Você está na página 1de 24

AULA 04. Robert Alexy. Teoria da argumentação jurídica.

Discurso jurídico como discurso


prático (moral)

Texto-base: ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica, 2017 (Parte II. “Teoria do
discurso prático racional geral” e Parte III, Cap. I. “O discurso jurídico como caso especial
do discurso prático geral”. p. 173-212

I. Abordagem introdutória. Objetivo. Problema da fundamentação das decisões


jurídicas.

1. Objetivo (Introdução): Enfrenta o problema da fundamentação de enunciados


jurídico-normativos, apresentando, para tanto, a teoria do discurso jurídico, como
caso especial do discurso prático geral.

2. Problema da fundamentação das decisões jurídicas.

2.1. Em muitos casos, a decisão que põe fim a uma disputa judicial: “expressa num
enunciado normativo singular, não se segue logicamente das formulações das
normas jurídicas que se supõem vigentes, juntamente com os enunciados
empíricos que se devam reconhecer como verdadeiros ou provados” (ALEXY, 2017,
p. 19).

Traz, aqui, como motivos, a “imprecisão da linguagem”, a “possiblidade de conflitos entre


normas; a “possibilidade de haver casos que requeiram regulamentação”, por não
caberem em nenhuma norma válida (lacuna); e, em casos especiais, a possibilidade de
“uma decisão contrariar a literalidade da norma (ALEXY, 2017, p. 19-20).

Citando Larenz: “Ninguém mais pode afirmar seriamente que a aplicação das
normas jurídicas não é senão uma subsunção lógica às premissas maiores
abstratamente formuladas” (ALEXY, 2017, p. 19).

1
2.2 Metodologia jurídica, com suas regras e procedimentos (cânones da interpretação)
– cita, aqui, Savigny –, não é suficiente por si mesma, para fundamentação da
decisão (ALEXY, 2017, p. 21)

3. Escolha. Valoração. Não seguindo a decisão logicamente de normas jurídicas,


tampouco podendo ser fundamentada definitivamente com a ajuda da
metodologia jurídica, “resta então ao intérprete um campo de ação em que se tem
de escolher entre várias soluções, a partir das normas jurídicas, regras
metodológicas e enunciados de sistemas jurídicos” (p. 23).

3.1. Escolha feita pelo intérprete, determinando o enunciado normativo singular,


implica uma valoração, um juízo de valor:

Tal enunciado normativo singular contém uma proposição ou determinação sobre o


que está ordenado, proibido ou permitido a determinadas pessoas. A decisão tomada
em qualquer nível da fundamentação é, assim, uma decisão sobre o que deve ou
pode ser feito ou omitido. Com ela, a ação ou comportamento de uma ou várias
pessoas é preferido em relação a outras ações ou comportamentos seus, isto é, um
estado de coisas é preferido em detrimento de outro. Na base de tal ação de preferir
está, contudo, a enunciação da alternativa eleita como melhor em algum sentido e,
portanto, uma valoração ou juízo de valor (p. 23).

 Cita, novamente, Larenz, que fala do “reconhecimento de que a aplicação da lei


não se esgota na subsunção, mas exige, em grande medida, valorações do
aplicador” (p. 24)

3.2. Problemas! “A pergunta é onde e em que medida são necessárias valorações,


como deve ser determinada a relação dessas com os métodos da interpretação
jurídica e com os enunciados e conceitos da dogmática jurídica, e como podem ser

2
racionalmente fundamentadas ou justificadas essas valorações” (ALEXY, 2017, p.
24).

 Questões não podem ser respondidas de antemão. Apresenta, de qualquer forma,


ponto de partida: valorações necessárias em muitas decisões jurídicas são
moralmente relevantes.
Tal constatação “não diz, porém, muito, mas é o pressuposto da tese, que se
fundamentará mais adiante, de que o aplicador deve se orientar em sentido
juridicamente relevante de acordo com valorações moralmente corretas” (ALEXY,
2017, p. 26).

3.3. Objetivação das valorações. Da consideração de que não se pode prescindir de


valorações, não decorre que “na medida em que essas são necessárias, há um
campo livre para convicções morais subjetivas do ou dos aplicadores” (ALEXY, 2017,
p. 26).

Tentativas/propostas de objetivação. Podem ser agrupadas em quatro classes


(ALEXY, 2017, p. 29):

i) “basear-se em convicções e consensos faticamente existentes, assim como em


normas não jurídicas faticamente vigentes ou seguidas” (nesse sentido, os valores
da coletividade).

