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Regulação, concorrência e mercado1

Prof. Dr. Roberto Castellanos Pfeiffer

Manual do usuário: ​em caso de desespero ou falta de tempo, leia somente as respostas
das questões das aulas, que estão no final de cada aula.

Aula 01 - 1 de agosto - Introdução ao Direito Concorrencial


É uma boa introdução o começo de uma cartilha do CADE sobre a concorrência2:

“A concorrência é um processo empreendido por determinados agentes


econômicos que se caracteriza pela busca de vantagens (diferenciação) obtidas por
meio de estratégias deliberadas com o objetivo de gerar ganhos excepcionais (lucros
de monopólio), ainda que temporários.
“A Constituição Federal de 1988 apresenta um capítulo dedicado aos
Princípios Gerais da Atividade Econômica (artigos 170 e seguintes da Constituição
Federal). Neste, insere-se a livre concorrência como um dos fundamentos basilares e
determina a repressão ao abuso do poder econômico que vise eliminar a
concorrência, dominar mercados e aumentar arbitrariamente os lucros.
“O inciso IV do art. 170 da Constituição Federal de 1988 trata do princípio da
livre concorrência, que se baseia no pressuposto de que a concorrência não pode
ser restringida ou subvertida por agentes econômicos com poder de mercado. Nesse
sentido, é dever do Estado zelar para que as organizações com poder de mercado
não abusem deste poder de forma a prejudicar a livre concorrência.
“A livre concorrência disciplina os ofertantes de bens e serviços de forma a
manterem os seus preços nos menores níveis possíveis, sob o risco de que outras
empresas conquistem seus clientes. Em tal ambiente, a única maneira de obter
lucros adicionais é a introdução de novas formas de produzir que reduzam custos em
relação aos concorrentes.
“Além disso, as empresas atuantes em um mercado de livre concorrência
tendem a ficar afinadas com os desejos e expectativas dos consumidores, porque
estão permanentemente ameaçadas por produtos de qualidade superior ou por
novos produtos. Portanto, a livre concorrência, além de garantir os menores preços
para o consumidor e maior leque de escolha de produtos, também estimula a
criatividade e a inovação.
“Nas economias de mercado, baseadas na livre concorrência, os preços
refletem a escassez relativa de bens e serviços e sinalizam a necessidade de
investimentos e a melhor aplicação dos recursos da sociedade.
“Portanto, a defesa da concorrência garante que o processo de busca por
diferenciação seja passível de ser empreendido por qualquer agente econômico que
tiver capacidade para tanto; e que os lucros excepcionais sejam obtidos de forma
salutar, por meio de inovação e outros fatores socialmente desejáveis, e não por
restrição artificial à capacidade dos demais agentes econômicos.

1
Caderno formulado por Guilherme Antonio Gonçalves (13-189), nas aulas dadas pelo Prof. Roberto
Pfeiffer durante o segundo semestre de 2018.
2
“Cartilha do CADE”. Disponível em: <​https://bit.ly/2EXtw7n​>. Acessado em: 02 nov 2018.
1
“O artigo 170 também prevê punição para os atos praticados contra a ordem
econômica. Para o cumprimento destas regras constitucionais, é necessária a
existência de uma estrutura institucional capaz de fiscalizar a ordem econômica e
impedir as práticas anticoncorrenciais ou abusivas e para isso existe a Lei nº
12.529/11.
“Esta é a atual Lei de Defesa da Concorrência. Sua finalidade é a de prevenir
e reprimir as infrações contra a ordem econômica baseada na liberdade de iniciativa
e livre concorrência. Também reestrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da
Concorrência (SBDC), definindo seus órgãos integrantes e suas competências
dentro do contexto da defesa da concorrência. Entre outros pontos, esta Lei
estabelece a forma de implementação da política de concorrência no país, dispondo
sobre a competência dos órgãos encarregados de zelar pela prevenção e repressão
de abusos do poder econômico.”

O que é concorrência? ​Concorrência tem a ver com competição entre agentes


econômicos para oferecerem a melhor qualidade ao consumidor pelo menor preço. ​Ela é
importante? S​ im, ela melhora o funcionamento do mercado. Existe um sistema de defesa da
concorrência, o CADE, que controla algumas operações de fusões e aquisições entre
grandes empresas e reprime certas condutas contrárias à concorrência, como os cartéis.
Existem também algumas coisas feitas na esfera do MP e do judiciário, entretanto a maior
parte do sistema de defesa da concorrência se situa na esfera administrativa.

O sistema de controle da concorrência deveria ser feito pelo próprio mercado ou


deve ser feito pelo Estado? N ​ o liberalismo clássico se preconiza uma abstenção do Estado
na economia, uma vez que a “mão invisível do mercado” tudo organizaria e regularia. A
experiência histórica, entretanto, mostra que as coisas não são tão simples assim uma vez
que há distorções no mercado que impedem que esse modelo de “concorrência perfeita”
não dê tão certo na prática. Os cartéis, as operações de fusões e aquisições que
concentram mercados excessivamente, a irracionalidade do agente econômico, o poder
econômico, as características de cada mercado (há mercados com potencial de entrada e
saída maior, o que significa que a concorrência nele é maior) são algumas dessas
“distorções” do modelo.

O ​monopólio​, por exemplo, é a negação da concorrência, situação na qual um


agente econômico sozinho domina um setor. Existem ​monopólios naturais​, quando é
decorrente da própria natureza do bem ou serviço comercializado o fato de que um único
agente econômico domine o seu mercado, como é o caso das ferrovias (não faria sentido
duas empresas construírem trilhos lado a lado, isso é absurdamente caro). Também há os
monopólios legais​, quando a lei estipula que determinada atividade pode ser exercida
somente por um agente econômico, como era o caso do mercado de petróleo no Brasil, que
até a década de 90 era monopólio da Petrobras.

Normalmente os mercados que atuam sob monopólio tem uma regulação mais
pesada. O setor de energia elétrica, que opera sob monopólio no Brasil, por exemplo, tem
regulação da ANEEL, que, inclusive, determina o preço das tarifas. É óbvio, se não existisse

2
regulação as empresas jogariam o preço lá pra cima e o consumidor não teria para onde
fugir.

Também existe a situação do ​oligopólio​, situação na qual um mercado está


dominado por um grupo pequeno de empresas. Os oligopólios normalmente acontecem
também por conta da natureza do produto ou bem comercializado. O ramo de telefonia
celular é um oligopólio, por exemplo, pois opera com basicamente 4 empresas (Tim, Vivo,
Claro e Oi), e tem poucas empresas porque é muito caro construir a infra-estrutura
necessária para sua operação. O ramo de aviação comercial também é a mesma coisa (Gol,
Latam, Azul e Avianca, com certo predomínio da Gol e da Latam).

A defesa da concorrência e, por consequência, as leis de defesa da concorrência,


estão fundadas no controle de condutas distorcivas (o cartel é o mais clássico, mas existem
outras) e no controle de aquisições e fusões, que podem ser proibidas pelo Estado se elas
concentram demasiadamente o mercado.

Quando a gente fala de defesa da concorrência significa que a gente tá correndo


atrás de um modelo de concorrência perfeita? N ​ ão, absolutamente não. Existem mercados
que são naturalmente mais concentrados. O modelo de concorrência perfeita é um modelo
explicativo que não se observa em todos os mercados, porque ele simplesmente ignora a
existência do “poder econômico” dos agentes econômicos. Ninguém está falando que não
pode existir poder econômico, ele vai existir independente da vontade das pessoas, e a
gente tem que aprender a lidar com isso. O que o sistema de defesa da concorrência faz, na
verdade, é reprimir o abuso do poder econômico.

A doutrina estrangeira usa muito essa expressão, “poder econômico” (​market power​).
A expressão mais usada na lei 12.529/2011 é “posição dominante”. Também é possível
encontrar autores que falam de um “poder de mercado”. A constituição, no art. 173, §4º3,
utiliza a expressão “poder econômico” e que o abuso do seu exercício deve ser punido. ​O
que isso significa​? “​Para que seja caracterizada a existência de poder de mercado faz-se
necessário proceder a uma análise complexa, que parte da existência de posição
dominante, mas envolve ainda a investigação de outras variáveis, tais como existência de
barreiras à entrada naquele mercado, a possibilidade de importações ou ainda a efetividade
de competição entre a empresa que tem posição dominante e seus concorrentes. Se,
mesmo tendo posição dominante em um mercado relevante, a decisão de elevação
unilateral de preços por parte de uma empresa puder ser contestada pela reação de
concorrentes efetivos ou potenciais, então essa empresa não possui poder de mercado”4​.

O abuso de poder econômico “​é o comportamento de uma empresa ou grupo de


empresas que utiliza seu poder de mercado para prejudicar a livre concorrência, por meio de
condutas anticompetitivas. A existência de poder de mercado por si só não é considerada
infração à ordem econômica​”5.

3
​CF. Art 173. ​(...) ​§4º ​A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos
mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.
4
“Cartilha do CADE”, p. 9.
5
“Cartilha do CADE”, p. 9.
3
Aula 2 - 8 de agosto - Evolução histórica do direito concorrencial nos Estados Unidos
e na Europa

Forgioni indica que a maneira pela qual entendemos a concorrência nos dias de hoje
é muito associada ao sistema de produção capitalista e, por consequência, os sistemas de
proteção da concorrência que vemos hoje advêm da lógica e da dinâmica deste sistema de
produção.

A concorrência por si só não é um elemento que só existe no capitalismo, há relatos


nos escritos de Aristóteles dos efeitos dos monopólios, por exemplo. A consciência dos
efeitos da concorrência nos mercados de forma ampla e a necessidade de preservá-la para
que fosse mantida a própria estrutura do sistema, entretanto, só nasce no final do século
XVIII, o que cria condições para o nascimento de legislações antitruste no final do século
XIX, nos Estados Unidos e, posteriormente, na Europa, em meados do século XX.

- Experiência dos Estados Unidos

A economia americana, até a década de 1850, era bastante pequena e baseada na


agricultura. Observaremos, a partir de meados da década de 1865, um aumento na
produção das pequenas empresas, que com o tempo se tornarão gigantes agentes
econômicos, acompanhado da expansão das estradas de ferro. Na década de 1870 as
estradas de ferro começam um processo de competição predatória na disputa pela clientela.
As ferrovias começam a sacrificar o seu lucro para garantir o menor preço no transporte.

Diante desse comportamento autodestrutivo, as empresas férreas começaram a


construir ​cartéis​, o que, com o tempo, passou a ser prática corrente nos mais diversos
mercados americanos (todos combinam os preços para todos os empresários ganharem,
tudo às claras, todo mundo sabia que isso era feito). Cartéis são muito prejudiciais ao
consumidor, cujo maior interesse é o de que os bens e serviços tenham a maior qualidade
pelo menor preço. Os cartéis buscam atender somente aos interesses dos empresários e
são absurdamente instáveis, uma vez que a tentação de um agente econômico que faz
parte dele de romper com o acordado é muito grande (se ele vender um pouquinho mais
barato que todo mundo, todo mundo compra dele e ele pode ter lucros gigantes).

Os empresários, tendo em vista as dificuldades apresentadas pelos cartéis, também


começaram a optar pelo uso dos ​trustes6​. Os ​trustes proporcionam a administração
centralizada dos agentes econômicos que atuavam no mercado, impedindo, de maneira
segura e estável, que a concorrência se restabelecesse entre eles (apesar da indústria de
Petróleo ter vários “donos” na segunda metade do século XIX nos Estado Unidos, toda a
administração estava na mão dos Rockfeller, pois esse mercado era todo organizado em
torno de trustes).

6
O que são trustes? Truste é um ato jurídico por meio do qual uma pessoa entrega certa parte de seu
patrimônio para uma pessoa (o trustee) com determinada finalidade e se essa pessoa não cumprir
essa finalidade, o patrimônio pode ser restituído ao primeiro dono. É uma figura típica do ​commow
law,​ não sendo aplicável ao direito brasileiro.
4
O que se observou na segunda metade do século XIX nos Estados Unidos foi
uma típica concentração, com a diminuição do número de empresas e convergência
do poder em mão de poucos agentes econômicos, os trustes.

A partir de 1880 começaram grandes discussões a respeito da utilização dos trustes


e das concentrações econômicas. De uma parte, empresários e economistas diziam que a
concentração do poder econômico propiciava o incremento da produção e a expansão da
indústria e que era natural que a concentração acontecesse pois estavam sobrevivendo os
agentes econômicos mais fortes (influência do darwinismo social). De outro lado, os
consumidores, agricultores e pequenos empresários colocaram-se contrários às
concentrações excessivas de poder econômico. A prática de preços de monopólio e a
posição dos demais agentes econômicos revoltavam as populações mais pobres. No final da
década de 1880 as pessoas já eram abertamente contrárias às distorções causadas na
economia pelas concentrações excessivas de poder econômico, propiciando que, em 1890,
o ​Sherman Act f​ osse promulgado.

O ​Sherman Act e ​ ra insuficiente pois era extremamente vago, sendo necessário, em


1914, a edição do ​Clayton Act​, que exemplifica e condena algumas práticas restritivas da
concorrência, tais como as vendas casadas, aquisição de controle de outras companhias,
etc. Também antes da edição do ​Clayton Act foram polarizadas as discussões: de um lado
se vê os contrários à regulamentação do poder econômico pelo poder público, uma vez que
qualquer restrição à livre-concorrência significa manter no mercado empresas que são
ineficientes (o antitruste, nessa visão, nada mais faz senão reprimir o progresso); de outro
lado, a mesma população mais desfavorecida contrária à concentração do poder econômico.

A técnica do ​Clayton Act é interessante: ao lado da tipificação de algumas condutas


potencialmente anticompetitivas, há uma cláusula segundo a qual “as práticas elencadas
somente serão consideradas ilícitas se, e somente se, restringirem a concorrência de forma
não razoável ou tenderem à criação de monopólio”.

- Experiência da União Europeia

A ocorrência das Guerras Mundiais faz com que aconteçam surtos de


regulamentação estatal da atividade econômica, que se organiza para a guerra. Também,
após a crise de 1929, o Estado é chamado para impulsionar novamente a máquina
econômica e o faz intervindo em diversos setores, dando crédito, isenções fiscais, criando
empregos. ​O Estado passa a dirigir o sistema com o escopo de evitar crises​.

É nesse contexto que nasce o direito econômico, “o conjunto das técnicas jurídicas
de que lança mão o Estado contemporâneo na realização de sua política econômica”. Esses
instrumentos não somente viabilizam a existência do mercado, mas conduzem os agentes
econômicos para a consecução de determinados objetivos. O Estado atua sobre setores que
(i) os empresários não tinham interesse em atuar ou (ii) que devem ser assumidas pelo
Estado devido o “interesse nacional” ou “interesse público”.

A construção do sistema europeu de defesa da concorrência é algo mais recente,


pertencente a uma nova perspectiva da concorrência nos meios acadêmicos. Havia
legislações esparsas no âmbito dos Estados com semelhança ao ​Sherman Act entretanto,

5
com a construção da Comunidade Econômica Europeia, de 1957, por meio do Tratado de
Roma, os países europeus componentes tinham o principal objetivo de unificar os mercados,
propiciando a livre-circulação de mercadorias e de pessoas. Isso significa, portanto, que
deveriam existir mecanismos comuns e supranacionais para a defesa da concorrência. A
formação da CEE seguiu a perspectiva da concorrência-instrumento, pela qual esta não é
um valor em si, mas um meio privilegiado de se conseguir o equilíbrio econômico.

A disciplina europeia da concorrência possui uma dupla instrumentalidade: por um


lado organiza os processos conformadores das regras da economia de mercado,
preservando-o de seus potenciais efeitos destrutivos; por outro lado, converte-se em um
instrumento de que lança mão o Estado para influir na economia e, a um só tempo,
perseguir objetivos coletivos dentro de políticas públicas específicas.

