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CON LHO EDITORIAL: An a Stahl Zlll s [Unlslnos]
Angela Paiva Dlonlsio [UFPEJ
Ca rlo s Alberto Faraco [UFPR]
Egon de Oliveira Rangel [PUC-SP]
Henrique Monteagudo [Universidade de Santiago de Compostelaj
José Ribamar Lopes Batista Jr. [UFPl/CTF/ LPTJ
Kanavil lil Rajagopalan [UN ICAMPJ
\ Sumário
Marcos Bagno [UnBJ
Maria Marta Pereira Scherre [UFES] e.o
Rachel Gazolla de Andrade [PUC-SPJ ......
Roberto Mulinacci [Universidade de Bolonha] o
N
Roxane Rojo [UNICAM P] ro õ
Sa lma Tannus Muchail [PUC-SP] .D ......
Sírio Possenti [UNICAMP] ro --
Stella Maris Bortoni-Ricardo [Un BJ ü ~

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ ÂPIUlSENTAÇÃO ..................................................................................... 7
R131p
L1N UAGEM E ÉTICA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES GERAIS ................................ 15
Rajagopalan, Kanavillil
Por uma linguística crítica: linguagem, identidade e a questão
ética/ Kanavillil Rajagopalan. - São Pau lo : Parábola Editorial, 2003.
l.IN ,UAGEM E IDENTIDADE 23
-(Lingua[gem]; 5)
Inclui bibliografia l.IN UÍSTICA E A POLÍTICA DE REPRESENTAÇÃO .... ........................................ 29
ISBN 978-85-88456-13-6