Sobre tal proposta, posiciona-se:

(...) deve-se constatar que não devem ser indiferentes ao aplicador as convicções
daqueles em cujo nome fala, já que, se decide como juiz, sua decisão é pronunciada
“em nome do povo”. Tampouco se poderá prescindir dos resultados de um processo
de discussão ao longo de inumeráveis gerações de juristas. Daqui se depreende
claramente que a alternativa não pode ser: orientação com base nas próprias ideias ou
naquelas ideias em cujo nome se aplica o Direito ou ainda nas daqueles que discutem

3
as questões jurídicas há tempos. Deve-se sim exigir um modelo que, por um lado,
permita levar em conta as convicções aceitas e os resultados das discussões jurídicas
precedentes e, por outro lado, deixe espaço para os critérios do correto (ALEXY, 2017,
p. 27)

ii) “referir-se a valorações que, de alguma maneira, podem ser extraídas do material
jurídico existente (incluídas decisões anteriores)”. Fala, aqui, no “sistema interno
de valorações do ordenamento jurídico” (ALEXY, 2017, p. 27).

iii) “recorrer a princípios suprapositivos”. Apelo a “uma ordem objetiva de valores


(seja uma ordem que exista independentemente do Direito, seja aquela expressa
na Constituição ou na totalidade do ordenamento jurídico) ou para enunciados de
direito natural” (ALEXY, 2017, p. 28).

iv) “apelar para conhecimentos empíricos” (ALEXY, 2017, p. 29).

3.4. Tais procedimentos, contudo, não resolvem o problema da fundamentação das


decisões jurídicas:

Ao menos nas sociedades modernas, há diferentes concepções para quase todos os


problemas práticos. Os consensos fáticos são raros, ao menos no que se refere a
questões práticas concretas. No conjunto de um ordenamento jurídico sempre é
possível encontrar valorações divergentes que se podem relacionar de maneira
distinta em cada caso concreto. A apelação à evidência ou a ordens naturais
preexistentes é um procedimento – do ponto de vista metódico – extremamente
duvidoso. Os princípios obtidos dessa maneira são concretizáveis de modo diferentes.
Finalmente, dos juízos fáticos se podem obter diferentes consequências normativas (p.
29).

4
4. Argumentação jurídica (discurso jurídico). Caminho que propõe em sua
investigação.

4.1. Definições fundamentais:

i) Discurso é definido como “atividade linguística” ou, ainda, como “conjunto de


ações interconectadas”, em que “se comprova a verdade ou correção das
proposições” (p. 30 e 175).

São atos que, nessa medida, envolvem diversos participantes. Isso não impede, é
verdade, se falar em discursos internos: “Os discursos internos são reflexões de
uma pessoa em que se levam em conta os possíveis argumentos contrários dos
oponentes imaginados” (p. 175).

ii) Discurso prático: é o discurso em que se trata da correção de proposições


normativas (p. 175)

Não corresponde, por conseguinte, a uma argumentação que trata da verdade


sobre algo no mundo objetivo/físico.

* Vale, aqui, a referência aos conceitos e reflexões de Habermas, autor que exerce
influência fundamental no pensamento de Alexy:

A teoria de Alexy significa, por um lado, uma sistematização e reinterpretação da


teoria do discurso prático habermasiano e, por outro, uma extensão dessa tese para
o campo específico do Direito (ATIENZA, Manuel. As razões do direito. Teoria da
argumentação jurídica, 2016, p. 187)

5
Em sua teoria do agir comunicativo, Habermas apresenta a matéria da seguinte
forma.

a) Os três mundos e as pretensões de validade. Retoma os três mundos que


constituem um sistema de referências, suposto nos processos de comunicação e
com o qual os sujeitos comunicantes estabelecem “sobre o que é possível haver
entendimento”: i) o mundo objetivo, enquanto “totalidade de estados de coisas
existentes”, o “conjunto de todas as entidades sobre as quais é possível haver
enunciados verdadeiros”; ii) o mundo social, como “conjunto de todas as relações
interpessoais legitimamente reguladas” de um grupo social; e, por fim, iii) o mundo
subjetivo, como conjunto das vivências a que o falante tem um acesso privilegiado.

Diante dessas referências ao mundo, as pessoas apresentam, com suas ações,


comportamentos e falas, três modalidades de pretensões de validade, suscetíveis
de crítica e de fundamentação.

São elas: i) pretensão de verdade, relativa “a fatos que afirmamos com referência
a objetos no mundo objetivo”; ii) pretensão de correção de “normas e pretensões,
que merecem reconhecimento num mundo social intersubjetivamente partilhado”;
e, finalmente, iii) pretensão de veracidade/sinceridade, quanto a enunciados que
revelam vivências subjetivas.

b) Agir comunicativo. Em nossas ações, práticas e falas (diz: ação comunicativa),


carregamos pretensões de validade.

O assentimento, com o “sim”, às pretensões de validade lançadas em nossas


conversas e ações, implica a continuidade da prática comunicativa da vida
cotidiana, sob o pano de fundo do mundo da vida, constituído de convicções
subjacentes mais ou menos difusas.

