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Editorial
Cavaleiros, lutas e desejos ardentes
I
maginai um guerreiro no alto de uma muralha. a um mesmo posto de combate, desguarnecendo todos
O Sol já declina e ele contempla no horizonte os outros? Jamais! Seu Senhor é um prudente coman-
uma nuvem de poeira dourada que se ergue ao dante que precisa de homens dispostos a lutar e morrer
Céu: são seus irmãos de armas, cavaleiros como ele, que em qualquer trincheira.
partem para o combate, a pedido de seu Senhor e Rei. Não tardará, e este jovem cavaleiro terá a sua opor-
Entretanto, na fisionomia do nosso guerreiro, nota-se tunidade de enfrentar o inimigo, num combate corpo a
um quê de tristeza e no fundo do seu olhar despontar corpo, de espada na mão e viseira erguida, desde que
uma lágrima. De repente, de seus lábios brota uma quei- alimente em seu coração o anseio de combater.
xa: “Por que eu ainda não entrei na luta?” Ah! Como exultaria nosso cavaleiro se soubesse o
E as lágrimas correm por aquele rosto. O que se pas- quanto se compraz Deus em ver seus eleitos ardendo de
sa na cabeça deste cavaleiro? Julga-se esquecido, posto desejo de estar na luta! Deus deixa-Se mover por estes
de lado, rejeitado pelo Rei. Pobre cavaleiro! Logo uma corações ardentes!
enorme sensação de abandono invade-lhe a alma e co- ***
meça a sufocá-lo. Atenção, cavaleiros! A luta não se aproxima, ela já
Ora, não sabe este cavaleiro que seu Senhor e Rei é chegou! Já não é tempo de esperar, mas de atuar. Este-
senhor de muitas terras, que Seu Reino está em guerra e jais vigilantes. Não sabeis a que combate vosso general
inúmeros são os fronts de batalha? Poderia seu Rei, sem vos poderá convocar, pois o campo de batalha é o uni-
cometer uma insensatez, enviar todos os seus guerreiros verso inteiro!†
Frase do Mês
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Introdução
Uma luta para todos Thiago Resende
1º ano de Filosofia
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uando ainda menino, com seu discernimento dos espíri-
ao tomar contato com tos, que não. A luta não provinha
a história de Adão, la- do pecado, mas era um auxílio
mentava-se o Sr. Dr. Plinio pelo divino para que todos os homens
“papelão” que nosso primeiro pudessem ser chamados de heróis.
pai fizera, pois, além de deso- Mas, e se não tivesse havido
bedecer a Deus, gerara com seu pecado original?
pecado uma nódoa que afetaria Quanto a isso, o Doutor Angé-
toda a humanidade. Nódoa esta lico é categórico em afirmar que,
que é a causa de todas as lutas e mesmo sem a primeira queda, os
sofrimentos neste vale de lágri- homens continuariam a ser tenta-
mas. O convite que o Sr. Dr. Plinio nos faz: “meus dos pelos demônios, ao que teriam
Contudo, nesse ponto há algo a filhos, eu vos quero todos na luta”. de resistir mediante ferrenha e contí-
Sr. Dr. Plinio na Sede do Reino de Maria,
se perguntar: afinal, será que nos- em 1993 nua luta, não com o derramamento de
sas lutas têm por origem um único sangue físico, mas sim com o mais
pecado? Será, então, a luta fruto de uma desobediência à precioso holocausto, no qual se oferece o sangue de alma.
vontade divina? Ou seja, lograsse Adão a fidelidade, Deus não Se con-
Ao se pôr essas indagações, o Sr. Dr. Plinio concluiu, tentaria até todos os seus filhos serem também heróis.†
“
D
eus o quer! Que essas palavras sejam para o fu- Quando os homens do Macabeu souberam, começaram
turo o vosso grito de guerra, e anunciem por toda a suplicar ao Senhor para que enviasse um Anjo a fim de
a parte a presença do Senhor Deus dos Exérci- salvar Israel (cf. 2Mc 11,6). Com a certeza de ser ouvi-
tos”. O brado que ressoa desde o Paraíso na alma de todo do, Judas foi o primeiro a empunhar as armas. Com esse
cavaleiro, e cujo clamor incessante se traduz pela palavra gesto, deu ânimo aos seus companheiros que, “unidos e
luta, soube ser ouvido por Eudes de Châtillon que, com a cheios de ardor, puseram-se em marcha” (2Mc 11,7).
