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Sumário:
- 1. Introdução - 2. Conceito de segurança jurídica - 3. Historicidade da segurança
jurídica - 4. Direitos fundamentais na Constituição de 1988 e princípio da segurança
jurídica - 5. Segurança jurídica no âmbito do direito público: os princípios da estrita
legalidade e da igualdade - 6. Segurança jurídica no âmbito do direito privado e a
análise do art. 2.035, do CC/2002 - 7. Segurança jurídica: análise de casos concretos -
8. Conclusões acerca do tema - 9. Referências bibliográficas
Resumo: Trata-se de estudo que procura analisar o tema da segurança jurídica frente às
grandes transformações econômicas, sociais e tecnológicas ocorridas sobretudo nos
últimos cinqüenta anos. Para tanto, foi necessária a análise do tema frente à Constituição
de 1988, bem como a sua historicidade, desde a Idade Antiga até a Idade Contemporânea,
para que fosse possível desenhar as perspectivas para o futuro. Desta forma, o autor
procura desmitificar o tema, ao considerar a segurança jurídica não somente como
preceitua o art. 5.º, XXXVI, da CF/1988 (LGL\1988\3), mas ao tratar as garantias
individuais e os demais direitos fundamentais como fenômeno garantidor da segurança
jurídica. Ainda, discorre o presente artigo acerca do funcionamento da segurança jurídica
nas relações de direito público, a partir da conceituação e análise dos princípios da estrita
legalidade e da igualdade, bem como a polêmica envolvendo o art. 2.035, do CC/2002
(LGL\2002\400). Por derradeiro, dois casos concretos, decididos pelo Supremo Tribunal
Federal, ilustram a utilização - ou não - do princípio da segurança jurídica.
Abstract: This study is intended to review the issue of security of legal relationships in
face of the significant economic, social and technological changes that have been taking-
up speed in the last fifty years. To that effect, the issue was analyzed from the standpoint
of the 1988 Constitution; nevertheless, in order to have a more accurate picture of the
perspective that lay ahead, a quick investigation on its historical background, from Ancient
times to the Contemporary Age had to be performed. Accordingly, the author seeks to
demystify the subject, by addressing legal security not only within the boundaries of the
provision of 5.º, XXXVI, of the Federal Constitution, but also dealing with individual
warranties and other fundamental rights as social phenomenon that assures legal security.
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ASPECTOS BÁSICOS DA SEGURANÇA JURÍDICA
This paper also addresses the mechanism of legal security in public-law relationships
based on the definition and review of the doctrine of strict legality and equality, as well on
the controversy that involves article 2.035 of the Civil Code. Moreover, two cases ruled by
the Federal Supreme Court illustrate application - or not - o the principle of legal security.
1. Introdução
Nesse sentido, é de suma importância que se tenha confiança no conjunto de leis, normas
e regras que regem determinada sociedade, principalmente em se tratando de sociedades
que se dizem "democráticas", onde o conceito de liberdade constitui um de seus objetivos
principais.
Dessa forma, é necessário que os cidadãos saibam que, além de obrigações, possuem
certos direitos e que muitos desses direitos são - ou deveriam ser - de aplicabilidade
imediata, como é o caso dos direitos fundamentais.