Entretanto, porque suscetível de crítica, o outro pode, também, com um “não”,


rejeitar a oferta de fala, contestando sua validade sob o aspecto da verdade, da

6
correção normativa e/ou da sinceridade. A pretensão de validade do ato de fala
ofertado é problematizada, tornando-se objeto de uma controvérsia em que pode
ser resgatada com base em argumentos.

c) Discurso. Passamos, assim, ao plano do discurso. Habermas apresenta-o como a


práxis da argumentação racional orientada ao entendimento.

Racionalidade é tomada no sentido da disposição/abertura à crítica e à


capacidade de fundamentação. É racional, nessa linha, a pessoa que “pode prestar
contas de sua orientação por pretensões de validade”. Daí que:

Quem compartilha concepções que se revelam falsas não é eo ipso irracional; irracional
é quem defende suas opiniões dogmaticamente, se prende a elas mesmo vendo que
não pode fundamentá-las. Para qualificar uma opinião como racional basta que, no
contexto de justificação dado, ela possa por bons motivos ser tida como verdadeira,
ou seja, racionalmente aceita.

A racionalidade inerente à ação comunicativa cotidiana traz consigo, desse modo,


a possibilidade da fundamentação ou resgate discursivo das pretensões de
validade, pelo uso de argumentos, mesmo que não efetivado em todos os casos.
Remete ao discurso, que funciona:

(...) como instância de apelação que possibilita dar prosseguimento ao agir


comunicativo com outros meios, quando não se pode mais abrandar um dissenso por
meio das rotinas do dia a dia, mas ainda se deve, não obstante, decidir sobre ele sem
o emprego imediato ou estratégico da violência.

d) Discurso teórico e discurso prático. Ao lado do discurso teórico, em que são


tematizadas pretensões de verdade controversas, sobre algo no mundo objetivo,
Habermas destaca o discurso prático, “a forma de argumentação que permite
tematizar pretensões à correção normativa”.

7
e) Discurso? O discurso pressupõe uma situação ideal de fala, que garanta liberdade
e simetria entre os participantes, além de participantes com competência
comunicativa. Trata-se, por isso, de uma

(...) forma “peculiarmente improvável” de comunicação, em que todos os participantes


se submetem à “coação não coativa do melhor argumento”, com a finalidade de chegar
a um acordo sobre a validade ou não das pretensões problemáticas (ATIENZA, 2016, p.
190).

iii) Discurso jurídico como caso especial do discurso prático geral, pois a
argumentação jurídica, defende Alexy, tem por objeto a correção dos enunciados
normativos:

Será conveniente designar tal atividade como ‘discurso’ e, visto que se trata da
correção de enunciados normativos, como ‘discurso prático’. O discurso jurídico é um
caso especial do discurso prático geral” (ALEXY, 2017, p. 30).

4.2. Tese central. Eis sua tese central, defendida por Alexy: discurso jurídico é um caso
especial do discurso prático geral, ambos tratando da correção de enunciados
normativos, ocorrendo, porém, este último, “sob condições limitadas, como a lei,
a dogmática e o precedente” (ALEXY, 2017, p. 175):

(...) tanto com a afirmação de um enunciado prático geral, como a afirmação ou


pronunciamento de um enunciado jurídico, levanta-se uma pretensão de correção. No
discurso jurídico, trata-se de um caso especial, porque a argumentação jurídica ocorre
sob uma série de condições limitadoras. Entre essas, devem-se mencionar
especialmente a sujeição à lei, a consideração obrigatória dos precedentes, seu
enquadramento na dogmática elaborada pela Ciência do Direito organizada
institucionalmente, assim como – o que não concerne, todavia, ao discurso científico-
jurídico – as limitações das regras do ordenamento processual (ALEXY, 2017, p. 31).
8
 Pretensão de correção do enunciado jurídico-normativo: “A pretensão levantada
em relação a um enunciado jurídico é de que ele seja racionalmente
fundamentável sob a consideração dessas condições limitadoras (ALEXY, 2017, p.
31).

5. Teoria do Discurso como recurso para a Teoria do Direito:

Pode-se considerar como tarefa da Teoria do Discurso precisamente a de propor


regras que, de um lado, sejam tão fracas, isto é, tenham tão pouco conteúdo
normativo que pessoas com concepções normativas totalmente diferentes possam
estar de acordo com elas, mas que, por outro lado, sejam tão fortes que uma discussão
pautada nelas possa ser qualificada como racional (...) Uma norma ou um
mandamento singular que satisfaça os critérios determinados pelas regras do
discurso podem ser qualificados como justos. A Teoria do Discurso é, portanto, uma
das várias formas possíveis para a análise desse conceito tão central para a Ciência
do Direito (ALEXY, 2017, p. 33).

