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(r)
1 - Educação para a formação "comum" do homem
Na análise da situação educacional brasileira,(2) desejaria
mostrar, tão imparcial e objetivamente quanto possível, o de-
senvolvimento da escola brasileira à luz dos conceitos e das
forças que nela a.tuaram.
Tratando-se de instituição que corporifica idéias e aspira-
çóes sociais, é imprescindível certa precisão em caracterizar
tais conceitos e ideais, a fim de evitar as inúteis e e§téreis con-
fusóes, tão comuns em nossas controvérsias, nas quais diferenças
de pontos de partida e diferenças de conceituaçáo geralmente
impedem qualquer entendimento comum do problema e' por-
tanto, qualquer progresso útil no esclarecimento da solução
aceitável pelos participantes do debate.
Preliminar indispensável à fixaçáo de um ponto de partida
comum é o exame da educação escolar antes de se estabelecerem
as aspiraçóes modernas da escola universal para todcls, procla-
madas, tão ruidosamente, na Convenção Revolucionária
Francesa, como um novo estágio da humanidade. Antes desse
I t ,tr, .,1q, ,\r I 11111) lt I,tUVIl.tlt(:l()
EoucnçÁo NÁtl É PRrvrr-r'rcr()
l,, l,rtlo, t()(lrt c(luc:rção escolar consi
r
1,t'l.r "«l;rssc', a que pertencia, nas tual. O intelectual seria uma das especialidades de que a educação
rrr,ris tlrrc tipo.s de ofícios "rtár.r.ol"r.;,;;.;;.**
int.l".turi, posterior iria cuidar, mas que não constitui objeto dessa escola
e sociais.
A sor.icclacle formava os homens de formação comum a ser, então, inaugurada. Por outro lado,
nas próprias matrizes está_
vr'is rlu.s "classe.s,, senão .,castrr,,, além dessa total inovação, que representava a escola para todos,
l.r.ti,rriçá", q.,;-;;;;O;."_
viun :r Íàntília e a religião, a própria educaçáo escolar tradicional ao tempo existente
com as suas torças modeladoras - -
:rrl;r,racloras. Formandã
assim o h;_;:;. ,"" J::"i::::1,
e teria de se transformar para atender à multiplicidade de voca-
cs1,ccíficas, relacionadas çóes, ofícios e profissóes em que a nascente sociedade liberal e
rlilcta na vida comum, ou,
com o âT;:lTff[Ii: ,.J;ii;: lj progressiva começou a desdobrar-se.
no caso de
rrresrre . ,pr."au no, regime
rl<'>
nrrttrri; il[:Tlt!;i.i:
A escola 2 - Resistência do conceito de "educação-seleção"
e a universidade eram,
apenas, aspecros rnais amplos ou "especializaçáo"
tlt.ssir especialização do artesanat", .t r."_.rrres e
rl., t'rn comum, nas alunos yiven_ Estes novos conceitos e aspiraçóes não se concretizaram
corporações universitárias,
em regime imediatamente. Os moldes antigos eram resistentes e todo o
associ,an a,, p.q;;;,, e
;::,1,:i:l,rt,agem grandes in,._
",,., século dezenove foi uma luta por técnicas e processos novos,
(]uando, na Convenção que permitissem a plena realização dos ideais escolares da
Francesa, se formulou o
trrrr,r eclucação escolar ideal de democracia. Só muito lentamente é que a escola Çomum se
para todos os ciladáor, ,rao
lirrrto enr uniyersalizar a escola ,";;rr;" emancipou dos modelos intelectualistas para dar lugar à escola
existente, mas em uma nova
rorrccl;ção de sociedade- moderna, prática e eficiente, com um programa de atividades
em que privildgios de classe,
rrhciro c cle herança não de di_ e não de "matérias", iniciadora nas artes do trabalho e do
lrtlsr''tr llcla escola, a sua "*irtirs.m, e o indivíduo pudesse pensamento reflexivo, ensinando o aluno a viver inteligente-
posição na vida social. Desde
q«r, 1rois, a escola universal o come_ mente e a participar responsavelmente da sua sociedade.
era algo de novo e, na realidade,
trrrr;r irr.s(.iruição que, a A nova escola comum, antes de mais nada, teve de lutar para
despeito aJA*iti", da classe
gi;io, viri;r:r rlar a cada individuo e da reli- fugir aos métodos já consagrados da escola antiga, que, sendo
oforrunidade de ser na
s.t j1'.1.,.1.., ,r,1rrilo que seus "
dores inator, especial e especializante, especializara os seus processos e fizera
volvirl<,.r,,1..,..,.,,,i,,arrem. d.ujdrmente desen-
da cultura escolar uma cultura peculiar e segregada.
I)t'stt.rrro«lo, rr educação.escolar  escola antiga era, com efeito, a oficina que preparava os
passou a visar _ não
cspct.irrliz:rç.jio rlt, ;rlguns indivíduos à escolásticos, isto é, homens de escola, homens eruditos, intelec-
-_
rrttt»t rlrt 1,,,,,,,,,,, n:r,,,;",.::lil,Lll^:-:" à formação co- tuais, críticos... Objetivos, métodos, processos, rudo passou
.il.J':::,:ff
.,,,r"" ;,ii;.il:::.fi nela a ser algo de muito especializado e, portanto, remoto,
;:H: lill.] :ffi:,Í:r: alheio à vida quotidiana e indiferente às necessidades comuns
Há, anrcs rlc ttrrlt tltrl:r transforrrração dos homens. Daí a pedagogia, os pedagogos, os didatas, gente
criação 6a de conceito' com a de ofícios rebarbativos, que só eles entendiam e eles só culti-
,,va ..r.,,1"
vavam. Movendo-se num círculo vicioso, essa raça de pedagogos
",ir;; ;;;;,i,:' ili' ?:,f :1 :",1"j';:,,$ffi:TJfi
to d as as p
e carárer' hábitos crc pc'sar',
dc agir e de conviver socialmente.
Í: não se preocupava senáo em passar adiante as mesmas coisas e
os mesmos processos que, desse modo repetidos noutras escolas,
40 4t
I r,r rr r,. \r r p1,1, | Í I,tUV|I fi(it()
\ | EL)UCAq:ÃO NÃC) r, r',R.lvrr-ri(;t()
"''.l r t'rrr"tlillrutr;r c'r si rnesma, ensinando e praticando artes ,'ttebcleceu em oposiçáo à fórmula grega de dualismo entre o
' ""'l''' r t P..rrrrzilrclo sem cessar outras escoras, era a escola-
rlcional e o empírico. O racional foi submetido à comprovaçãcr
, (,rl)r,1.r,,.r,, ,lrr Irlacle Média, destinada a formar,,"..olarriaorl, ,l'r cxperiência. e se fez, na realidade, empírico. Efetivamente, as
,1,, r11,.,,11;,, rrr.tlo pclo qual
as oficinas das artes práticas foarn*_ rliFcrenças entre o experimental e o empírico passaram a ser
\.rtn ():, tt'rrs "oÍici:ris,', alfaiates, sapateiros lntes de precisão de mérodos, segurança de observaçáo e de
etc.
