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Resumo
RPG, jogo/atividade de contar histórias coletivamente onde os participantes são autores
e personagens das tramas, torna-se cada vez mais presentes entre as juventudes recentes.
A sigla vem do estrangeirismo role playing game, algo como jogo de representação. Os
jogos de RPG se apresentam em forma de livros que trazem regras e informações para a
criação de personagens e aventuras. Um dos participantes exerce a função de mestre do
jogo, ou apenas mestre ou narrador, quem oferece a história que será contada por todos.
Os outros participantes participam interpretando seus personagens. Alguns jogadores
vivem a narração de jogos de RPG e a docência e exercem, ao mesmo tempo, as duas
práticas narrativas, em ambientes distintos. Suas relações com os diferentes públicos se
aproximam e se afastam, ao mesmo tempo em que relações de poder são tecidas nas
duas práticas narrativas com os diferentes públicos. O objetivo investigativo configurou
os processos de subjetivação, como pautados pelo filósofo Michel Foucault, destes
sujeitos que são, ao mesmo tempo, docentes e mestres do jogo de RPG. Os problemas
de pesquisas buscaram compreender as diferentes relações de poder que são construídas
em ambientes tão distintos, a sala de aula e a mesa de jogo. Como os jogos de RPG
exigem a presença do narrador, que é também o juiz da atividade, a prática jogar RPG é
regida por intensas relações de poder, seja o narrador impondo as regras, sejam os
jogadores resistindo. Como procedimento metodológico desta investigação buscou-se a
análise das duas práticas, docência e mestrar/narrar jogos de RPG a partir da definição
do processo de governamentalidade como colocado por Foucault, onde o sujeito exerce
dominação sobre os outros e se relaciona com as técnicas de si, como organizadas
também pelo filósofo. Como resultado verificou-se que os sujeitos que exercem as duas
práticas, docência e mestrar/narrar jogos de RPG são subjetivados por diversas formas,
sejam sociais, econômicas, políticas, culturais, e que suas relações de poder, a partir do
entendimento de Foucault, são tecidas constantemente nas duas práticas, a docência e
mestrar/narrar jogos de RPG, com diferentes sujeitos em cada ambiente, alunos e
jogadores.
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Na história da obra de ficção científica Duna o protagonista passa por transformações social e pessoal
adquirindo o título de Muad‟Dib.
2
UFPA – Universidade Federal do Pará, Mestre em Educação, gilsonrocha13@gmail.com
Os importantes desafios que hoje se colocam a nível curricular
carecem de professores com capacidades de iniciativa e de decisão,
não só em termos de gestão curricular, mas também no domínio da
concepção de projectos, do recurso a metodologias inovadoras e a
estilos de ensino que lhes permitam adaptar os processos de ensino-
aprendizagem às características, interesses, motivações e ritmos de
aprendizagem dos alunos com que trabalham (MORGADO, 2004, p.
131).
Nesta trilha, analisando o aumento do interesse de jovens pela escola por meio
de um processo de ensino-aprendizagem significativo e prazeroso é que visito as
pesquisas sobre jogos de RPG e educação no que tange à formação de professores e o
currículo escolar, tendo este tipo de jogo como fomentador do interesse das práticas de
leitura, escrita e pesquisa. Dessa forma, podemos contribuir para que a escola valorize
as culturas juvenis e para que a educação seja valorizada pelos jovens.
Você acabou de ler um exemplo de situação encontrada nos jogos de RPG, onde
você é uma das personagens da cena apresentada.
O RPG surgiu em meados dos anos 70 nos Estados Unidos e ganhou o mundo na
década de noventa, chegando ao Brasil por volta de 1991. Primeiramente inspirado nas
histórias fantásticas de J.R.R. Tolkien, autor de livros como O Hobbit e O Senhor dos
Anéis, obras transportadas para os cinemas que fascinam e conquistam fãs. Depois as
criações se inspiraram em super heróis, na ficção científica, mitologia, filmes e em
muitas outras fontes, mas foi com os ambientes históricos que a linha entre diversão e
educação tornou-se positivamente tênue.
Os jogos de RPG chegaram ao Brasil no início da década de noventa e os
jogadores da época, uma massa adolescente e jovem em sua maioria, acompanhou o
jogo até seus caminhos na graduação e pós-graduação nos anos seguintes. Outros
pesquisadores vieram antes dos jogadores-pesquisadores, geralmente professores/as que
viram nos campi universitários ou entre seus filhos esta forma diferente de se contar
histórias, uma prática que se faz presente com relativa força entre as faixas etárias mais
recentes em convivência de tanta disponibilidade de diversão e ocupação tecnológica.