1. Linguística, 2. Pragmática, 3. Fi losofia da linguagem. 1. Título.


HHLEVÂNCIA SOCIAL DA LINGUÍSTICA ......................................................... 37
li. Série.
,
1
0 1\IHl A DIMENSÃO ÉTICA DAS TEORIAS LINGUÍSTICAS ................................... 49
03-1266. CDD:410
CDU 81 °1 Objetivo.. ......... ............. ............................. ............................................. 49
1. A ética na linguística: a elaboração de uma nova hipótese .......... .... .. . 49
2. A ciência e a questão ética: três correntes distintas......................... 52
2.1. A corrente racionalista ................... .............................................. 53
Direitos reservados à
Parábola Editorial 2.2. A resposta pragmatista............... .... .............................................. 54
Rua Dr. Mário Vicente, 394- lpiranga
04270-000 São Paulo, SP 2.3. A alternativa marxista................................................................. 54
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home page: www.parabolaed itorial.com.br : . Comentários sobre as três correntes............................................. ... 55
mall: parabola@parabolaed itorial.com.br
 li llNTIDADE LINGUÍSTICA EM UM MUNDO GLOBALIZADO ............................ 57
lorlll os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode s~r reprodu-
1ld11 0 11 tran smitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou
111 e nico, Incluindo fotocôpia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema
l.INC:UA ESTRANGEIRA E AUTOESTIMA........................... .............................. 65
111 1 l 11m c >d dados sem permissão por escrito da Parábola Editorial Ltda.
 ' NSTRUÇÃO DE IDENTIDADES: LINGUÍSTICA E A POLÍTICA DE REPRESENTAÇÃO 71
1•.11N 'l/H as 88456- 13-6
 1.IN UÍSTICA APLICADA E A NECESSIDADE DE UMA NOVA ABORDAGEM ........... 77
dl~ 11I '•' 11 Impressão - julho de 2016
1 I• 111111vllll l H11) ICJ pa lan, 2003 1)l(Sf ,NAÇÃO: A ARMA SECRETA, PORÉM INCRIVELMENTE PODEROSA, DA MÍDIA
' d 111 Ili~ 11 1'1u IJ 1, Ed itorial, São Paulo, julho de 2003 l!M CONFLITOS INTERNACIONAIS ......... .. .. ... ........ ... . .. ..... .............. .......... 81
5
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O pt op1 lo l l,11 ti 1 11111 g111p11 cl1 p1 q11 ,•,1 lor 11 q111 1• 11 pl1,1m
•111 11c•us liv o ' v m pro111ov1 11do 11111 ttH>vim n o d nomi11,1clo "ir
g n ·ionismo" ( f. 11 rris, 1DH l ; 1DH'/; 1D90; llarris e Wolf, 19 8). Este
movimento tem como prin ip l m L li vrar as pesquisas linguísticas
d' amarras que, com o pretexto de assegurar que a linguística não obre a dimensão ética
omece a flutuar sem rumos, acabam de fato impedindo a livre mo-
vimentação em direções não previstas. Para Harris, trata-se de uma
questão de suma importância, p'a ra resgatar o papel de destaque que
das teorias linguísticas
as pesquisas sobre a linguagem podem e devem desempenhar.
Evidentemente, o integracionismo não pode ser visto como a "boa
nova" vinda para salvar a disciplina ou para injetar novos ânimos em
meio ao marasmo que ameaça se instalar. Porém, acredito que se tra-
ta de tendências contemporâneas que não podem ficar à margem das
atenções dos nossos pesquisadores - apesar das resistências sobre
as quais o próprio Harris nos alerta, conforme discussão anterior. É
OBJETIVO
preciso, no meu entender, escutar com cada vez mais atenção essas
vozes que, no mínimo, servem de indícios de que há muita coisa ainda Este texto tem o objetivo central de formular a hipótese (e não
para ser repensada. E, o que é mais importante ainda, é preciso rever . propriamente defendê-la, meta que demandaria muito mais tempo e
algumas das nossas certezas, ainda que, em razão de terem sobrevivido 1•spaço) de que a questão ética está necessariamente presente no nível
sem contestação anos a fio, muitas delas possam hoje estar gozando dito "propriamente teórico" - isto é, entre outras coisas, até mesmo
de um "status" privilegiado, comparável a dogmas inquestionáveis que n escolha do objeto de estudo. No caso da linguística, por exemplo,
norteiam seitas e outras formas de controle de massas . .1 questão ética se faz presente já no ato inaugural de definir o objeto
cl estudo, a linguagem.
Gostaria de dar um desfecho às minhas reflexões num tom otimista.
Como já apontei anteriormente, há claros sinais de que muitos pesqui- Um segundo objetivo, não menos importante que o primeiro - na
sadores estão se convencendo da consciência social do linguista. Está se verdade, é esse o objetivo que vai ocupar a maior parte do nosso tempo
formando um amplo consenso em tomo do papel social do linguista e de - é argumentar que, por mais inconsequente que pareça a hipótese
suas responsabilidades perante a sociedade. Entretanto, ainda é cedo para acima, sua aceitação tem um preço alto. Pois, se for correta, vai acarretar
afirmar que essa tendência redundará numa guinada definitiva. Quem sabe, uma revisão radical de uma série de coisas em que se costuma crer a
a mudança do paradigma no campo da linguística que, segundo os cálcu- respeito da linguística, a "ciência da linguagem". A hipótese também
vai ao encontro de diversas correntes de pensamento acerca do lugar
los feitos por Lyons, deve ocorrer em breve (posto que a última ocorreu
<la ética na teoria, todas elas de grande prestígio e repercussão.
quatro décadas atrás), pode bem ter como pripcipal motivo o desejo de
tomar as nossas investigações socialmente relevantes.
1. A ÉTICA NA LINGUÍSTICA: A ELABORAÇÃO DE UMA NOVA HIPÓTESE