I ,rl .r-g:rniz.açiro não poderia controle na verificação, do que cle objeto or.r de natureza. Na
existir sem uma alta especiali-
,.r,,,r,,,l«.conceiros a respeito de realidade, a diferença passou a ser antes de grau de segurança
artes práticas e artes esco_
1.r,.., ,,rr irrtclccruais. Na realidade, preralecia o dunlir*o gó no conhecimento do que de natureza do conhecimento.
(.rr(.() r,rrrhcci rnento empírico ou prático Cotr efeito, o dualismo instituído pelos gregos criara entre
e o conheci;.rr;"
r,rr i.rr:rl. Ilstc não seria o conhecinrento racional e o conhecirnento empírico urn abis-
uma decorrência daquele, *", u_ ot.r_
rr. lrurrtl,r, crn que o ato de conhecer valia rno inrransponível. O velho conhecimento do senso comum, de
como fi_ arrr ri
r'( 1'l,,() r' .sc clesrinava a nos dignificar natureza empírica, dominava o mundo das artes, e o conheci-
e dar-nos os deleites da
,,,1.r,.s1rir-itrral. ffrento racional o mundo <lo espírito. Tínhamos, assim, um
r\ t.sr.lrr .r-. a oficina do conhecirnento
racional. A oficina
duplo sistema: o conheçirnento ernpírico produzia as artes
i r.r .r (..\('()l:r cio cor.rhecimento empíricas, com que resolvia o homem os seus problemas prá-
prático. Uma não .orrh.cia a
(,rrr.r. I).is r,u.cios à parre. podiam ricos; o conhecimento racional o conduzia ao mundo das
se admirar o,,,. oiir.l
rr.r., rr.r() .\c compreendiam nern essências, em que aplacava a sua sede de cornpreensáo e coe-
podiam se compreender.
r\ .rProxirrruçho entre esses dois mundos, rência. Pelo conhecimento empírico, agia; pelo conhecimento
com a transfbrma_
,,.r() (1rrr)l)l(.rrr cle um e racional, pacificava-se, deleitava-se" No fundo, o conhecimento
outro, dá-se com o aparecimento da
, rí n( i.r t'xPt'rirrrenral. A ciência racional viera para substituir o pensâmento mítico e religioso.
experimental,.á_.f"iro,.rrra.
'|Irr'rrr(I() r lrrrrrcnr c10 conhecinrento racional resorve urriirrr-ra A "raz,iao" dos gregos era uma forma avançada de teologia.
,1,,,, 1;11.j1y1 (' l)ror:cssos do homem da oficina, na, p^r^ Quando os hábitos de especular racionalmente se transferi-
r\ .r l,,,,,.l lros trrr pretrechns,
frru
{ rr t Í rr
mas para elaboraa o,.r"uar,,, prm Í'arn, no séçuloXVI, para as oficinas, cujos aparelhos e petrechos
Í,r.rlrrzir ()ut l.()s conhecimentos. começaram a ser usadcls no laboratório, não pâra a arte de
(.)rr.rrrtl,r (,;rlilcrr produzir, mâs para a arre de conhecer, criou-sc ttrrr trt,vt'r tipo
constrói o seu telescópio, para com ele
, r,rrlr,r., ( .Prlr.nico, estava revolucionandá, além do _unJo de conhecimento, o conhecinrcnto ex1:leritnental, dcstinaclo a
,1.r., , r( .r,.r\ (.slrr.lrigic.s, os métodos do conhecimento substittiir, não as crcnçils tcológicas tlo hotnctl, lrils âs suas
ra-
, rrrrr.rl ( ) r.rrt ()nrr() (lo conhecimento racional crerrças práticas. O conhccinrcnro cxpcrinrcnt:rl, rnisto clc espe-
com o mundo
,1.r.. ,,1r, ,r.r\ {,,rrrrirrrirr Íato
rluito mais significativo cr-rlação racional e expcriência pnitica, iria totnar o lugar do
d" q;;;
,1,'.,,,1rr r.r rl.
nr()vinr(,n(o rla Terra em torno
do Sol. conhecimento empírico c prodtrz.ir as tccnologias cxpcrimentais
I',,r,;rr,. ,1,..,.,,. ,.n, ()nrl() (.ntr"c o ,.intelecto,, que, por sua vez, iriam substituir rts artcs cnrpíricas. ()s dois
e a oficina é que
I' rÍtrt t.,1. rr ..t.,t(.rr.r rl. t.rrlr.cit,ento científico sistemas de conhecimento se Íirncliram dcste modo em um
rnoaaano, {ua
rr r'll ,rrr', r rlr, (rrr(. () ,,,rlr,.t.irrt«^t.tto mét<ldo comum de pensamento c ação, trnificados e racionais,
racional tornado fertij a
1,,1111,1,,,
;,, l.r ..rr., lry,.r,,,r, 11y111,r r.c,rli<.lacle concreta do mundo
Em esquema, a mudança fbi a segttinte:
,1, , ,r.,r, rr, r.r l,,,l.r rrr.r ,,v.r Íll.s.flr clo conhecimento se
42 4-
I r ,r r, t,. .\r ) I1,,\( ) f t,tUVll.t,.(;t()
EoucaçÁo NÃo É I,RIVILÉGlo
44 45
I t,trr .,rr.,\r r 1-1,11) ti. I,t1v1.t1.(;l(-)
EouceçÃo NÃo ít rl{tvtr-ti(]r()
l,rrr, r.:,ru(l()s, (.orn cíàito, vieram dem
/'r,('r, r)rrirr.rrc verbal não era ."",nti::t,}ll,ilIJil': Marcam-se alguns "trabalhos" para casa e na casa se supõe rluc
(1r(., l,(..snr() nos sctores o aluno "estuda", o que corresponde a fixar de memória
de pura compreensão ou-de ,p.aJirção, - oralmente ensinado nas aulas.
quanto lhe tenha sido
:()rr(.rrc rrrravé.s da experiência vivida e real e qu. r rrran,a Esta pedagogia podia perfeitamente funcionar numa escola
'r;'rr'rrrrlc c absorve o conhecimento eo integra em formas novas
tlc. t tlrrtPortamento. da Idade Média. A sua filosofia do conhecimento é de que o
()s vclhos métodos da escola conhecimento é um corpo de informações sistematizadas sobre
medieval, de exposição e pura as coisas, que se aprendem, compreendendo-as e decorando-as
rrrr.rrr.rizrrção, já seriam inadequados,
mesmo que só tivessem para a reproduçáo nos exames.