autoridade de Pontífice e a coragem de cavaleiro, convo- Foi então que, “de repente, quando ainda se encontra-
cava homens cheios de audácia para novos “cristãos atre- vam perto de Jerusalém, apareceu à sua frente um cava-
vimentos”: arrancar da mão dos inimigos o domínio do leiro revestido de branco, e empunhando armas de ouro”
Santo Sepulcro. (2Mc 11,8). A narração do episódio conclui dizendo que
Era o ano de 1096, e bem sabia ele para que terras os Macabeus avançavam como leões, matando, extermi-
mandava aqueles novos missionários da cruz e da espada. nando e, por fim, afugentando sem partes e sem armas os
Terra que presenciou, com igual ou maior valor, os fei- inimigos. “Lísias também fugiu de maneira vergonhosa.
tos incontáveis em número e heroísmo de Judas Macabeu. Como, porém, não era um homem insensato, Lísias com-
Sim, Jerusalém, 1264 anos antes, estava em guerra. Era o preendeu que os judeus eram invencíveis porque Deus,
exército de Lísias contra a fé de Judas Macabeu. com seu poder, os auxiliava” (2Mc 11,12.13).
Lísias almejava tornar a Cidade Santa dependente da Que dizer? Contra fatos não há argumentos. Um homem
Grécia e, consequentemente, submeter o Templo ao tribu- só é herói e, portanto, só pode chegar aos píncaros da fé,
to, e pôr à venda, anualmente, o cargo de sumo sacerdote. confiança, coragem e amor, quando posto no combate por
Para isso, convocou uma horda composta por 80 mil sol- Deus: é por isso que Deus o quer! E, se a vida nesta terra
dados, 80 elefantes, sem contar os milhares de homens que é uma luta constante, é porque Deus, no Céu, só aceita
compunham sua cavalaria. heróis.†
Deus nos deu um presente: a
luta. Por que iríamos recusá-la?
Judas Macabeu enfrenta o exérci-
to de Nicanor, por Gustave Doré
3
O caminho do Céu
À busca de luta! Estêvão Julião Honório
3º ano de Filosofia
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o ano de 1415, após a separação Ceuta, se recolheram nas fortalezas vi- Para isso, D. Pedro de Menezes, que
de Castela por parte do peque- zinhas. Os muçulmanos tinham pavor permanecera como governante da ci-
no e glorioso Portugal, o rei D. dos valentes portugueses! dade de Ceuta, organizou com seus
João I, o Rei da “boa memória”, quis ex- Os lusos, entretanto, eram insaciáveis homens pequenas incursões aos mul-
pandir seu pequeno território, juntamen- de lutas! Era preciso encontrar algum çumanos. Essas investidas eram na sua
te com seus três filhos – D. Duarte, D. modo de atender os anseios belicosos maioria contra os pastores que por ali
Pedro e D. Henrique, conhecido como daqueles heróis. andavam com seus rebanhos, mas tam-
“o Navegador” – e dirigiu-se para o nor- bém D. Pedro mandou que se construís-
te de África, com o intuito de conquistar se uma fusta, uma pequena embarcação,
o porto que funcionava como contro- para que controlasse as navegações no
le econômico do estreito de Gibraltar: pequeno estreito. O pequenino barco,
Ceuta. Este, por estar sob o controle dos cuja tripulação constava apenas de dez
seguidores de Maomé, era um obstáculo homens, fazia verdadeiros estragos nas
para todas as navegações, cristãs ou não, navegações maometanas que por ali
que por ali navegavam. passavam.
A conquista realizada numa manhã A busca pela luta não se restringiu
nuviosa de agosto desse mesmo ano foi apenas nisso.
um marco na história de Portugal: esta Nesta época o norte da África estava
foi a primeira ofensiva contra o Islã, a repleto de leões. Ameaçadores e terrí-
qual, antes de terminar o século, levaria veis, estes perigosos animais eram tan-
Portugal pelos mares ainda por desco- tos que “infestavam” toda a região em
brir, a dobrar o cabo da Boa Esperança, torno de Ceuta. Estava encontrada a per-
e combater o inimigo na Índia. feita ocupação para os insaciáveis portu-
Contudo, já nos primeiros anos após Quando o homem se habitua à luta, ela se gueses: caçar leões!
a vitória, os inimigos, cansados pelas torna uma necessidade Para aqueles heróis, a luta não era um
infrutíferas tentativas de reconquistar Fotografia tirada enquanto o leão atacava hábito, mas uma necessidade!†
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uando se ouve falar na nem sempre apreciada comida ria a solução perfeita: colocar tanques nos barcos. Claro! As-
japonesa, a primeira figura que nos vem à mente é a sim os bichos ficariam vivos até chegar ao país. Entretanto,
do peixe fresco. De fato, os japoneses costumam se as embarcações eram muito pequenas, de modo que os peixes
deleitar com esse gênero de alimento, a ponto de, nas últimas ficavam quase enlatados dentro das piscinas e, em determina-
décadas, as águas costeiras do Império do Sol Nascente terem do momento, paravam de se debater. Chegando aos portos, a
ficado um tanto despovoadas… Mas isso jamais constituiu um carne estava insípida: as queixas continuaram.