Outrossim, revela-se particularmente importante o conhecimento das leis por parte dos
indivíduos de uma determinada sociedade, uma vez que a confiança ou não em um
ordenamento específico está condicionado ao seu conhecimento por parte dos membros
da sociedade. A esse conhecimento Pérez Luño caracterizou como a face subjetiva da
segurança jurídica. 1
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ASPECTOS BÁSICOS DA SEGURANÇA JURÍDICA
Un système de droit doit concilier dans l'élaboration de ses règles, des interest varies et
des impératifs divers: pour être bien acceptée et efficace, la loi doit présenter, entre
autres, une certaine sécurité, notamment par son accessibilité et as conférence et ne pás
surprendre excessivement les sujets de droit dans leur pratiques, leur prévisions et leurs
attente. 2
Contudo, data venia da melhor doutrina, nossa opinião é a de que são numerosos os
dispositivos constitucionais que evidenciam a presença marcante do princípio da
segurança jurídica na Constituição Federal (LGL\1988\3), constituindo o inciso supracitado
um dos muitos exemplos da presença da segurança jurídica na Carta Política, conforme
será oportunamente analisado. 4
"A segurança jurídica é, por excelência, um sobreprincípio. Não temos notícia de que
algum ordenamento a contenha como regra explícita. Efetiva-se pela atuação de
princípios, tais como o da legalidade, da anterioridade, da igualdade, da irretroatividade,
da universalidade e de outros mais." 5
Assim, para o bom desenvolvimento do tema, far-se-á uma análise histórica acerca do
princípio da segurança jurídica, com o intuito de revelar em que momento o mesmo
tornou-se um tema de grande importância.
Outrossim, buscar-se-á conceituar o tema, bem como analisar a sua relação com os
direitos fundamentais e as demais garantias constitucionais.
Por derradeiro, revela-se necessária a análise da segurança jurídica sob a ótica do direito
privado, mas especificamente no âmbito das relações contratuais.
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ASPECTOS BÁSICOS DA SEGURANÇA JURÍDICA
Para não fugir ao tema do presente trabalho, analisar-se-ão os quatro últimos significados
do termo.
"Em nome da Segurança Nacional, disseminou-se nos países periféricos do bloco acidental
um truculento sentimento anticomunista, fundamento da repressão, da censura e da
perseguição política. Quase todos os países da América Latina sofreram o impacto
antidemocrático da ideologia da segurança nacional, com o colapso das instituições
constitucionais e a ascensão de regimes militares". 7
Outrossim, o termo segurança significa convicção, certeza. De fato, sentir-se seguro com
relação a algo presume certa confiança, estabilidade, é contar com algo certo, que
dificilmente será aniquilado. Assim, pode-se ter segurança quanto ao conhecimento de
determinada matéria, quanto ao domínio de uma língua, quanto ao acontecimento de
determinado evento, etc.
Todavia, não é raro que o termo segurança apareça na Constituição Federal (LGL\1988\3)
e dê ensejo às duas interpretações verificadas, tanto com relação ao aspecto de prevenção
criminal, quanto ao de certeza do direito, sendo esta última definição a que mais se
aproxima do conceito de segurança jurídica propriamente dito, do que se passa a tratar.
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ASPECTOS BÁSICOS DA SEGURANÇA JURÍDICA
Isso porque um Estado submetido a leis, e criado por meio de uma Constituição Federal
(LGL\1988\3), tal como o Estado brasileiro, deveria gerar um mínimo de confiança por
parte dos cidadãos em seu ordenamento jurídico.
Ainda, analise-se o fato de que a República Federativa do Brasil, além de ser um Estado
de Direito, constitui um Estado Democrático. Em outras palavras, um Estado onde o povo,
titular do poder soberano, elege seus representantes.
É sempre válido ressaltar ainda que, se das normas infraconstitucionais cobra-se a sua
constitucionalidade e dos demais comandos normativos cobra-se a sua legalidade, da
Constituição, pelo patamar e importância que ocupa, é cobrada a sua legitimidade, a sua
aceitação pela sociedade.
Presume-se, então, que nesta forma de Estado seria inadmissível a existência de um corpo
de leis que não somente estivesse em desacordo com a vontade popular, como ainda não
trouxesse segurança jurídica, ou, em outras palavras, a certeza da eficácia e da
aplicabilidade das normas jurídicas. 11
"Se, feita uma opção legítima em face do direito posto, interpretado, revelado, executado,
cumprido e aplicado, pudesse, futuramente ser tida como ilícita, ou ser desfeita, não mais
haveria segurança, nem, conseqüentemente, liberdade, mas dependência, sujeição, risco.