Tratado de Roma
Art. 2º. ​A Comunidade tem como missão, através da criação da um mercado comum e de
uma união económica e monetária e da aplicação das políticas ou acções comuns a que
se referem os artigos 3º e 4º (...).
Art 3°. 1. Para alcançar os fins enunciados no artigo 2.o, a acção da Comunidade implica,
nos termos do disposto e segundo o calendário previsto no presente Tratado:
a) A proibição entre os Estados-Membros, dos direitos aduaneiros e das restrições
quantitativas à entrada e à saída de mercadorias, bem como de quaisquer outras medidas
de efeito equivalente;
(...)
c) Um mercado interno caracterizado pela abolição, entre os Estados-Membros, dos
obstáculos à livre circulação de mercadorias, de pessoas, de serviços e de capitais;
(...)
g)​ Um regime que garanta que a concorrência não seja falseada no mercado interno;
(...)
TÍTULO VI - AS REGRAS COMUNS RELATIVAS À CONCORRÊNCIA, À FISCALIDADE
E À APROXIMAÇÃO DAS LEGISLAÇÕES
Artigo 81º. 1. São incompatíveis com o mercado comum e proibidos todos os acordos
entre empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas as práticas
concertadas que sejam susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados-Membros e
que tenham por objectivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no
mercado comum, designadamente as que consistam em: (...)
(...) → ​vem descrita uma série de elementos formadores do sistema europeu de defesa da
concorrência​.

​O sistema europeu somente implantou um controle de concentrações em 1989 (ao


contrário dos Estados Unidos, que o fez em 1914). ​Por que demorou tanto? Há um objetivo
político-econômico da Comunidade Econômica Europeia de incentivar que as empresas de
fato se aglutinem e se concentrem para fazerem frente às grandes empresas da época, que
eram as japonesas e as americanas.

6
Questão. Q ​ uais são os objetivos centrais da defesa da concorrência? Eles sempre
foram os mesmos ao longo da história e são os mesmos em todos os países?7
A ​concorrência,​ por definição, promove a sobrevivência do agente econômico mais
eficiente; elimina o clientelismo dos empresários que somente sobrevivem por conta de
protecionismos governamentais, muitas vezes estabelecidos em detrimento da população
(que deve pagar preço mais elevado por determinado produto ou serviço). Deixa livre o
caminho para que empresas melhores tomem o mercado, trazendo benefícios ao
consumidor.
Existem três passos principais da evolução, que resultam nos três principais
vetores do direito concorrencial: (i) a determinação de regras para o comportamento dos
agentes econômicos no mercado por razões absolutamente práticas, visando a resultados
eficazes e imediatos; (ii) a regulamentação do comportamento dos agentes econômicos
como corolário de um sistema de produção entendido como ótimo. A concorrência é vista
em seu sentido técnico, como correlata à própria estrutura do mercado. Sua disciplina visa
a proteger o mercado contra seus efeitos autodestrutivos; e (iii) a regulamentação da
concorrência na perspectiva não apenas como “essencial para a manutenção do sistema”,
mas também como mecanismo de implementação de políticas públicas (visa-se não
somente a manutenção, mas a condução do sistema por determinados caminhos).
Os objetivos da defesa da concorrência não foram os mesmos sempre e em todos
os países:
- Nos ​Estados Unidos​, o ​Sherman Act e o ​Clayton Act f​ oram criados visando a
preservação das estruturas do mercado capitalista, que se baseia
fundamentalmente na perspectiva da concorrência.
- Na ​Europa​, o sistema de defesa da concorrência Europeu foi criado mais tarde, em
1957, com a perspectiva da concorrência como uma política pública, ou seja, um
meio por meio do qual alcançar objetivos, no caso, a unificação do mercado dos
países da Comunidade Econômica Europeia.
- No ​Brasil​, as primeiras legislações de defesa da concorrência não se preocupavam
especificamente com a concorrência, mas puniam os “crimes contra a economia
popular”, tendo uma perspectiva mais protetiva ao consumidor.

Aula 3 - 15 de agosto - Evolução histórica do direito concorrencial no Brasil

- Evolução histórica do direito concorrencial no Brasil

A colonização brasileira foi fundada no sistema da ​plantation​, latifúndios


monocultores cuja produção era baseada em trabalho escravo e o objetivo da produção era
a exportação. Nosso mercado interno era extremamente pequeno até pouco tempo atrás,
porque a elite consumidora era bastante pequena também, e nossas poucas unidades de
produção eram muito concentradas. Tínhamos, então, a produção concentrada na mão de
pouquíssimas pessoas e a produção era voltada para a exportação.

7
Bibliografia indicada para resposta: PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos. ​Defesa da
concorrência e bem-estar do consumidor.​ São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, pp. 98-130; e
FORGIONI, Paula A. ​Os Fundamentos do Antitruste.​ São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, pp.
55-84.
7
As primeiras constituições tinham um espírito bastante liberal, as de 1824 e 1891 não
tinha nenhuma preocupação com o abuso do poder econômico. A constituição de 1934 tinha
também um cunho bastante liberal, mas demonstrou uma preocupação com o fomento à
economia popular, que se pode associar ao processo de industrialização do país e à política
nacionalista de Getúlio Vargas.

A constituição de 1937, outorgada no regime ditatorial de Getúlio, possui previsão


dos crimes contra a economia popular, na categoria de crimes contra o Estado, criada por
dois principais motivos: (i) uma tentativa de proteção dos consumidores, classe que estava
surgindo nesse período com a ascensão da classe média; e (ii) uma perspectiva
nacionalista, de proteção do mercado interno aos efeitos das empresas estrangeiras.

Foi na constituição de 1946 que foi feita a primeira referência à repressão ao abuso
do poder econômico, texto que foi mantido nas constituições seguintes. A legislação de
proteção da concorrência até então tinha âmbito somente criminal. Foi criada em 1962 uma
legislação muito boa de defesa da concorrência, muito inspirada no ​Sherman Act,​ que
somente não possui mecanismos de controle de concentrações, e cria o CADE.

Essa legislação de 1962 não foi muito aplicada, tanto por ​lobby das empresas no
governo, uma vez que nosso sistema sempre foi bastante concentrado, tanto pelos
interesses do Governo Militar em desenvolver os Planos Nacionais de Desenvolvimento
(PND), por meio do qual se entendia que grandes empresas seriam responsáveis pelo
desenvolvimento econômico, sejam estatais ou privadas (a edição de uma lei das S/A
também foi feita dentro dos PNDs).

Também temos que lembrar que a década de 1980 teve graves problemas com a
inflação, que bagunça demais a economia (você não consegue ficar comparando os preços,
porque eles mudam toda hora), e o governo, ao tentar controlar, ficava tabelando os preços,
o que é bastante prejudicial para a concorrência (parece muito um cartel, a dinâmica era
garantir a uniformização dos preços). Não havia nenhum interesse do governo em fazer com
que essa lei fosse aplicada e o CADE, por consequência, era muito precariamente
estruturado, não tinha verba, não tinha nem sede própria.

Considera-se que, no Brasil, somente existirá um sistema de proteção da


concorrência efetiva a partir de 1994, com a lei 8.884. É uma consequência da abertura
econômica iniciada pelo Collor e, principalmente, do Plano Real, também de 1994, que foi
bem sucedido em domar a hiperinflação. Um dos pilares importantes para esse novo
sistema de controle inflacionário e de desenvolvimento econômico era justamente a
concorrência.

A lei 8.884/94 dá uma melhor estruturação ao CADE, estabelecendo dedicação


exclusiva aos conselheiros, por exemplo, e introduz no Brasil o controle de concentrações,
ao lado do sistema de repressão a condutas anticoncorrenciais. O maior problema dessa lei
é que o controle de concentrações não era prévio, mas posterior à concentração: as
empresas podiam consumar a concentração e, somente após a consumação, elas tinham 60
dias para perguntar ao CADE se elas poderiam ou não se concentrar.

8
O argumento para a defesa do controle posterior era o medo de que isso paralizasse
o fluxo de relações econômicas. O controle posterior, entretanto, tem vários problemas:
ocorrência de ​gun jumping de modo que, se o CADE falasse que não poderia concentrar,
não se consegue reverter para um ​status s​ uperior; as empresas não cooperam para
apresentar informações ao CADE no controle posterior, porque a operação já foi feita; etc.

Questão.​ Cite duas consequências derivadas do fato da Constituição Federal adotar


a livre concorrência como um dos princípios conformadores da ordem econômica e
estabelecer o dever do Estado em reprimir o abuso de poder econômico.8
O professor não deu este conteúdo na aula 3, mas na aula 4. Remeto a resposta
ao conteúdo abaixo, que está bem explicadinho já (são três grandes consequências:
dever de neutralidade concorrencial por parte do Estado, padrão hermenêutico e
fundamento de validade das normas de direito de defesa da concorrência).

Aula 4 - 22 de agosto - Princípio da Livre-Concorrência

- O que deve se entender por livre concorrência?

A Forgioni define como “livre concorrência” as “condições e oportunidades iguais


para quem quiser empreender uma atividade econômica em mercado de modo a criar um
ambiente de equilíbrio econômico”. Quando se fala em livre concorrência não se está
querendo dizer que o que vigora é o modelo de concorrência perfeita (modelo econômico
analítico ideal onde se tem vários concorrentes de pequeno porte competindo em absoluta
igualdade de perfil e poder econômico, onde nenhum agente econômico é capaz de,
sozinho, alterar o preço).

A constituição, na verdade, cria um corpo de condições artificiais ao mercado, pois a


livre concorrência não é necessariamente natural a todos os mercados (ex: uma feira livre é
um ambiente extremamente concorrencial, tem produtos semelhantes, vários agentes
vendedores e vários compradores; o setor de produção de aviões é bastante restrito em
nível concorrencial; o setor de produção de energia elétrica é um monopólio natural).

- Consequências da constitucionalização da livre concorrência

As consequências da constituição trazer em seu corpo a livre concorrência como


princípio da ordem econômica e o dever do Estado de reprimir o abuso do poder econômico
traz um dever ao Estado e aos próprios agentes econômicos. São as principais
consequências:

a. Neutralidade concorrencial: significa que o Estado deve dar uma igualdade de


tratamento aos agentes econômicos, ele não pode tratar os agentes econômicos de
forma discriminatória.
i. Existe algo chamado Zona Franca de Manaus (ZFM), onde as empresas que
se instalam lá possuem benefícios fiscais. A existência da Zona Franca de

8
Bibliografia indicada para resposta: PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos. ​Defesa da
concorrência e bem-estar do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, pp. 27-40, 49-51 e
130-142; SCHUARTZ, Luis Fernando. ​A desconstitucionalização do Direito de defesa da
​ isponível em: <​https://bit.ly/2CVmVrk​>. Acessado em: 02 nov 2018.
concorrência. D
9
Manaus fere a neutralidade concorrencial? Não, existe uma igualdade de
tratamento a todas as empresas do mesmo segmento. O Estado elege
determinado segmento, confere benefícios a esse segmento e qualquer
empresa que estiver nesse segmento tem direito a eles. Pode-se também
justificar a ZFM pelo objetivo constitucional de redução das desigualdades
regionais.
ii. Empresas estatais que atuem em regime concorrencial também devem ser
tratadas em regime de igualdade. Ex: se o Estado dá algum benefício ao
Banco do Brasil, deve dar também para todos os outros bancos privados.
iii. É claro que isso pode ser deturpado. A atuação do BNDES nos últimos anos,
por exemplo, era, muitas vezes, anticoncorrencial, porque tomou uma série
de medidas concentracionistas e que privilegiava agentes econômicos
específicos. Os grandes beneficiários do BNDES foram o Eike Batista, que
faliu e tem grandes indícios de que praticou corrupção, a JBS, com muitas
operações de financiamento para comprar outras empresas, e a Oi, que tá
em recuperação judicial. É bastante questionável essa atuação do BNDES
(porque deu o empréstimo para x e não para y?).
iv. A constituição permite que exista o tratamento não-igualitário entre as
empresas, mas isso deve ser justificado com algum outro valor constitucional
(ex: beneficiar algum setor que tem impacto social, diminuir desigualdades
regionais, proteger o consumidor, etc).

b. Padrão hermenêutico: a livre concorrência é um critério de interpretação das regras


de direito econômico e sua harmonização com os demais princípios, em especial o
da livre iniciativa. A livre concorrência não é um valor absoluto que deva prevalecer
sobre qualquer outro, de modo que ela pode ser limitada tendo em vista a realização
de outro valor constitucional. Eventuais restrições à concorrência efetivadas por
normas estatais somente serão válidas se forem fundamentadas em outros valores
constitucionais, caso contrário a restrição será inconstitucional.
i. Forgioni dá, no texto, a figura da “válvula de escape” como critério de
interpretação da livre concorrência. Existem algumas saídas para se
interpretar que determinadas restrições à livre concorrência não ferem a
constituição porque são mais benéficas à sociedade e ao mercado. O critério
para se definir se fere ou não a constituição é mais um ​critério de
razoabilidade​.
ii. Caso da ADIn das farmácias (julgamento do Supremo ADI 1094 MC). Havia
diversas leis estaduais que limitavam a distância mínima entre farmácias.
Como regra o Supremo entende que essas limitações são inconstitucionais9.
Não pegou o argumento para se defender essas leis de que elas
incentivariam os agentes econômicos, no caso as farmácias, a se instalarem
em regiões mais afastadas. Isso, na verdade, desincentiva que o agente
econômico se instale nessas outras regiões, pois o mercado pode não ser tão
atrativo.

9
Foi editada, inclusive, a Súmula Vinculante nº49, cujo texto é: “​Ofende o princípio da livre
concorrência lei municipal que impede a instalação de estabelecimentos comerciais do mesmo ramo
em determinada área.”
10
c. Fundamento de validade das normas de proteção da concorrência: as leis de defesa
da concorrência tem um fundamento de validade na norma constitucional, mesmo
que elas limitem a liberdade de concorrência (desde que seja de forma adequada,
necessária e razoável/proporcional). Ex: a norma que submete certas operações de
fusões e aquisições de agentes econômicos à aprovação do CADE realmente limita
a livre-concorrência, mas ela objetiva proteger a concorrência, pois a excessiva
concentração do mercado pode não ser benéfica para a realização desse valor e
para o funcionamento do mercado.

Questão. ​Quais os elementos levados em consideração para a fixação de um


mercado relevante em seu aspecto material e geográfico? Quais as principais
divergências nos casos analisados?10
Sobre a forma como funciona a fixação do mercado relevante em seu aspecto
material e geográfico, remeto ao conteúdo da aula 5, logo abaixo, onde já estão
explicados em tópicos separados.
No caso Matte Leão/Coca-Cola as requerentes da fusão consideravam que o
mercado relevante a ser considerado seria o “mercado de bebidas não alcóolicas, que
inclui bebidas carbonatadas à base de colas, outras bebidas carbonatadas, água, sucos
de fruta prontos para beber, isotônicos, sucos de fruta não concentrados”. É uma
descrição muito ampla, que procura defender a ideia de que a operação de concentração
representaria pouco nesse grande mercado. Essa perspectiva não foi a adotada pelo
CADE. O mercado relevante considerado no caso foi o de “chás prontos para beber e
guaranás não gaseificados”, já que, pelos critérios de delimitação do mercado relevante
por fato do produto, entendeu-se que não seria razoável inserir a operação no mercado de
bebidas não-alcoólicas, uma vez que ele possui produtos que tem características muito
diferentes (água, café, suco, chá).
No caso Solvay/Braskem, a controvérsia não versou sobre a qualidade dos produtos
e possibilidade de substituição, mas a delimitação do mercado relevante geográfico. As
duas empresas são líder e vice-líder no mercado de PVC, de modo que o ato de
concentração realçaria a posição dominante da “nova” empresa no setor. Procurou-se, na
defesa do ato de concentração, argumentar-se que o mercado relevante teria outros
agentes concorrentes que se localizam em outros países, entretanto o CADE entendeu
que o custo de transporte dessa matéria prima para a América do Sul é tão alto que faz
com que o produto estrangeiro se torne pouco competitivo, de modo que não existem
outras grandes empresas para concorrerem com a “Solvay+Braskem”. O CADE reprovou
a operação.