Ao contrário do que frequentemente se pensa, a questão ética


se faz presente na própria escolha do objeto de estudo, o gesto inau-
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expositives, porém fica em dúvida e pergunta se não pertenc ria, ao 'I' 11:1.,111 1 d JJ. R. lhtrroll! 118. Ambo s s p 'Y80n.11•,t•11 11HI1 nl 11 111
invés, à categoria dos commissives, que têm por finalidade "compro- p111 , lt, d conviv n ia ocial. O simples fato d 1 'rlt•rH •11•111 . 1.1~.i
meter o locutor com um certo modo de ação no futuro". No caso lt 11rn , na garante-lhes plenas condições de se integrar '111 , 80 iNl.1d1•

da linguística, tudo começa pela definição de linguagem. O que é a lt 11 111 na, apesar dos percalços que cada um enfrenta e por for , los
linguagem? Algo que existe como uma potencialidade, uma capaci- q 11,iis fica privado do convívio social com os pares.

dade, na mente humana? Ou existe, contrariamente, como algo que São várias as teorias linguísticas que postulam o sujeito da linguagem
está materialmente presente - na qualidade de enteléquia, para usar 111•11ses moldes. Por motivos de espaço, uma discussão detalhada deve ser
o termo aristotélico - no dia a dia de cada um de nós? Quem tem po.'t rgada para outras oportunidades. Porém, o leitor pode facilmente
a posse da linguagem? Um indivíduo concebido idealmente, dotado 1l11 ntificar traços dessa concepção do homem em algumas das abordagens
de atributos que o distingam dos seus primos distantes de carne e 11<'>ricas de grande prestígio na linguística. Note-se que, quando se postula
osso? Ou será que só faz sentido falar da linguagem em relação a 1111ujeito da linguagem nesses termos, a concepção de comunicação que
uma comunidade de indivíduos, cujas identidades se revelariam atra- 11 . campanha também carrega marcas bem distintas. A comunicação é
vessadas pelas marcas da rede de relações sociais da qual participam 1•11 Lendida como um esforço cooperativo entre indivíduos constituídos
efetiva e inescapavelmente? A habilidade linguística é algo igualmente c• m termos autônomos, com regras preestabelecidas de comum acordo,
distribuído entre todos numa comunidade? Ou será que há diferenças 1m prol de interesses comuns. Eventuais falhas na comunicação seriam
entre subgrupos de uma mesma comunidade? Todas as línguas estão .w xceções, sempre passíveis de ser corrigidas. Sen do os sujeitos da lin-
em pé de igualdade do ponto de vista funcional? Ou algumas seriam p,11 gem seres racionais por definição, em pleno controle de si e de seus
mais bem dotadas que outras para desempenhar as mesmas funções? pt•nsamentos, o processo de comunicação seria algo inteiramente explicável
Questões como as relacionadas acima não dizem respeito a meras 1m. termos racionais, por exemplo, com a ajuda da chamada game theory.
opções teóricas iniciais, ou a simples pontos de partida. A escolha Só para contrastar com a postura acima descrita e colocá-la em
entre as diferentes respostas possíveis a cada uma delas é, em última n •levo, vale a pena lembrar concepções alternativas do homem nas
análise, determinada pela filiação do teórico a essa ou aquela ideo- quais ele é visto antes e sobretudo como um ser social. O social
logia, algo que é, infelizmente, ignorado com frequência por razões 1wssas concepções é visto como um atributo essencial do h omem, à
que discutiremos adiante. ua própria natureza. As implicações dessa guinada são muitas e de
O sujeito da linguagem, como indivíduo dotado de livre-arbítrio longo alcance. A linguagem torna-se algo pertencente à comunidad ,
e de uma potencialidade que lhe é geneticamente assegurada, é a não a indivíduos concebidos isolada e independentemente. Em v z
marca registrada do pensamento liberal. Dentro dessa concepção, cl o conceito de linguagem entrar como um primitivo na teoria d
o homo loquens é antes um ser solitário, porém autossuficient'e. A < omunicação, esta sim é que vai servir de base para pensar a própria

questão social só viria posteriormente, pois a sociedade nada mais é linguagem. Em vez de a linguagem - já definida em termos ind p n -
~o qu e um agrupamento voluntário de indivíduos autossuficientes, cl ntes - ser vista como um instrumento de comunicação, a função
)U seja, um estilo de vida inteiramente dispensável. O modelo de 1 omunicativa pàssa a ser encarada como a razão de ser da linguagem.