empecilho para o insaciável desejo nipônico de comer sashimi! Tudo parecia perdido, e os olhos dos pescadores se cruza-
Diante das pescas cada vez mais exíguas, os marinheiros vam pesarosos, quando um dos navios pesqueiros entrou em
navegaram para águas distantes, onde havia o que procura- polvorosa. Homens corriam alvoroçados à procura de armas,
vam. Contudo, devido ao longo percurso de volta, os animais outros preparavam redes mais resistentes, os mais abatidos
já não chegavam frescos à terra firme, e o povo começou a gritavam aos Céus perguntando o porquê daquela desgraça:
reclamar… um filhote de tubarão havia sido pescado por engano e estava
Para solucionar o problema, mentes engenhosas se puseram a caçando os peixes no tanque.
campo, e surgiu a ideia de congelar os peixes. Mas a carne con- Quando um dos marinheiros já havia apontado seu arpão e
gelada perde muitíssimo do sabor original. O que fazer então? estava prestes a apertar o gatilho, uma sábia mão o parou. Era
Novas discussões fizeram sobrevir o que aparentemente se- um veterano, cuja observação o levara a perceber que o pe-
queno predador, apesar de comer alguns peixes, fazia com que
todos os outros se mantivessem em movimento. Enquanto os
animais estivessem em contínuo estado de alerta, sempre ten-
do o inimigo diante de si, eles não parariam, não amoleceriam
e manteriam seu sabor até o fim: estava encontrada a solução
para os japoneses consumirem peixe fresco!†
H
avia na França um castelo com como o mais precioso dos tesouros. Nesta
altaneiras torres e uma mura- luta interna, ela primeiramente abando-
lha que estava sendo modelada nou-se nas mãos de Deus e de seus su-
pelos ventos da provação. Qual era sua periores e, depois, procurou em todos os
finalidade? Guardar um precioso tesou- pequenos sacrifícios fazer a vontade do
ro. Certo dia, densas nuvens trouxeram próximo e ver nele o reflexo de Nossa Se-
uma grande escuridão que envolveu toda nhora.
a fortaleza com a intenção de roubar o te- Nesta provação, Deus a fez compreen-
souro. der como se alcança forças para a luta:
Esta é a imagem de uma alma que se “que vos ameis uns aos outros, e que, assim
encontrava num mosteiro. Seu nome: Te- como eu vos amei, vós também vos ameis
resa do Menino Jesus e da Sagrada Face. uns aos outros. E nisto, precisamente, re-
A fé era o seu tesouro, mas a provação conhecerão todos, que sois meus discípu-
toldou as suas vistas e Teresa sentiu o véu los: se tiverdes amor uns pelos outros”.
de sua fé ser rasgado quase por inteiro. Para o Sr. Dr. Plinio “nada é mais bo-
Nesta luta interna, dizia: “Não me nego nito e mais nobre, nada revela maior inte-
Certa vez, procuraram roubar o
ao combate, pois o Senhor é a rocha na seu mais precioso tesouro gridade de alma, do que a alma que aceita
qual fui criada. Adestra minhas mãos para Santa Teresinha do Menino Jesus sofrer pelos outros”. Assim, Santa Teresi-
a luta, e meus dedos para guerra. É o meu aos 15 anos nha moveu a História e fez com que o Céu
escudo. Nele espero”. estivesse mais unido à terra, pois, quando
Esta pequena alma estava alegre, pois o sofrimento para alguém aceita bem o sofrimento, é o próprio Deus que
Teresa se tornava a maior das alegrias, porque o buscava com ela Se faz vítima.†
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artagena de Índias, na Colôm- espanhol nada ou pouco fez contra os ingleses. A
bia, foi sitiada em 1741 por Inglaterra ufanava-se da vitória: a cidade estava
imensa frota inglesa, sob as cercada tanto por terra quanto por mar.
ordens do Almirante Edward Vernon. Eslava afinal abriu os olhos e passou o coman-
Coxo e caolho, Blas de Lezo, ou El do da resistência ao Mediohombre, que, sem dú-
Mediohombre, era o Tenente da es- vida, era o único capaz de salvá-los.
quadra espanhola e contava apenas Blas de Lezo, com a intrepidez e sagacidade de
com uma pequena armada de seis um autêntico capitão, reverteu a situação do cerco
navios. e os ingleses foram expulsos.