Aula 5 - 29 de agosto - Controle de condutas I11

- O que é mercado relevante?

10
Bibliografia indicada para resposta: FORGIONI, Paula A. ​Os Fundamentos do Antitruste. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, pp. 196-237; GOMES, Carlos Jacques Vieira. ​Ordem Econômica
Constitucional e Direito Antitruste​. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 2004, pp. 140-154. Foram indicados
dois casos julgados pelo CADE, a fusão da Matte Leão com a Coca Cola e a fusão da Solvay com a
Brasken.
11
Essa aula foi profundamente baseada na Cartilha do CADE (nota 1, 00. 8-11), em insights da minha
cabeça e na bibliografia indicada para a resposta da aula anterior (nota 9). Eu faltei nesse dia :)
11
O mercado relevante é uma metodologia utilizada para verificar se dois ou mais
agentes econômicos, ou seja, sujeitos que praticam atividades econômicas em mercado,
concorrem entre si. Também é uma forma pela qual se avalia a existência ou não de posição
dominante do agente econômico e, por consequência, a potencialidade dele exercê-la de
forma abusiva.

A definição do mercado relevante leva em consideração duas dimensões: a


dimensão do produto e a dimensão geográfica. A ideia é analisar se os produtos são
substituíveis entre si, seja em razão da natureza do produto, seja em razão da distância
entre os agentes econômicos.

a. Quanto à dimensão do produto: avalia-se as características do produto e a


possibilidade de que seus consumidores substituam um por outro. Um dos indícios
de que dois produtos são intercambiáveis é quando o aumento do preço de um deles
conduz ao aumento da procura do outro. Exemplo: uma empresa produtora de água
engarrafada concorre com uma empresa produtora de cervejas? Ambas atuam no
mercado de bebidas, mas parece que esses produtos não concorrem entre si.
Parece pouco provável que um consumidor que quer tomar água troque por cerveja,
e muito mais improvável que uma pessoa que deseja tomar cerveja a substitua por
água. O caso da Ambev, resultado da fusão da Antarctica com a Brahma, seguiu
muito essa dinâmica de análise, porque as duas empresas tinham muitos produtos
que não faziam concorrência entre si propriamente, o que não impediria a fusão.

b. Quanto à dimensão geográfica: o mercado relevante geográfico é o espaço físico


onde se desenvolvem as relações de concorrência que se pretende analisar.
Exemplo: croissant que vende em lanchonete. O Princesinha e o Cultura concorrem
no mercado de croissants? Aparentemente sim, os croissants são iguais e é
completamente possível que um consumidor ande mais alguns passos de um ao
outro12. O consumidor que está no Lgo. São Francisco se deslocaria até a Liberdade
para comprar um croissant de mesma qualidade? Parece que não, é meio longe.
Nessa situação, os cafés do Largo não concorrem com o café que eventualmente
existe na Liberdade, não por causa de uma característica do produto, mas por conta
da dimensão geográfica que separa os dois agentes13. Para a definição do mercado
relevante geográfico são analisados alguns critérios:

12
Percebam que o nível de concorrência entre o Princesinha e o Cultura não parece ser o mesmo
que existe entre esses dois e o Café Fazenda, justamente porque os produtos oferecidos pelo
Fazenda são “diferentes” ​são melhores (apesar dos três venderem pão de queijo, por exemplo, o pão
de queijo do Fazenda é melhor). A concorrência entre o Fazenda e o Cultura/Princesinha
aparentemente é menor no mercado de pão de queijo.
13
Imagina que o Alex Atala faça o trespasse de seu restaurante, o D.O.M, que fica no Jardins, o que
cria um dever de não concorrência para com o comprador (art. 1.147, do CC). Imagina que o Alex
Atala deseje abrir um novo restaurante no Pimentas, lá em Guarulhos, perto do aeroporto, longe pra
caramba. As pessoas se deslocariam até o “restaurante do Alex Atala”? Provavelmente sim, porque
as pessoas se disporiam a se deslocar mais pela qualidade do trabalho do Alex Atala. Mesmo que o
Alex Atala esteja bastante longe, em termos de distância, de seu antigo restaurante, ele continuaria
fazendo concorrência com ele em níveis de “dimensão geográfica” do mercado relevante. (Exemplo
dado pela Juliana Krueger em 2017).
12
i. Hábitos dos consumidores: o consumidor está disposto a se afastar do local
onde se encontra para adquirir outro produto ou serviço similar ou idêntico?
Isso só é definível em casa caso concreto.

ii. Incidência dos custos do transporte: os custos de transporte são um dos mais
influentes fatores para a determinação do mercado relevante geográfico.

iii. Características do produto: ​há produtos que suportam melhor transportes


mais longos, mas há aqueles que só podem ser consumidos na região em
que são produzidos (Exemplo: o leite pasteurizado pode ser comercializado
em regiões mais distantes de sua produção do que o leite fresco, e por isso
os mercados relevantes geográficos destes produtos não se identificam).

iv. Existência de barreiras à entrada de novos agentes econômicos no mercado:


se um país tem impostos de importação muito altos, isso significa que
empresas estrangeiras não fazem concorrência com as nacionais, limitando
geograficamente o mercado ao espaço nacional.

Definir um mercado relevante é, de certa forma, fazer escolhas. É bastante sutil e


delicada a análise de “este produto substitui o outro?” ou “o consumidor se deslocaria até
ali?”. Pode ser que sim, pode ser que não. É por isso que nas análises de Mercado
Relevante que o CADE faz há muita análise técnica e vários pareceres de especialistas dos
mercados analisados. A definição dos Mercados Relevantes pelo CADE gera jurisprudência,
de modo que ele deve observar essas divisões em casos futuros que sejam semelhantes.

- O que é posição dominante?

A posição dominante ocorre quando um agente econômico controla parcela


substancial do mercado relevante em que atua, de modo que ele seja capaz de, deliberada
e unilateralmente, alterar as condições de mercado (ex: prejudicar concorrentes, aumentar
os preços, etc). A lei 12.529/11 presume que uma empresa terá posição dominante quando
tiver 20% do mercado relevante em questão, podendo o CADE alterar esse percentual para
mercados relevantes específicos14.

- O que é poder de mercado?

Poder de mercado é relacionado às falhas de mercado e quando um agente


econômico se beneficia delas (ou pode se beneficiar delas). As restrições que existem no
mercado e que impedem que ele vigore conforme o modelo de concorrência perfeita dá
certas vantagens para alguns agentes econômicos (Exemplo: a assimetria de informação
que existe nos mercados implica que algumas marcas tenham alta reputação em certos
mercados relevantes, o que significa que, se a empresa dona dessa marca quiser aumentar
arbitrariamente os preços, ela consegue, porque os consumidores se dispõem a pagar um
pouco mais porque sabem que o produto dessa marca é melhor).

14
​Lei 12.529/11. Art. 36. ​(...) ​§2º Presume-se posição dominante sempre que uma empresa ou grupo
de empresas for ​capaz de alterar unilateral ou coordenadamente as condições de mercado ou
quando controlar 20% (vinte por cento) ou mais do mercado relevante​, podendo este percentual ser
alterado pelo Cade para setores específicos da economia. (grifo)
13
Uma empresa com posição dominante não necessariamente tem poder de mercado.
O poder de mercado está baseado na capacidade de uma empresa aumentar preços sem
perder seus clientes, e a posição dominante não dá ao agente econômico, por si só, a
capacidade de aumento unilateral de preços. O poder de mercado depende da análise de
outras variáveis, tais como a de barreiras à entrada no mercado relevante, a possibilidade
de importações e a dinâmica concorrencial no mercado.

- O que é abuso de poder econômico?

Abuso de poder econômico é o comportamento de um agente econômico que utiliza


seu poder de mercado para prejudicar a livre concorrência e ter benefícios para si. O poder
econômico/poder de mercado não é, por si só, infração à ordem econômica. Ele decorre do
fato de que os mercados são naturalmente imperfeitos, e nós temos que lidar com isso. O
que constitui ilícito é o abuso desse poder econômico, que constitui as “infrações contra a
ordem econômica”.

- O controle de condutas anticoncorrenciais

Os sistemas de defesa da concorrência funcionam sob duas linhas principais: um


controle sob as condutas dos agentes econômicos que são lesivas à concorrência, que
necessariamente é a posteriori e tem um caráter mais repressivo; e um controle sob as
concentrações dos agentes econômicos, que acontece, hoje, a priori e tem um caráter
preventivo.

Na lei 12.529/11, é o art. 36 que estabelece quais são as infrações contra a ordem
econômica, ou seja, os atos sob qualquer forma que, independente de culpa, tenham por
objeto ou possam prejudicar a concorrência.

a. Qualquer ato que limite ou possa limitar a concorrência é considerado ilícito pela lei?
Não. A aplicação da legislação não é tão rígida. Muitas coisas praticadas pelos
agentes econômicos restringem a concorrência, mas não necessariamente vão
causar danos à concorrência (Exemplo: um contrato de distribuição com cláusula de
exclusividade é plenamente possível no ordenamento jurídico brasileiro). É nesse
sentido que, nos Estados Unidos, se desenvolveu o sistema da “regra da razão”.

i. O que é essa “regra da razão”? O ​Sherman Act não prevê estritamente a


possibilidade de serem consideradas lícitas as práticas que, embora
restritivas à concorrência, acabem por trazer benefícios ao sistema. Isso
significa que qualquer ato das empresas que limitasse a concorrência era
considerado ato ilícito pela lei. Essa interpretação mais restritiva e literal do
Sherman Act foi muito forte logo nos primeiros anos de vigência, mas com o
tempo perdeu força.

ii. O sistema da regra da razão implica que somente serão ilícitos os atos que
restringirem de forma não-razoável a concorrência. Esses atos continuam
podem restringir a concorrência, entretanto não é presumido o dano que eles
causam, de modo que, para sancioná-los, é necessária a prova deste dano.

14
iii. A Forgioni indica que a regra da razão é uma “válvula de escape” do sistema
concorrencial, de modo que é possível ser ter condutas ou concentrações
que, de fato, restringem a concorrência, entretanto essa restrição é razoável.
O sistema fica menos rígido, isso significa que o mercado consegue ter maior
margem de atuação em seus negócios.

b. Quando uma conduta é considerada infração à ordem econômica? ​De acordo com o
artigo 36 da Lei 12.529/11, uma conduta é considerada infração à ordem econômica
quando sua adoção tem por objeto ou possa acarretar os seguintes efeitos, ainda
que só potencialmente: limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre
concorrência; aumentar arbitrariamente os lucros do agente econômico; dominar
mercado relevante de bens ou serviços; ou quando tal conduta significar que o
agente econômico está exercendo seu poder de mercado de forma abusiva.

O §3º, do art. 36, elenca uma lista exemplificativa das condutas que são
caracterizadas como infrações à ordem econômica, dentre as quais: a formação de
cartéis; a influência de condutas uniformes; a prática de preços predatórios; fixação
de preços para revenda; restrições territoriais e de base de clientes; acordos de
exclusividade; venda casada; abuso de posição dominante; etc.

- Algumas infrações contra a ordem econômica

a. Cartel: ​é qualquer acordo ou prática concertada entre concorrentes para a fixação de


preços, divisão de mercados, restrição de produção, estabelecimento de condutas
pré-combinadas em licitações públicas, etc. Os cartéis, por implicarem restrição da
oferta, tendem a manter os preços elevados, causando graves prejuízos aos
consumidores.

É importante destacar que a mera constatação de preços idênticos não


implica a caracterização de um cartel. É necessária a prova da existência de fatos
que provem se há ou houve algum tipo de acordo ou coordenação entre os
empresários do setor para aumentar ou combinar o preço dos produtos ou serviços
ofertados. O cartel internacional das vitaminas, por exemplo, contou com escutas
telefônicas, gravadores escondidos, etc.

Cada mercado terá suas peculiaridades para a determinação dos padrões de


formação de cartel. A cartilha do CADE dá o exemplo das padarias: se uma padaria
combinasse com as outras padarias do bairro os preços de venda, estariam elas
formando um cartel? É necessário ver o caso concreto. Se o mercado relevante em
que forem vendidos os produtos dessas padarias for geograficamente limitado a esse
bairro e todas as padarias desse bairro entrarem no acordo, então elas estarão
formando um cartel, caso contrário, não estarão.

15
Questão. O ​ que caracteriza uma infração contra a ordem econômica? Em que
medida o cartel nela se enquadra?15
O art. 36, da lei 12.529/1, define como infração contra a ordem econômica “os
atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir (...)” a
limitação ou falseamento da livre iniciativa ou concorrência, a dominação de mercado
relevante específico, o aumento arbitrário de lucros e o exercício abusivo de posição
dominante. Não há necessidade de que esses atos que infrinjam a concorrência causem
dano, basta que eles tenham a potencialidade de causar o dano. A responsabilidade por
esses atos é objetiva, pois independe de culpa. (não sei muito bem o que falar nessa
questão, é algo meio “catadão” de tudo)
O cartel se caracteriza como uma infração contra a ordem econômica pois, por
natureza, se destina à eliminação da concorrência em determinado mercado relevante,
seja pelo preestabelecimento de preços, seja pela divisão de mercados entre os
concorrentes. Nesse sentido, são claros os efeitos que tais práticas podem causar,
podendo se enquadrar nos exemplos dados no §3º, do art. 36, como “I. acordar, combinar,
manipular ou ajustar com concorrente, sob qualquer forma: a) os preços de bens ou
serviços ofertados individualmente; b) a produção ou a comercialização de uma
quantidade restrita ou limitada de bens ou a prestação de um número, volume ou
frequência restrita ou limitada de serviços; c) a divisão de partes ou segmentos de um
mercado atual ou potencial de bens ou serviços, mediante, dentre outros, a distribuição de
clientes, fornecedores, regiões ou períodos; d) preços, condições, vantagens ou
abstenção em licitação pública”.