rlc íirrrnlr sucessores dos antigos "escolásticos"
ou homens de E chamamos a isto educação de "cultura geral" e, algumas
,trlrtrra i^telectual ou estética, capazes
de discretea. .o;
t'r'lcgâ.cia sobre qualqu.. ;;r;o vezes, educação humanística,
-
sendo que muitos pensam que
"rri"r.rro
e nada saberem fazer se a modificarmos, destruiremos a nossa civilização, huma-
Airrrla' pois, que a escora conservasse os seus velhos objetivos,
nista e cristá...
rrirrrla assim teria de fazer_se ativa, prática,
de experier.rá, . d. Ensinam-se, por esse método expositivo, informações teóricat
r labalho.
soBRE as línguas (larim, português, francês, inglês, espanhol),
soBRE a geografia e a história, soBRE âs ciências, e aré soBRE a
4 - O "ucaísmo,, da escola brasitreira
música e o trabalho manual. Como a escola é de "cultura geral",
Scrrclo esra a escola adequada aos dias
de hoje, até que ponro nada tem caráter prático. Raramente se consegue ler ou escrever
rr csc.lir brasileira dela se aproxima? Temos qualquer daquelas línguas, inclusive o português, mas sabe-se
do novo mérodo de
rr':rlrrrl'o escolar vários exemplos. O Instituto
T..rolOgi* J. de cor uma porção, às vezes considerável, de noçóes gramaricais
Acron;itrrica, em São José dàs Campos, sobre essas línguas, e alguns trechos familiares podem ser rra-
é uma das melhores
ilrrsrr';rÇ[rc's' Algumas escoias de duzidos ou vertidos pelos alunos, desde que os trechos tenham
medicina estão em cheio nesse
<'s1rír'it.. ()s i.stitutos onde se faz, sido "dados" nas aulas.
verdadeiramenre, a p.rquir*
t icrrrÍÍi.rr arl,tarn os rnétodos novos.
são assim os cursos do Em matemática, aprende-se largamente a manipulação algé-
sl NAr (' ,rlgrrrrs cursos profissionais
ou técnicos industriais. os brica, sem nenhum cuidado com a sua aplicação. Trara-se clc:
( ul.\()s irrrr'rrsivos or-r pós-graduados assumem,
pof vezes, estes algo como matemática pura, sendo, de certo modo a própria
il.\[)c( t()s ;ltuilis c práticos. aritmética considerada talvez demasiado aplicada e porrarrto
M;rs rrrtlo isr«r é de certo modo ainda insusceptível de servir à cultura geral.
marginal e extraordi_
rrÍr'i,. ll<'lirrlir'('s (' sistcrráticas são as formas História, geografia e as próprias ciências físicas e nrrrtrrais
arcaicas do ensino
pt'l;r "cx1r,sir,,rr .r.rrl" c ,.reprodução verbal,, também sáo ensinadas por exposição oral com particular ôrrírrsc
d" ao.raaito, a
rr«r,r'rrtlrar.irs, rrrrris (). rrenos digeridos nos conhecimentos informativos ou na terminologia cicrrríílr.l.
por simples ",compre-
c,si.", rrs rIrrr is rl.rrrirrrrrn.m bo" pr.ra r araol, primária Nem a funçáo, nem a aplicação do conhecimenro tôrrr rÍ o
e,
csl,aglrrl.rlrrr(..r(,, ,r r.sc,lr média, .obratudo menor sentido. O conhecimento é algo de absoluro crn .si rrrcsnro,
,"a,.*dárir, al
maior [)llltc (l;ls t'sr ol:rs .strpcriores. " a ser ensinado para ser repetido nas ocasiões detcrrninrrtlirs pclos
A ativirlarlc cst.olrrl r.olrsi.stc em .,aulas,,, que os exames.
alunos
"ouvent", algtt rtt,ts v(.7('s r()rr:rrd. Está claro que tal ensino não é sequer o cnsin«l cl;rs c:sc<llas
notas, e *exjmes,, .; q;;
se verifica o quc sulrcr,,,.r'rrcir> cle da Idade Média, mas o importanre é que clc I' o tlrre é ern
pr,vas escritas e orais,
virtude de uma teoria medieval do conhccirrrcnr«r.
46 47
I r ,t r( :\,, /\r r f..J/\( ) 1... l,til\/lt.É.(;tC)
E,DUcAÇÁo NÃcl É. Plr.lvl l.l:.(]t()
l,rrrrr..s (..s(.olrísticos, herdeiros
do saber grego, o saber era
,rrr r.rl,r.r ,rlr.s.lrrro c complero. Na Idade tlcssa razão "prática", está a racionalização de que a culturir ó
lVteãia,"sabir_r. ,"a""
( ) rrrurrtlo lr;rvia
flcado^co.nhecido rrlgo de completo e que nada pode rrr ignorado' sem grave
pela revelaçao di.,rirra-e pela
,..r,<.1,r\.r. :rristotélica. O desenvoluirr.nro dcfeito para a cultura.
acaso possível nesse
s'tlrt't ltrt. traria propriamente nada de noyo, Se nada pode ser ignorado é porque o saber é algo de "com-
mas novas distin-
(r()(',\, novas discriminaçóes, pleto". Seria, então, loucura não o dar todo em nossos famosos
novos comentários e refinamentos
rlc c lrr,ssiÍicação. cursos de "cultura geral", eufemismo em que escondemos a
A,r.*rder essa
,,cultura,, nossa concepçáo medieval de cultura como Suma Cultural.
consistiria em compreender e fixar
su:rs carcÍjorias, classificaçóes Longe de mim pensar que não exista cultura geral, mesmo
e distinçóes, h"tilitr.-re a falar
solrrc o rnu.ndo e nós mesmos com " em nossos dias. Mas cultura geral não é cultura superficial, e
erudição . ataga*ir,- a
, <,rrtc.r1:lar as belezas
desse conhecimento, t.l.rru sim exatamente o contrário. Cultura geral seria o último grau
(()n(rirv.lnl nas obras, dos q;" .;;rr_ de generalizaçao do conhecimento. Todo conhecimento é
grandes mestres. Todo .s.e saber
se
;rrl*v:r cnr livros definirivás, c*ja leitura especial. Quando tomo esse conhecimento especial no seu
daria toda a cu*ura
1r.ssível. O "lenre,, era o leitor. ó, ouviam e aprendiam.