Lezo previra a invasão através A derrota inglesa foi tão humilhante quanto
de acontecimentos passados e pe- abafada, e a glória de Blas de Lezo olvidada pela
dira ao Vice-Rei Sebastián de Esla- História. Se os conselhos dele convencessem de
va que guarnecesse os fortes para uma início ao Vice-Rei, quiçá a vitória não fosse tão
resistência ao ataque britânico. Porém, gloriosa. Em muitos apontamentos de seu diário
nenhuma providência fora adotada e escreve, pesaroso, não terem repercutido suas
o assalto os surpreendeu: Cartagena, sugestões nos ouvidos de Sebastián de Eslava.
sem defesas, foi cercada. Os castelos Contudo, sua submissão e certeza na intervenção
que vigiavam a entrada da baía foram divina eram maiores que os obstáculos humanos,
facilmente tomados, bem como os que pois sabia que Deus recompensa imensamente a
se encontravam no caminho até a ci- obediência nas lutas: “É obedecendo sem enten-
dade. Embora Blas de Lezo recomendasse der que preparamos nossas almas para acreditar
um revide, o Vice-Rei não apoiava, e o fogo sem ver”!†
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1º ano de Teologia
E
no interior do homem que se insinuem em discreto orgulho pela teridade recolhida da Trapa, tivesse
se forjam os grandes heróis; posse de virtudes ou dons reais que de levantar armas contra um inimigo
e é em seu coração que são nos foram dados gratuitamente do até então desconhecido: a soberba da
obtidas as maiores vitórias. Alto. castidade.
Não devemos duvidar: a luta que Huysmans é um exemplo. Jamais Sim, insidiava-se em sua alma o
mais custa e, portanto, que é mais cara suporia que, abandonados os pecados orgulho por ser casto e pela virtude
a Deus é a realizada contra si mesmo, da vida passada, percorridas as sen- alcançada, junto com a tola conclusão
no íntimo de seu coração. Ali, onde das de sincera conversão, tendo se re- de ser, por isso, superior aos outros
os homens não veem, o mundo não fugiado no silêncio angélico e na aus- homens. Clamava ele, em seu íntimo:
presta louvores e o comum dos outros “A Trapa esfacelou-me; foi ela que
desconhece o que se passa, há um ver- me salvou da concupiscência, mas
dadeiro campo de batalha em que os para me encher de doenças que eu ig-
Anjos e santos nos assistem com suas norava antes de ter sido lá operado.
graças e Maria Santíssima nos vela Ela [a Trapa] que é tão humilde, au-
com seu olhar, com indizível atenção mentou-me a vaidade e decuplicou-
e maternal bondade, esperando que -me o orgulho”.
vençamos os inimigos e sejamos fiéis. Na verdade, a Trapa não o corrom-
Ali também os inimigos são os pera. É Deus que pede do homem
mais subtis e ardilosos. Se não vi- essa luta árdua e contínua, até quando
giamos, penetram sorrateiramente parecemos seguros na tranquilidade
em nossa alma como a serpente por de nossas virtudes e justificados pela
entre a folhagem. Ora disfarçam-se reta consciência. Deste combate tra-
sob a forma de legítimos sentimentos, vado constantemente por seus filhos,
ora introduzem-se em nossos raciocí- tira Ele méritos para a derrota do mal
nios, aduzindo as mais lícitas razões e da Revolução, para a luta que, em
que justifiquem nossos atos. Às ve- breve, há de se desenrolar diante dos
zes, transmutam-se em generosidade, olhos de todos e, aí sim, para o dia em
quando na verdade é o amor-próprio Lutas duríssimas no interior dos claustros que o mundo não poderá permanecer
que nos move; e pode ser também que Monge Trapista indiferente ao bem.†
Q
uantas vezes nos horrorizamos com contra Hércules. Entretanto, durante o comba-
histórias relatando a barbárie dos te, diversas vezes foi derrubado por terra por
povos antigos, como os gregos ou seu adversário. Ora, sua mãe Geia, a deusa ter-
romanos. Uma qualidade, porém, é inegável: ra, cada vez que seu filho era derrubado, lhe
eles pensavam! Afinal de contas, com exceção conferia mais forças. Assim, a cada queda
desta última prerrogativa, eles não eram tão di- Anteu erguia-se mais forte para continuar
ferentes de nossa geração. Contudo, dentre os o duelo.
escritos que estes povos nos deixaram, com fre- Também nós temos continuamente de
quência encontramos diversas lições de grande lutar contra um Hércules, que somos nós
utilidade, até mesmo para nossa vida espiritual. mesmos, e quantas quedas já tivemos de so-
Para nossa surpresa, encontramos no livro frer nesta luta… Saibamos, então, recorrer
“A arte de aproveitar-se das próprias faltas”, àquela que nos foi dada por mãe, com plena
uma singular citação à mitologia grega, muito confiança de que, a cada queda, ela estará
“sublinhável” à nossa situação. pronta a nos amparar, nunca retirando-nos
Certa vez, Anteu, filho de Poseidon (deus do combate, mas, antes, dando-nos forças para
dos mares) e Geia (deusa da terra), teve de lutar enfrentá-lo a cada instante.†
T
anto mais invencíveis quanto segredo de sua vitória. A causa está em como en ataque.
