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Gender and Sexuality in Brazilian Literature

Literatura de Cordel: Tereza de Benguela

No cordel de Jarid Arraes dedicado a Tereza de Benguela, a autora começa com uma
reflexão sobre o sistema educativo brasileiro, que apresenta as pessoas escravizadas
como se eles não tivessem apresentado resistência countra seu opressão e explotação.
Arraes diz que esta "mentira cantimboza" a deixa muito indignada, porque a população
negra escravizada tinha força e inteligência para lutar contra os escravos da coroa, e ele
demonstrou isso em sua organização e resistência. Este problema é interessante porque
o cordel é destinado a ir contra a máquina da escola, que apresenta os negros como um
povo submisso.

O objetivo deste cordel, então, é apresentar uma história popular sobre Tereza de
Benguela, que durante vinte anos lidero o Quilombo del Quariteré, no Estado de Matto
Grosso, próximo ao Rio Guaporé. Arraes apresenta este quilombo como um quilombo
que se rebelou countra "o opressor branco", os escravistas portugueses. Tereza liderou o
Quariteré após a morte do seu marido, Zé Piolho. O cordel revela que a organização
social do Quilombo foi grande e complexa: em termos políticos, tinha um parlamento e
um conselho; em termos económicos, os habitantes do Quarteirão funcionavam como
uma economia comunitária. Produziam algodão e tecidos, alimentos como milho,
banana, macaxeira e feijão, e o que não consumiam era comercializado fora do
quilombo. Eles também organizaram sua própria autodefensa por meio de armas que
obtiveram em combate ou trocando por outros objetos. Isto permiti-lhes manter a
resistência e libertar outras pessoas escravizadas que aderiram ao Quariteré. A liderança
de Tereza era então política, econômica e militar, e era tão eficiente que foi chamada de
rainha do quilombo.

Este é o aspecto que eu achei mais interessante sobre o cordel, pois na Argentina (não
sei se é o mesmo no Brasil), a palavra quilombo está associada à desordem e ao caos, e
embora o termo tenha sido problematizado, a origem do quilombo foi perdida como
uma organização de negros escravizados que resistiam à opressão. A história do
Quariteré mostra, ao contrário, uma complexa organização social que também estava
assentada sobre as bases de uma comunidade e existia como um poder paralelo ao da
maquinaria do sistema escravista no Brasil. Considero também muito interessante a
reflexão pedagógica sobre o discurso da submissão das pessoas escravizadas e a
contraproposta de um discurso alternativo através de uma literatura que aspira a ser
popular. É escrito em versos do romance, uma forma que favorece a leitura ágil e
musical do poema e que é característica da literatura oral popular.

O cordel também narra que, em 1770, o quilombo de Quariteré foi atacado por Luis
Pinto de Sousa Coutinho, governador da Capitania de Mato Grosso. As forças da
Capitania destruíram o quilombo, matando e aprisionando muitos de seus habitantes.
Encarnada com a figura de Tereza, foi encarcerada e depois decapitada. Sua cabeça foi
exposta num poste, "para mostrar a maldade desses vermes / que o racismo enriqueceu".
A exposição da cabeça de Tereza lembrou me que na rebelião de Espartaco o Império
Romano crucificou centenas de escravos na Via Ápia, tanto para mostrar a crueldade
com que eles extinguiram as guerras civis como para agir como um dissuasor para as
centenas de escravos que viajavam todos os dias pela Via Ápia servindo aos poderosos
de Roma. É notável a vontade de exhibir os corpos como um troféu de vitória e, ao
mesmo tempo, como um sinal de que aqueles que se levantam contra a subjugação serão
punidos; ela mostra como a maquinaria da escravidão precisaba operar sobre os corpos
e mostrar uma subjugação que era ainda pior se a tentativa de buscar a liberdade fosse
feita.

A morte de Tereza de Benguela aconteceu no dia 25 de julho e por isso o dia foi
instituído em 1992, na República Dominicana, como o dia da mulher afro-latino-
americana e caribenha. No entanto, não foi até 2014 que o Brasil declarou 25 de julho
como o Dia Internacional de Benguela Tereza e da Mulher Negra. Fiquei muito
surprendida por ter sido há apenas 5 anhos que o Brasil deu esse reconhecimento a
Tereza de Benguela, embora eu imaginasse que tivesse a ver com o discurso da
democracia racial no Brasil. Arraes, no final do poema, afirma que ela escreve esta
corda por três razões: porque ela também é uma mulher negra e quer deixar o registro
do legado de Tereza; para que fatos importantes não sejam mais esquecidos e o racismo
não seja mais escondido; e para que os negros tenham fortalecido os exemplos pelos
quais lutar. Reafirma, mais uma vez, a intenção pedagógica e política do cordel, e sua
disposição de popularizar issa história.

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