo desse princípio, você deve estar curioso de saber como elaborar um
currículo que valorize as diversas culturas, crenças, etc. Como você já deve ter percebido,
um currículo na envergadura de interculturalidade, antes de tudo, tem de ser um
currículo que combata qualquer discriminação baseada em diferenças culturais, de classe
social, de crenças, de sexo, de etnia, ou em outras características individuais e sociais.
Pode-se, portanto, afirmar que a escola é um espaço onde a interculturalidade
deve ser vivenciada de forma muito clara, por ser essa uma maneira de intervenção
diante dessa realidade que tende a colocar ênfase na relação entre culturas. Nesse
sentido, um programa curricular que valoriza as contribuições de várias culturas
de forma explícita dinamiza e potencializa o conhecimento numa perspectiva
intercultural (SILVA, 2010, p. 219).
Então, podemos perceber que a concepção de currículo na fronteira deve estar
embasada em duas vertentes. A primeira refere-se à construção do conhecimento
mais sólido e recheado de significados. A segunda diz respeito a pensar um
currículo que possibilite concretizar uma educação digna, e de qualidade, para
aqueles que se encontram na fronteira.
Agora, para que não haja dúvidas na elaboração do currículo de fronteira,
é necessário encaminhar a discussão acerca da complexidade do tema, pois ele
deve estar intrinsecamente ligado à questão da diferença e da igualdade, sendo
fundamental para avançarmos no entendimento de currículo com o cheiro de
interculturalidade numa abordagem pedagógica. Então, vejamos:
Agricultura
Serviços
Gestão
Hospitalidade e Turismo
Comércio
Formação Pedagógica
Saúde
Alimentos
Após cumprir as etapas destacadas acima, e antes de partir para a etapa de
Elaboração da Proposta Pedagógica, foi necessário realizar um encontro com o país
vizinho, no intuito de obter informações de demanda para contemplar no currículo
os arranjos produtivos da comunidade. Assim, foi realizado o encontro bilateral
entre autoridades do Município do Bonfim e da República Cooperativista da Guiana.
Considerações Finais
O encontro foi satisfatório, pois, além de promover o estreitamento das
relações com o país vizinho, suscitou a criação, no âmbito do IFRR, de grupos
de trabalhos voltados para a temática da educação de fronteira, buscando o
aprimoramento e o fortalecimento do intercâmbio cultural e o multilinguismo
como forma de enfrentamento das fragilidades identificadas.
Bem, tivemos a oportunidade de, juntos, estudar alguns teóricos que
discutem a questão do currículo de fronteira e apresentamos os procedimentos
que subsidiaram a equipe responsável pela elaboração do projeto de implantação
do Campus Avançado do Bonfim do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia de Roraima (IFRR). Espero ter contribuído para o entendimento das
principais ações na elaboração de um currículo de fronteira.
Referências
CANDAU, Vera Maria (org). Sociedade, educação e cultura(s): questões e propostas. Petrópolis, RJ:
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*
Mestranda em Linguística e Transculturalidade pela Universidade Federal da Grande Doura-
dos, Faculdade de Comunicação, Artes e Letras - FACALE. Pós-Graduação Mestrado em Letras.
E-mail: patymassambani@gmail.com
**
Orientadora e professora Drª titular da Universidade Federal da Grande Dourados, Fa-
culdade de Comunicação, Artes e Letras - FACALE. Pós-Graduação Mestrado em Letras.
E-mail: gicelmatorchi@ufgd.edu.br
Considerações em processo
O espaço da fronteira, tão rico culturalmente, não responde a uma única
intenção de significação do sistema escolar, ou da pedagogia dominante, mas
abre-se a todas as interpretações possíveis e democráticas. Desse modo, o PEIF
nasceu como um programa mestiço e mesclado, do ponto de vista linguístico. O
programa, desde o seu surgimento, é intercultural e tem uma preocupação muito
forte em oferecer uma educação diferenciada baseada na cooperação fronteiriça,
em que a superação da ideia de fronteira vai além de uma barreira visível ou
invisível, permitindo o acesso a oportunidades sociais, educacionais, culturais e
econômicas rompendo os entraves de contato com a língua e com o outro.
A escola tem papel social e é responsável por preparar o aluno para se
tornar um cidadão consciente de seu papel na sociedade. O preconceito, um
sentimento já arraigado em nossa sociedade, pode transformar esse ato tão
Referências
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Fundo, v. 17, n. 2, p. 211-222, jul. / dez. 2010.
(Endnotes)
1
Conceito de texto: “Mecanismo elementar que conjuga sistemas e, com isso, confere unidade
pela transformação da experiência em cultura, como conceito fundamental da moderna semiótica.
Nesse sentido, a noção de texto se aplica não apenas a mensagens da linguagem natural, mas a
todos os portadores de sentido: cerimônia, obras de arte, peça musical” (MACHADO, 2003, P 168).
2
Citamos crianças e jovens brasileiras paraguaias, pois é a realidade da fronteira analisada neste trabalho.