Aula 6 - 12 de setembro - Controle de conduta II (continuação…)

b. Preços predatórios: ​é a prática deliberada de preços abaixo do custo visando


eliminar concorrentes para, posteriormente, explorar o poder de mercado angariado
com a prática predatória. A prática de preços predatórios requer uma análise
detalhada das situações de mercado e da conduta do agente, não se restringindo à
verificação de um preço abaixo do custo médio variável da empresa, mas também se
avaliando, dentre outras coisas, a possibilidade de recuperação do prejuízo
decorrente da prática e também as barreiras à entrada no mercado, o que diminuiria
o poder de monopólio da empresa que tenha praticado os preços predatórios.

c. Fixação de preços para revenda: situação na qual o produtor estabelece, mediante


contrato, o preço a ser praticado pelos distribuidores/revendedores. A fixação de
preços pode muitas vezes ser abusiva (por imposição do fornecedor nos contratos) e
limitar a concorrência entre os agentes econômicos. É necessário avaliar o caso
concreto para definir se a fixação dos preços pode ser prejudicial à concorrência e se
foram causados danos.

d. Restrições territoriais e de base de clientes: ​quando o produtor estabelece limitações


quanto à área de atuação dos distribuidores/revendedores, restringindo a
concorrência e a entrada em diferentes regiões. Tal conduta, apesar de ser prática
comercial comum, pode ser utilizada como instrumento de formação de cartéis e

15
Bibliografia indicada para a resposta: FORGIONI, Paula A. ​Os Fundamentos do Antitruste. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, pp. 130-145. Foi indicado também o acórdão e o voto do relator
do caso do “cartel dos vigilantes”, julgado pelo CADE.
16
elevação unilateral do poder de mercado. Deve-se analisar o caso concreto,
avaliando a razoabilidade da conduta da empresa e qual seu poder de mercado.

e. Acordos de exclusividade: ​os compradores de determinado bem ou serviço se


comprometem a adquiri-lo com exclusividade de determinado vendedor (ou
vice-versa), ficando, assim, proibidos de comercializar os bens dos rivais. Os acordos
de exclusividade não são, por si só, lesivos à concorrência, tanto que são utilizados
com frequência em contratos de distribuição, por exemplo. Novamente, é uma
questão de se analisar o caso concreto, o poder de mercado das empresas
envolvidas, os termos do acordo entre elas e o tempo em que vigorará essa cláusula.

f. Venda casada: s​ ituação na qual o ofertante de determinado bem ou serviço impõe,


para a sua venda, que o comprador adquira outro bem ou serviço. O efeito
anticoncorrencial mais visível seria a tentativa de alavancar poder de mercado de um
mercado para dominar outro, eliminando concorrentes (Exemplo: a Caixa tem uma
posição dominante no mercado de financiamento imobiliário e, há uns anos atrás,
exigia que, juntamente ao serviço de financiamento imobiliário, que fosse contratado
um serviço de seguro de vida, o que fez com que sua participação nesse mercado
aumentasse grandemente por conta de sua posição dominante no outro mercado).

g. Discriminação de preços: s​ ituação na qual o produtor utiliza o seu poder de mercado


para fixar preços diferentes para o mesmo produto ou serviço, discriminando-os entre
compradores, de forma a se apropriar de parcela do excedente do consumidor e
assim elevar os seus lucros. Também é algo que se deve analisar no caso concreto,
uma vez que há situações em que é legítima a discriminação de preços (agentes
econômicos desiguais são tratados de maneira desigual).

Questão. U ​ ma fabricante de motocicletas com 40% de participação de mercado


impõe que a revendedora de seus produtos novos não venda motocicletas novas de
outros fabricantes, podendo apenas revender produtos usados de outras marcas.
Tal imposição configura infração da ordem econômica?16
Segundo o art. 36 da lei de defesa da concorrência “constituem infração da ordem
econômica, independente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham
por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: (i)
limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; (ii)
dominar mercado relevante de bens ou serviços; (iii) aumentar arbitrariamente os lucros; r
(iv) exercer de forma abusiva posição dominante”. O §3º deste artigo traz um rol
exemplificativo de condutas que caracterizam infrações à ordem econômica.
Acordos de exclusividade são aqueles nos quais os empresários vendedores se
comprometem com um fornecedor específico de que só irá vender os seus produtos, ou
seja, ele deixará de vender os produtos dos outros concorrentes que atuam no mesmo
mercado relevante. Tais acordos podem trazer efeitos nocivos à concorrência e devem ser
analisados caso à caso, conforme a razoabilidade da conduta e o poder econômico das

16
Foi indicado para a resposta o acórdão e o voto do julgamento feito pelo CADE sobre o programa
“Tô Contigo”. Veja: “​CADE celebra acordo com pessoas físicas no caso Tô Contigo da Ambev”.​
Disponível em: <​https://bit.ly/2SHoT3X​>. Acessado em: 02 nov 2018.
17
empresas envolvidas e pode ser caracterizada com infração à ordem econômica,
conforme o art. 36, da lei 12.429/2011.
O caso indicado na bibliografia (Processo Administrativo 08012.003805/2004-10) é
um julgado do CADE que condenou a AMBEV por infração à ordem econômica, uma vez
que a empresa possuía um programa de fidelidade chamado “Tô contigo” para oferecer
aos pontos de venda descontos e bonificações em troca de exclusividade ou redução na
comercialização de produtos concorrentes. A AMBEV possui posição dominante no
mercado de bebidas, conforme o art. 36, §2º, da lei de defesa da concorrência, e o
Conselho decidiu que a utilização do referido programa interfere grandemente no
funcionamento do mercado de bebidas.

Aula 7 - 19 de setembro - Controle de concentrações I. Visão Geral e ​Gun Jumping

- Controle prévio de concentrações e conflito com outros princípios da CF

O controle de concentrações tem um objetivo preventivo de lesões à concorrência.


Os atos de concentração, em geral, são autorizados por alguns princípios da Constituição,
tais como a propriedade privada, a liberdade de iniciativa e a liberdade contratual (se uma
pessoa é proprietária de uma empresa, ela poderia vendê-la a qualquer pessoa).

A necessidade de se submeter certos atos de concentração previamente para


aprovação de um órgão administrativo, entretanto, está em conflito com esses princípios.
Isso significa, então, que o controle prévio é inconstitucional? Não. Esses princípios não são
absolutos e o fato da livre concorrência e o dever de repressão ao abuso do poder
econômico terem alçado status constitucional significa, então, que estes princípios citados
no parágrafo acima devem ser aplicados tendo em vista a aplicação destes outros.

Se, então, determinada fusão ou aquisição restringir excessivamente a concorrência,


apesar de estar em acordo com o direito de propriedade, a livre iniciativa e a liberdade de
contratar, este ato de concentração desrespeita a concorrência. Isso significa, então, que,
em determinadas situações, autoriza-se o controle prévio e a limitação da liberdade de
iniciativa.

- O que são atos de concentração? Quais devem ser submetidos ao CADE?

São atos de concentração todas as hipóteses nas quais dois agentes econômicos
que, até então eram independentes, passam a ser um só agente econômico (descritos
especificamente no art. 90, da lei 12.529/1117). Nem todo ato de concentração, entretanto,

17
​Art. 90. ​ Para os efeitos do art. 88 desta Lei, realiza-se um ato de concentração quando:
I - ​2 (duas) ou mais empresas anteriormente independentes se fundem;
II - ​1 (uma) ou mais empresas adquirem, direta ou indiretamente, por compra ou permuta de ações,
quotas, títulos ou valores mobiliários conversíveis em ações, ou ativos, tangíveis ou intangíveis, por
via contratual ou por qualquer outro meio ou forma, o controle ou partes de uma ou outras empresas;
III - ​1 (uma) ou mais empresas incorporam outra ou outras empresas; ou
IV -​ 2 (duas) ou mais empresas celebram contrato associativo, consórcio ou joint venture.
Parágrafo único. Não serão considerados atos de concentração, para os efeitos do disposto no art.
88 desta Lei, os descritos no inciso IV do caput, quando destinados às licitações promovidas pela
administração pública direta e indireta e aos contratos delas decorrentes.

18
será analisado previamente pelo órgão de defesa da concorrência, devendo ser observados
alguns requisitos. Isso faz sentido porque: (i) o CADE teria que analisar muita coisa caso
todos os atos de concentração devessem ser analisados e isso de fato atrapalharia o fluxo
de relações econômicas; e (ii) exigir que todos os atos devam ser analisados não é razoável,
uma vez que o procedimento administrativo é caro (as taxas são relativamente altas, tem
que pagar advogado pra ir pra Brasília, etc) e a maioria dos atos de concentração não tem
potencial de afetar a concorrência de maneira significativa.

A lei estabelece como critério o faturamento das empresas envolvidas no ato de


concentração, conforme estabelecido no art. 88, da lei 12.529/11. Este artigo indica valores
de faturamento relativamente altos, tomando como pressuposto de que tais operações têm
maior potencial de afetar a concorrência.

Esses níveis de faturamento indicados na lei não são, entretanto, aqueles operados
no CADE. A lei, no art. 88, §1º, permite que seja criada uma portaria interministerial dos
Ministros da Fazenda e da Justiça que altere esses valores. Por que fazer isso? A lei se
preocupa em ter critérios de adaptação, pois esses valores podem se mostrar, na prática,
muito altos ou muito baixos, ou mesmo sofrer com os efeitos da inflação e distorcer os
objetivos da lei.

No caso, o CADE já funciona conforme uma portaria interministerial. A lei de 1994


estabelecia esse mesmo patamar de valores (ao menos uma das empresas envolvidas
deveria ter faturamento mínimo de 400 milhões de reais) e esse valor se mostrou baixo
demais na prática do CADE. Entendeu-se que poderia haver essa elevação de acordo com
toda a jurisprudência do órgão, pois as concentrações que representavam ofensa à
concorrência tinham valores superiores. Foi editada, então, a Portaria Interministerial
994/2011, que aumenta esses valores para 750 milhões de reais de faturamento de uma
empresa e 75 milhões de reais de faturamento da outra empresa envolvida na concentração.

Lei 12.529/11. Art. 88. Serão submetidos ao Cade pelas partes envolvidas na operação os atos de
concentração econômica em que, cumulativamente:
I - ​pelo menos um dos grupos envolvidos na operação tenha registrado, no último balanço,
faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação,
equivalente ou superior a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais); e
II - ​pelo menos um outro grupo envolvido na operação tenha registrado, no último balanço,
faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação,
equivalente ou superior a R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais).
§ 1​o Os valores mencionados nos incisos I e II do caput deste artigo ​poderão ser adequados,
simultânea ou independentemente, por indicação do Plenário do Cade, por portaria interministerial
dos Ministros de Estado da Fazenda e da Justiça​.

Portaria Interministerial 994. Art. 1º. Para os efeitos da submissão obrigatória de atos de
concentração a análise do Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE, conforme
previsto no art. 88 da Lei 12.529 de 30 de novembro de 2011, os valores mínimos de faturamento
bruto anual ou volume de negócios no país passam a ser de:
I - ​R$ 750.000.000,00 (setecentos e cinqüenta milhões de reais) para a hipótese prevista no inciso I
do art. 88, da Lei 12.529, de 2011; e
II - R$ 75.000.000,00 (setenta e cinco milhões de reais) para a hipótese prevista no inciso II do art.
88, da Lei 12.529 de 2011.

19
​ critério do faturamento pode ter problemas, pois não necessariamente somente
O
grandes empresas, com grandes faturamentos, que firmam atos de concentração podem
causar danos à concorrência. De fato, pequenas cidades podem ter mercados concentrados
nas mãos de um único agente econômico decorrente de ato de concentração, e esse agente
econômico muito provavelmente não vai ter faturamento de 400 milhões de reais, muito
menos de 750 milhões de reais.

A lei anterior utilizava uma regra que buscava cuidar desse problema: se o ato de
fusão ou aquisição acarretasse concentração de 20% ou mais do mercado nas mãos de um
agente econômico, este ato de concentração deveria ser apresentado ao CADE (art. 54, §§
3º, 4º e 5º, da Lei 8.884/94). Esse dispositivo foi revogado pela nova lei, não tendo
correspondente nos dias de hoje. Isso faz sentido?

Praticamente todos os países que têm sistemas de defesa da concorrência (Estados


Unidos e Europa) já tiveram essas regras de “porcentagem de mercado relevante” como
determinantes do controle prévio e abandonaram esse critério pois avaliar a porcentagem de
mercado relevante que um ato de concentração é algo muito complexo (as empresas
sempre consideram que o mercado relevante é super amplo, os órgãos de controle sempre
vão restringir isso, exemplo da fusão entre da Gatorade e a Maraton). Também é muito difícil
fazer o controle sobre as empresas que deveriam ter apresentado o ato de concentração ao
CADE e não fizeram. Esse instrumento do mercado relevante cria muita insegurança sobre
o que deve ser submetido ao CADE ou não, de modo que esse critério foi abandonado.

O problema, então, das empresas que têm um faturamento menor do que o


estabelecido na Portaria Interministerial 994/2012 e que restringem a concorrência com atos
de concentração continua, e por isso a lei possui um mecanismo para tentar solucionar
essas situações.

Os atos de concentração somente serão prévios, ou seja, antes de se consolidar a


concentração precisam da aprovação do CADE, quando se verificarem os critérios de
faturamento estabelecidos pela Portaria Interministerial. Nas situações nas quais as
empresas envolvidas no ato de concentração não estavam obrigadas a apresentar o ato ao
CADE mas, por alguma razão, perceba-se que essa operação foi muito danosa para a
concorrência, o CADE pode requerer, em até 1 ano, depois de consumada a concentração,
que este ato de concentração seja submetido à sua aprovação, e o Conselho pode
determinar a desconstituição da operação (art. 88, §7°, lei 12.529/1118).

Mesmo esse instrumento “residual” do CADE tem seus problemas: imagina a


situação na qual o CADE desconstitua um ato de concentração depois de consumado, a
complexidade disso pode ser tremenda e trazer mais prejuízos. Além disso, isso nunca foi
utilizado desde 2011, quando a lei foi editada.

- Peculiaridades a respeito desses atos de concentração

18
​Lei 12.529/11. Art. 88. §7º ​É facultado ao Cade, no prazo de 1 (um) ano a contar da respectiva
data de consumação, requerer a submissão dos atos de concentração que não se enquadrem no
disposto neste artigo.
20
O art. 90, da lei 12.529/11 (ver nota 9), apresenta o que se considera ato de
concentração para efeitos de análise do CADE. O inciso I apresenta o mais claro, que são
as fusões e aquisições de empresas, em que a estrutura de demanda e oferta de produtos e
serviços em mercado tende a mudar. O inciso II, por sua vez, apresenta a situação na qual
uma ou mais empresas adquire ativos e ações de outra empresa. O inciso III apresenta o
caso de empresas que se incorporam. O mais difícil é o inciso IV, que é a situação na qual
se celebra contratos entre empresas, aquelas que não são operações nitidamente
estruturais porque não acontecem por via societária, mas por via contratual (consórcio, ​joint
venture,​ etc). O CADE possui uma resolução específica sobre os contratos associativos, que
são, segundo seu art. 2º, aquelas nas quais empresas concorrentes se juntam para explorar
uma atividade econômica com compartilhamento de riscos e benefícios19.

- Os atos de concentração que devem ser submetidos ao CADE são analisados


previamente

O controle da lei 8.884/94 era posterior, ou seja, as empresas realizavam o ato de


concentração e, 60 dias depois, deveriam apresentar ao CADE o ato para que este
aprovasse ou não. A defesa do sistema posterior se focava na perspectiva de que ele não
limitava as atividades econômicas, não seria uma barreira para que elas acontecessem.
Esse sistema se mostrou, entretanto, muito ruim porque: ​(i) muitos desses atos de
concentração quando consolidados podem ser irreversíveis (ex: compartilhamento de
informações de produção entre as empresas, de modo que elas não competirão da mesma
forma caso trabalhem separadamente); ​(ii) questão do fato consumado (ex: gera-se
impactos muito grandes sobre terceiros, o que pode criar muitos problemas para a
desconstituição); e ​(iii) o controle posterior não gera nenhum incentivo de que as empresas
colaborem para a análise do CADE, elas enrolavam para dar os documentos, tinha um
sistema burocrático muito ruim, porque outras secretarias, do Ministério da Justiça e da
Fazenda, tinham que dar parecer e demorava, e quanto mais tempo demorava para dar a
decisão, mais o ato de concentração se tornava consumado e, portanto, irreversível.

A nova lei, lei 12.529/11, trabalha com a lógica do controle prévio dentro dos critérios
de faturamento, tentando tirar esses problemas específicos do problema posterior. Nessa
situação, o CADE consegue proibir ou aprovar com restrições de forma mais fácil, uma vez
que somente depois da decisão do Conselho que a operação pode ser feita.