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num ou noutra p rsp Liv i l 16 i . Nos últimos t mpos, t mos 1110t h 1 •ri m1 l s gund r tulo.Ems guid ,L nl ,11 • 111111il1.11 q111•
presenciado mudanças fundamentais nas posições ideológicas histo- 1 11os. hipót s s choca com cada uma dessas p slur. s.
ricamente consagradas. No lugar de posições ideológicas nitidamente
delineadas, o que com frequência encontramos no cenário político de 2.1. A corrente racionalista
hoje são posturas 'mistas', sendo que os grandes '-ismos' (capitalismo,
Comecemos por uma simples constatação: que toda e qualquer
socialismo, absolutismo, anarquismo, comunismo, e assim por diante)
1e oria científica é passível de apreciação do ponto de vista ético pode
de outras épocas apenas servem hoje em dia como pontos imaginários
p.1r cer, à primeira vista, um tanto óbvio e sem quaisquer desdobra-
de referência, já que cada vez mais está se tomando difícil encontrar
llH ntos posteriores. De maneira geral, porém, o que se entende por
quem se identifique plenamente com qualquer um deles.
11111 afirmação como essa é que toda postura científica pode ter con-

O surgimento das novas ideologias 'híbridas' não invalida a •11•quências éticas, ou seja, uma teoria cientificamente bem concebida
hipótese levantada no início deste trabalho; só torna mais difícil a ,, 11laborada poderá provocar certos efeitos concretos, porém, se esses

caracterização precisa de cada uma e, em nosso caso, também torna c• fPitos vão ser benéficos ou maléficos depende, segundo essa mesma
mais complicada a tarefa· de detectar as implicações ideológicas das corrente de opinião, não da teoria em si, mas do uso que dela se faz.
teorias .linguísticas que estão sendo veiculadas. A t oria em si é neutra e indiferente em relação a eventuais aplicações
11 s. Ou seja, não há ética em nível teórico; só na hora de aplicar a
Tendo formulado a hipótese, ainda que na forma de rápidas
l 1 ria é que se pode levantar a questão da ética.
pinceladas, gostaria de me dirigir ao segundo objetivo deste trabalho,
que é o de indagar por que a questão ética (a ideologia é entendida Um exemplo típico desse modo de raciocínio é o caso dos cien-
t i. tas em Los Alamos envolvidos no projeto Manhattan que, tendo
no âmbito deste trabalho como categoria subjacente à questão ética)
1 omprovado, pela primeira vez, a possibilidade da fissão nuclear (e
não tem sido devidamente enfocada na literatura pertinente. Argu-
,, onsequente liberação repentina de uma quantidade enorme de
mentarei a seguir que algumas das principais tendêndas na chamada
n rgia), nada teriam a ver com o uso militar que se fez no rastro
filosofia de ciência desautorizam a hipótese.
d.1 sua descoberta. Da mesma forma, poder-se-ia argumentar que
dl'terminada teoria linguística e a concepção da linguagem que
2. A CIÊNCIA E A QUESTÃO ÉTICA: TRÊS CORRENTES DISTINTAS r• l.1 legitima e nutre não podem ser responsabilizadas pelas con-
11quências desastrosas de um plano ·de ação prática (digamos, um
Para situar a hipótese deste trabalho no contexto da filosofia programa de ensino ou planejamento linguístico) desencadeado a
da ciência, gostaria de distinguir três posturas em relação à teoria p.Htir das mesmas. Assim como o físico nuclear, o linguista teórico
e à ética que denominarei racionalista, pragmatista e marxista. (É t.1mbém estaria totalmente isento de qualquer obrigação moral no
evidente que se trata apenas de três rótulos que não descrevem que tange ao uso efetivo que porventura possa vir a ser feito de
necessariamente cada uma das correntes de pensamento - tanto 11 s descobertas científicas; descobertas estas feitas presumivel-
racionalismo como o marxismo admitem variantes internas; pelo 111 nte com o único intuito de desvendar as verdades e não o de
primeiro termo entendemos tão somente a corrente anti-historicista l t rmsformar o mundo.