*
Doutora em Teoria Literária, Mestra em literatura e Estudos Culturais, Professora adjunta Univer-
sidade Federal de Mato Grosso do Sul, Coordenadora do Projeto Escolas Interculturais de Frontei-
ra 2014. E-mail: lucilenemachado@terra.com.br
indivíduos no tráfego entre os dois países. Não há fiscalização rígida, nem obstáculos
físicos que impeçam o trânsito, tanto de pessoas como de veículos, exceto quando em
épocas de operações militares com o intuito de repressão ao tráfico de entorpecentes
e criminalidade. Porém, não chega a ser uma área marcada pela violência, nem ao
menos se compara às grandes cidades de outros Estados do Brasil.
Esta fronteira em Mato Grosso do Sul, pode ser considerada um tanto
peculiar se comparada à fronteira que temos com o Paraguai. Subsiste nesse
perímetro uma negação cultural de ambos os lados dos territórios envolvidos.
Os brasileiros tentam negar qualquer influência que seja denominada como
boliviana. Negam categorias específicas como alimentação, moda, música... ainda
que essas estejam explicitamente cristalizadas no passado e no presente de seus
habitantes. Por outro lado, o povo boliviano nega sua própria identidade ao tentar
(se) convencer de que é brasileiro. Existem complexas estratégias de identificação
cultural e pertencimento que funcionam problematicamente no país boliviano e
se potencializa na região da fronteira em nome de uma superioridade atribuída
ao Brasil. O espaço que une é o mesmo que separa, o que reitera a necessidade
de debater o assunto com a consciência de que não resta outra condição que não
seja a de compartilharmos esse território. A outra lógica que resta é a da exclusão,
da opressão, da intolerância, do preconceito, o que não promoverá nenhum
desenvolvimento na educação, tampouco em outros segmentos político-sociais.
Aparentemente, na educação, estamos juntos buscando os mesmos ideais,
tentando nos compreender, dentro do espaço físico da universidade e da escola,
mas como investigadores sabemos que esta é ainda uma unidade bastante frágil e
artificial e que silenciamos quando se abre um debate mais acirrado sobre o tema. As
identidades são contraditórias por conta dos deslocamentos e da transnacionalidade.
Segundo Stuart Hall, em A identidade em questão, a identidade pode ser fraturada
por identificações rivais e deslocantes, “uma vez que a identidade muda de acordo
com a forma como o sujeito é interpelado ou representado, a identificação não é
automática, mas pode ser ganhada ou perdida” (HALL, 2006, p. 21). Ou seja, os
indivíduos são formados subjetivamente por meio de sua participação em relações
sociais mais amplas e o papel que nelas desempenham. De modo que a integração
do indivíduo na sociedade é uma preocupação porque depende de fatores adversos,
independente de atos institucionais ou iniciativa pública.
Narrativas fronteiriças
O povo fronteiriço, como participantes desse território dotado de paradoxos e
complexidades, são sujeitos imanentes e objetos de uma série de narrativas sociais
Escola de fronteira
As escolas de formação básica localizadas em faixa de fronteira, cada vez mais,
recebem alunos bolivianos e, escolas bolivianas os alunos brasileiros, considerando
que alunos bolivianos registrados no Brasil são brasileiros, ainda que toda sua
cultura esteja enraizada na Bolívia. Uma complexidade que desencadeia diversos
questionamentos a respeito da educação oferecida a essas crianças e adolescentes:
o que ensinar e como ensinar.
Talvez uma solução mais eficiente fosse um currículo com conteúdos
Considerações finais
Como participantes ativos desse processo, seguimos com a escola como
espaço de acolhimento de indivíduos com saberes e vivências diferenciados,
tornando-se um lócus de diálogo e disseminação da cultura, igualitário. Pode
transformar-se em um espaço homogeneizador silenciando a voz do preconceito,
ou pelo menos diminuindo. As relações multiétnicas demandam inúmeras
tarefas sociais, desde a preocupação com a identidade cultural dos alunos até
em criar condições de valorização e respeito entre todos, de forma que no seu
interior se possa contemplar a pluralidade e a integração entre as diferenças.
Para isso é preciso o auxilio da Universidade oferecendo suporte metodológico
e conteudístico, boa vontade por parte do governo para custear essa formação
contínua e apoio da população, sobretudo no que diz respeito a preconceitos.
Pais devem aprender o que é interculturalidade, sua importância no processo
de desenvolvimento social e econômico com o intuito de educarem seus filhos
ainda em tenra idade. É um trabalho bastante extenso, pois envolvem várias
gerações e algumas mais difíceis de serem alcançadas, mas que é imprescindível
para um posicionamento mais justo dentro do contexto de fronteira.
Também a produção cultural do estado deveria enfocar as temáticas
fronteiriças, como o cinema, por exemplo, que tem acessibilidade a várias
gerações e camadas sociais, narrando situações pertinentes ao lugar. De forma
semelhante, os escritores locais deveriam se apropriar dos elementos produzidos
pela cultura desta zona fronteiriça para apreender a complexa relação que
envolve esta territorialidade, desdobrando a cultura do lugar para que sejam
visíveis e apreciadas por outras regiões.
Referências
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