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Texto-base: ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica, 2017 (Parte II. “Teoria do
discurso prático racional geral” e Parte III, Cap. I. “O discurso jurídico como caso especial
do discurso prático geral”. p. 173-212
2.1. Em muitos casos, a decisão que põe fim a uma disputa judicial: “expressa num
enunciado normativo singular, não se segue logicamente das formulações das
normas jurídicas que se supõem vigentes, juntamente com os enunciados
empíricos que se devam reconhecer como verdadeiros ou provados” (ALEXY, 2017,
p. 19).
Citando Larenz: “Ninguém mais pode afirmar seriamente que a aplicação das
normas jurídicas não é senão uma subsunção lógica às premissas maiores
abstratamente formuladas” (ALEXY, 2017, p. 19).
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2.2 Metodologia jurídica, com suas regras e procedimentos (cânones da interpretação)
– cita, aqui, Savigny –, não é suficiente por si mesma, para fundamentação da
decisão (ALEXY, 2017, p. 21)
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racionalmente fundamentadas ou justificadas essas valorações” (ALEXY, 2017, p.
24).
(...) deve-se constatar que não devem ser indiferentes ao aplicador as convicções
daqueles em cujo nome fala, já que, se decide como juiz, sua decisão é pronunciada
“em nome do povo”. Tampouco se poderá prescindir dos resultados de um processo
de discussão ao longo de inumeráveis gerações de juristas. Daqui se depreende
claramente que a alternativa não pode ser: orientação com base nas próprias ideias ou
naquelas ideias em cujo nome se aplica o Direito ou ainda nas daqueles que discutem
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as questões jurídicas há tempos. Deve-se sim exigir um modelo que, por um lado,
permita levar em conta as convicções aceitas e os resultados das discussões jurídicas
precedentes e, por outro lado, deixe espaço para os critérios do correto (ALEXY, 2017,
p. 27)
ii) “referir-se a valorações que, de alguma maneira, podem ser extraídas do material
jurídico existente (incluídas decisões anteriores)”. Fala, aqui, no “sistema interno
de valorações do ordenamento jurídico” (ALEXY, 2017, p. 27).
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4. Argumentação jurídica (discurso jurídico). Caminho que propõe em sua
investigação.
São atos que, nessa medida, envolvem diversos participantes. Isso não impede, é
verdade, se falar em discursos internos: “Os discursos internos são reflexões de
uma pessoa em que se levam em conta os possíveis argumentos contrários dos
oponentes imaginados” (p. 175).
* Vale, aqui, a referência aos conceitos e reflexões de Habermas, autor que exerce
influência fundamental no pensamento de Alexy:
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Em sua teoria do agir comunicativo, Habermas apresenta a matéria da seguinte
forma.
São elas: i) pretensão de verdade, relativa “a fatos que afirmamos com referência
a objetos no mundo objetivo”; ii) pretensão de correção de “normas e pretensões,
que merecem reconhecimento num mundo social intersubjetivamente partilhado”;
e, finalmente, iii) pretensão de veracidade/sinceridade, quanto a enunciados que
revelam vivências subjetivas.
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correção normativa e/ou da sinceridade. A pretensão de validade do ato de fala
ofertado é problematizada, tornando-se objeto de uma controvérsia em que pode
ser resgatada com base em argumentos.
Quem compartilha concepções que se revelam falsas não é eo ipso irracional; irracional
é quem defende suas opiniões dogmaticamente, se prende a elas mesmo vendo que
não pode fundamentá-las. Para qualificar uma opinião como racional basta que, no
contexto de justificação dado, ela possa por bons motivos ser tida como verdadeira,
ou seja, racionalmente aceita.
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e) Discurso? O discurso pressupõe uma situação ideal de fala, que garanta liberdade
e simetria entre os participantes, além de participantes com competência
comunicativa. Trata-se, por isso, de uma
iii) Discurso jurídico como caso especial do discurso prático geral, pois a
argumentação jurídica, defende Alexy, tem por objeto a correção dos enunciados
normativos:
Será conveniente designar tal atividade como ‘discurso’ e, visto que se trata da
correção de enunciados normativos, como ‘discurso prático’. O discurso jurídico é um
caso especial do discurso prático geral” (ALEXY, 2017, p. 30).
4.2. Tese central. Eis sua tese central, defendida por Alexy: discurso jurídico é um caso
especial do discurso prático geral, ambos tratando da correção de enunciados
normativos, ocorrendo, porém, este último, “sob condições limitadas, como a lei,
a dogmática e o precedente” (ALEXY, 2017, p. 175):
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1.1. Regresso infinito. Fundamentação de proposição em outra proposição. Exigência
de fundamentação das proposições normativa por meio de outra proposição
implica um regresso infinito.