O cidadão voltaria a ser súdito." 12
Sem pretender esgotar o tema, não poderia deixar de citar Celso Antônio Bandeira de
Mello, que brilhantemente conceituou a segurança jurídica:
"Essa 'segurança jurídica' coincide com uma das mais profundas aspirações do Homem: a
da segurança em si mesma, a da certeza possível em relação ao que o cerca, sendo esta
uma busca permanente do ser humano. É a insopitável necessidade de poder assentar-se
sobre algo reconhecido como estável, ou relativamente estável, o que permite vislumbrar
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ASPECTOS BÁSICOS DA SEGURANÇA JURÍDICA
com alguma previsibilidade o futuro; é ela, pois, que enseja projetar e iniciar,
conseqüentemente - e não aleatoriamente, ao mero sabor do acaso -, comportamentos
cujos frutos são esperáveis a médio e longo prazo. Dita previsibilidade é, portanto, o que
condiciona a ação humana. Esta é a normalidade das coisas". 13
Conclui-se que a certeza de que há um conjunto de leis que tutelam os interesses dos
cidadãos, a segurança que a existência desse conjunto de leis gera nas pessoas, bem
como a noção de que a conveniência política do momento não seria capaz de derrubar um
ordenamento vigente, a isso devemos chamar de segurança jurídica.
Com efeito, a confiança que se tinha era baseada num poder maior e inexplicável física e
racionalmente, o poder divino. Assim, revela-se mais esclarecedor tratar não da idéia de
segurança, mas da idéia de "insegurança", predominante dos primórdios da civilização até
a época medieval.
"La Antiguedad y el Medievo fueram edades de básica inseguridad. Los hombres de estas
etapas están expuestos a innumerables y constantes riesgos, su vida se halla acechada
por mil lados. Si rebasa los confines de lo conocido le aguardan comarcas terribles: los
mares y parajes tenebrosos. Su vivier cotidiano se configura por la amenaza constante
Del hambre, la peste, las plagas, la camada de lobos, las huestes de invasores y bandidos,
em suma, la incertidumbre devoradora." 15
Outrossim, durante a Idade Média, o domínio exercido pela Igreja influenciou muito as
relações humanas. Com efeito, a cultura teocêntrica pregava a justiça divina, que acabou
por justificar as atitudes mais arbitrárias, como o que ocorreu com o advento da inquisição,
onde milhões de pessoas foram mortas.
3.2 Renascimento
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uma preocupação por parte dos indivíduos, até se tornar uma necessidade do Estado.
Segurança essa não obtida por meio de guerras, que eram tão custosas à sociedade
renascentista, mas baseada em certos compromissos, que ocorreram primeiramente entre
o rei e o povo (durante o absolutismo) e, posteriormente, entre as leis e o povo (no período
iniciado a partir das revoluções francesa e norte-americana).
Ademais, o absolutismo não contribuiu muito para o desenvolvimento da idéia de que era
essencial que o Estado possuísse um corpo de leis que trouxessem segurança e igualdade
aos indivíduos, uma vez que seu fundamento, quando não justificado em um contrato
assinado entre o povo e o rei, era baseado na teoria do poder divino do Monarca.
Nesse sentido, pode-se afirmar que somente com o estopim da Revolução Francesa
princípios como a igualdade e da legalidade ganharam importância, uma vez que nessa
época o quadro de poder modificou-se e o período revolucionário representou a ascensão
ao poder de uma nova camada social, formada por comerciantes emergentes, que
possuíam dinheiro, mas não tinham influência política nem os privilégios da nobreza - a
burguesia.
Neste período, por volta de fins do século XVII, surgem doutrinas como a de Kant e
Montesquieu. Pela teoria de separação de poderes de Montesquieu, o juiz deve ser o "boca
da lei", restringindo-se a aplicar o direito assim como consta da letra da lei.