II. Teoria do discurso prático geral

Depois de se debruçar sobre as teorias de importantes autores (entre eles,


Habermas), apresenta, a partir delas, uma teoria geral do discurso prático racional
para, então, na parte final do livro, esboçar as linhas fundamentais de uma teoria
do discurso jurídico.

1. Problema da fundamentação de proposições normativas por meio de outra


proposição (Trilema de Münchhausen)

9
1.1. Regresso infinito. Fundamentação de proposição em outra proposição. Exigência
de fundamentação das proposições normativa por meio de outra proposição
implica um regresso infinito.

Cita o exemplo da proposição (N) “A agiu mal” porque mentiu. Isso pressupõe (é
fundamentável em) a proposição “mentir é errado”.
Se se puser em dúvida a fundamentação da primeira proposição (N), dirigindo-se
contra a segunda, é necessário, então, fundamentá-la também.
Pode-se, então, apresentar, como fundamento/razão, o enunciado “mentir gera
sofrimentos evitáveis”, que também pode ser questionado, exigindo nova
fundamentação. Por exemplo: “o que causa sofrimentos evitáveis é ruim”. Esta,
também, deve ser fundamentável, em outra proposição, e assim sucessivamente
(ALEXY, 2017, p. 174).

1.2. Interrupção por decisão não justificável. Regresso infinito pode ser evitado caso a
fundamentação seja interrompida por uma “decisão que já não se tem de
fundamentar”.

Problema: “só se poderia falar num sentido muito limitado da correção da


proposição a ser justificada N. A arbitrariedade desta decisão se transferiria a toda
fundamentação que dependesse dela” (ALEXY, 2017, p. 175).

1.3. Solução proposta. Substituição da exigência de fundamentação de proposição em


outra proposição por exigências na atividade de fundamentação (regras do
discurso):

A situação pode-se evitar se a exigência de uma fundamentação de cada proposição


por meio de outra proposição se substitui por uma série de exigências na atividade
de fundamentação. Essas exigências podem formular-se como regras do discurso
racional (...) O cumprimento destas regras certamente não garante a certeza
definitiva de todo o resultado, mas caracteriza o resultado como racional. A
racionalidade, por conseguinte, não pode equiparar-se à certeza absoluta. Nisso

10
consiste a ideia fundamental da teoria do discurso prático racional (ALEXY, 2017, p.
175).

2. Fundamentação das regras do discurso.

2.1. Regras do discurso prático racional são consideradas “normas para a


fundamentação de normas” (ALEXY, 2017, p. 176).

2.2. Apresenta como caminhos para a fundamentação das regras do discurso:


fundamentação técnica, considerando regras do discurso como regras técnicas,
isto é, “regras que prescrevem os meios para determinados fins”; fundamentação
empírica, considerando “regras que regem de fato”; fundamentação definitória,
na qual o importante “é que a apresentação de um sistema de regras,
independentemente da indicação de outras razões, seja vista como a
fundamentação ou motivo para sua aceitação”; finalmente, fundamentação
pragmático-transcendental – “consiste em mostrar que a validade de
determinadas regras é condição de possibilidade da comunicação linguística”
(ALEXY, 2017, p. 176-180).

2.3. Todos os caminhos têm pontos frágeis:

Na fundamentação técnica, devem-se pressupor fins não justificados (...) O método


empírico toma a práxis existente como medida do racional; o definitório é, no final das
contas, arbitrário; e o pragmático-universal serve, no melhor dos casos, para
fundamentar poucas regras fundamentais (ALEXY, 2017, p. 181).

2.4. Por outro lado, todos têm aspectos positivos, de modo que é preciso combiná-las:
“Como devem ser aplicadas em particular, cabe aos participantes do discurso
determinar” (ALEXY, 2017, p. 182)

11
2.5. E conclui: “Não é irracional que não se proceda somente mediante regras
fundamentadas. É racional começar de alguma maneira a discussão, é também
racional começá-la com base em regras não justificadas” (ALEXY, p. 182).

Elabora, então, um discurso sobre as regras do discurso, resultante de suas


investigações antes apresentadas. E explica “Esta formulação explícita tem, dentre
outras, a finalidade de se ressaltar os defeitos mais claramente”. Pois, “Se se
conseguisse eliminar os defeitos, talvez um dia se poderia elaborar algo como um
código da razão prática” (p. 183)

Regras e formas do discurso prático geral

1. Regras fundamentais

São regras cuja validade “é condição de possibilidade de qualquer comunicação


linguística em que se trate da verdade ou da correção” (ALEXY, 2017, p. 183):
enunciam os princípios da não contradição, sinceridade, universalidade e uso
comum da linguagem (ATIENZA, 2016, p. 195).