mais impossível se lhes afigura uma norma que foi observada à risca pe- “El resultado de esa curiosa y seve-
a campanha, foram sem dúvida los seus combatentes: o silêncio. ra normativa era un ejército que ata-
os Tércios de Flandres. “La disciplina de los soldados es- caba, vencía y comenzaba degollina en
Que exército mais imbatível do que pañoles de la época, junto con su des- un profundo silencio. El efecto sobre el
este dos destemidos tércios, dos quais medido arrojo, fue sin duda el factor enemigo era aterrador. Porque es cierto
se costumava dizer que em campo de más influyente en la fama de invencibles que la ira crece el ánimo, y el corazón
batalha “ninguém lhes resiste o furor”, que cobraron nuestros ejércitos. Lo sin- errado se defiende gritando, han los sol-
ou ainda, “quando suas lanças abaixam gular, y como ejemplo de lo férrea de dados de callar, y apercibirse a ejecutar
não há táticas de guerra que lhes pare o esa disciplina fue el severo control que sus justas iras con obras, donde, y como
ímpeto”? sobre la ruptura del silencio se hacía en los superiores les ordenaren, acudiendo
De onde lhes vinha essa invencibili- las tropas españolas, tanto en marcha los unos con gran presteza, y diligencia
dade? Seria do apoio colate- en favor de los otros”.
ral de uns pelos outros, tor- Se a observância de uma
nando-os um só combatente? norma tão simples pode acarre-
Um homem sensato, com tar tão grandes benefícios e fa-
muita razão, poderia apontar çanhas, o que uma alma posta
a causa como sendo um ex- no ideal tão alto como o nosso
celente treinamento dado por pode chegar a fazer?
um ótimo comandante, ou, Eles combatiam pela pátria,
talvez, as longas horas de or- e nós por quem combatemos?
dem unida, ou, até, aos longos Com muita razão se dizia em
anos de contínuas batalhas, uma ocasião: “Não se fazem
nos mais diversos ambientes. grandes homens nas grandes
Porém, não é em nenhuma ocasiões, mas sim na fidelidade
destas hipóteses que está o do dia a dia!”.†
N
o ano de 1970 o Sr. João Clá pediu ao para o café-da-manhã, ainda não havia chegado
Sr. Dr. Plinio para se tornar camaldu- ninguém....
lense. Entretanto, nosso Pai e Senhor Quando o relógio apontou 7:55, saiu um “ere-
achou melhor que ficasse como eremita. As- mita” na janela todo ensaboado chamando o res-
sim, ele se apresentou ao “Abade”, encarre- ponsável da manutenção da casa: “José, José, se
gado de disciplina do Êremo de São Bento, e acabó el agua!!!”
recebeu a função de sineiro. No dia seguinte Nosso Fundador pensou: “Como é isso?! Às
deveria começar a executar a função: des- cinco para as oito ainda está fazendo toilette?!
pertar às 07:00 e às 7:50 café-da-manhã. Isso não pode continuar assim!”. Ninguém se-
Tendo tocado o sino do despertar, ele guia os horários e o sino era simplesmente ig-
se aprontou militarmente, como já estava norado.
acostumado, e, às 7:30, estava a postos. Então, quando o Sr. João Clá teve as rédeas
Então, a fim de não perder o tempo, do Êremo nas mãos, não teve dúvida alguma de
aproveitou para adiantar o Rosário institucionalizar o alardo do despertar. Pensava:
esperando que os demais eremitas “A pessoa tem que acordar com a mente posta na
da casa se aprontassem. Entretan- luta, deixar de lado a preguiça: ‘Homem acorda
to, após o segundo toque de sino com o sino, pula da cama e não tem história!’”.†
8
Avancemos para a derrota! Docilidade e flexibilidade
Eduardo Beckert para uma arma perfeita
1º ano de Filosofia
A
Luís Javier Camilo
hmad-Ibn-Ibraim-el-Ghazi, rei de Zeila, depois
1º ano de Teologia
de ter derrotado na Abissínia a Dom Cristóvão da
“
Q
Gama, filho mais novo de Vasco da Gama, passou a uando finalmente entraremos na luta? É para
torturá-lo cruelmente. E como se não bastasse, propôs-lhe a isso que nascemos! Não vibra nosso interior
trégua e a desistência do seu ideal de defender a Santa Igreja: quando nos falam dos heróis no passado? Não
– Ficarei muito contente, se reconheceres teus erros e pe- sentimos o chamado de fazer proezas ainda maiores”?
dires perdão ante meus pés. Dar-te-ei a vida e te farei muito Estas eram as indagações de um pedaço de aço que
honrado. Contanto que chames os portugueses para viver co- anelava algum dia tornar-se uma lendária e grandiosa
migo, e tu serás o capitão. kataná.