último grau de generalizaçáo, tenho o conhecimento filosófico,
Sornenre semelhante teoria do"lu.ro, que me daria uma cultura geral. É evidente que me terei de
saber pocleria produzir
,'scrlrr brasileira, com seus curros a especializar nesse conhecimento geral...
períodos á. i.*r;;;;.,
livlos esquemáticos e seus exames
para "u1"., Poder-se-ia também considerar cultura geral a cultura co-
reprodução do apren_
<lirlo nas aulas' Acrescentamos mum a todos, mas essa cultura seria uma cultura de uso comum
uma novidade à reoria: na
Itl,rrlc Mdclia o "lenre,,.:r1 u-
especialisra desse tipo de saber, e não, propriamente, uma cultura especializadamente inte-
rrrrrl'r r*ris fazia do q*e ridar
.o- ., seus alfarrábios, era mesrre lectual. Seria uma tradução popular e geral das culturas
,1,'urrr;r rrrtc hermérica,.de que
o aluno seria o aprencliz. Entre especializadas, que constituem hoje o mundo sem fim e em
rrtis, . "proÍessor,, pode ,ei qualquer eterno crescimento do saber. Salvo pelos livros chamados de
pessoa que saiba mais
()u nr(.u()s lcr. Encurtamos popularizaçáo de ciência e da cultura, não vejo outro modo de
o período d,, ,nrur**rr'r,,
1,r,,Íi'ssolc's. Nessa escola brasiieira, tudo pode ^ul^r," se poder buscar esse tipo de cultura na escola.
,., atp..r."ao,
,r tirl i,, i rsr rrlrrçõrcs, biblioteca, p.of"rro."r... Somente
r Na realidade, ou teremos cultura geral como a mais alta
scr ,lislrcrrs:rrlrr a lista cotnplita de .r" p.a.
matérias. eu"tqu... à"- expressão da cultura, como a praticam os filósofos, e só longos
,,r,'l.rt rlist ilrlilr:r.s tem ,e existir no currículo. anos de estudos, altamente especializados, nos levarão a ela, ou
rt'Íi't'rrr.s' P.r.:'i rrrraixo toclo o edifício ü..rr. ,; ;;.
de nossa culturar Ai de teremos uma cultura geral popularizada, a ser dada pelos clr:r-
(lr(.r, l)('rs:r-(,rr tir.:rr urna só daquelas mados vulgarizadores das ciências, das artes e das filosofias.
línguas, ou fundir uma
tlis, i1tli1.r 1.r ()s(r';r!...
No primeiro caso, poderemos, com determinados alttnos cle
Scr i;r r;rlvt.z .x;rlicrrrrl. nsarntos que, nesse caso brasileiro, alta capacidade, treiná-los no uso das idéias, familiarizá-los com
.
;titrtlrr csrrrrrrrs li.l.rrrtl, rl[)c.as
'e au,, .'r"lh" noção do ..conhe_ o .iogo dos conceitos matemáticos, científicos, literários c artís-
cilrre.t. r'.rrr1rlcr.,", (rr;rl, rlrr lclade Média, ticos, e habilitá-los a ser especialistas nas idéias ftttttlantctrtais
porgue a verdade é
qtlc o,s curr íc rrlos t.lr, it lopútlicos clecorrem, com que a mente humana vem elaborando os setts extettsíssinros
em grande parte, do
rnedo clos lrroíc.ssor.r..s rlc ,.Pr,r.tlclcnr,,aulas,
que são o seu ganha_ conhecimentos experimentais, em todos os setores clo saber
pão, com a sirrr,liíir;rç.;r. tlrs crrr.ículos... humano. Estes seriam os estudiosos de cultura gcrll c, na rea-
Mas, abaixo oü.i_,
lidade, filósofos das ciências, das artes, das letrirs e cla religião.
48 49
Er.>uCaç,{o NÃO É pRrvr1-ÉGro
Eouc,\çÁo NÃo É pRtvÍLÉ.GIO
...6,9o/ol 7,90/o 7,6%o1 7,60/o Como se vê, a situaçáo é dolorosamente esracionária, como
muito lentamente progressivo, e até decrescenre, na última
St'isto não basra para provar a esragnação do ensino série, também é o número absoluto de aprovaçóes por série:
l,r irrr,ir i., t()nrenlos a percentagem do corpo docente, di- (Quadro 4).
1,l,rrrr.rrl. 1r,rr cscolas normais: tínhamos, em 1933,53.000 Qunono 4
rlrrr .nr('s c()nr 57,8o/o de diplomados.
Há rrês anos, em AnnoveçÕus PELAS SÉRiES
I')'r l, I J4.(XX) eranl esres docentes, dos quais
apenas 53olo
, lt1,lo t 11.1111;qí(').
<? 53
EoucaçÁo NÃo É r,Rtvrr_É(]ro El)Ll(]AÇt^() N^() li I't{lvlt-ÉC:lc)
Diante disto, já náo ten.r a mesma eloqüência o crescimenro cada ano para a série seguinte pode scr vista tto <lrtaclro no 3.
em números alrsolutos. Não exageramos, pois, quando afirma- Estáo na 1n série 57o/o dos alunos matricttlrtlos tto etrsitro pri-
mos a franca dct.'ioraçã. cb c,si.o primário, com a exacerbação 20o/o na 3r 71toh c n:r 4t trpcnts 870'
mário, na 2u série
do carátcr sclcrivo tl:r crlrrcaçÍo, no scu vcz.o de preparar alguns - - (ctrtlência à
Que sucede a esses 8%? Longe de conservlrt'ctrl lt
privilcgirrclo.§ [)rlr. o 1;.2«l clc vr.rilger)s clc classe e náo o homem
reduçáo na série seguinte, encontram-se qtlirse totl«rs tro cttsitro
cornunl l)urx l .srur crrrirncipaçiro pcl«r trabalho produtivo. médio, pois, com efeito, a matrícula à lt séric tlo gin:rsirrl ó cle
(l«lrn clciro, sc rlcixarnr«ls <l cnsir.ro primário e passarmos a 180.000, que somados a 24.000 do comercial c (r.000 tlo in-
a,alis:rr. crrsi.. rrriclio c o s.perior, já a expansão é perfeita- dustrial, elevam a freqüência à 1u série do ensitro Irri'rlio a
lncntc rrccnrtrlr<ll. Ii crn relação ao ensino mais acentuadamente 210.000 alunos, sem contar os do curso normal. Iirl«lrrarrto
de clu.ssc qr.lc é o secundário essa expansão chega a ser entre a 3n série primária e a 4n, a queda é brusca, de 5tt0.000
- -
cspctrrcular. para 330.000, da 4u série primária para a 1' série sectttrclrÍria,
tomados os aprovados naquela série, temos que dos 243.000
chegam ao secundário 210.000 alunos.(8)
Artes, porém, onrrr.,,,.1.-u ,.