Devido ao seu caráter elementar, são chamadas “regras fundamentais” (ALEXY,


2017, p. 185). São elas:

(1.1.) nenhum falante pode contradizer-se.

(1.2.) Todo falante só pode afirmar aquilo em que ele mesmo acredita.

12
* Assegura a sinceridade da discussão: “Sem (1.2.) não seria possível sequer mentir,
pois, se não se pressupõe nenhuma regra que exija sinceridade, não é concebível
o engano” (ALEXY, 2017, p. 184).

(1.3.) Todo falante que aplique um predicado F a um objeto A deve estar disposto a
aplicar F a qualquer objeto igual a A em todos os aspectos relevantes.

* Refere-se ao uso de expressões por um falante, enquanto (1.4) se refere ao uso de


expressões por diversos falantes.

Refere-se coerência do falante e, aplicada a expressões valorativas, adota a


seguinte fórmula:

(1.3’) Todo falante só pode afirmar os juízos de valor e de dever que afirmaria
dessa mesma forma em todas as situações em que afirme que são iguais em todos
os aspectos relevantes.

(1.4.) Diferentes falantes não podem usar a mesma expressão com diferentes
significados.

* Exige uma “comunidade de uso da linguagem” (ALEXY, 2017, p. 185).

2. Regras de razão

Definem “as condições mais importantes para a racionalidade do discurso”,


sendo, por isso, denominadas “regras de razão” (ALEXY, 2017, p. 188).

A primeira delas (2) é considerada a regra geral da fundamentação e as outras três


(2.1 a 2.3) contêm os requisitos da situação ideal de fala (igualdade de direitos,
universalidade e não coerção).

(2) Todo falante deve, se lhe é pedido, fundamentar o que afirma, a não ser que
possa dar razões que justifiquem negar uma fundamentação.

13
* Denomina regra geral da fundamentação, a qual remete à pretensão de
fundamentabilidade, presente em nossos atos de fala: “Quem afirma algo, não só
quer expressar que acredita em algo, mas também que pretende que o que ele diz
é fundamentável, que é verdadeiro, que é correto”.

A pretensão de fundamentabilidade não significa que “o falante deve


fundamentar toda a afirmação em qualquer momento perante qualquer um.
Porém, se não aceita dar uma fundamentação é necessário que possa dar razões
que justifiquem sua negativa (ALEXY, 2017, p. 186)

Depois, três regras (2.1) a (2.3) que remetem às exigências de igualdade de


direitos, universalidade e não coerção. Correspondem às condições da situação
ideal de fala referida por Habermas. Introduz Alexy:

Quem fundamenta algo pretende, ao menos no que se refere a um processo de


fundamentação, aceitar o outro como parte na fundamentação, com os mesmos
direitos, e não exercer coerção nem se apoiar na coerção exercida por outros.
Também pretende assegurar sua asserção não só perante seu interlocutor, mas
perante qualquer um (p. 186).

(2.1) Quem pode falar, pode tomar parte no discurso.

* Refere-se à admissão no discurso (p. 187)

(2.2) (a) Todos podem problematizar qualquer asserção.

(b) Todos podem introduzir qualquer asserção no discurso.

(c) Todos podem expressar suas opiniões, desejos e necessidades.

* Subdivida nestas três exigências, a segunda regra regula a liberdade de discussão


(p. 187).

14
(2.3.) A nenhum falante se pode impedir de exercer seus direitos fixados em (2.1) e
(2.2), mediante coerção interna e externa ao discurso.

Pode-se considerar excluída a possibilidade de cumprimento integral das regras


(2.1) a (2.3). Podem ser cumpridas, apenas, de forma aproximada. Constituem, de
qualquer forma, um critério hipotético-normativo para a correção das proposições
normativas. Definem um ideal do qual se deve se aproximar na prática (ALEXY,
2017, p. 188 e 189).

3. Regras sobre a carga da argumentação

O uso irrestrito das regras anteriores pode levar ao “bloqueio da argumentação”


(ATIENZA, 2016, p. 198). Alexy destaca a regra 2.2 (a), com a qual “se pode
encurralar qualquer falante repetindo mecanicamente como um menino a
pergunta ‘por quê?’” (ALEXY, 2017, p. 188).

Passa a tratar, então, da questão da extensão e distribuição da carga de


argumentação e fundamentação (ALEXY, 2017, p. 188).

(3.1) Quem pretende tratar uma pessoa A de maneira diferente de uma pessoa B está
obrigado a fundamentá-lo.

* Destaca-se, aqui, o argumento de Alexy no sentido de que “As regras da razão


fundamentam uma presunção em favor da igualdade” (ALEXY, 2017, p. 189).