Sem pretender esgotar o tema, Montesquieu, na célebre obra O espírito das leis afirma:
"Quanto mais aqueles que se opusessem mais vivamente ao poder executivo, não podendo
confessar os motivos interessados de sua oposição, aumentassem os terrores do povo,
que nunca saberia com certeza se está em perigo ou não. Mas isso mesmo contribuiria
para fazê-lo evitar os verdadeiros perigos aos quais poderia, em seguida, estar exposto.
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ASPECTOS BÁSICOS DA SEGURANÇA JURÍDICA
Mas, se o corpo legislativo tiver a confiança do povo e for mais esclarecido do que ele,
poderá fazê-lo perder as más impressões que tiver recebido e acalmar seus movimentos.
(...)
Como, para gozar da liberdade, é preciso que cada qual possa dizer o que pensa e, para
conservá-la, é também preciso que cada qual possa dizer o que pensa, um cidadão, neste
Estado, diria e escreveria tudo o que as leis não lhe proibissem expressamente dizer ou
escrever."
Destarte, as leis surgiriam com o intuito de não somente garantir direitos e deveres como
também para tutelar os aspectos essenciais da vida dos indivíduos. Verifica-se nesse
período que o Estado Liberal possuía uma atuação meramente garantidora.
Desta forma, o Estado passou a se preocupar não somente com os direitos fundamentais,
mas também com outras garantias, em grande parte relacionadas ao Poder Judiciário,
verdadeiro garantidor dos direitos dos cidadãos através da efetividade da tutela
jurisdicional.
Com efeito, foi na Idade Contemporânea que a questão da segurança no direito veio à
baila com toda a força. Os regimes totalitaristas como o fascismo e o nazismo mostraram
ao mundo que era perfeitamente possível a formação de sociedades desiguais e racistas
com respaldo não só legal, mas constitucional.
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ASPECTOS BÁSICOS DA SEGURANÇA JURÍDICA
Para garantir essa proteção, essa segurança frente às mudanças, existem institutos
especificamente protegidos na Carta Magna (LGL\1988\3) de 1988, como é o caso do art.
5.º, inciso XXXVI, onde "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e
a coisa julgada", no intuito de que o direito se preserve frente às mudanças cada vez mais
profundas e rápidas da sociedade atual.
Ainda, todas as espécies de garantias, conforme será analisado mais adiante, possuem o
intuito de proteger os indivíduos das arbitrariedades, seja do Estado, seja dos próprios
indivíduos entre si, revelando que a preocupação com a segurança jurídica tem assento
em todo o ordenamento jurídico.
Assim, dedicou-se na Carta Magna (LGL\1988\3) brasileira um título inteiro (Titulo II) aos
direitos e garantias fundamentais, dos quais dois capítulos - Capítulos I e II - discorrem
exclusivamente acerca dos direitos e deveres individuais e coletivos e dos direitos sociais,
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ASPECTOS BÁSICOS DA SEGURANÇA JURÍDICA
Isso porque a Constituição Federal de 1988 é pautada por um superprincípio, que baliza
todo o ordenamento e é fundamento do Estado Social e Democrático de Direito,
denominado princípio da dignidade da pessoa humana, consubstanciado em seu art. 1.º,
inciso III.
Com a clareza que lhe é peculiar, afirma Pietro de Jesús Lora Alarcón acerca do tema:
Vale citar as esclarecedoras palavras de Ney Lobato Rodrigues sobre a dignidade da pessoa
humana:
"O artigo 1.º, III, da CF/1988 (LGL\1988\3) assegurou a dignidade da pessoa humana
como fundamento do Estado Democrático de Direito. É um princípio que engloba todas as
demais normas jurídicas e orienta as demais regras, razão pela qual todas as normas
infraconstitucionais que não se compatibilizem devem ser, conforme o caso, tidas como
não recepcionadas ou inconstitucionais (eis aqui, aliás, a função negativa dos princípios
jurídicos, no sentido de evitar o ingresso na ordem jurídica de normas-regras em
descompasso com os valores fundamentais consagrados pelo grupo social). Além do mais,
agasalha o respeito, a proteção física e emocional, à saúde, o direito à liberdade, à
individualização, à honra, e à igualdade. Assim, cada ser humano é, em virtude de sua
dignidade, merecedor de igual respeito e consideração, ainda que este mesmo ser humano
não se porte de forma honrosa, nobre, em relação com os seus semelhantes." 17
Com efeito, a partir do momento em que o Poder Constituinte Originário elenca todo um
rol de direitos e deveres que protegem não somente o cidadão, mas o ser humano como
um todo, ele está afirmando claramente aos indivíduos que os mesmos devem confiar no
sistema.