"rurrr.
da situação do ensino
sccunclário, tomemos o quadro abaixo, relatiyo à matrícula e Bem sabemos que, não havendo articulação entre o etrsino
clistribuição por séries dos alunos primários entre 1944er95j:o) primário e o médio, aqueles 210.000 alunos não sáo rigorosa-
mente os mesmos que terminam o primário. Isto porém, torna
Quenno 5
ainda mais significativo o fato. Na realidade, se atentarmos que
Drsl'nrnurçÃo poR SÉnrE oos Ar-uNos NA EscoLA pnrlrÁ2n
o ensino secundário e médio só existe nas capitais e em um terço
Anos Marrícula I " Série 2, Série 3" Série 4" Série Conclus. dos municípios do interior e âpesar disto logra essa matrícula,
Total de Curso é que a escola secundária é muito mais desejada do que a es-
te44 2.61t.451
cola primária. E por quê? Porque "classifica", dá stdtus ao aluno
1 .402.647 577.r30 391.610 219.674 127.468
) 1 e o lança entre os privilegiados e semiprivilegiados da nação'
t()45
| 2.741.725 1.478.113 597.384 398.1 80 226.577 127.151
1946 2.ut17.960 l 583.585 613.349 419.779 228.365 r33.591
te47 .t.06 \.77 5 | 1.67 5.887 6 - A transigência ou compromisso do "dualismo" escolar
| 662.148 440.372 251.137 149.725
te4H
I i. ro l .oB4 l.B64.eB7
I
698.408 462.459 258.534 185.25r Dir-se-á que deve realmente ser assim. As escolas não foram
t,)4,) .\.47e.056 ) t.e60.732 736.666 487.585 279.903 r93.822 afinal criadas para renovar as sociedades, mas para perpetuá-las
|
t95() .!.7()().887|nAZ.lCl 784.546 5 19.91 I 299.009 206.380 e, por isto mesmo, a sua relaçáo com as estruturas sociais de
19,I i i.l't(;o.5,)l l.t80.1.]l 80r.060 545.737 310.615 2r9.241 classe teria de ser a mais estrita. Nenhum sistema de escolas
tt)52 .J.()(,4.,,)0s I .l.z rr.sr:l 833.329 549.096 322.0t0 236.O89 jamais foi criado com o propósito de subverter a estratificirção
ll
1953
| 4. t42. l t8 .l 152 ()9.t 854.480 581.476 336.196 243.652 social reinante.
yoa I rzr
t c.aa«,. I .r zsz.rr,rtt .762.136 1.015.639 806.052 646.521 A realidade, porém, é que a idéia da " escola contttm ou
pública", nascida com a revolução francesa x 62i61 invu'rção
Dos alunos clc 4n .sér.ie, concluem com êxito esta série os social de todos os tempos, no dizer de
-
Horace Mantr irnporta
constantes da últinrr c.lunrr. Por conseguinte, todo o ensino -
exatamente em sobrepor-se ao conceito de classe e Pr()vcl' uma
primário brasileiro lruriílca rfinal nos 243.G52 doutorezinhos educação destinada a todos os indivíduos, serl a itrtcnção ou
aprovados na 4. séric. A proporção de alunos que passam em o propósito de prepará-los Para quaisquer clas cl:rsscs cxi.stentes.
54 55
l.r ,r rr rr. Ar r p,.11, ) f. t,t.,Vil_li.tO
EouceçÁo NÃcr í't t'tltvrt-Ê(ir()
56 57
l,',t ,il( jAq;À() NÃ() É. pRtvrr.ÉGlO
E,DUCAÇÁo NÂo É PRIVILÉGIO
lrrr'rP.i:r i.ccrta
e insrável, com administração e proÊessorado em
Nenhum país vive, porém, de um tal mandarinato inrclcr.-
'r.(lirÍrçu l)crmanente e os alunos na ronda dos turnos cad.avez tual, ainda que realmente capaz, o que náo é o caso brasilciro,
rrr:ris ctrrtos.
mas dos quadros numerosos e eficazes do trabalhador cornunr,
'l'ais circunstâncias
fazem com que a escola primária venha formado na escola primária, dos quadros do trabalhador qtra-
Pc.rlcndo a função característica de se* g.rnde escola comum lificado, treinado diretamente pela indústria e pelos cursos dc
tlu rrlção, a escola de base, em que ,e educa a grande maioria continuação, dos quadros do especialista de nível médio prepa-
dr>s seus filhos para se constituir simples rado nos cursos médios, múhiplos e variados, e dos quadros de
acesso, pre_
ptratória ao ginásio, para onde se dirige "r.ol"l.
a maior parre dos especialistas de nível alto, formados pela universidade e pelas
alunos que logram chegar à 4u série. escolas superiores.
E,ste desvirtuâmento da escola primária concorreu, junto A escola primária que irá dar ao brasileiro esse mínimo
com outras circunstâncias, para exacerbar o anseio pela escola fundamental de educação não é, precipuamente, uma escola
secundária de tipo acadêmico, que enrrou a ser iÀprovisada preparatória para estudos ulteriores. A sua finalidade é, como
cle todos os modos, a fim de conrinuar a educação prepara_ diz o seu próprio nome, ministrar uma educação de base, capaz
t<iria, que a escola primária iniciara nos seus fugidios ,ur.ro, de habilitar o homem ao trabalho nas suas formas mais comuns.
rlc crrsino. Ela é que forma o trabalhador nacional em sua grande massa.
'l-:ris c.scolas secundárias, É, pois, uma escola que é o seu próprio fim e só indireta e
conlo as primárias, funcionando
('nr trlnl().\, como as primárias, improvisadas, como secundariamente prepara para o prosseguimento da educação
as primá-
.i;rs, tlc' 1rrrr. c,sino verbalísrico, e, ainda como as primárias, ulterior à primária. Por isto mesmo, não pode ser uma escola
de tempo parcial, nem uma escola somente de letras, nem uma
l)ul'ruil('nr(' Prcparlrtórias, prosseguem com os seus alunos num
csÍi,r'5o, n;ro tlc íirrnraçiro, mas de seleção e acabam com escola de iniciação inrelectual, mas uma escola sobretudo prá-
apenas tica, de iniciação ao trabalho, de formação de hábitos de pensar,
l7 nil ,rlrrrr,,s rrrr rilrir.a série de colégio.rral Sobrevivenàs de
ttttt sistctrr.r t'st olrrr inlclcqtrado e frustro, não têm estes poucos hábitos àe fazer, hábitos de trabalhar e hábitos de conviver e
rrrillrrrrcs ,lt' ,rlrrrr.s ().(rrl coisa a fazer senão aspirar participar em uma sociedade democrática, cujo soberano é o
à escola próprio cidadão.