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n o voltada a interesses práti os, qu inoc nta a razão d qualqu r
consequência prática.
, COMBNTÁRIOS SOBRB AS TRÊS CORRBNTBS

2.2. A resposta pragmatista 1 fácil verificar que das t rês corrent es de pensamento que ver-
11 n obre o comprom et imento ético ou não de uma teoria, as duas
Em tempos mais recentes, o filósofo norte-americano Richard Rorty
tem se notabilizado por advogar uma posição visceralmente contrária à pt ltn iras, a racion alista e a pragmatista, são unânimes em rechaçar
postura resumida no parágrafo acima. Identificando-se com o movimento q1 1,1lquer vinculação entre ciência e ética (ou ideologia). Contudo, os
pragmatista (corrente filosófica que se iniciou com Charles Sanders Peirce 111 otivos são bem diferentes . Para a corrente racionalista, nenhuma
e teve entre seus maiores defensores estudiosos como William James e 1r•oria terá implicações éticas diretas, porque a ciência lida com os
James Dewey), Rorty argumenta que teoria alguma tem consequências. "f.1Los" , ao passo que na étiça estamos lidando com os "valores", e
Para ele, a ideia de que a teoria possa moldar os acontecimentos jamais mplesmente não há como derivar enunciados que contêm termos
passou de um sonho; e o sonho já acabou. Com isso, também a nossa d11 valor a partir de enunciados que dizem respeito a fatos .
tradição filosófica está com os dias contados. Em nossos tempos "pós- Para a corrente pragmatista, por outro lado, nenhuma teoria
-analíticos" e "pós-metafísicos", tudo o que resta é filosofar, se é que ainda t1•rá consequências éticas, simplesmente porque o próprio conceito
temos vontade de continuar a fazê-lo, como um simples passatempo, 1IP teoria acha-se despojado de todo o brilho de outrora. Ao contrário

como qualquer outro, cuja única finalidade seria a de cuidar dos laços de do que se pensava em outras épocas, nem a ontologia e nem a epis-
solidariedade entre os cidadãos. Para Rorty, junto com o sonho da filo- l 1 m ologia estão aí para avalizar qualquer posição ética nos temp os
sofia (leia-se, de forma mais abrangente, de toda teoria) , acabou também pós-metafísicos que estaríamos vivendo .
qualquer esperança de fundamentar uma ética com base na metafísica.
Finalmente, a corrente que identificamos como marxista distin-
y,ue-se das duas primeiras ao pleitear que a teoria (ou se se quiser,
2.3. A alternativa marxista .1 ciência ou a filosofia) deve estar voltada para fins práticos, que
Em sua obra A miséria da fzlosofza, Marx (184 7) já havia se posicio- Incluem a transformação da própria realidade com a qual t rabalha.
nado visceralmente contra a corrente que identificamos como 'raciona- S m dúvida, trata-se da única entre as três correntes que n os permi-
lista'. Contra a tese de que a razão seja algo atemporal, supra-histórico, 1<' pensar a questão do compromisso ético de uma teoria linguística
e da ordem de um pensamento incorpóreo, Marx foi contundente em qualquer. Há, porém, um empecilho . A abordagem marxista também
sua posição, inspirada em Hegel, porém reinterpretada nos moldes prevê a possibilidade da existência de teorias descompromissadas
materialistas, de que a razão se constitui através da história. Contra o ( f. Haldane, 1930). Toda a crítica que Marx dirigiu em sua obra A
descompromisso ético publicamente assumido e alardeado pela tradição miséria da filosofia tem como alvo, justamente, esse tipo de filosofia.
r cionalista, Marx foi igualmente insistente em sua tese de que uma No caso de teorias linguísticas isso significaria que
íi 1 sofia não voltada para a práxis, que não se interesse em transformar (a) é possível que exista uma teoria linguística que seja eticamente neutra e
11 inundo, não teria nenhuma serventia. Como se lê na inscrição sobre a (b) tomá-la eticamente sensível seria uma questão de opção metateórica.