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ASPECTOS BÁSICOS DA SEGURANÇA JURÍDICA
Referida proteção reside no fato de que, no âmbito do direito público, além de todos os
princípios e garantias consubstanciados na Constituição Federal (LGL\1988\3), merecem
destaque dois princípios norteadores de todo o sistema: são eles o princípio da estrita
legalidade e o princípio da não-surpresa.
Pelo princípio da estrita legalidade, os entes de direito público estão obrigados a somente
agir de acordo com previsão legal.
É dizer que as autoridades públicas só estão autorizadas a fazer o que a lei obrigar,
havendo verdadeiro controle sobre a legalidade dos atos emanados do poder público.
Referida situação é ainda mais patente nos chamados Estados de Direito, como o Estado
brasileiro, uma vez que não só os atos do poder público devem obedecer estritamente aos
ditames legais, mas a própria existência do Estado é conferida por meio de um conjunto
de leis superiores hierarquicamente - a Constituição Federal (LGL\1988\3).
"Nos países onde existe o chamado Estado de Direito, a lei - norma geral, abstrata e igual
para todos os que se encontram em situação jurídica equivalente - provém do Legislativo,
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ASPECTOS BÁSICOS DA SEGURANÇA JURÍDICA
cujos membros são eleitos pelo povo. Por exprimir, como vimos, a vontade geral, possui
um primado sobre os atos normativos emanados dos demais Poderes. Deveras, a
administração pública, que a realiza nos casos concretos, apóia-se exclusivamente na lei.
O judiciário, de seu turno, é o garantidor máximo da legalidade.
Assim, a administração pública deve sempre atender ao princípio da legalidade, não lhe
cabendo realizar nada que esteja fora dos comandos legais. Referida exigência, conquanto
não impeça, por certo dificulta alguns favoritismos que sempre ocorreram, sobretudo
quando o princípio da legalidade não era aplicado.
Desta maneira, pode-se afirmar que a lei é fonte de segurança jurídica, ao obrigar os
entes de direito público a agirem de acordo com seus preceitos, evitando comportamentos
arbitrários.
Por esse princípio, deve-se se tratar as pessoas da mesma forma, sem distinção de cor,
raça, sexo, condição financeira etc., evitando-se, desta forma, qualquer favoritismo em
proveito de uma pessoa ou uma classe, como ocorreu em toda a história da humanidade.
Todavia, há que se levar em consideração que os indivíduos não são iguais, e que alguns,
sobretudo, possuem deficiências que devem ser tuteladas pela lei. Em outras palavras,
afirma-se que o Estado deve possuir leis especiais destinadas às pessoas especiais.
Por este motivo, para garantir que o princípio da igualdade seja aplicado, remonta-se à
antiga, porém sempre atual, máxima Aristotélica, na qual se deve tratar de forma igual
os iguais e de forma desigual os desiguais, na exata medida de sua desigualdade.
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ASPECTOS BÁSICOS DA SEGURANÇA JURÍDICA
Ademais, muitas outras garantias, das quais são exemplos a irretroatividade da lei penal,
os princípios da razoabilidade e da eficiência na esfera administrativa e o princípio da
anterioridade no direito tributário conferem maior segurança jurídica ao sistema.
Por derradeiro, e conforme já explicitado no item dois, in fine, e três do presente trabalho,
também as garantias individuais e coletivas protegem os cidadãos, não somente no âmbito
do direito público, mas também nas relações de direito privado, do que se passa a tratar.