O CADE tem prazo para fazer essa análise: de 240 dias contados a partir do
peticionamento do ato de concentração, prorrogáveis por mais 90 dias (art. 88, §§2º e 9°, da
lei 12.529/1120). Caso o Conselho não dê a decisão dentro deste prazo, a operação é

19
​Resolução 17 do CADE, de 2017.​ Disponível em: <​https://bit.ly/2ERCdQK​>. Acessado em: 02 nov
2018.
20
​Lei 12.529/11. Art. 88. § 2​o ​O controle dos atos de concentração de que trata o caput deste artigo
será prévio e realizado em, no máximo, 240 (duzentos e quarenta) dias, a contar do protocolo de
petição ou de sua emenda.
§ 9​o​ ​O prazo mencionado no § 2​o​ deste artigo somente poderá ser dilatado:
I - ​por até 60 (sessenta) dias, improrrogáveis, mediante requisição das partes envolvidas na
operação; ou
21
aprovada por decurso do prazo (isso nunca aconteceu, até porque os conselheiros levariam
uma ação de improbidade administrativa nas costas).

Para complementar o sistema do controle prévio, a lei estabelece uma sanção para
as empresas que consumam o ato de concentração, dentro das hipóteses de faturamento da
Portaria Interministerial 994/2012, antes de decisão do CADE no art. 88, §§3º e 4º, da lei
12.529/1121. A consumação total é mais fácil de ser detectada, mas o maior problema de
detecção na prática é o §4º, que estabelece a punição do ​Gun Jumping (queimar largada,
em inglês). A apreciação da “alteração das condições concorrenciais” gera bastante
insegurança, porque é uma análise muito casuística.

Questão. A ​ empresa A teve faturamento bruto no ano de 2014 equivalente a R$ 600


milhões e deseja adquirir a empresa B, que teve faturamento bruto de R$ 55 milhões
em 2014. Ambas atuam na área de mercado de varejo e após a operação estima-se
que a elas terão participação de mercado equivalente a 35% na cidade de
Itaporanga, onde a empresa B atua. Pergunta-se: é básica a apresentação prévia da
operação para apreciação do CADE? O que é ​Gun jumping​?22
Não, as referidas empresas não devem apresentar o referido ato de concentração
ao CADE pois não satisfazem os requisitos estabelecidos na Portaria Interministerial
994/2012, segundo a qual uma das empresas deve ter faturamento bruto anual ou volume
de negócios no país de, no mínimo, 750 milhões de reais, e a outra de 75 milhões de
reais. Apesar da operação acarretar consequências concorrenciais relativamente grandes,
pois cria um agente econômico com posição dominante no mercado relevante de varejo
na cidade de Itaporanga, a operação não entra nos critérios estabelecidos pela lei para a
obrigatoriedade do controle prévio, entretanto a operação pode ser desconstituída pelo
CADE na aplicação do §7º, do art. 88, da lei 12.529/11, segundo o qual “[é] facultado ao
Cade, no prazo de 1 (um) ano a contar da respectiva data de consumação, requerer a
submissão dos atos de concentração que não se enquadrem no disposto neste artigo”.
Gun Jumping é o nome dado para as situações nas quais as empresas consolidam
ou tomam atos que levem à consolidação do ato de concentração. Isso significa, então,
que esses agentes econômicos, que até então atuavam separadamente, começam a
atuar concorrencialmente de maneira distinta do que a observada anteriormente23. No
caso, não se observa ​Gun Jumping,​ uma vez que as empresas, como dito, não tinham

II - ​por até 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada do Tribunal, em que sejam
especificados as razões para a extensão, o prazo da prorrogação, que será não renovável, e as
providências cuja realização seja necessária para o julgamento do processo.
21
​Lei 12.529/11. Art. 88. §3º ​Os atos que se subsumirem ao disposto no caput deste artigo não
podem ser consumados antes de apreciados, nos termos deste artigo e do procedimento previsto no
Capítulo II do Título VI desta Lei, sob pena de nulidade, sendo ainda imposta multa pecuniária, de
valor não inferior a R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) nem superior a R$ 60.000.000,00 (sessenta
milhões de reais), a ser aplicada nos termos da regulamentação, sem prejuízo da abertura de
processo administrativo, nos termos do art. 69 desta Lei.
§ 4​o ​Até a decisão final sobre a operação, deverão ser preservadas as condições de concorrência
entre as empresas envolvidas, sob pena de aplicação das sanções previstas no § 3​o​ deste artigo.
22
Bibliografia indicada para resposta: CORDOVIL, Leonor et al. ​Nova lei de defesa da concorrência
comentada.​ São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, pp. 195-215.
23
O professor não deu especificamente exemplos de ​Gun Jumping​, entretanto o CADE tem uma
publicação que descreve alguns exemplos desses atos, uma vez que a análise é casuística.
Recomendo fortemente a leitura da Seção I, que faz essa análise mais pormenorizada:
<​https://bit.ly/2n8K68l​>. Acessado em 25 out 2018
22
obrigação de submeterem previamente o ato de concentração à apreciação do CADE.

Aula 8 - 26 de setembro - Controle de concentrações II. Critério de julgamento e


imposição de restrições

Dentro dos critérios em que é necessário fazer a notificação da concentração, o


CADE deve analisar e aprovar ou não a operação. O mérito da questão é resolvido pelos
§§5º e 6º, do art. 88, da lei 12.529/1124. O §5º estabelece os atos que não devem ser
autorizados: (i) aqueles que impliquem eliminação substancial da concorrência em um
mercado relevante; e (ii) aqueles que criem ou reforcem uma posição dominante ou que
resultem dominação de um mercado relevante.

Há exceções, aquelas trazidas no §6º: se o ato de concentração de fato concentrar


mercado, aumentar a posição dominante de um agente ou causar dominação completa do
mercado mas traz alguns benefícios ao mercado, ele pode ser autorizado. Essa permissão
acontece quando o ato de concentração: (i) aumenta a produtividade ou a cumulatividade no
mercado; (ii) melhore a qualidade dos bens ou serviços; (iii) propiciem a eficiência e o
desenvolvimento tecnológico ou econômico. Necessariamente esses benefícios devem ser
repassados ao consumidor.

Existem alguns passos metodológicos para se analisar um ato de concentração. O


CADE adotou, normativamente, um “Guia de Análise de Atos de Concentração Horizontal”25,
o Guia H, que dá mais segurança ao procedimento. Os passos são os seguintes:

1. Definir o mercado relevante: é meio óbvio. Para ver qual o impacto da concentração
no mercado, é necessário visualizar se as empresas atuam no mesmo mercado e
como funciona este mercado.

a. O mercado relevante, entretanto, não é tão simples assim de se definir em


alguns casos. Em 2014, a empresa Braskem queria comprar a Solvay, ​que
são as duas únicas produtoras no mercado brasileiro de PVC-S e PVC-E,
utilizados principalmente no setor de produção de artigos de plástico mais
duro (tipo eletrodomésticos, encanamento, etc). A Braskem defendia que o
mercado de PVC era internacional, e que, portanto, por mais que
internamente somente uma empresa produziria a matéria prima, outras
empresas de outros países ainda fariam concorrência. O CADE entendeu que
a fusão das empresas traria, entretanto, uma concentração muito grande no

24
Lei 12.529/11. Art. 88. (...) § 5​o Serão proibidos os atos de concentração que impliquem
eliminação da concorrência em parte substancial de mercado relevante, que possam criar ou reforçar
uma posição dominante ou que possam resultar na dominação de mercado relevante de bens ou
serviços, ressalvado o disposto no § 6​o​ deste artigo.
§ 6​o Os atos a que se refere o § 5​o deste artigo poderão ser autorizados, desde que sejam
observados os limites estritamente necessários para atingir os seguintes objetivos:
I -​ cumulada ou alternativamente:
a) ​aumentar a produtividade ou a competitividade;
b) ​melhorar a qualidade de bens ou serviços; ou
c)​ propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico; e
II - ​sejam repassados aos consumidores parte relevante dos benefícios decorrentes.
25
Veja em: <​https://bit.ly/2Kaeeys​>. Acessado em: 25 out 2018
23
mercado e que, na prática, as empresas estrangeiras não tem uma presença
forte no Brasil no mercado relevante de produção da matéria prima PVC,
porque é caro importar, o que indica que o mercado estaria praticamente
monopolizado, correndo o risco de exercício abusivo de poder econômico e
elevação de preços26.

2. Medição do grau de concentração, que determina se é possível que a nova empresa


tenha condições de exercer seu poder de mercado: fixado o mercado relevante, é
necessário calcular qual é o grau de concentração desse mercado com o ato que as
empresas pretendem fazer. Não existe número mágico que defina “ah, passou de x%
de concentração, esse ato vai ser proibido”. É claro que, quanto maior o grau de
concentração, a operação vai ser mais complexa e demanda maior atenção.

a. No Guia H está descrito um índice de análise de concentração, o HHI ou


Herfindahl-Hirschman27.

3. Análise da probabilidade do uso de poder de mercado adquirido por meio de maior


concentração na operação, análise da rivalidade concorrencial: visualizar se os
concorrentes nesse mercado tem uma alteração substancial na forma como elas
competem. Os demais rivais desta empresa vão mudar a forma de atuação por
causa dessa concentração?

a. Análise das barreiras à entrada nesse mercado antes e depois da


concentração: é a avaliação da dificuldade de uma empresa entrar em um
determinado mercado e oferecer concorrência às empresas já existente.

i. Imagina a situação de barracas que vendem comida na frente de um


estádio de futebol, em uma situação em que não há, especificamente,
nenhuma burocracia pra se vender comida, é chegar lá, montar a
barraca e vender. Se uma barraca começa a comprar todas as outras,
chegando a ter uns 70% de dominação no mercado relevante, cria-se
uma alteração substancial no mercado, é claro, mas não se cria
nenhuma nova barreira para a entrada de novos agentes econômicos
que queiram vender comida na frente do estádio.

ii. Vamos supor que, ao contrário do exemplo anterior, existisse um


limite de barracas estabelecido pela prefeitura e que esse dono de
barracas realmente tem 80% das barracas. Nenhuma nova barraca
vai conseguir entrar nesse mercado, daí essa concentração já deve
ser vista com mais cautela.

iii. Essas barreiras podem ser ​regulatórias (como no caso das barracas
do item acima), decorrerem da própria ​natureza do mercado (tem

26
“​CADE reprova aquisição da Solvay pela Braskem​”. Disponível em: <​https://bit.ly/2qp95WV​>.
Disponível em: 02 nov 2018.
27
O HHI é calculado com base no somatório do quadrado das participações de mercado de todas as
empresas de um dado mercado. O HHI pode chegar até 10.000 pontos, valor no qual há um
monopólio, ou seja, em que uma única empresa possua 100% do mercado. Quando maior o resultado
desse índice, maior é a concentração do mercado relevante analisado. Deus me livre.
24
mercados que não tem muitas empresas porque o investimento para
operacionalização é muito alto, como o ramo das telecomunicações,
de aviação civil), da ​tempestividade (a concorrência de alguns
mercados demora muito pra ser feito, como nas indústrias
petroquímicas, em que demora anos para se fazer a concorrência,
comprar o terreno, ter licença de construção, montar o parque
industrial, desenvolver produto, contratar mão de obra especializada,
etc., e durante todo esse tempo a outra empresa que atua sozinha
teve oportunidade de abusar do poder econômico que obteve com a
concentração).

iv. Pode ser que, mesmo que realmente a operação concentre muito o
mercado, a demanda pelo produto seja tão alta, que existe um
incentivo muito grande para que outros agentes econômicos ofereçam
concorrência à empresa que tem o mercado concentrado em suas
mãos. A análise é bastante casuística, vai depender muito do mercado
relevante, do grau de concentração e das barreiras à entrada e saída
desse mercado.

b. O nível de rivalidade restante no mercado.

4. Ponderação das eficiências econômicas inerentes ao ato de concentração:

a. Imagine o exemplo do supermercado grande em uma cidadezinha no interior


que compra o outro mercado menor da cidade. Suponhamos que as barreiras
à entrada são grandes: há pouco espaço disponível na região de comércio,
existem as barreiras sanitárias de funcionamento, etc. Essa estrutura que
ficou concentrada vai fazer com que a empresa que opera o supermercado
tenda a aumentar os seus preços, o que diminui o desempenho econômico,
porque os consumidores vão ter que gastar mais no mercado e deixar de
gastar em outros setores.

b. A ​Escola de Harvard entende, em síntese, que toda a concentração que


diminuísse a rivalidade entre as empresas em determinado mercado
relevante, de modo a aumentar sua posição relevante, e que aumente as
barreiras para entrada no mercado, essa operação deve ser proibida. Essa é
a ideia do art. 88, §5º, da lei 12.529/11. Essa escola entende que as
estruturas de mercado (leia-se: o quão concentrado ele está e qual a
dinâmica concorrencial) influem diretamente na forma como os agentes
econômicos se comportam em mercado e na sua eficiência econômica.

c. Outra perspectiva sobre a dinâmica concorrencial foi a desenvolvida pela


Escola de Chicago​, que prega uma ideia de menor intervenção do Estado na
economia. É intuitivo que, a partir dessa perspectiva mais liberal, a Escola de
Chicago entenda que nem sempre operações que concentrem
demasiadamente o mercado devem ser vedadas. Existem determinadas
situações nas quais a concentração pode ser boa, em que um mercado mais
concentrado pode ser mais benéfico para o funcionamento do mercado

25
porque ele se torna mais eficiente. É nesse sentido que caminha o art. 88,
§6º, da lei 12.529/11, de modo que, se essa concentração trouxer mais
eficiência e ela for repassada ao consumidor, ela pode ser aprovada (sempre
vai depender do caso concreto).

i. É o que acontece nas situações de economia de escala, que acontece


naqueles setores nos quais quanto mais se produz, mais barato fica
produzir mais. Exemplo: em uma gráfica que produz cartazes, para
produzir um cartaz ela precisa contratar designers para o desenho,
comprar um papel, comprar um pouco de cada tinta. Se ela produz 10
cartazes, o preço do designer por cartaz proporcionalmente diminui, a
empresa consegue um maior desconto comprando papel e tinta em
uma maior quantidade. O custo de cada cartaz diminui quanto mais
cartazes são produzidos. Quanto mais se produzir determinado
produto, mais barato esse produto vai ficar, e isso acaba favorecendo
o consumidor com os menores preços. Tem setores que só funcionam
nessa dinâmica, como a indústria automobilística, a indústria
produtora de celulares e a indústria farmacêutica.

ii. Também acontece uma maior eficiência nas economias de escopo, a


situação na qual se verifica a verticalização da cadeia produtiva,
quando se colocam etapas da cadeia produtiva dentro de uma mesma
estrutura empresarial. Isso pode dar, em algumas situações
específicas, maior eficiência na produção, que pode ser repassada ao
consumidor por menor preço.

d. Qual a dinâmica da lei 12.529/11 nesse tema? Observamos nas teorias


contemporâneas de direito concorrencial uma mescla das Escolas de
Chicago e de Harvard. Embora se entenda que deve-se prezar por uma
estrutura econômica mais desconcentrada, é necessário analisar as
eficiências que o ato de concentração pode trazer ao mercado.