(3.2) Quem ataca uma proposição ou uma norma que não é objeto da discussão deve
dar uma razão para isso.

* Remete ao princípio da inércia, de Perelman, que “exige que uma opinião ou uma
práxis que tenha sido aceita uma vez não pode abandonar-se sem motivo para isso”
(ALEXY, 2017, p. 189).

15
(3.3) Quem aduziu um argumento está obrigado a dar mais argumentos em caso de
contra-argumentos.

* Explica:

(...) não é admissível que um falante exija continuamente de seus interlocutores


razões. Ao interlocutor se lhe acabarão rapidamente as razões. Se o interlocutor,
obrigado pela regra da fundamentação, deu uma razão, só está obrigado a uma nova
resposta em caso de um contra-argumento (ALEXY, 2017, p. 190)

(3.4) Quem introduz no discurso uma afirmação ou manifestação sobre suas opiniões,
desejos ou necessidades que não se apresentem como argumento a uma
manifestação anterior tem, se lhes for pedido, de fundamentar por que essa
manifestação foi introduzida na afirmação.

* São consideradas, nesse ponto, as regras (2.2.b) e (2.2.c) todo falante pode, em
qualquer momento, introduzir asserções e expressar suas opiniões, desejos e
necessidades.

A decisão quanto à relevância da afirmação e quanto a sua eventual exclusão deve


ficar a cargo daqueles que participam do discurso (e não da Teoria do Discurso).

4. Formas de argumentação. Refere-se a “formas de argumentos utilizáveis no


discurso prático”, partindo do que afirma se tratar das duas maneiras principais de
fundamentar proposições normativas (N), por referência a uma regra ou
assinalando-se as consequências de N (ATIENZA, 2016, p. 197): “Na primeira se
toma como referência uma regra (R) pressuposta como válida; na segunda se
assinalam as consequências (F) de seguir no imperativo implicando N” (ALEXY,
2017, p. 191).

(não debateremos, nesse momento, as fórmulas apresentadas por Alexy).

16
5. Regras de fundamentação.

De acordo com Alexy, “Há um aumento de racionalidade se se argumenta com


estas formas e não se recorre a meios como adulações, acusações e ameaças”.
Contudo, complementa, “com estas formas pode-se justificar qualquer proposição
normativa e qualquer regra” (ALEXY, 2017, p. 195).

Deixam em aberto, enfim, “um amplíssimo campo de indeterminação” (ATIENZA,


2017, p. 199).

Daí a apresentação de mais um grupo de regras para “as fundamentações


efetuadas com essas formas” (ALEXY, 2017, p. 195).

5.1. Variantes do princípio de generalizabilidade

5.1.1. Quem afirma uma proposição normativa que pressupõe uma regra para
satisfação dos interesses de outras pessoas deve poder aceitar as consequências
de dita regra também no caso hipotético de ele se encontrar na situação daquelas
pessoas.

* Dessa forma, parte-se das diferentes concepções normativas de cada falante


(ALEXY, 2017, p. 196)

5.1.2. As consequências de cada regra para a satisfação dos interesses de cada um


devem ser aceitas por todos.

* Se (5.1.1) implica partir das concepções normativas dos respectivos falantes;


(5.1.2) “se refere às opiniões comuns obtidas no discurso”. Resumindo, “cada um
deve estar de acordo com cada regra” (ALEXY, 2017, p. 196).

Com Habermas, “Se todos deliberam sobre questões práticas com igualdade de
direitos, só podem encontrar o acordo geral aquelas proposições e regras que cada
um pode aceitar” (ALEXY, 2017, p. 196).

17
5.1.3. Toda regra deve ser ensinada de forma aberta e geral

* Remete às exigências de abertura e sinceridade que regem o discurso: “Pode ser


considerado como a concretização de (1.2)”.

5.2. Argumento genético

Considerando que o acordo racional não é garantido por meio das regras
anteriores, passa-se, aqui, a regras com as quais se busca, pelo menos, aumentar
“a probabilidade da transformação de concepções incompatíveis praticamente
existentes, no sentido de um acordo racional” (ALEXY, 2017, p. 196-197).

Daí um programa da “gênese crítica”:

Nesta gênese, o desenvolvimento dos sistemas de regras morais é reconstruído pelos


participantes do discurso. Nos diferentes níveis de desenvolvimento pode-se
comprovar por isso até que ponto se realizaram as condições do discurso racional.
Torna-se, assim, possível criticar as regras que surgiram neste processo de
desenvolvimento e que determinam o raciocínio prático (ALEXY, 2017, p. 197)

Disso seguem duas regras com as quais se” visa a garantir a racionalidade das
regras por meio de sua gênese social e individual” (ATIENZA, 2017, p. 200)

(5.2.1) As regras morais que servem de base às concepções morais do falante devem
resistir à comprovação de sua gênese histórico-crítica. Uma regra moral não
resiste a tal comprovação:

a) Se originariamente se pudesse justificar racionalmente, mas perdeu depois sua


justificação, ou

b) Se originariamente não se pode justificar racionalmente e não se podem


apresentar também novas razões suficientes.