Com efeito, sabe-se que o direito privado é pautado pelo princípio da autonomia da
vontade, que garante ao indivíduo a faculdade de agir conforme a sua vontade, em relação
a todos os atos que a lei não proibir.
De fato, não pode a lei nova modificar ou até mesmo extinguir um contrato, sob o
argumento de que o mesmo teria se tornado "ilegal". Referida hipótese revela-se absurda
do ponto de vista jurídico, uma vez que um contrato firmado sem vícios é ato jurídico
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ASPECTOS BÁSICOS DA SEGURANÇA JURÍDICA
"A teoria do ato jurídico perfeito e do direito adquirido teve especial desenvolvimento no
campo dos contratos, tendo em conta a importância da autonomia da vontade nesse
particular. Ao manifestarem o desejo de se vincular em um ajuste, as partes avaliam as
conseqüências dessa decisão, considerando as normas em vigor naquele momento. É
incompatível com a idéia de segurança jurídica admitir que a modificação posterior da
norma pudesse surpreender as partes para alterar aquilo que tinham antevisto no
momento da celebração do contrato.
(...)
"Em suma: as relações contratuais regem-se, durante toda a sua existência, pela lei
vigente quando de sua constituição. Isto é: a lei nova não pode afetar um contrato já
firmado, nem no que diz respeito à sua constituição válida, nem à sua eficácia. Os efeitos
provenientes do contrato, independentemente de se produzirem antes ou depois da
entrada em vigor do direito novo, são também objeto de salvaguarda, na medida em que
não podem ser dissociados de sua causa jurídica, o próprio contrato." 20
Assim, não importa se surgiu um comando normativo que tornou a relação contratual
eivada de quaisquer vícios. Pelo contrário: a relação contratual continua sendo
perfeitamente válida, uma vez que, na época da assinatura do contrato, a relação estava
em absoluta conformidade com o ordenamento jurídico, sendo tal situação preservada
mesmo com a incidência de lei contrária.
Contudo, com a aprovação e publicação da Lei 10.406 de 10.01.2002, que instituiu o novo
Código Civil (LGL\2002\400) brasileiro, veio à tona a questão da eficácia e validade nos
contratos assinados antes do novo Código Civil (LGL\2002\400).
"Art. 2.035 - A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da
entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no artigo
2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele
se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de
execução.
Isso porque de nada adiantaria um negócio jurídico que, embora constituído na vigência
de uma determinada legislação, restasse subordinado em seus efeitos à legislação futura.
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Outra inconstitucionalidade patente pode ser verificada no parágrafo único do art. 2.035,
do CC/2002 (LGL\2002\400), onde se pode entender que a norma de ordem pública seria
capaz de modificar os efeitos de um negócio jurídico realizado antes dela.
"O princípio constitucional do respeito a ato jurídico perfeito se aplica também, conforme
é o entendimento desta Corte, às leis de ordem pública. Correto, portanto, o acórdão
recorrido ao julgar que, no caso, ocorreu afronta ao ato jurídico perfeito, porquanto, com
relação á caderneta de poupança, há contrato de adesão entre o poupador e o
estabelecimento, não podendo, portanto, ser aplicada a ele, durante o período para a
aquisição da correção monetária mensal já iniciado, legislação que altere, para menor, o
índice dessa correção". (STF, AgIn 181.317-2, 1.ª T., rel. Min. Moreira Alves). 21
Conclui-se que os negócios jurídicos, como atos jurídicos perfeitos que são, devem ser
respeitados, não importando de que ordem seja a legislação posterior, sob pena de
desrespeito à garantia constitucional consubstanciada no art. 5.º, XXXVI, da Constituição.
Foi o caso da EC 41, de 19.12.2003, que, em seu art. 4.º, instituiu a contribuição para o
custeio do regime de previdência para os servidores inativos e os pensionistas da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Eis o art. 4.º, da EC 41:
"Os servidores inativos e os pensionistas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, em gozo de benefícios na data de
publicação desta Emenda, bem como os alcançados pelo disposto no seu art. 3.º,
contribuirão para o custeio do regime de que trata o art. 40, da CF/1988 (LGL\1988\3)
com percentual igual ao estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos."