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r , s l v d, , p d. 1 Lrn, , hi pó , La l iu.11 " 1•l,d)()n.1 1Y1 '


n início deste trabalho, vai d ncontro a ambas ss ' lm t li çõ
da postura m arxist_a (cf. Rajagopalan, 1995 para uma discussão por
_JLJ
menorizada sobre essa questão) .
Nossa hipótese prevê que todas as teorias sobre a linguagem ne-
identidade linguística
cessariamente contêm marcas de determinado posicionamento ideoló-
gico ou outro por parte de quem as constrói e, por conseguinte, terão m um mundo globalizado
necessariamente implicações éticas. Ao contrário do que se depreende
da posição marxista, a escolha não estaria, em momento algum, entre
uma teoria eticamente dimensionada e outra eticamente neutra e
descompromissada; estaria sempre entre teorias, todas elas com claras
implicações éticas. Em outras palavras, em nenhum momento estaría-
mos pensando a linguagem em termos etico-ideologicamente neutros.
Na medida em que todo posicionamento ético envolve a defesa
de certos valores em oposição a outros, ou seja, a hierarquização de Queiramos ou não, vivemos num mundo globalizado. Entre
valores, a hipótese tal qual se acha formulada neste trabalho redunda 11 1t1 , coisas, isso significa que os destinos dos diferentes povos que
em que todas as distinções são no fundo hierarquias (às vezes muit o li 1liit ma terra se encontram cada vez mais interligados e imbricados
bem disfarçadas ou 'maquiadas') . No caso da linguística, aqui estão 11w nos outros - fenômeno que vem sendo chamado de "transna-
alguns exemplos mais ilustrativos: língua vs. dialeto, língua vs. fala, 11111,\lização" da nossa vida cultural e econômica (Robins, 1997). O
fala vs. escrita, locutor vs. destinatário, língua materna vs. língua 11 t 1o lado dessa mesma moeda se chama "desterritorialização" das
estrangeira, (falante) nativo vs. estrangeiro, e assim por diante. 1r • o s - que, por motivos diversos, tornam-se, em número cada
Para finalizar, que destino teria a · mais celebrada de todas as 'I. m ior, cidadãs do murido - e suas práticas identitárias (Krause
distinções metateóricas que qualquer calouro no campo da linguística H1• nwick, 1996). Essa nova relação entre as pessoas das diferentes
é invariavelmente convidado a aceitar - a saber, a distinção entre v,lc ( s do mundo, das mais variadas etnias e línguas, de histórias e
um saber descritivo e um saber prescritivo? Bem, ser prescritivo n ão d 1ções diferentes, se deu como consequência imediata do rompi-
seria mais o exclusivo privilégio dúbio dos gramáticos tradicionais, 111 11 I o das barreiras que, até pouco tempo atrás, pareciam intranspo-
os pobres coitados que já foram explorados como 'sacos de pancada' 1lv1 1, serviam de impedimento a qualquer forma de aproximação
pela moderna ciência da linguagem, a linguística! Ili 11 os povos , a não ser com propósitos n ada amigáveis. Estou m e
l 1 t indo às inúmeras barreiras comerciais, econômicas, culturais e
11 ll rições à livre circulação de informações entre países, barreiras

I"' e Hl, o desmoronando com rapidez impression ante.


li 1 ro que seria demasiado ingênuo concluir que o mundo que
1 e m rgir da derrocada da velha ordem vai estar o mais próximo

1 " lvc •I 1' um paraíso terrestre, livre das dissensões e dos atritos

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