Cita o exemplo da proposição (N) “A agiu mal” porque mentiu. Isso pressupõe (é
fundamentável em) a proposição “mentir é errado”.
Se se puser em dúvida a fundamentação da primeira proposição (N), dirigindo-se
contra a segunda, é necessário, então, fundamentá-la também.
Pode-se, então, apresentar, como fundamento/razão, o enunciado “mentir gera
sofrimentos evitáveis”, que também pode ser questionado, exigindo nova
fundamentação. Por exemplo: “o que causa sofrimentos evitáveis é ruim”. Esta,
também, deve ser fundamentável, em outra proposição, e assim sucessivamente
(ALEXY, 2017, p. 174).
1.2. Interrupção por decisão não justificável. Regresso infinito pode ser evitado caso a
fundamentação seja interrompida por uma “decisão que já não se tem de
fundamentar”.
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consiste a ideia fundamental da teoria do discurso prático racional (ALEXY, 2017, p.
175).
2.4. Por outro lado, todos têm aspectos positivos, de modo que é preciso combiná-las:
“Como devem ser aplicadas em particular, cabe aos participantes do discurso
determinar” (ALEXY, 2017, p. 182)
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2.5. E conclui: “Não é irracional que não se proceda somente mediante regras
fundamentadas. É racional começar de alguma maneira a discussão, é também
racional começá-la com base em regras não justificadas” (ALEXY, p. 182).
1. Regras fundamentais
(1.2.) Todo falante só pode afirmar aquilo em que ele mesmo acredita.
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* Assegura a sinceridade da discussão: “Sem (1.2.) não seria possível sequer mentir,
pois, se não se pressupõe nenhuma regra que exija sinceridade, não é concebível
o engano” (ALEXY, 2017, p. 184).
(1.3.) Todo falante que aplique um predicado F a um objeto A deve estar disposto a
aplicar F a qualquer objeto igual a A em todos os aspectos relevantes.
(1.3’) Todo falante só pode afirmar os juízos de valor e de dever que afirmaria
dessa mesma forma em todas as situações em que afirme que são iguais em todos
os aspectos relevantes.
(1.4.) Diferentes falantes não podem usar a mesma expressão com diferentes
significados.
2. Regras de razão
(2) Todo falante deve, se lhe é pedido, fundamentar o que afirma, a não ser que
possa dar razões que justifiquem negar uma fundamentação.
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* Denomina regra geral da fundamentação, a qual remete à pretensão de
fundamentabilidade, presente em nossos atos de fala: “Quem afirma algo, não só
quer expressar que acredita em algo, mas também que pretende que o que ele diz
é fundamentável, que é verdadeiro, que é correto”.
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(2.3.) A nenhum falante se pode impedir de exercer seus direitos fixados em (2.1) e
(2.2), mediante coerção interna e externa ao discurso.
(3.1) Quem pretende tratar uma pessoa A de maneira diferente de uma pessoa B está
obrigado a fundamentá-lo.
(3.2) Quem ataca uma proposição ou uma norma que não é objeto da discussão deve
dar uma razão para isso.
* Remete ao princípio da inércia, de Perelman, que “exige que uma opinião ou uma
práxis que tenha sido aceita uma vez não pode abandonar-se sem motivo para isso”
(ALEXY, 2017, p. 189).
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(3.3) Quem aduziu um argumento está obrigado a dar mais argumentos em caso de
contra-argumentos.
* Explica:
(3.4) Quem introduz no discurso uma afirmação ou manifestação sobre suas opiniões,
desejos ou necessidades que não se apresentem como argumento a uma
manifestação anterior tem, se lhes for pedido, de fundamentar por que essa
manifestação foi introduzida na afirmação.
* São consideradas, nesse ponto, as regras (2.2.b) e (2.2.c) todo falante pode, em
qualquer momento, introduzir asserções e expressar suas opiniões, desejos e
necessidades.
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5. Regras de fundamentação.
5.1.1. Quem afirma uma proposição normativa que pressupõe uma regra para
satisfação dos interesses de outras pessoas deve poder aceitar as consequências
de dita regra também no caso hipotético de ele se encontrar na situação daquelas
pessoas.
Com Habermas, “Se todos deliberam sobre questões práticas com igualdade de
direitos, só podem encontrar o acordo geral aquelas proposições e regras que cada
um pode aceitar” (ALEXY, 2017, p. 196).