Andréa Pavão fornece uma das muitas explicações que existem nas pesquisas,
nos manuais de regras, nos livros acadêmicos e nas vozes dos jogadores e dos
narradores de jogos de RPG:
O uso dos jogos de RPG como ferramenta educativa vem sendo pleiteado por
jogadores, editores, autores e educadores que já tiveram contato com esta modalidade de
jogo, onde o aluno é transformado em construtor do conhecimento e numa figura ativa
em vez de passiva, através da narrativa oral e dos registros pela prática da escrita, seja
amalgamando aos conteúdos da sala de aula, dentro ou fora dela, ou usando temáticas
diversas, ampliando o contato com diversas fontes culturais e de conhecimento.
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Geografia, política, sociedade, cultura, tecnologia, cosmologia, fauna, flora, enfim, tudo que compõe um
espaço.
Tomaz Tadeu da Silva resgata o pensamento progressista de John Dewey sobre
seu livro de 1902, The child and the curriculum, em tradução livre A criança e o
currículo, em que diz ser importante “levar em consideração, no planejamento
curricular, os interesses e as experiências das crianças e jovens” (SILVA, 2011, p.23).
Mas para Fairchild (2004), o uso do RPG na educação ainda carece de discussão
e pesquisas, sendo sua utilização influenciada por autores, pesquisadores e demais
atores envolvidos no processo. Braga (2000) e Pavão (1999) concluem que inserir o
RPG no currículo escolar removeria seu caráter lúdico e sua espontaneidade. Este ponto
da ludicidade é pontual em Huizinga, “antes de mais nada, o jogo é uma atividade
voluntária. Sujeito a ordens, deixa de ser jogo, podendo no máximo ser uma imitação
forçada” (HUIZINGA, 2012, p.10). Em contraponto, pesquisas mais recentes
executadas geralmente por pesquisadores-jogadores de RPG, comprovam que existem
possibilidades extremamente ricas.
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Relativo ao ato do mestre do jogo de conduzir a aventura dos jogos de RPG,
influências familiares, contextos históricos, relações, dentre muitos outros. Pensar na
constituição desses sujeitos, que são mestres de jogos de RPG e docentes, mestres da
sala de aula, é pensar na subjetivação.
Vale ressaltar que um espectro bastante particular tange as dinâmicas dos jogos
de RPG sobre governamentalidade e relações de poder. Para ser mestre de RPG, muitas
vezes não basta dominar as regras do manual escolhido e ter uma história para contar.
Jogar RPG é estabelecer relações entre os participantes de formas específicas, seja entre
mestre e jogadores, entre os jogadores, entre as personagens dos jogadores e, por
último, entre história contada pelo mestre e as personagens dos jogadores.
O mestre de RPG tem uma voz diferente dos demais jogadores, ele diz o que
acontece no mundo onde se passa a história. Ao ter poder absoluto sobre todo o
universo onde se passa a história, exceto sobre as ações das personagens dos jogadores,
o limite do mestre do jogo para determinar o que acontece é apenas ele mesmo. Mas ao
deter este poder e responsabilidade, o mestre do jogo de RPG não coage os jogadores na
mesa de jogo, nem suas personagens na história, ele não age como um tirano. Sua voz
diferente na dinâmica do jogo apresenta a história e guia as personagens que dela
participam. O mestre imprime na história suas vontades e, nesse movimento, os
jogadores aceitam e/ou negociam e interagem constantemente.
O mesmo pode ser pensado para a docência. Por meio de diferentes técnicas os
sujeitos se constituem enquanto tal. Diversas competências são requeridas para este
exercício; diversas operações, alterações, atitudes, posturas, transformações são
produzidas ao longo da constituição desse domínio profissional.
Referências
BRÍCIO, Vilma Nonato de. Entre o laico e o religioso: as injunções do discurso sobre
gênero e sexualidade em um dispositivo curricular de normalização para Aspectos da
Vida Cidadã. Dissertação (Mestrado em Educação) – Instituto de Ciências da Educação,
Universidade Federal do Pará, Belém, 2010.
MORGADO, José Carlos. Educar no Século XXI: que papel para o(a) professor(a)? In:
Antonio Flavio Barbosa Moreira; José Augusto Pacheco; Regina Leite Garcia. (Org.).
Currículo: pensar, sentir e diferir. 1 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2004, v. 1, p. 131