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Referida Emenda atingiu indivíduos que já haviam se aposentado, sem o desconto a título
da aludida contribuição. Assim, milhares de aposentados tiveram suas aposentadorias
reduzidas, não se respeitando, supostamente, o direito adquirido, qual seja, o direito à
aposentadoria plena, imune à referida contribuição.
Por este motivo, os servidores ajuizaram a ADIn 3.218-DF, alegando ofensa ao direito
adquirido no ato da aposentaria.
Conforme se pode observar, o STF entendeu pela não ocorrência de direito adquirido, com
o fundamento de que não havia norma expressa de imunidade tributária absoluta aos
contribuintes inativos, e preservou os princípios da solidariedade e do equilíbrio financeiro
e atuarial, tendo em vista a situação de extraordinário déficit sofrido pelo Estado brasileiro,
que todo ano acarreta prejuízo da ordem de bilhões de reais.
Em outro caso, o STF julgou inconstitucional as leis Municipais que não respeitavam a
exigência contida no art. 29, IV, da CF/1988 (LGL\1988\3), de que o número de
Vereadores seja proporcional à população dos Municípios, observados os limites mínimos
e máximos fixados pelas alíneas a, b e c.
De fato, ocorre a situação em que Municípios menos populosos têm mais Vereadores
proporcionalmente do que outros com um número de habitantes várias vezes maior, não
somente desrespeitando a Constituição como, com isso, gerando grande prejuízo ao erário
público todos os anos.
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ASPECTOS BÁSICOS DA SEGURANÇA JURÍDICA
Conclui-se que a questão da segurança jurídica deve ser analisada de forma específica,
dependendo do caso concreto, uma vez que há determinadas situações em que, embora
seja absoluta exceção, a mesma pode ser sopesada, tendo em vista algum valor maior
envolvido, no sentido já julgado pelo Supremo Tribunal Federal.
Uma análise de toda a matéria exposta no presente trabalho permite concluir que a
segurança no direito é necessidade intrínseca à vida dos indivíduos, que necessitam de
estabilidade em suas relações, para que possam se desenvolver.
De fato, a análise histórica do tema realizada no item III revelou que nunca a segurança
foi tão importante - e tão discutida - como nos dias atuais, uma vez que as guerras, aliadas
às mudanças cada vez mais rápidas e mais profundas ocorridas sobretudo nos últimos
cinqüenta anos acarretaram na necessidade de se garantir aos indivíduos a mantença de
certos direitos em períodos de transição.
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ASPECTOS BÁSICOS DA SEGURANÇA JURÍDICA
9. Referências bibliográficas
AFONSO DA SILVA, José. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3. ed. São Paulo:
Malheiros, 1998.
ARAÚJO, Luiz Alberto. NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 7.
ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 13. ed. São Paulo:
Malheiros, 2000.
______. Conteúdo jurídico do principio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 20. ed. São Paulo:
Malheiros, 2004.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. 2 ed. rev.
e aum.. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1970.
MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis. 2. ed. 2. tir. São Paulo:
Martins Fontes, 2000.
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Manual da monografia jurídica. São Paulo: Saraiva, 1997.
Página 18
ASPECTOS BÁSICOS DA SEGURANÇA JURÍDICA
PÉREZ LUÑO, Antonio Enrique. La seguridad jurídica. Barcelona: Editorial Ariel, 1991.
RODRIGUES, Ney Lobato. Vida, morte e dignidade do ser humano. In: ARAÚJO, Luís
Alberto David , SEGALLA, José Roberto Martins (Coords.). 15 anos da Constituição Federal
(LGL\1988\3) em busca da efetividade. Bauru: Edite, 2003.