Questão. Um ato de concentração que possa levar a um aumento de preços do


produto que compõe o mercado relevante pode ser aprovado pelo CADE?
Sim, é possível que um ato de concentração que cause essas consequências ao
mercado relevante possa ser aprovado pelo CADE. A escola de Harvard pregava que, se
um ato de concentração cria condições concretas de concentração de poder econômico
nas mãos de um único agente econômico, esta operação deve, necessariamente, ser
proibida, uma vez que ela afeta as estruturas do mercado. A Escola de Chicago, por outro
lado, entende que há situações em que a concentração pode ser benéfica para o
funcionamento do mercado, uma vez que lhe traz eficiências específicas que somente a
concentração pode dar (ex: introdução de novas tecnologias, penetração em novos
mercados, diminuição de preços por ganho em escala, etc).
O art. 88, §5º, da lei 12.529/11, veda os atos de concentração que “impliquem
eliminação da concorrência em parte substancial de mercado relevante, que possam criar
ou reforçar uma posição dominante ou que possam resultar na dominação de mercado
relevante de bens ou serviços”, entretanto o §6º faz a ressalva de que “Os atos a que se
refere o § 5​o deste artigo poderão ser autorizados, desde que sejam observados os limites

26
estritamente necessários para atingir os seguintes objetivos: I - cumulada ou
alternativamente: a) aumentar a produtividade ou a competitividade; b) melhorar a
qualidade de bens ou serviços; ou c) propiciar a eficiência e o desenvolvimento
tecnológico ou econômico; e II - sejam repassados aos consumidores parte relevante dos
benefícios decorrentes”.
Na situação concreta, a diminuição do preço do produto oferecido pelas empresas
é, de fato, o principal critério para análise da eficiência, entretanto não é o único, como
estabelecido no §6º. Se se demonstrar que, no caso concreto, esses outros critérios de
análise compensam o aumento do preço, o CADE pode aprovar o ato de concentração.

Aula 9 - 03 de outubro - Controle de concentrações III. Atos passíveis de notificação.

- Peculiaridades sobre a análise da eficiência, ACCs e remédios estruturais e


comportamentais

Nós vimos que nem todo ato de concentração que cause uma concentração
expressiva do mercado relevante será reprovado pelo CADE, e isso acontecerá quando as
partes provem que a operação dá alguma eficiência ao funcionamento do mercado que
poderá ser aproveitada pelo consumidor. São diversas variáveis que indicam o aumento da
eficiência, a principal é a diminuição do preço, mas não necessariamente só ele conta.

Não é qualquer eficiência, ela precisa atender a dois requisitos. ​Primeiro​, essa
eficiência precisa decorrer necessariamente da operação de concentração e que,
principalmente, não seria possível alcançar esse nível de eficiência caso ela não se
realizasse pois, caso contrário, haveria meios menos gravosos para a sociedade e para a
concorrência para alcançar a mesma eficiência. Em ​segundo lugar, é necessário também
provar que essa eficiência vai repassar para benefícios ao consumidor e para a sociedade.
Pode ser pela diminuição do preço do produto, mas também pode ser para o aumento da
qualidade do produto.

Depois da análise do CADE, o que ele faz? Ele pode (i) aprovar o ato de
concentração sem restrições, que é o que acontece em 95% dos casos, porque a maioria
das operações não é complexa e não causa efeitos concorrenciais grandes, não sendo
necessário comprovar nenhuma eficiência, portanto; ele pode (ii) reprovar o ato de
concentração, o que não impede que as empresas apresentem a operação demonstrando
que superaram as deficiências do ato anterior; ou, por fim, ele pode (iii) aprovar
condicionando a um “Acordo em Controle de Concentração”, um ACC.

Por meio do ACC, o CADE vai aplicar remédios estruturais ou comportamentais para
condicionar a aprovação do ato de concentração. O ACC só é apresentado nas situações
em que a empresa não conseguiu demonstrar a eficiência que o ato de concentração
poderia gerar.

Os remédios estruturais são aqueles em que o CADE condiciona que a empresa


concentrada altere sua posição na estrutura do mercado relevante em que se tenta fazer o
ato de concentração. São remédios estruturais, por exemplo a alienação de marca (caso da
incorporação da Garoto pela Nestlé, em que o CADE exigiu para aprovação que fossem

27
alienadas algumas marcas de bombom, o que ainda não foi feito28), alienação de fórmula,
proibição de utilização de marca durante certo período de tempo (Caso da Kolynos, marca
de pasta de dente comprada pelo grupo Colgate-Palmolive em 1996, o CADE percebeu que
a operação concentraria o mercado de higiene bucal brasileiro em 52%, e condicionou a
aprovação do ato de concentração à proibição do uso da marca kolynos durante certo
período de tempo, para que outras marcas pudessem disputar nesse mercado29), etc.

Os remédios comportamentais, por sua vez, são aqueles nos quais o CADE
condiciona condutas à empresa na sua gestão (ex: não pode aumentar o preço neste
período x de tempo; a inovação prometida durante o processo administrativo no CADE
precisa ser demonstrada por meio de relatórios posteriores à fusão; publicidade e
transparência na política comercial da empresa concentrada).

- Exemplos de alguns atos de concentração apreciados pelo CADE:

- Gatorade/Marathon: em 2004, o CADE julgou o ato de concentração


representado pela venda da marca Gatorade, pela PEPSICO, para a
Companhia Brasileira de Bebidas, a Ambev, que é detentora da marca
Marathon. O Conselho fixou o mercado relevante geograficamente como
nacional e, quanto ao produto, no mercado de bebidas isotônicas, e chegou à
conclusão que a fusão das duas marcas em uma mesma empresa
concentraria demasiadamente este mercado. A aprovação do ato foi
condicionada à venda da marca Marathon para algum concorrente. A
empresa compradora da marca, Energia On Line, teve que assinar um acordo
(Termo de compromisso de desempenho - TCD) com o CADE assumindo que
iria realmente entrar no mercado de isotônicos e fazer concorrência à
Gatorade.

- Uma coisa interessante sobre esse caso: os advogados das empresas


que querem realizar o ato de concentração, quando o apresentam ao
CADE, fazem o máximo para demonstrar que o mercado relevante no
qual as empresas atuam é diferente ou é o mais amplo possível, que é
o que aconteceu nesse caso Gatorade/Marathon. Os advogados (foi o
escritório do Tércio!) defendiam que o mercado relevante era o de
bebidas em geral, e o referido ato de concentração, nesse sentido,
concentraria somente 2%, o que não foi acatado pelo CADE, que
enxergou o mercado relevante de bebidas isotônicas, e, nesse
sentido, o referido ato concentraria o mercado em mais de 90% na
mão de um único agente econômico (na Ambev).

- Esse caso tem outra coisa importante: na análise do mercado de


isotônicos, assim como muitos outros, é muito importante a fidelidade
à marca, porque ela representa uma barreira à entrada de novos
concorrentes muito grande. Pode até ser que surja uma nova empresa

28
Ver, abaixo, descrição do caso Nestlé/Garoto.
29
SALGADO, Helena Lucia. ​O Caso Kolynos-Colgate e a Introdução da Economia Antitruste na
Experiência Brasileira​. Disponível em: <​https://bit.ly/2JFgMkF​>. Acessado em: 02 nov 2018.
28
produtora de isotônicos, mas provavelmente ela não vai conseguir
fazer frente à Gatorade e à Marathon, que já são muito fortes nesse
mercado e tem uma reputação muito bem estabelecida entre os
consumidores.

- Nestlé/Garoto: é um dos atos de concentração mais doidos que o CADE


julgou (e que piriga voltar a julgar). A operação de aquisição da Chocolates
Garoto S/A pela Nestlé Brasil Ltda. foi notificada em março de 2002 e,
rapidamente, a Cadbury e Kraft (empresa dona da marca Lacta) entraram
com pedido de medida cautelar ao CADE porque o mercado de chocolates
ficaria extremamente concentrado, já que ele tem poucos agentes
econômicos atuando, as importações de chocolate são inexpressivas e
existem elevadas barreiras à entrada30.

- O CADE entendeu que havia quatro mercados relevantes em jogo: de


Balas e Confeitos, achocolatados, cobertura de chocolate (uso
comercial) e chocolates sob todas as formas. Os mercados onde a
concentração se tornaria expressiva seriam o de achocolatados
(concentração de 61,2%, no ano de 2001) e o de chocolate para uso
comercial (concentração de 88,5%, no ano de 2001).

- O grande problema dessa operação de compra da Garoto pela Nestlé


é que o controle de concentrações, à época, era posterior, o que
significa que as duas empresas já haviam consolidado a compra em
2002, mas o CADE decidiu somente dois anos depois, em 2004,
proibir a compra. Isso criou uma série de dificuldades, porque a Nestlé
já havia pagado US$ 250 milhões pela Garoto e já havia começado a
operar seus ativos. O caso ficou parado, foi judicializado, não
chegaram a conclusão nenhuma. Somente em 2016 o CADE e a
Nestlé resolveram firmar um acordo de desinvestimentos (que seria a
alienação de algumas marcas de chocolates específicos, como a
Chokito, o Lollo, Sensação e Serenata de Amor), mas mesmo esse
Acordo de Controle de Concentração, que venceu seu prazo em
meados de 2018, não foi cumprido, de modo que a aprovação ainda
está pendente31.

- Bayer/Monsanto: em 2017 as duas empresas apresentaram ao CADE o ato


de concentração da compra da Monsanto pela Bayer. Essa foi uma grande
operação, que precisou ser analisada por autoridades defensoras de defesa
da concorrência de vários países do mundo (como dos Estados Unidos, do
Canadá, da UE, da Índia...). Essas empresas não atuam especificamente nos
mesmos mercados relevantes, mas esse ato de concentração tende a gerar o

30
GUERRIERO, Ian Ramalho. ​O caso Nestlé-Garoto e reflexões para o uso de modelos de simulação
na análise antitruste. pp. 6-7 e 13-15. Disponível em: <​https://bit.ly/2AHOseo​>. Acessado em: 02 nov
2018.
31
Para mais detalhes sobre a situação do caso hoje, veja: VALENTE, Gabriela Freire. ​Caso
Nestlé-Garoto pressiona CADE por resposta ao descumprimento de acordo​. Disponível em:
<​https://bit.ly/2DfVo57​>. Acessado em: 02 nov 2018.
29
efeito portfólio, que é a situação na qual forma-se uma nova empresa com
uma gama de produtos tão diversificada que o consumidor consegue pegar
todos os produtos com um só fornecedor. A posição dominante da empresa
não é gerada, nesse caso, pela concentração do mercado que a operação
causa, mas porque se consegue comprar quase tudo relacionado à uma
atividade, como a do agronegócio, com uma única empresa (a semente, o
agrotóxico, o fertilizante, o pesticida… tudo viria da mesma empresa)32.

- A Bayer apresentou o seguinte remédio estrutural para atender às


preocupações do CADE: o desinvestimento completo da Bayer nos
mercados de sementes de soja e de algodão, assim como o de
herbicidas específicos. A Bayer e a Monsanto também propuseram
remédios comportamentais, como a transparência das políticas
comerciais, proibição de cláusulas de exclusividade com seus
vendedores, entre outros.

- Solvay/Braskem: a Braskem ofereceu, em 2014, ao CADE o ato de


concentração no qual ela pretendia adquirir a Solvay Indupa. O ato foi
reprovado, pois o CADE entendeu que seria formado um monopólio do
mercado de PVC na América do Sul e as empresas não ofereceram nenhuma
estratégia de amenizar os efeitos concorrenciais danosos e não provaram
qualquer eficiência que o ato poderia trazer ao mercado. Descrevi
atentamente sobre a escolha do mercado relevante sobre o critério geográfico
acima, à aula 8, ítem 1.

- Alesat/Ipiranga: a Ipiranga, empresa distribuidora de combustíveis,


apresentou ao CADE em 2017 ato de concentração no qual pretendia adquirir
a Alesat, empresa que trabalha no mesmo ramo. O CADE entendeu que a
aquisição interferiria na dinâmica concorrencial de abastecimento dos postos
em algumas regiões do Brasil. Não foram apresentadas pelas empresas
propostas de eficiências que neutralizassem os efeitos lesivos à ordem
econômica, somente uma proposta de Acordo em Acordo de Concentrações
(ACC), que foi rejeitada pelo plenário porque não minimizaria os problemas
gerados pela operação33.

Questão. ​Duas empresas formam um consórcio para disputar uma licitação que
versa sobre a concessão de estrada de rodagem federal. Deverão apresentar a
formatação do consórcio ao CADE?34

32
“​Cade aprova com restrições a aquisição da Monsanto pela Bayer”​. Disponível em:
<​https://bit.ly/2EMxE6o​>. Acessado em: 02 nov 2018.
33
“​Compra da Alesat pela Ipiranga é vetada pelo CADE”​. Disponível em: <​https://bit.ly/2JynxEN​>.
Acessado em: 02 nov 2018.
34
Foi indicado, para auxiliar a resposta, o acórdão produzido pelo CADE na apreciação do caso de
concentração da Ipiranga com a Alesat. O “acórdão” compreende o relatório (disponível em:
<​https://bit.ly/2PET1hO​>), e os votos de cada conselheiro (disponíveis em: <​https://bit.ly/2Qd84fG​>,
<​https://bit.ly/2JzqPYm​>, <​https://bit.ly/2yMoLrU​>, <​https://bit.ly/2AIFyNH​>, <​https://bit.ly/2SIzf3w​>,
todos acessados em 02 nov 2018).
30
Não, as empresas não deverão apresentar o ato de concentração referido à
apreciação do CADE, por força do estabelecido no art. 90, parágrafo único, da lei
12.529/11.
O art. 88, da lei 12.529/11, estabelece quais são os atos de concentração
econômica que devem ser obrigatoriamente submetidos à apreciação prévia do CADE
para terem plena eficácia. O art. 90, por sua vez, exemplifica quais são as situações em
que se configuram atos de concentração, dentre os quais, no seu inciso IV, realizam ato
de concentração quando “duas ou mais empresas celebram contrato associativo,
consórcio ou ​joint venture”​ .
A Resolução 17 do CADE, de 2016, regulamenta as hipóteses nas quais tais
contratos associativos devem ser submetidos à análise prévia do CADE, estabelecendo
três requisitos para tal: (i) que o contrato tenha duração igual ou superior à 2 anos; (ii) que
o contrato estabeleça o compartilhamento de riscos e resultados da atividade econômica
que constitua o seu objeto; e (iii) que as partes contratantes sejam concorrentes no
mercado relevante objeto do contrato.
A situação descrita no caso concreto, entretanto, corresponde à prescrição do
parágrafo único do art. 90, da lei 12.529/11, segundo o qual “[n]ão serão considerados
atos de concentração, para os efeitos do disposto no art. 88 desta Lei, os descritos no
inciso IV do caput, quando destinados às licitações promovidas pela administração pública
direta e indireta e aos contratos delas decorrentes”. Isso significa, portanto, que as
empresas descritas no caso não precisarão apresentar pedido de avaliação do CADE
para aprovar o consórcio formado para disputarem a referida licitação sobre a concessão
de estrada.
Tal disposição da lei 12.529/11, que isenta as empresas que celebram contratos
associativos para participarem de licitações públicas, parece atribuir aos mecanismos da
atual lei de licitações e contratos administrativos, a lei 8.666/93, o controle sobre
potenciais fraudes ou atos ofensivos à concorrência. Tal dispositivo também dá maior
segurança jurídica aos empresários que realizam contratos associativos para participarem
de licitações, uma vez que, na vigência da legislação anterior, não havia previsão
específica se essa modalidade de contrato associativo, para essa finalidade, deveria ou
não ser apreciada pelo CADE.

Aula 10 - 10 de outubro - Territorialidade da aplicação da legislação de defesa da


concorrência

- Territorialidade dos sistemas de defesa da concorrência

Tradicionalmente as normas são aplicadas segundo dois critérios distintos. Temos


um primeiro, mais clássico, que é o critério territorial, em que, se uma conduta é praticada
no território do Estado x, a lei aplicável para analisar e punir essa conduta é a do Estado x,
assim como é competente para analisar o ilícito a autoridade do Estado x. ​O critério
territorial é suficiente no âmbito do direito concorrencial? Não, porque os atos lesivos à
concorrência não se limitam ao território de onde eles foram praticados, muitas vezes
podendo atingir populações de outros Estados.