18
Acrescenta que a “prova” da formação histórico-social, deve ser completada por uma
“prova do desenvolvimento individual das opiniões normativas” (p. 197).

Antes disso: “A exigência de comprovação crítica do desenvolvimento histórico deve,


pois, ser completada com a exigência de comprovação crítica da origem individual
das convicções normativas” (p. 153). Nesse sentido,

5.2.2. As regras morais que servem de base às concepções morais do falante devem
resistir à comprovação de sua formação histórica individual. Uma regra moral não
resiste a tal comprovação se se estabeleceu com base apenas em condições de
socialização não justificáveis.

* Permanece “aberta” a questão do que sejam “condições de socialização não


justificáveis”. Conclui, de qualquer forma: “Apenas se pode apontar que não
podem justificar-se em nenhum caso as condições de socialização que levam a
que o interessado não esteja disposto a, ou não possa tomar parte no discurso”
(ALEXY, 2017, p. 197)

5.3. A necessidade de realizabilidade. Última regra de fundamentação decorre do fato


de que “o discurso prático se desenvolve com a finalidade de resolver questões
práticas existentes (...) Isso faz com que o discurso prático chegue a resultados
que possam ser levados à prática” (ALEXY, 2017, p. 198):

(5.3) Devem ser respeitados os limites da realizabilidade faticamente dados

6. Regras de transição, considerando que:

(...) nos discursos práticos surgem muitos problemas que não podem ser resolvidos
com os meios da argumentação prática. Pode tratar-se de questões de fato (em
especial, a previsão de consequências), de problemas linguísticos (em especial
problemas de comunicação) e de questões que se referem à própria discussão prática.

19
Nesses casos deve ser possível passar a outras formas de discurso (ALEXY, 2017, p.
198).

(6.1) Para qualquer falante e em qualquer momento possível passar a um discurso


teórico (empírico).

(6.2) Para qualquer falante e em qualquer momento é possível passar a um discurso


de análise da linguagem.

(6.3) Para qualquer falante e em qualquer momento é possível passar a um discurso


de teoria do discurso.

3. Limites do discurso prático geral

3.1. Aumento da probabilidade de acordo racional. O seguimento das regras do


discurso e a utilização das formas de argumento, “aumentam certamente a
probabilidade de alcançar um acordo racional nas questões práticas, mas não
garantem que se possa obter um acordo para cada questão, nem que qualquer
acordo alcançado seja definitivo e irrevogável” (ALEXY, 2017, p. 198).

3.2. Razão e vontade. Direito. Tampouco as regras garantem que, caso seja alcançado
um acordo, todos estejam dispostos a segui-lo. Distingue-se, nesse ponto, com
Kant, a formação do juízo e a formação da vontade: “saber o que é certo não
significa necessariamente estar disposto a agir nesse sentido” (ATIENZA, 2016, p.
202).

Tal limitação das regras do discurso suscita a necessidade do Direito que “sirva,
em certo sentido, para preencher essa lacuna de racionalidade”:

20
(...) o Direito é justificado em termos discursivos, tanto na sua dimensão propriamente
normativa, isto é, como um conjunto de normas (...) que, movendo-se dentro do
campo do discursivamente possível, fazem com que aumente a possibilidade de
resolução de questões práticas, quanto na sua dimensão coativa, isto é, à medida que
suas normas podem se impor, também, a quem não está disposto a segui-la de bom
grado (ATIENZA, 2016, p. 202).

3.3. Nessa temática, com Habermas, o direito vem para compensar as fraquezas de
nossa “moral racional”.

A pessoa que julga e age moralmente se encontra sob exigências cognitivas e


motivacionais.

Fala numa indeterminação/fraqueza cognitiva – referida a problemas de


fundamentação e aplicação de normas – à qual se soma uma fraqueza
motivacional: nos vemos sobrecarregados não apenas com o problema da decisão
de conflitos de ação, mas também com expectativas em relação à sua força de
vontade”. Em suma, uma “moral da razão”, depende, pois

(...) de processos de socialização que produzam instâncias correspondentes da


consciência, a saber, as formações do superego. A sua eficácia para a ação depende
mais do acoplamento internalizador de princípios morais no sistema de
personalidade, do que da fraca força motivacional contida em bons argumentos
(HABERMAS, Direito e democracia, vol. I, 2012, p. 149-151).