1 Afirma Pérez Luño: "(...) En la segunda, que representa su face subjetiva, se presenta
como certeza del Derecho, es decir, como proyección en las situaciones personales de la
seguridad objetiva. Para ello, se requiere la possibilidad del conocimiento del Derecho
por sus destinatários. Gracias a esa información, realizada por los adecuados medios de
publicidad, el sujeto de um ordenamento jurídico debe poder saber com claridad y de
antemano aquello que le está mandado, permitido o prohibido. Em función de esse
conocimiento los destinatários del Derecho pueden organizar su conducta presente y
programar expectativas para su actuación jurídica futura bajo pautas razonables de
previsibilidad". La seguridad jurídica, p. 22. Tradução: (...) na segunda, que representa
sua face subjetiva, se apresenta como certeza do Direito, é dizer, como projeção nas
situações pessoais da segurança objetiva. Para ele, se requer a possibilidade do
conhecimento do Direito por seus destinatários. Graças a essa informação, realizada
pelos adequados meios de publicidade, o sujeito de um ordenamento jurídico deve poder
saber com claridade e de antemão aquele que o está mandado, permitido ou proibido.
Em função desse conhecimento os destinatários do Direito podem organizar sua conduta
presente e programar expectativas para sua atuação jurídica futura baixo pautas
razoáveis de previsibilidade".
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ASPECTOS BÁSICOS DA SEGURANÇA JURÍDICA
10 José Afonso da Silva sabiamente afirmou sobre a legitimidade que "(...) Nos Estados
Democráticos, o Poder Constituinte pertence ao povo. Aliás, sempre pertence ao povo;
e, se uma Constituição vem de outra fonte, é que ocorreu usurpação. Só o povo é
legítimo para determinar, por si ou por seus representantes, o estabelecimento de uma
Constituição, ou para reformá-la, nos limites por ela mesma estatuídos". Aplicabilidade
das normas constitucionais, p. 58.
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ASPECTOS BÁSICOS DA SEGURANÇA JURÍDICA
22 Nesse mesmo sentido, o caso em que a Infraero havia contratado servidores sem
concurso público, de acordo com o seu regimento interno que, na época, que não previa
tal exigência, e contrariando assim o disposto no art. 37, II, da CF/1988 (LGL\1988\3),
que obriga a realização do referido concurso. Tendo em vista o longo período de tempo
transcorrido, e com base no princípio da confiança, o STF houve por bem manter as
contratações. Veja-se ementa: "Mandado de Segurança. 2. Acórdão do Tribunal de
Contas da União. Prestação de Contas da Empresa Brasileira de Infra-estrutura
Aeroportuária - Infraero. Emprego Público. Regularização de admissões. 3. Contratações
realizadas em conformidade com a legislação vigente à época. Admissões realizadas por
processo seletivo sem concurso público, validadas por decisão administrativa e acórdão
anterior do TCU. 4. Transcurso de mais de dez anos desde a concessão da liminar no
mandado de segurança. 5. Obrigatoriedade da observância do princípio da segurança
jurídica enquanto subprincípio do Estado de Direito. Necessidade de estabilidade das
situações criadas administrativamente. 6. Princípio da confiança como elemento do
princípio da segurança jurídica. Presença de um componente de ética jurídica e sua
aplicação nas relações jurídicas de direito público. 7. Concurso de circunstâncias
específicas e excepcionais que revelam: a boa fé dos impetrantes; a realização de
processo seletivo rigoroso; a observância do regulamento da Infraero, vigente à época
da realização do processo seletivo; a existência de controvérsia, à época das
contratações, quanto à exigência, nos termos do art. 37 da Constituição, de concurso
público no âmbito das empresas públicas e sociedades de economia mista. 8.
Circunstâncias que, aliadas ao longo período de tempo transcorrido, afastam a alegada
nulidade das contratações dos impetrantes. 9. Mandado de Segurança deferido". (MS
22.357-DF, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 27.05.2004, DJ 05.11.2004).
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ASPECTOS BÁSICOS DA SEGURANÇA JURÍDICA
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