strPt'r'irr , [):ll;r ( rrj. t'xurrrc vestibular se precipitam em
levas
tttttito .\u[)('r i()r(.\ ,ro rrrirrrt'r«r tlc vagas existentes... Aí os espera Não se pode conseguir essa formaçáo em uma escola pror
rrr) L()ll( rr.s. ;rlr;rrr.'rrt. st'lc(iv., rlrrc se verr tornando ,upiíaio sessóes, com os curtos períodos letivos que hoje tem a escolrr
searellr,rrrtt':rr,,l,,s:,t.rir.s (,xrlal(.s clri.cscs. No final ala aáartrr, brasileira. Precisamos restituir-lhe o dia integral, enriqueccr-lhc
clos 4 rrrillrircs rlt',rltrrr<,s lrrirrrriri.s, rcrlrrzitlos a 200 mil de o programa com atividades práticas, dar-lhe amplas oporttrni-
cnsirro scctrrrrlír'i., (,1,('r'l'(.rrr.s (r0 rrril ;rlrrrrt»s tllrs cscolls supe_ dades de formação de hábitos de vida real, organizando a csctila
riorcs 11rrc, rrr:rl .rr l,r'rrr, v,r, rliPlt,rrrrrr-.sc como miniatura da comunidacle, com toda a gama clc, .srras
r)rlril ..\ crrrreiras de atividades de trabalho, de estudo, de recreaçáo e de artc.
nívcl rrrais alr.r.
Ler, escrever, contar e desenhar seráo por certo técnicas il scr
f'uclo estaria, rulvt'2, lr.rrr, sc t.Íi.t ivrrrrrc,rc rría visássemos
ensinadas, mas como técnicas sociais, no seu contcx(o rral,
à formação dc tocl.s.s brrrsilcirt).\
[)rr':r..s rrivcr-s.s níveis de como habilidades, sem as quais não se pode l-roje vivcr. O
ocupações cle trrrra rlcrrr.r'r:rcirr rrr.rlc.rr:r, rrras tão-somente
programa da escola será a própria vida da comunidaclc, c«,rrr <i
à seleção de um nrrrnclarinuto rlrrs lcrr:rs, rlas ciências e das
seu trabalho, as suas tradiçóes, as suas características, tlcviclrr-
técnicas.
mente selecionadas e harmonizadas.
(t2 63
Iirru<:nçÁo NÁo É pzuvrt-ÉGro EoucaçÃo NÃo É PRTvILÉcro
A cscola primária, por esre morivo, tem de ser insdtuição havendo que nos garanta serem tais funcionários mais seguro§
c*sencialmente regional, enraizada no meio local, dirigida e em definir o que seja nacional do que os servidores estaduais
scrllida por professores da regiáo, identificada com os seus mores, ou municipais.
§cus co§tumes.
O país é um só, com uma só língua, uma só religião domi-
A regionalização da escola que, entre nós, terá de caracte- nante ou majoritária, uma só cultura, embora com diversas
rizar-se pela municipalizaç-ao da escola, com administração local, subculturas, e em caminho para a unificação social em um só
programa local e professor local, embora formado pelo Estado, povo, distribuído por classes, mas classes abertas e de livre e
concorrerá em muito para dissipar os âspectos abstratos e irreais fácil acesso. AIém disto, ligado já por uma extensa e intensa rede
da escola imposta pelo centro, com programas determinados de comunicações, pelo avião e pelo rádio, que permitem a livre,
por autoridades remotas e distantes, e servida por professores ampla e rápida, se náo simultânea, circulação de idéias e no-
impacientes e estranhos ao meio, sonhando perperuamente com tícias. Já nenhum motivo existe para as cautelas centralistas e
redentoras remoções. centralizantes, que se poderiam justificar em outras épocas,
Tal escola, com horários amplos, integrada no seu meio e embora nem sempre com os mais puros propósitos.
com ele idenrificada, regida por professores provindos das suas A descentralizaçâo, assim, contingência da nossa extensão
camadas populares mais verdadeiras, percebendo salários desse territorial e de nosso regime federativo e democrático, é hoje
meio, será uma escola reconciliada com a comunidade e já sem uma solução, além de racional e inteligente absolutamente
o caráter ora dominanre de escola propedêutica aos estudos -
segura. Tenhamos, pois, o elementar bom senso de confiar no
ulteriores ao primário. Esra será a escola fundamental de edu- país e nos brasileiros, entregando-lhes a direçáo dos seus ne-
cação comum do brasileiro, regionalmente diversificada, comum gócios e, sobretudo, da sua mais cara instituição x s5çqlx,
não pela uniformidade, mas pela sua equivalência cultural. -
cuja administração e cujo programa deve ser de responsabilida-
Assim que os recursos permirirem, ela irá ampliando-se em de local, assistida e aconselhada tecnicamente pelos quadros
n(rmero de séries e entrando pelo nível das escolas de segundo estaduais e federais.
grau, sem perder os característicos de escola mais prática do que Organizados que sejam, assim, os sistemas municipais de
intclectualista e os de integração regional tão perfeita quanro educaçáo e ensino, as escolas passaráo a ser instituiçóes nutridas
possÍvel. pelo orgulho local, vivas e dinâmicas, a compedr com os demais
Dstá claro que essa escola, nacional, por excelência, a escola sistemas municipais e a encontrar nessa comPetiçáo as suas
dc formação do brasileiro, não pode ser uma escola imposta pelo forças de progresso e de gradual unificação, pois competir é
çentro, mas o produto das condições locais e regionais, plane- emular, e toda emulação importa em reconhecer o caráter e as
jada, fcita e realizada sob medida para a cultura da região, forças comuns que inspiram a instituição.
clivcrsificada, assim, nos seus meios e recursos, embora una nos Presidindo essa saudável e construtiva rivalidade regional e
objetivos e aspirações comuns. local, o estado e a União, equipados de corpos profissionais e
É tcmpo já de esquecermos o nosso hábito de pensar que os técnicos de alta competência e liberados de absorventes ônus
brssilciros residentes fora das merrópoles precisam das liçóes e administrativos, exercerão os seus deveres de assistência
dgr cnutclas do centro para se fazerem brasileiros, ou nacionais, supervisora, não pela imposição, mas pela liderança inteligente,
csmo é de ccrto gosto totalirário afirmar. Todos os brasileiros tornando comum para todos, pela informaçáo, a experiência de
r[o t[Õ lrons brasileiros quanro os funcionários federais, nada cada um, facilitando o intercâmbio de valores e de progressos,
64 65
l'.r 'Ir Ar, Ár r 5111 , ri_ t,tilVil.f.tcIC)
EoucaçÃo NÃo É PRrvrr.ÉGr()
('ori('trtiln(lo c coordenando os esforços para o avanço e
a
rrrritlrrtlt' tlt'rrrrcl, repetimos, das diversidades regionais e locais. escolas propriamente locais, de administração municipal, as
escolas médias e superiores, inclusive as de formação do magis-
A ;rssistôrrcia dos centros não se exercerá somente pela atu-
.rç,r. rli'cta clos seus técnicos, mas, sobretudo, pela formação dos tério, de sua própria administração. Pela formação do magistério
e pela vigorosa e ampla assistência financeira e técnica aos
1r'.íc'.ss.res, que Ihes poderá ficar afeta, uma vez assegurado que
Lst.rl. otr união municípios, exercerá o estado a açlao supervisora, destinada a
respeitarão as caracrerírti.as ,egio.r"is àas
cscolrrs a que se destinarão os mestres que, assim, irão preparar.
promover a unidade do ensino sem perda das condições
revitalizantes e construtivas do genius loci.