 Direito positivo vem como “compensação pelas fraquezas da moral autônoma”:


“expectativas de comportamento juridicamente institucionalizadas adquirem força
vinculante, quando acopladas ao potencial de sanção do Estado”. Estende-se sobre
o que Kant denomina de “aspecto exterior do agir, não abrangendo, pois, os
motivos e sentimentos que não podem ser forçados”.

Nesse sentido, “alivia as pessoas privadas do esforço na solução moral de conflitos


de ação” (HABERMAS, Direito e democracia, vol. II, 2011, p. 217-218).

21
4. Discurso jurídico como caso especial do discurso prático geral

4.1. Diversos tipos de discussão jurídica: discussões da ciência jurídica; deliberações


dos juízes; debates nos tribunais; tratamento de questões jurídicas pelos órgãos
legislativos; etc.

4.2. Amplitude e limitações variam:

A mais livre é a discussão da Ciência do Direito. Nos processos se dão as maiores


limitações. Aqui os papeis estão desigualmente distribuídos: a participação, por
exemplo, do acusado não é voluntária e o dever de veracidade é limitado. O processo
de argumentação é limitado temporalmente, sendo regulamentado por regras
processuais. As partes podem orientar-se segundo seus interesses. Com frequência,
talvez como regra, as partes não buscam exatamente a sentença correta ou justa,
mas a que lhe é vantajosa. As outras formas podem situar-se, no que diz respeito à
extensão das diferentes limitações, entre esses dois extremos (p. 204)

4.3. Discurso no processo judicial? Agir estratégico.

(...) em relação às discussões da Ciência do Direito podem-se apresentar boas razões


em favor da tese do caso especial. Muito mais problemático é se isso vale também
para a argumentação que se dá nos diferentes tipos de processo, em que existem as
limitações pelas regras processuais, os limites de tempo e a frequente motivação dos
participantes de não se interessarem por um juízo correto ou justo, mas por um juízo
vantajoso para eles (...) Por isso, Habermas interpreta o processo não como um
discurso, mas como ação estratégica (p. 209).

4.4. Situação intermediária. Não qualificação dos processos como discurso nem como
agir estratégico:

22
Esta situação especial intermediária do processo exclui a possibilidade de ser
designado simplesmente como discurso, mas significa, por outro lado, que o processo
não pode ser compreendido teoricamente sem a referência ao conceito de discurso.
Isso porque há a pretensão das partes de argumentar racionalmente (ALEXY, 2017, p.
210).

Sobre esse ponto, sem se afastar de Alexy, Habermas:

Parece que as limitações específicas, que atingem o agir forense das partes ante o
Tribunal, não permitem que o evento do processo seja medido pelo discurso racional.
As partes não estão obrigadas à busca cooperativa da verdade, uma vez que também
podem perseguir seu interesse numa solução favorável do processo “introduzindo
estrategicamente argumentos capazes de consenso”. Contra isso é possível objetar,
com grande plausibilidade, que todos os participantes do processo, por mais
deferentes que sejam seus motivos, fornecem contribuições para um discurso, o qual
serve, na perspectiva do juiz, para a formação imparcial do juízo (HABERMAS, 2012, p.
288).

5. Crítica de Habermas

 Distingue o discurso de fundamentação do discurso de aplicação. Nestes, trata-se


de saber qual a norma (geral) é adequada a um caso determinado.

Enquanto o pressuposto de racionalidade da norma jurídica não for efetivado, a


correção e racionalidade da decisão é colocada em questão (HABERMAS, 2012, p.
289)

 Legislação (política) “não se apoia somente, e nem em primeira linha, em


argumentos morais, mas também em argumentos de outras proveniências”.

23
Em sua teoria, “a legitimidade de normas jurídicas mede-se pela racionalidade do
processo democrático da legislação política”, num processo mais complexo que o
da argumentação moral:
(...) a legitimidade das leis não se mede apenas pela correção dos juízos morais, mas
também pela disponibilidade, relevância, pertinência e escolha das informações, pela
fecundidade da elaboração das informações, pela adequação das interpretações da
situação e pelas colocações de problemas, pela racionalidade de decisões eleitorais,
pela autenticidade de valorações fortes, principalmente pela equidade dos
compromissos obtidos, etc. (HABERMAS, 2012, p. 290).

 E conclui, nessa linha, contra a tese de que os discursos jurídicos são um caso
especial de discursos morais:

É verdade que os discursos jurídicos podem ser analisados seguindo o modelo de


discursos morais, pois, em ambos os casos, se trata da lógica de aplicação de normas.
Porém, a dimensão de validade mais complexa das normas do direito proíbe equiparar
a correção de decisões jurídicas à validade de juízos morais e, nesta medida, considera-
la como um caso especial de discursos morais (HABERMAS, 2012, p. 290-291).

24

Você também pode gostar