– Mouro, respondeu Dom Cristóvão, se tu conhecesses os Entretanto, o que essa entusiasmada peça de metal
portugueses, não diria palavras ao vento. De mim podes fazer não sabia é que o processo para forjar uma kataná é lon-
o que quiseres, mas saiba que, ainda que me desses a metade go, difícil e terrível.
do teu reino, não faria vir a ti um português sequer. Pois eles Com muita sabedoria, o Kaji – ou mestre forjador –
não costumam viver com os mouros, que são sujos e inimigos prepara para a forja a matéria prima ainda alastrada de
da santa Fé de Cristo, meu Senhor! impurezas. Aqui começam as perplexidades do jovem
À vista dessa resposta, Ahmad, chamado “o canhoto”, não aço.
encontrou o que replicar a não ser cortar a cabeça do audaz Primeiro, o Kaji coloca a peça num forno com tem-
guerreiro, seu inimigo. peraturas altíssimas para eliminar as impurezas. Depois,
Foi assim que este valoroso combatente entregou sua alma golpeia o metal incandescente até torná-lo uma finíssi-
a Deus a 28 de agosto de 1542. No dia anterior, levou seus ma lâmina. Em seguida, o forjador faz o inimaginável:
guerreiros portugueses à mesma sorte, e estes foram leais até dobra o aço sobre si mesmo, fazendo uma prega e mar-
a morte. tela até voltar a obter uma só lâmina!
– Senhor, Dom Cristóvão, exclamavam eles, não recuare- Quando parece que já tinha acabado, continuam as
mos mesmo enquanto avanças para a derrota. perplexidades do aço, pois o mestre não se detém, repe-
– Lutai até a morte, replicou Dom Cristóvão, e recebereis a te o mesmo processo uma e outra vez: esquenta, dobra,
vossa coroa nos Céus. martela... um dia inteiro... dois dias, semanas, meses...
E assim, um a um, foram caindo por terra. Para obter a kataná perfeita, é necessário pregar a fo-
Por quê? Imprudência, dizem os medíocres. Fé, procla- lha de aço mais de 30.000 vezes...!
mam os heróis! Depois de tudo isso, chega a parte crítica da forja.
Mas tanto sangue não foi inútil? O Kaji submete o aço à prova mais difícil: o tempera-
O que Deus pedia deles era o seu próprio holocausto, não do. Quando a folha abrasada, macerada pelos revezes
o do inimigo, para que assim fosse comprada a vitória dos e contradições, chegou ao ponto desejado, o mestre a
próximos portugueses que vingariam sua nação. Aqueles por- submerge numa água frigidíssima, causando as maiores
tugueses, na realidade profunda dos fatos, triunfaram no solo contorções na constituição do aço, exigindo em pouco
da Etiópia. tempo uma transformação interior total...
Muitas vezes a renúncia da própria vida é o preço dos triun- Só chegada a etapa final, o Kaji lima a folha para tirar
fos mais esplendorosos na guerra. As maiores armas da luta as últimas asperezas e aprimora o gume. A peça de aço
não são espadas, lanças ou fuzis. Docilidade e obediência aos tornou-se agora uma obra prima, uma verdadeira kataná.
superiores tornam um exército invencível, pois os que têm Fé Quanta docilidade e flexibilidade não foi exigida do
sabem que estão sendo dóceis e obedientes ao próprio Deus.† nosso aço! Assim, ele compreendeu que só depois de do-
brar-se, vencer-se a si mesmo e passar por uma mudança
total de mentalidade, seria capaz de enfrentar qualquer
adversário, sempre servindo docilmente nas mãos de um
experiente samurai.†
Vencer na derrota!
Cristóvão da Gama em batalha
9
Chouans e vandeanos
Chouans, quem foram eles?
Luis Toniolo
2º ano de Teologia
C
erta feita, num jantar inimigos. A diferença está em
no Êremo do Ampa- que os chouans combatiam nas
ro de Nossa Senhora, regiões da Bretanha, do Maine
em julho de 1992, o Sr. Dr. Pli- e da Normandia, enquanto os
nio lançou uma pergunta: qual vandeanos lutavam na Vendée,
a diferença entre os chouans e donde lhes vem o nome.
os vandeanos? Estes caracterizavam-se por
Naquele círculo de ilustres sua unidade e força: um exér-
personagens – Mons. João não cito imbatível, modelado pelo
estava ali, pois se encontrava ardor dos soldados – meros
em duras lides na Europa – camponeses – e pela intrepidez
ninguém foi capaz de dar uma de seus generais. Desta união
resposta cabal sobre o assunto. formaram um grande exército:
Atendendo uma curiosidade do Sr. Dr. Plinio
Pelo contrário, as poucas tenta- Sr. Dr. Plinio em Ampara, em 1990 l’Armée Royale et Catholique.