31
É por isso que a legislação concorrencial aplica um segundo critério, que é o de
geração de efeitos, ou seja, atos produzidos fora do território brasileiro, mas que possam
produzir efeitos no território brasileiro, podem ser apreciados pelas autoridades competentes
brasileiras, no caso o CADE. Aplicando-se o critério dos efeitos, várias autoridades
defensoras da concorrência poderão analisar um mesmo ato.

Geralmente, a tendência é que as legislações adotem os dois critérios, tanto o


territorial, quanto o da geração dos efeitos35. A lei 12.529/11, em seu art. 2º, segue esse
entendimento.

Lei 12.529/11. Art. 2​o Aplica-se esta Lei, sem prejuízo de convenções e tratados de que seja
signatário o Brasil, às ​práticas cometidas no todo ou em parte no território nacional ou que ​nele
produzam ou possam produzir efeitos​. (grifei)
§ 1​o Reputa-se domiciliada no território nacional a empresa estrangeira que opere ou tenha no
Brasil filial, agência, sucursal, escritório, estabelecimento, agente ou representante.
§ 2​o A empresa estrangeira será notificada e intimada de todos os atos processuais previstos
nesta Lei, independentemente de procuração ou de disposição contratual ou estatutária, na pessoa
do agente ou representante ou pessoa responsável por sua filial, agência, sucursal,
estabelecimento ou escritório instalado no Brasil.

Tomando-se o critério da geração de efeitos, em se tratando de atos de


concentração, e se duas ou mais autoridades de defesa da concorrência derem decisões
diferentes? A apreciação dos atos de concentração tem um alcance exclusivamente
nacional, as autoridades de defesa da concorrência não tem o objetivo de defender a
concorrência de todo o mundo, até porque elas não possuem competência para isso, mas
proteger o seu mercado nacional. A apreciação do CADE se limitará, portanto, a apreciar os
efeitos dentro do território nacional.

Isso significa, portanto, que as decisões dessas autoridades são endereçadas para o
mercado de seu país, e as características de país para país podem variar. Se um ato de
concentração no Brasil é proibido e o mesmo ato de concentração é permitido na União
Europeia não há problema algum, porque cada operação analisa os impactos no território
nacional, e esses efeitos, apesar do ato de concentração ser o mesmo, podem ser
diferentes em diferentes regiões do mundo.

Existem alguns casos nos quais as autoridades de defesa da concorrência divergem


de posicionamento, que é o caso do Google Shopping, analisado pela Comissão Europeia e
pela Federal Trade Commission (FTC).

A autoridade europeia entendeu que o Google estava promovendo de forma ilegal


seu próprio produto, o Google Shopping, pois, quando os consumidores pesquisavam em
seu mecanismo de busca certo produto, o seu algoritmo dava preferência a colocar em
destaque os links do Google Shopping, e só depois trazia os outros mecanismos de busca,
como o buscapé. Isso rendeu ao Google uma condenação ao pagamento de multa de 9

35
Os Estados Unidos adotam um terceiro critério, o da nacionalidade: a autoridade americana é
competente para analisar os atos praticados pelas empresas americanas, ainda que não gerem
efeitos no território americanos. É um critério bastante invasivo, e não é muito utlizado.
32
bilhões de euros, por abuso de posição dominante36. O Google recorreu dessa decisão, que
foi dada em âmbito administrativo, e hoje esse processo está na Corte de Justiça da União
Europeia.

Os Estados Unidos, anteriormente já haviam arquivado uma investigação com objeto


semelhante, e utilizaram o argumento de que é assim que funciona o Google, que funciona a
partir de publicidade dos anunciantes. A FTC entendeu que o consumidor tem capacidade
de buscar um concorrente do Google shopping caso queira. Entendeu a FTC, então, que a
conduta do Google não configura abuso de posição dominante.

- Cartel

O Cartel não é criminalizado na Europa, mas é nos Estados Unidos, assim como no
Brasil. É muito difícil provar a existência de um cartel, porque as técnicas pelas quais eles
atuam são cada vez mais sofisticadas. Nos últimos anos a condenação por cartéis
aumentou substancialmente no mundo pela utilização dos acordos de leniência, que é o
irmão das delações premiadas mas sobre assuntos concorrenciais.

Questão. ​A empresa Itália Telefone é vendida para a empresa Espanha Telefonia


Móvel. O Contrato de compra das ações é redigido e assinado em Madrid e envolve
a aquisição das ações da holding da empresa italiana. Ambas possuem subsidiárias
controladas pelas respectivas holdings no Brasil. Tendo em vista que o contrato foi
firmado no exterior e a empresa holding adquirida é italiana, será necessário
notificar a operação no Brasil?37
Sim, se as empresas envolvidas cumprem os requisitos de faturamento trazidos na
Portaria Interministerial 994, de 2011, o contrato de compra de ações da empresa Itália
Telefone pela empresa Espanha Telefonia Móvel deve ser submetido ao CADE,
autoridade brasileira competente para analisar previamente os atos de concentração
empresarial.
O art. 90, II, da lei 12.529/11, entende que são considerados atos de concentração
os contratos de compra e venda de ações de uma empresa a outra. É irrelevante que o
contrato tenha sido redigido e assinado em Madrid e que as empresas sejam controladas
por pessoas jurídicas com sede no exterior, uma vez que a lei brasileira adota, para
incidência de suas normas, o critério da “geração dos efeitos”, ou seja, se o ato
potencialmente lesivo produzir efeitos no Brasil, independente se foi praticado ou não no
território brasileiro, o CADE será competente para analisá-lo.

Aula 11 - 24 de outubro - Reparação dos danos e regulação econômica

- Reparação de danos por condutas anticoncorrenciais38

A propositura de ações de indenização possui uma dupla função: (i) recomposição


da esfera jurídica dos consumidores que tiveram seus interesses econômicos lesados; e (ii)
dissuasão da prática de infrações contra a ordem econômica.

36
“​Google é multado em quase R$9 bi na Europa por favorecer serviço próprio”​. Disponível em:
<​https://bit.ly/2JAnQib​>. Acessado em: 02 nov 2018.
37
Foram indicados, para a resposta, o voto do relator no caso do Cartel das Vitaminas. Disponível
em: <​https://bit.ly/2zpGvsn​>, às pp. 166-187, do PDF. Acessado em: 02 nov 2018.
38
O professor não deu o conteúdo desse item em aula, então me baseio na bibliografia indicada na
aula para expor o conteúdo.
33
O dever de reparação dos danos decorrentes da conduta ilícita decorre da regra
geral estabelecida pelo art. 927, do Código Civil39. A lei 12.529/11, no art. 36, estabelece
ainda que a responsabilidade é objetiva, pois independe de culpa daquele que pratica o ato
ilícito. Segue-se, para a responsabilização, o roteiro de análise da responsabilidade civil: (i)
necessidade de se demonstrar o dano; (ii) demonstração da conduta; e (iii) demonstração do
nexo de causalidade entre a conduta e o dano.

A reparação dos danos por condutas anticoncorrenciais acontece em esfera judicial,


diferentemente da punição dessas condutas, que acontece em esfera administrativa, no
CADE. Quando se analisa a conduta em esfera administrativa, não há necessidade de se
verificar se ela acarretou danos concretos, enquanto que, no âmbito judicial, em que se
busca a reparação do dano, é essencial que se demonstre a existência do dano.

É possível pedir a reparação dos danos por via de ações individuais, que são pouco
efetivas e caras, e as ações coletivas, mais adequadas para as questões concorrenciais, em
que se verifica a existência de direitos individuais homogêneos, notadamente, os dos
consumidores lesados pela conduta anticoncorrencial.

As ações coletivas para a reparação de direitos individuais homogêneos deve ser


ajuizada por um dos legitimados indicados no art. 82, do Código de Defesa do Consumidor40
. Há certa discussão se o CADE possui legitimidade para a propositura de ação coletiva
nesse caso e o professor indica que não parece que ela a possua, uma vez que o CADE
não tutela os interesses dos concorrentes ou mesmo dos consumidores, mas da sociedade
como um todo na concorrência.

Há necessidade que, para ser condenado à reparação de danos por ilícito


concorrencial, o agente econômico tenha sido condenado previamente pelo CADE? Aqueles
que defendem que sim entendem que somente o CADE pode analisar se determinada
conduta caracteriza ou não infração contra a ordem econômica, entretanto esse não é o
entendimento do professor. O professor entende que é possível sim a propositura de ação
judicial para a reparação de danos sem a prévia decisão do CADE pelo princípio da
inafastabilidade do poder judiciário, e pela independência dos órgãos do poder judiciário em
relação à administração pública.

A condenação pelo CADE cumulada com uma condenação pelo poder judiciário não
​ Não, a finalidade das condenações é distinta. Enquanto que a
configuraria ​bis in idem?
condenação do CADE visa, principalmente, punir a prática de condutas que são

39
​CC. Art. 927. ​Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a
repará-lo.
40
​CPC. Art. 82.​ Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente
I -​ o Ministério Público,
II - ​a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;
III - as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade
jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código;
IV - as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins
institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este código, dispensada a autorização
assemblear. (...)

34
anticoncorrenciais, a condenação judicial visa reparar os danos que essas condutas
ocasionaram.

Nos Estados Unidos existe um sistema de indenização chamado “​treble damages​”,


que consiste em um critério para cálculo da indenização segundo o qual seu valor deve ser
três vezes o do dano causado. Isso aumenta vertiginosamente o número de ações judiciais
para reparação desses danos nos Estados Unidos e desincentiva grandemente as empresas
a exercer condutas ilícitas, pois a pena é absurdamente alta.

O professor é favorável à adoção desse critério de cálculo indenizatório no sistema


brasileiro (nas aulas de direito civil, o professor Del Nero não via com bons olhos a aplicação
dessas doutrinas estrangeiras por aqui, conhecidas como ​punitive damages,​ uma vez que,
no Brasil, o direito civil não pode ser um mecanismo penalizador, já que isso deve ser
restrito ao âmbito do direito penal somente).

- ​ udança abrupta de tema)


Panorama histórico da regulação econômica (m

Diversos setores industriais brasileiros se desenvolveram no âmbito do Estado, na


primeira metade do século XX. Nos anos 1980, com a emergência do pensamento
neoliberal, são retomadas diversas ideias do liberalismo clássico, advogando-se uma
diminuição da intervenção do Estado, em que ele deixe de atuar como um agente
econômico e regule menos as atividades.

O Consenso de Washington, do final da década de 1980, faz parte desse contexto no


qual instituições internacionais, como o Banco Mundial, o FMI e o departamento do tesouro
dos Estados Unidos: ele é um “mínimo denominador comum” de boas políticas econômicas
que se recomenda para países em desenvolvimento, notadamente a América Latina,
adotarem. Possui forte impacto das ideias neoliberais.

Todas essas ideias neoliberais são postas em cheque a partir de 2008, com a crise
dos derivativos, que começou nos Estados Unidos. Uma das causas dessa crise é a
baixíssima regulamentação da concessão de empréstimo e de avaliação de crédito.
Volta-se, novamente, para um receituário de maior intervenção estatal, com maior
regulamentação e o Estado assumindo para si certas atividades econômicas (nos Estados
Unidos, por exemplo, o Estado tomou o controle de alguns bancos para que não
quebrassem).

Não existe nitidamente o certo e o errado quando se fala de intervencionismo estatal


na economia. Aparentemente esses posicionamentos são cíclicos, ora as correntes
econômicas são mais críticas aos pressupostos da economia clássica e são mais próximas
do papel das instituições no mercado, ora as correntes econômicas voltam para
pressupostos mais clássicos, pregando desregulamentação e não-intervenção do Estado na
economia.

No momento da edição da Constituição de 1988, embora no mundo o pensamento


neoliberal fosse muito forte, ela ainda foi muito influenciada por teorias bastante
intervencionistas. O Estado, na Constituição, tem alto poder regulatório em domínios
específicos e estabeleceu, além de monopólios específicos (petróleo e indústria nuclear),

35
uma série de atividades que são caracterizadas como serviços públicos e que deveriam ser
prestadas exclusivamente pelo Estado (ex: energia elétrica, gás canalizado,
telecomunicações).

Na década de 1990 vão ser feitas uma série de emendas constitucionais que
flexibilizam esse regime de intervenção estatal, permitindo que a iniciativa privada atue em
uma série de setores (ex: permissão que empresas privadas atuem no mercado do petróleo,
no setor de telefonia, de gás encanado, etc).

Hoje em dia o neoliberalismo tem sérias críticas e tá meio pra baixo, da mesma
forma que um intervencionismo maior, como víamos em meados do século XX, não parece
tão influente. Várias correntes econômicas não ligam muito mais para a presença do Estado,
tal como a perspectiva da economia comportamental, que está tomando muito espaço nos
últimos tempos, a economia sustentável e a economia da internet.

- Modalidades de intervenção

Existem diferentes formas do Estado intervir no domínio econômico:

I. intervenção direta, quando a autoridade pública exerce diretamente na atividade


econômica, quando ele executa a atividade econômica. Pode ser feita em duas
modalidades:

A. em regime de monopólio: somente o Estado exerce aquela atividade


econômica → ex: a Petrobras e a atividade de extração do petróleo no
território brasileiro.

B. em regime concorrencial: o Estado e agente privados exercem a atividade


econômica em regime de concorrência → ex: bancos públicos (a Caixa
Econômica Federal e o Banco do Brasil).

II. intervenção indireta, aquela na qual o Estado não executa a atividade, mas edita
normas que regulamentam a atividade.

A. Atividade reguladora propriamente dita: normas constitucionais (limites à


liberdade de iniciativa), leis e decretos, resoluções de instituições reguladoras
(Banco Central, Anatel, Aneel).

B. Mecanismos de incentivo: faz-se isso por meio do direito tributário → ex:


Zona Franca de Manaus.

C. Mecanismos de desincentivo: proibição da atividade, tributação extrafiscal


(quando o Estado coloca altos tributos em cima da atividade que ele quer
desincentivar, e sua intenção não é propriamente arrecadar, como acontece
na indústria de cigarros).

O Eros Grau tem uma distinção que é própria de sua teoria, e que influenciou
grandemente a doutrina brasileira, que trata sobre a intervenção direta. Ele entende que a
atividade econômica é um gênero do qual existem duas espécies:

36
(i) a atividade econômica em sentido estrito, aquela atividade que não é uma
atribuição do Estado a execução, e nessa situação, a atuação do Estado significa
intervenção em um domínio que não lhe é próprio41; e

(ii) os serviços públicos, que são aquelas atividades econômicas que devem ser
obrigatoriamente prestadas pelo Estado, seja diretamente, seja em regime de
concessão ou autorização.