Não pensamos, pois, reformar a escola brasileira com a
irrrlrosição de modelos a priori formulados por um centro ou por Em esfera ainda mais ampla atuará a Uniáo, com a sua rede
,lg'.s poucos centros dirigentes, mas anres liberar forç", de escolas médias, profissionais, superiores, de experimentação
I.cais de iniciativa e responsabilidade e confiar-Ih., ".
trr.f" i.
e demonstração, todas visando a mais alta qualidade e desti-
"
.:..srruir a escola nacional, sob os auspícios de uma inteligente nando-se a agir nos sistemas estaduais e locais como exemplos
assistê,cia técnica dos estados e da união. Não somos .rrção de desenvolvimento e aperfeiçoamento. Este sistema federal só
ser rnoldada napoleonicamenre do cenrro para a periieria," por si já operaria como força unificadora, mas terá ainda a
nlas Llm grande e variado império a ser assistido e, quando União duas grandes forças de estímulo e coordenaçáo; a
nruiro, coordenado pelo centro, a fim de poder prosseguir ,ro assistência financeira e técnica às escolas e a atribuiçáo de
sctr destino de criar nos trópicos uma grande.t'rlrr.rr", regulamentar o exercício das profissóes. Com estes dois instru-
clivcrsificada nas suas características regionais e una nos seus mentos, o seu poder continuará, dentro do sistema descentra-
plopósitos e aspiraçóes de civilização e democracia. lizado e vivo da educação nacional, táo forte e de tamanha.s
potencialidades, que antes será de recear a sua ação exces-
A clescentralizaçáo educacional que assim propugnamos
ruio lcPresenta âpenas medida técnica que está, dia a dia, mais sivamente uniformizante susceptível de bloquear iniciativas
rr st'irnpçr, por uma série de motivos de ordem prática,
felizes, locais e estaduais, do que qualquer imaginário perigo
mas da liberdade que se dará ao estado e ao município, muito rnais
r;rrrrl,únr urn âro político de confiança na nação e Je efetivaçáo
rlo plirrcípio democrático de divisão do poder, a impedir os para lhes permitir assumir a responsabilidade do seu ensino c
.sr'rilrllrrlarncnros da centralização e dificultr. .or..rtração com ela a possibilidade de fazê-lo real e vivo do que efetiva-
"
rlr' íirr'çrr (luc nos poderia levar a regimes totalitários. mente, para organizá-lo à sua discrição.
'l'.tlrr rrrrificação imposta e forçada é, nesse Com efeito, embora as instituiçóes escolares tenhan.r scus
senrido, uma objetivos próprios, todas elas se articulam em um sistcrrrrr con-
íi',gilitl,rlc, c rralralha no sentido da ossificação de nossa cul-
trrr:r, tliÍ'it rrlrrrrrtl«r-lhe a diversificação saudável e revitalizante. tínuo de educaçáo, em que os graus mais altos inflrrcrrr trr
organizaçáo e sentido dos menos altos, determinanrlo isto rprc
A grarrrlc rr'íirrrna da educação é, assim, uma reforma polí_
o ensino médio condicione o primário, e o superior-cotrrlit ionc
ticrr, pcrrrr:r,c,rcr,c.te descentralizante, pela qual se criem nos
o médio.
rrrunicÍ1ri«r.s ..s rirgi.s 1lr-óprios para gerir os fundos municipais
cle crltrc.çir) c ()s sc'.s,r.clestos mas vigorosos, no sentido de É a unidade vital, em oposiçáo à rigidez. nrirtcmlizurlrr tlos
iruplan t^çrr, l«r.rrl, .si.sr crrrrl.s educacionais. Tais sisremas locais, sistemas unitários e uniformes. O municípia, cotn o sctr sisrt'nt:r
em nÍr'rer<» ct[rivrrlcrrrc :r«l clos municípios, constituirão em de escolas locais, primárias e médias, enririzarl:rs no s«rlo íí.sic«l
cada estacl.' , sisrcrrrrr c,.sr,rtlrral, o qual compreenderá além das e cultural do Brasil, brasileiras como as ilttc trui.s o scjrttn, o
estado, com as suas escolas médias, supcri«rrcs r' ltroí)ssit>nais,
66 Ã7
EDUCAÇÁo NÃo í; l'ltlvll.í'(;l()
l1l )(r(.Aq:^() NÁo li PRrvlLÉ',Glo
educacionais, postos todos eles em funcionamento nrltt)il rlçir()
locais e detendo
cx('rccnclo e sofrendo a influência das escolas independente, mas sinérgica e harmônicâ que persPectivas
., 1.,rrt1cr cle formar o magistério primário.' e a União' com o -
não se abriráo para a escola brasileira e que segurança não tcrÍ
,ir,",.,-r, federal supletivo ãt t"ol"' superiores' escolas primá-
educacional
o país de ver, afinal, a sua população servida das oportuni-
rias e médias de demonstração' órgãos de pesquisa dades educativas necessárias para a plena eclosão de sua cultur,l
em dife-
., pod", de regularnet""' *' ptàfissóes
-
n1ux1[6
c de sua civilizaçáo?