tivas – aliás, todas frustradas – Entretanto, a gloriosa epopeia
chocaram o que o Sr. Dr. Plinio via pelo discernimento dos da Vendée durou somente alguns meses – exceção feita
espíritos sobre aqueles heroicos guerreiros. Um dos cir- de Charette e de Stofflet –, ao passo que os chouans, por
cunstantes, por exemplo, disse que os generais vandeanos seu curioso método de luta, fizeram guerra à Revolução
tinham lados revolucionários, pois eram pessoas tomadas durante mais de dez anos.
pelas ideias dos filósofos iluministas... Sempre mantendo-se em pequenos grupos e atuando
*** como guerrilha, a principal arma dos chouans era a sagaci-
Mas, afinal, qual a diferença entre os chouans e os van- dade: soldados invisíveis que atuavam em todos os lugares
deanos? ao mesmo tempo, impondo medo e terror nos revolucio-
Chouans e vandeanos combatiam por um mesmo ideal; nários. Ora, enquanto os generais da Vendée são mais ou
amavam e estavam dispostos a derramar seu sangue pela menos conhecidos, um misterioso anonimato paira sobre
mesma causa e odiavam com ódio de morte os mesmos os heróis da Chouannerie. Quem foram eles?
10
Jean Cottereau, chamado Jean Chouan
(1757 – 28 de julho de 1794)
A
ntigo contrabandista de sal, Jean Cottereau foi o primeiro a se-
mear a guerra nas regiões do Maine. Quando os primeiros revo-
lucionários chegaram ao seu vilarejo, invadindo a igreja e pre-
gando as novas ideias de Paris, Jean levantou-se no meio do povo, subiu no
púlpito de onde falava o revolucionário e expulsou do lugar santo aquela
corja. Fora dado o sinal: as guerras da Chouannerie começaram!
Seu apelido Chouan deve-se a um simples motivo: quando ainda co-
mandava o contrabando de sal – altamente lucrativo –, seus amigos se co-
municavam à distância imitando os ruídos da coruja – chouette, em francês.
Seu nome tornou-se o brado de guerra de todos aqueles camponeses.
O estopim da Chouannerie
Jean Cottereau
N
ada na vida deste homem parecia indicar que seria um dos heróis da
Chouannerie: nascido no dia 8 de maio de 1770 numa família pobre de
onze irmãos, aleijado por um infortunado acidente na juventude, foi
obrigado a mendigar de vilarejo em vilarejo nos primeiros anos da Revolução...
Entretanto, quando chegaram os ventos de luta e de glória no Maine, Jean-
-Louis atirou-se na guerra com tanto ardor que, manco, arrastou atrás de si mais
de mil homens! Feito general, seus combatentes o chamavam afetuosamente de
Jambe d’argent (perna de prata).
Na sua primeira batalha – num Domingo de Ramos – ele disse aos seus:
“Como os revolucionários não nos deixaram ir à igreja pegar os ramos aben-
çoados, ao menos nós iremos colher os louros da vitória!”.
Jambe d’Argent sabia unir o Rosário ao sabre e ao fuzil: era sabido entre to-
dos os chouans que Tréton era o general mais piedoso de toda a Bretanha. Unir o rosário ao fuzil!
Jean-Louis Tréton
Georges Cadoudal
(1 de janeiro de 1771 – 25 de junho de 1804)
E
ste homem de estatura hercúlea, personalidade férrea e coração
abrasado foi a ponta do sabre de toda a Chouannerie.
Nascido em 1771, aos vinte e três anos Cadoudal já era o chefe
incontestável dos Chouans da Bretanha. No início das guerras da Vendée,
Cadoudal combateu lado a lado com os grandes generais vandeanos. Certa
vez, Stofflet, conhecido por sua valentia e rudeza, disse dele:
“Vede esta cabeça honesta: se uma bala não a levar, ela irá longe!”.
De fato, aquela cabeça foi longe: quando toda a Chouannerie sucumbiu
em 1803, Cadoudal foi disfarçado a Paris, com a intenção de matar Napo-
leão!
***
Muito se poderia falar dos Chouans! Como não mencionar, por exemplo,
Aimé du Boisguy, um jovem de quinze anos feito general por seus compa-
nheiros? Mas as linhas já extrapolaram os limites...
Uma coisa é certa: se é verdade que estes heróis passaram para a História
ofuscados pelo brilho das figuras quase lendárias da Vendée, no Céu brilham
Cadoudal só sabia viver para lutar com igual ou maior glória, pois estes destemidos camponeses sabiam que as
Georges Cadoudal grandes lutas nesta terra são prelúdio das conquistas na eternidade.†
11
E
nquanto isto , na região de Anjou, do outro lado do Loire,
alguns camponeses se levantaram armados com foices e
pedaços de pau contra uma tropa republicana que viera
ali propagar a revolução, e venceram. Mas faltava-lhes um guia.