Questão.​ A empresa Concretix instalou-se na cidade de Vitória, no Espírito Santo,


para a produção de cimento. Teve um início promissor, na medida em que
conquistou diversos clientes em razão de seu preço competitivo, passando a deter
10% do mercado relevante após dois anos de operação. No entanto, ao longo do
terceiro e quarto ano de operação passou a enfrentar sérios problemas, pois os
seus dois principais concorrentes, que detém 35 e 40% do mercado relevante,
respectivamente, passaram a impor cláusulas de exclusividade a seus clientes, de
forma coordenada e concertada. Em razão da progressiva perda de mercado, a
concretix teve que encerrar as suas atividades. Pergunta-se: que providências pode
ela tomar para ressarcir-se dos prejuízos causados. Quais os fundamentos jurídicos
e doutrinários que embasam a sua resposta?42
A empresa Concretix pode ajuizar ação de reparação dos danos causados pela
conduta anticoncorrencial das duas empresas atuantes do mesmo mercado. O texto
indica a possibilidade da ação individual, que a Concretix poderia ajuizar sozinha,
entretanto ela possui altos custos de produção de provas e de manutenção, sendo mais
recomendável o ajuizamento de ações coletivas pelos agentes legitimados para tal (a
União, Estados e Municípios, entidades e organizações associadas à defesa da
concorrência e o Ministério Público Federal), uma vez que elas conseguem abranger o
ressarcimento dos danos de forma coletiva, e não somente para os danos causados à
Concretix.
O fundamento do dever de reparar os danos concorrenciais se encontram no art.
927, do Código Civil. O art. 36, da lei 12.529/11, por sua vez, estabelece que as infrações
contra a ordem econômica independem de culpa, ou seja, são de natureza objetiva.
Seguem-se, então, os passos necessários para a delimitação da responsabilidade civil:
prova-se a conduta do agente, o dano acarretado ao lesado e, por fim, o nexo de
causalidade entre uma coisa e outra.
É necessário, no julgamento da ação, averiguar se houve, de fato, a conduta
anticoncorrencial. Não é necessário julgamento prévio pelo plenário do CADE, pela
aplicação do princípio da inafastabilidade do poder judiciário e da independência dos
órgãos judicantes. Na análise do caso concreto, é importante averiguar que, no rol de

41
É nessa situação que encontramos o disposto no art. 173, da CF, segundo o qual “​[r]​essalvados os
casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será
permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo,
conforme definidos em lei”​ .
42
Foram indicados para a resposta a leitura do Agravo de Instrumento n. 2000707-12.2015.8.26.0000
– TJ/SP e Medida Cautelar n. 24.408 - SP (2015/0133626-1) – STJ, que tratam sobre o cartel dos
compressores, e a ação n. 0002983-48.2012.4.03.6105 – Justiça Federal em Campinas/SP, que trata
sobre o cartel dos gases.

37
condutas anticoncorrenciais estabelecido no art. 36, §3º, da lei 12.529/11, encontramos no
inciso III como prática anticoncorrencial “limitar ou impedir o acesso de novas empresas
ao mercado”. Essa cláusula de exclusividade tem potencial de produzir essas
consequências, de modo que, aparentemente, configura-se o ilícito que gera o dever de
ressarcimento.

Aula 12 - 31 de outubro - Continuação…

O Estado somente pode atuar em atividades econômicas em sentido estrito em duas


situações, “quando [a atividade é] necessária aos imperativos da segurança nacional ou a
relevante interesse coletivo”. Nessas situações, portanto, a empresa estatal atuará em
regime concorrencial com outras empresas privadas, de modo que ela não pode ter nenhum
benefício específico somente porque é pública.

É nesse sentido que os §§1º e 2º, do art. 173, estabelecem, respectivamente, que
essas empresas públicas que exercem atividade econômica em sentido estrito se sujeitam
ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações
civis, trabalhistas, comerciais e tributárias, e que não são extensíveis às empresas estatais
(públicas ou de economia mista) os benefícios fiscais que não são aplicáveis ao setor
privado. A ideia é dar igualdade de condições em nível de concorrência.

Se o Estado exerce um serviço público por meio de uma empresa estatal, essa
empresa poderá ter um regime diferenciado e, por isso, a ela serão atribuídos determinados
benefícios fiscais que não são extensíveis às empresas privadas que atuam no mesmo
mercado (ex: imunidade tributária recíproca da administração direta e indireta da União, dos
Estados e dos municípios).

Os Correios (Empresa de Correios e Telégrafos -ECT) prestam um serviço público, a


distribuição de cartas, e isso significa que, nessa atividade, ele tem benefícios que não são
extensíveis aos agentes privados. É questionável essa imunidade da ECT, já que os
Correios fazem muito mais do que propriamente a entrega de cartas, e essas outras coisas
não são “serviços públicos” propriamente ditos, sendo atividades econômicas em sentido
estrito, e tem disciplina diferenciada dos agentes privados.

- Fundamentos econômicos da regulamentação

Uma das justificativas da defesa da concorrência é que, justamente, o modelo de


concorrência perfeita não existe na prática, e existem diversos elementos na realidade dos
mercados que fazem com que eles sejam ineficientes, as “falhas de mercado”.

a. A existência das falhas de mercado

Adam Smith considerada, no modelo de concorrência perfeita, que, ainda que o


interesse do agente privado seja egoístico, a força da concorrência sobre a sua atividade faz
com que a atividade dos agentes econômicos seja boa para a coletividade (ex: tá todo
mundo querendo ganhar o máximo vendendo o seu tomate, mas com a força da
concorrência, os vendedores tendem a abaixar o preço, o que é bom para a coletividade). A

38
ideia é que o mercado, pela força da concorrência, resolve os eventuais problemas que vão
surgindo.

Há diversas situações nas quais o mercado não consegue sozinho resolver os


problemas, sendo necessária certa atuação do Estado para disciplinar a atividade dos
agentes econômicos e resolver essas falhas de mercado.

Essas falhas podem ser: (i) a existência de monopólios ou oligopólios naturais,


situação na qual geralmente os setores são regulados. Ex: mercado de distribuição de
energia elétrica, que funciona sobre o regime de concessão de serviço público, tem as
tarifas definidas pela ANEEL, agência reguladora do setor; (ii) externalidades positivas e
negativas, as situações nas quais as atividades desenvolvidas pelas empresas são afetadas
por eventos que não são controláveis pelos próprios agentes econômicos (ex: negativa - os
efeitos da poluição sobre a atividade43; positiva - construção de uma infraestrutura perto do
estabelecimento comercial, que o beneficia); (iii) assimetria de informação, que é resolvida
pela edição de normas técnicas ou, mesmo, de normas protetoras ao consumidor.

b. Autorização constitucional

​ art. 174, da CF, estabelece a possibilidade do Estado regular as atividades


O
econômicas. A maior parte da regulação se dá no âmbito de serviços públicos, entretanto
também é feita a regulação de atividades econômicas em sentido estrito (ex: o Banco
Central regula a atividade bancária e financeira no Brasil; a SUSEP regula o mercado
securitário; a Agência Nacional de Saúde Suplementar regula o setor dos planos de saúde;
a própria edição de normas de direito comercial).

CF. Art. 174. ​Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na
forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o
setor público e indicativo para o setor privado.

Questão.​ Diante do agravamento da crise econômica o Estado de Alagoas decide


criar empresa pública para refino e venda de açúcar, esperando arrecadar com o
aumento da demanda no exterior. Ademais, institui IPVA para os automóveis da
Empresa de Correio e Telégrafos. Comente a validade das medidas.
O professor Eros Roberto Grau estabelece uma classificação de que existe o
gênero atividades econômicas em sentido amplo, do qual se dividem as atividades
econômicas em sentido estrito, que são aquelas exercidas por agentes privados, e os
serviços públicos, as atividades essenciais de uma coletividade e que são
necessariamente de titularidade do Estado. Eros Grau não diz especificamente se o
Estado deve se limitar somente à prestação dos serviços públicos, entretanto a sua
definição da espécie é tão ampla que basicamente qualquer atividade econômica pode se
encaixar no critério de “especialidade” proposto pelo autor.

43
O mercado não vai resolver essa situação sozinho, porque os intrumentos de resolução dos
problemas no mercado são os contratos. Como fazer um contrato com o poluidor obrigando-o a parar
de poluir? Não tem como. É necessário o Estado falando que existe o dever de indenizar e, além
disso, os órgãos ambientais.
39
Na posição do autor, portanto, a possibilidade do Estado de Alagoas atuar no
refino e venda do açúcar existe, tendo em vista os critérios constitucionais que autorizam
a atuação estatal no setor econômico. Acho contestável tal posicionamento, uma vez que
isso tem efeitos concorrenciais muito severos na indústria de açúcar, interferindo na livre
iniciativa na entrada deste mercado relevante, e não vejo o Estado autorizado a atuar no
setor.
O texto constitucional é, de fato, bastante aberto: o seu art. 173 define que
“ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade
econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da
segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”. É
necessário se defender se a atividade econômica que o Estado de Alagoas pretende
realizar se enquadra nos permissivos constitucionais, o que, aparentemente, não é
possível na situação descrita.
Quanto à tributação citada, ela não é possível, por expressa vedação
constitucional. O art. 150, VI, a, da Constituição, estabelece que “sem prejuízo de outras
garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal
e aos Municípios: (...) instituir impostos sobre: (...) patrimônio, renda ou serviços, uns dos
outros”, acrescentando o §2º, do mesmo artigo, segundo o qual esse dispositivo também
se aplica à administração indireta. A ECT, ao prestar serviço público de correios e fazendo
parte da administração indireta da União, pois funciona sob a forma de empresa pública,
goza da imunidade tributária recíproca, portanto, não pode estar sujeita ao IPVA que
pretende cobrar o Estado de Alagoas.

Aula 13 - 7 de novembro - Defesa da concorrência em setores regulados

- Agências reguladoras

A agências reguladoras são autarquias em regime especial que possuem uma série
de prerrogativas específicas. Busca-se que as agências atuem com relativa independência
em relação ao governo, aos agentes regulados e aos usuários. Seus dirigentes são
nomeados pelo chefe do executivo, com aprovação do legislativo, e as decisões são
colegiadas.

No Brasil a experiência com as agências reguladoras foi bem mal sucedida,


principalmente por conta da “captura”: seja porque elas defendem os interesses dos
regulados, que é o que acontece com a Agência Nacional de Saúde Suplementar e com a
Agência Nacional de Aviação Civil; seja por interesses políticos do governantes, que é o que
aconteceu com o setor elétrico em 2012, que quebrou por manobras irresponsáveis da
Presidente à época (e, também, por culpa de São Pedro).

- Objetivos da regulação

Compreendendo-se que há certos mercados com falhas estruturais e que há


necessidade de intervenção do poder público para melhorar sua eficiência, como fazer essa
intervenção? É possível fazê-la por meio da legislação ​stricto sensu,​ entretanto o processo

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de se fazer leis é muito demorado e, muitas vezes, o legislador não possui a expertise
técnica necessária para emitir uma regulação sobre um mercado específico.

Surgem, nos últimos anos, um movimento muito grande de surgimento de novas


formas de produção de fontes normativas, tal como a jurisprudência do judiciário, a atividade
normativa da administração pública e a atividade das agências reguladoras. Não é
propriamente uma usurpação de competência do legislativo, mas uma necessidade da
realidade dinâmica.

O fundamento de tudo que uma agência reguladora pode produzir em nível


normativo deriva da lei de sua criação. A lei da criação da agência reguladora dá o
fundamento de validade dos regulamentos normativos que ela emite, ou seja, a sua
produção normativa não é livre.

A agência reguladora deve atuar, portanto, segundo dois critérios específicos: (i) ​ne
ultra vires procedatur,​ o poder outorgado a uma agência reguladora para fazer normas não
se estende para além da autoridade concedida pela respectiva lei delegante; e (ii)
razoabilidade, que se afere na medida em que esteja coerentemente relacionada com as
finalidades da legislação “autorizativa”, havendo uma “conexão racional entre os fatos a
serem regulados e a escolha feita”.

Os setores que são submetidos às agências reguladoras geralmente são


denominados serviços públicos, porque são essenciais para a coletividade. Mesmo que a
atividade seja exercida por um agente privado, o interesse da sua atividade é público, de
modo que é necessário garantir a qualidade do serviço, o uso universal e um preço módico.
Nos setores regulados, a ideia é que, por esse setor ser importante, os agentes privados
não podem exercer a atividade conforme quiserem (limitação da livre iniciativa).

- O CADE e a atividade regulatória

​O CADE é uma autarquia, não é especificamente uma agência reguladora porque


não atua em um setor específico, ela atua, na verdade, com a concorrência, que é algo que
existe em todos os mercados. O CADE protege todos os setores da economia dentro da
defesa concorrencial, não existindo um setor específico que o CADE, ele não costuma emitir
normas para os setores observarem essas normas, não é esse o papel dele. O poder do
CADE não é especificamente normativo, ele não emite normas para determinados setores,
ele reprime condutas anticoncorrenciais e controla determinados atos de concentração.

O CADE é uma autarquia composta pela ​Secretaria Geral (SG), pelo ​Tribunal do
CADE e pelo ​Departamento de Estudos Econômicos (DEE). A SG tem um papel instrutório
dos processos administrativos, manda ofícios para o mercado, faz análises econômicas para
os controles de concentração. Só vai para o Tribunal do CADE os atos mais complexos e o
julgamento dos processos administrativos. Os atos de concentração mais simples não são
analisados pelo Tribunal, mas diretamente pela SG. O Tribunal só decide, ele não participa
da instrução processual e nem faz as análises econômicas sobre os atos de concentração
que julga. O DEE é o órgão que faz pareceres nas operações de controle mais complexas.

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Qual a relação entre as agências reguladoras e o CADE? Existe um aparente conflito
de competências, porque a matéria concorrencial pode se sobrepor dentro das
competências setoriais das agências reguladoras. Se há uma prática anticoncorrencial no
mercado de petróleo, quem é competente para julgar, o CADE ou a ANP?

Não existe uma sobreposição de competências, elas são complementares. A


“advocacia da concorrência” é o nome dado à esse diálogo institucional entre os diferentes
órgãos que exercem controle sobre a concorrência. Se chega ao CADE uma questão
relacionada ao mercado de energia elétrica, faz sentido ele pedir pareceres à ANEEL, para
que a atuação regulatória nesse setor seja mais segura e efetiva.

Existia uma controvérsia antiga a respeito de competências sobre controle de


concentrações no mercado financeiro. Tanto o Banco Central (BACEN) quanto o CADE
possuem competência para analisar esses atos de concentração, isso significa que uma
decisão vai prevalecer sobre a outra? Não. Apesar da análise ser sobre a mesma coisa, os
enfoques das duas instituições são diferentes. O BACEN analisa segundo a sua expertise,
ou seja, se esse novo banco atende os requisitos da lei 4.595/64, que regula o setor
financeiro. O CADE também analisa segundo a sua expertise, olhando para os critérios de
funcionamento do mercado mediante a concorrência e para os benefícios que a operação
pode trazer ao consumidor44,​ 45.

Questão. ​O fato de uma sociedade empresária ser objeto de regulação efetivada por
agência específica confere isenção para sanção por condutas anticoncorrenciais
pelo CADE?
Não deu tempo, sorry :/

Comentário sobre a prova: ​foi muito tranquila. Foram duas questões: a primeira era algo
como “atos de concentração que concentrem o mercado relevante devem sempre ser
proibidos pelo CADE?”, o que é respondido pelo conteúdo da aula 09; a segunda questão
perguntava “é constitucional lei municipal que estabeleça distância mínima entre
estabelecimentos veterinários?”, respondida pelo conteúdo da aula 04.

44
No começo desse ano, 2018, foi firmado um Memorando de Entendimentos entre o CADE e o
BACEN para resolver esse conflito aparente de competências, estipulando-se as situações nas quais
um órgão deve chamar o outro em suas análises de concentração. Sobre: “CADE e BACEN assinam
memorando de entendimentos”. Disponível em: <​https://bit.ly/2SVgYAa​>. Acessado em: 8 nov 2018.
45
Exemplo de um caso hipotético tratando sobre a concentração de bancos: talvez a pulverização do
mercado bancário seja algo benéfico para o consumidor, pois cria maior concorrência entre os bancos
e possibilita a melhora da eficiência com a diminuição do preço dos produtos, e essa é uma
perspectiva do direito concorrencial; no âmbito da higidez do mercado financeiro, a pulverização pode
ser catastrófica, porque esse novo banco pode não ter lastro, por exemplo, e, caso quebre, afeta
sistematicamente toda a economia (aparentemente o mercado financeiro brasileiro é naturalmente
mais concentrado). O CADE e o BACEN possuem expertises diferentes que devem trabalhar
conjuntamente, é necessário um diálogo entre as autoridades.
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