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5.1.3. Toda regra deve ser ensinada de forma aberta e geral
Considerando que o acordo racional não é garantido por meio das regras
anteriores, passa-se, aqui, a regras com as quais se busca, pelo menos, aumentar
“a probabilidade da transformação de concepções incompatíveis praticamente
existentes, no sentido de um acordo racional” (ALEXY, 2017, p. 196-197).
Disso seguem duas regras com as quais se” visa a garantir a racionalidade das
regras por meio de sua gênese social e individual” (ATIENZA, 2017, p. 200)
(5.2.1) As regras morais que servem de base às concepções morais do falante devem
resistir à comprovação de sua gênese histórico-crítica. Uma regra moral não
resiste a tal comprovação:
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Acrescenta que a “prova” da formação histórico-social, deve ser completada por uma
“prova do desenvolvimento individual das opiniões normativas” (p. 197).
5.2.2. As regras morais que servem de base às concepções morais do falante devem
resistir à comprovação de sua formação histórica individual. Uma regra moral não
resiste a tal comprovação se se estabeleceu com base apenas em condições de
socialização não justificáveis.
(...) nos discursos práticos surgem muitos problemas que não podem ser resolvidos
com os meios da argumentação prática. Pode tratar-se de questões de fato (em
especial, a previsão de consequências), de problemas linguísticos (em especial
problemas de comunicação) e de questões que se referem à própria discussão prática.
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Nesses casos deve ser possível passar a outras formas de discurso (ALEXY, 2017, p.
198).
3.2. Razão e vontade. Direito. Tampouco as regras garantem que, caso seja alcançado
um acordo, todos estejam dispostos a segui-lo. Distingue-se, nesse ponto, com
Kant, a formação do juízo e a formação da vontade: “saber o que é certo não
significa necessariamente estar disposto a agir nesse sentido” (ATIENZA, 2016, p.
202).
Tal limitação das regras do discurso suscita a necessidade do Direito que “sirva,
em certo sentido, para preencher essa lacuna de racionalidade”:
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(...) o Direito é justificado em termos discursivos, tanto na sua dimensão propriamente
normativa, isto é, como um conjunto de normas (...) que, movendo-se dentro do
campo do discursivamente possível, fazem com que aumente a possibilidade de
resolução de questões práticas, quanto na sua dimensão coativa, isto é, à medida que
suas normas podem se impor, também, a quem não está disposto a segui-la de bom
grado (ATIENZA, 2016, p. 202).
3.3. Nessa temática, com Habermas, o direito vem para compensar as fraquezas de
nossa “moral racional”.
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4. Discurso jurídico como caso especial do discurso prático geral
4.4. Situação intermediária. Não qualificação dos processos como discurso nem como
agir estratégico:
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Esta situação especial intermediária do processo exclui a possibilidade de ser
designado simplesmente como discurso, mas significa, por outro lado, que o processo
não pode ser compreendido teoricamente sem a referência ao conceito de discurso.
Isso porque há a pretensão das partes de argumentar racionalmente (ALEXY, 2017, p.
210).
Parece que as limitações específicas, que atingem o agir forense das partes ante o
Tribunal, não permitem que o evento do processo seja medido pelo discurso racional.
As partes não estão obrigadas à busca cooperativa da verdade, uma vez que também
podem perseguir seu interesse numa solução favorável do processo “introduzindo
estrategicamente argumentos capazes de consenso”. Contra isso é possível objetar,
com grande plausibilidade, que todos os participantes do processo, por mais
deferentes que sejam seus motivos, fornecem contribuições para um discurso, o qual
serve, na perspectiva do juiz, para a formação imparcial do juízo (HABERMAS, 2012, p.
288).
5. Crítica de Habermas
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Em sua teoria, “a legitimidade de normas jurídicas mede-se pela racionalidade do
processo democrático da legislação política”, num processo mais complexo que o
da argumentação moral:
(...) a legitimidade das leis não se mede apenas pela correção dos juízos morais, mas
também pela disponibilidade, relevância, pertinência e escolha das informações, pela
fecundidade da elaboração das informações, pela adequação das interpretações da
situação e pelas colocações de problemas, pela racionalidade de decisões eleitorais,
pela autenticidade de valorações fortes, principalmente pela equidade dos
compromissos obtidos, etc. (HABERMAS, 2012, p. 290).
E conclui, nessa linha, contra a tese de que os discursos jurídicos são um caso
especial de discursos morais:
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