"
rcnt;s ordens, i.rdependentes mas articuladas' constituindo
a
algo de dina-
ação tríplice, mas convergente dos três Poderes' 9 - Aspectos administrativos dessa nova Política
/aQ I tr I
l'l ,r r( Ar. Á( ) N^( ) lil l,t{lVIl-flCIC)
EoucaçÃo NÃc) É PRrvrr.É-Gr()
r('l .rs ('s(()l:rs l)xra a sua populaçáo escolar, terâ, de ano para
.ur(), nl:ri()re.s rectrrsos, podendo traçar um plano de progresso
Além disto, náo esqueçamos que o estado, pela formação cl<r
,r1',:irri.. c rc:rl. As três quotas que lhe alimentam o sistema magistério mediante urn sistema de bolsas oferecidas a cada
- o suprimento por elementos locais do seu corpo
município para
st'r':rrl crrrla :rno maiores e,
por se distribuírem em percentagens
rlcllrritlas, para o pagamenro ao magistério, à administração docente rcrá em cada um dos sistemas locais de ensino as
-
mestras, suas representantes, não como parcelas do seu poder,
(' ;t() ln:lrcrial e prédio, passaráo a oferecer as condições in-
tlisPcnsiivcis da viabilidade do plano. Confiado esse plano à mas como filhas da escola normal estadual, alma mater de todo
rc.sP.nsabilidade local e deste modo ao natural entusiasmo o magistério.
rlrr c«rmunidade, a escola, cuja necessidade começa a ser tão Há, portanto, motivos para acreditar que o plano aqui es-
vigorosamenre s€nrida pela população brasileira, far-se-á não boçado pode concorrer para a revitalização do movimento de
sír a sua instituiçáo mais cuidada e mais querida, como o ver- expansáo escolar, sem que a revolução de mecanismo adminis-
rlrrclciro orgulho da cidade ou do campo. Em ourros rempos, trativo que encerra traga outros resultados senão os de promover
rltr,r.clo a educação escolar era uma imposição de outra cultura, as insuspeitadas ener;;ias que a autonomia e descentralizaçâo
p.clia-se compreender a escola organizada e dirigida à distância irão por certo desencadear, para o desenvolvimento dinâmico e
pelr metrópole "colonizadora". Hoje, a escola flui e decorre de harmonioso da escola primária brasileira.
rrossa própria cultura, dinâmica e em transformação, mas co- Acima ou à base de uma tal educação fundamental e co-
,rrrn e, embora em estágios diversos de desenvolvimento, toda mum, a mais importante sem dúvida das que irá proporcionar
t'lrr una e brasileira. a nação aos seus filhos, erguer-se-á o sistema de escolas médias,
Ilcstiruídas, assim, as condições necessárias à vitalidade da destinadas â continuar a cultura popular da escola primária e
irrstit.ição escolar, reremos estabelecido as condiçóes que faltam a iniciar a especialização nos trabalhos práticos e indusrriais ou
l() l)rogrcsso educacional. Isto, entretanto, não será tudo, pois, nos trabalhos intelectuais ou teóricos, todos eles equivalentes
;rltirn rlacluelas condições, precisaremos de esforço e direção cultural e socialmente, pois os alunos se distribuiráo, segundo
irrtclilit'rrtc. O esfbrço deverá decorrer do interesse local, e os interesses e aptidóes, para a constituiçáo dos quadros do
;r intcligôncia, da direçáo, do espírito de estudo, que do- trabalho de nível médio, sejam as ocupações de natureza teórica
rrir*r':i. us.sistência técnica a ser dada ao sistema pelo estado ou de naturezâ prática.
t' ;r tlrrirr., rrssisrência récnica fortalecida e motivada pela as- O velho debate entre ensino de letras, de ciências or.r cle
sisti'rrt i;r lirrrurccira. técnicas desfaz-se à luz das novas circunstâncias da vida moclcr-
Ao sisrt.rrrrr csr:itico e mecânico de hoje, com escolas na pois rodos eles sáo necessários, constituindo problema apcnas
tlc's.rr r':r iz:rrl;rs, «rrg:rnizadas à distância com professores vindos o de saber quais e quantos alunos devem ter formação cicntíÍlcrl
<lo r't'ruro (';l (.src ccnrro ligados pelos vencimentos e pelas e teórica, e quais e qLlantos alunos devem receber forrnrç:io
ordcns rlrrc rt'r'r.lrcrrr, opor-se-á o sistema imperfeito, mas vivo, técnica e de ciência aplicada. Em cada um desses r:lrlros, o
de csc:.lrrs l.t;ris, tlirigitlrs e mantidas por órgãos locais, ansiosas currículo variará para a formação diversificada e rntiltiplrr, até
cle assistôrr.il rrr:r.s c«»rscicntes de sua autonomia, prontas a
mesmo no currículo clássico, em que se formarão lrclcni.sta.s,
colab<lrur co,r () t.sr;rrl. c rr U.ião, dos quais recebem os recur- latinistas e especialistas de Ietras modernas, como jí acolrtt:ce
sos supletncrrt:lr(.s l)rlra o scu progresso e a assistência técnica nos cursos predominantemente científicos ou técnicos,
para o seu irll«,r Íc.iç()lnl('nt(). Todas as escolas médias, que se organizaríro conr uma alta
dose de liberdade, seráo consideradas ecluivalerrtcs c objeto não
70 '7 I
Iirrrr<;a<;;Ão NÃo É, PRrv[.ÉGro EDUCAÇÃo NÁc.> rr- I'ltlvll'Ê(;l()
A validade dos seus resultados será apurada por exames de de profissionais pelas diferentes especialidades'
Estado, feitos em determinados períodos do curso, exames de Ogovernomanteriaos§erYiçosde..classificação',dasescola§
Estado que se destinam, do ponto de vista legal, apenas à ,.rp.rãr., e os de levantamento e estatística em relaçáo aos
,/:)
EDucaçÁo NÃo É pRrvtLÉcro
l0 - Sumário
Procuramos analisar a siruação educacional brasileira
à ruz
dos conceitos de "educação seletiva',, pârâ a formação
de elites,
e "educação comum", para a for*"çáo do cidadãá
comum da
democracia.
Parte 2
Mostramos como essa ,,educação comum,, n-ao
é só um
postulado democrático, mas um postulado do novo
conceito de
conhecimento científico, qu. ,ornou comuns
as atividades in-
telectuais e de trabalho, àu seja de saber e de
fazer, que se
distinguem como divisões equiralentes do mesmo
.rforço, ,.rn-
pre inteligenre e especializado ou técnico.
Salientamos, enrretento, que entre nós, a despeito
dessa
evolução do conhecimenro e das sociedades, as
resistências
aristocráticas da nossa hisrória não permitiram
que a escola
pública, da educação comum, jamais ,e .ara.terirasse
integral-
menre. Toda nossa educação se conservou seletiva
. d. jit..
_ Â expansão educacional brasileira participa desse vício quase
d-iria congêniro. Indicamos, enrrerenro, o gr€ nos
parece deve-
ria scr a novâ política educacional para o Brasil e,
a fim de
promovê-la, bosquejamos um sistema de administrrçao
.* qr'r.
§c cesem as vantegens da descentralizaçáo e
autonomie com â
da integração e unidade dos três pod.rà, _ federal,
estadual e
municipal do paÍs.
-
74