Confiantes no Sagrado Coração no Jesus, cuja figura tomaram Vandeanos, quem foram eles?
por divisa, foram bater às portas dos castelos das regiões de Anjou,
Angers e Poitou, e o Sagrado Coração de Jesus não os deixou sós! Anderson Lucas Caetano
A quem esses novos combatentes encontraram? Prontidão Marial
O “santo de Anjou”
(5 de janeiro de 1759 – 14 de julho de 1793)
J
acques Cathelineau nasceu de uma família modes-
ta, na região de Anjou. Devido à sua grande pie-
dade e inteligência, teve a sua formação primeira
focada no sacerdócio, mas notou não ser esta a via que Deus
lhe destinava. Então constituiu família e realizou trabalhos
simples, até o momento em que tudo abandonou para abra-
çar as armas. Sua doçura, humildade, bravura e inteligência
fizeram seus soldados o chamarem de “le saint d’Anjou”.
Mais tarde, por unanimidade dos outros generais vendea-
nos, Cathelineau foi nomeado generalíssimo da Grande Ar-
mada Católica e Real.
Durante a tomada de Nantes, Cathelineau recebeu um fe-
rimento que o levou à morte: estando já na praça central da
cidade, um tiro lhe perfurou o peito.
Uma pequena canção popular ilustra bem este que foi o
primeiro generalíssimo vandeano:
“La Vendée eut d’autres héros,
simples soldats, grands généraux:
D’Elbée, Henri, Bonchamps,
Lescure, Charette, Sapinaud,
le plus grand fut Cathelineau”.
“O maior de todos foi Cathelineau”!
Cathelineau, por Anne-Louis Girodet de Roussy-Trioson
O “rei da Vendée”
(21 de abril de 1763 – 29 de março de 1796)
D
e família nobre, François-Athanase Charette
de la Contrie ingressou na Marinha ainda jo-
vem, denotando excelente aptidão militar.
Atendeu aos desejos de vários camponeses que pro-
curavam um general; após algumas relutâncias de sua
parte, então disse: “Se quereis eu vou, mas, quando co-
mando, exijo que me obedeçam!”
Nada melhor para mostrar seu ardor do que suas pró-
prias palavras, proferidas em um discurso aos campone-
ses-soldados: “Velho como o demônio é o mundo que
eles [republicanos] dizem novo, e que querem fundar
sem a presença de Deus... Mas em face a esses demô-
nios que renascem de século em século, somos uma
juventude! Meus caros, somos a juventude de Deus, a
juventude da fidelidade”.
Tendo sido traído, o chevalier, como ficou conheci-
do, é preso e fuzilado pelos “azuis”.
Palavras de Napoleão: “Se eu tivesse um Charette, eu conquistava o mundo”
Detalhe do quadro “Charette é fuzilado”, por Julien Le Blant
12
O “santo de Poitou”
(15 de outubro de 1766 – 4 de novembro de 1793)
L
ouis-Marie de Salgues, marquês de Lescure,
passou sua juventude retraído, pois não queria
ingressar em certos círculos mundanos que ro-
deavam seu di-a-dia. Dedicou-se, então, à piedade e aos
estudos aprendendo latim, inglês, italiano e alemão, bem
como história, geografia e matemática.
Sendo o general mais instruído em matéria militar,
propunha os melhores planos e marchava sempre à fren-
te de seu exército, às vezes com um chicote na mão.
Aqueles que tiveram a ventura de lutar sob seu mando
amavam-no e respeitavam-no enormemente, alegando
notar qualquer coisa angélica em seu general. Em vá-
rias ocasiões, sua perspicácia, coragem e grande “sang-
-froid” salvaram a vida de vários homens fiéis ao rei, em
outras espalhou o medo e terror nos republicanos.
Ferido em batalha, morreu vinte dias depois. Lê-se em
seu túmulo suas palavras: “Eu sempre servi a Deus com
piedade, batalhei, e agora morro por Ele.”
Amado pelos seus soldados, Lescure marchava à frente
de seus homens com chicote na mão!
Louis-Marie de Salgues, por Robert Lefevre
O “Arcanjo”
(30 de agosto 1772 – 28 de janeiro de 1794)
F
ilho do Marquês de la Rochejacquelein,
Henri entrou tão jovem na vida militar
quanto jovem comandou enquanto Gene-
ralíssimo a Grande Armada Católica e Real.
Suas próprias palavras, pronunciadas ao assumir
o comando dos “brancos”, denotam a intrepidez des-
te general: “Se eu avançar, segui-me; se eu recuar,
matai-me; e, seu eu morrer, vingai-me!”
Apesar de ter recebido o comando geral das tro-
pas vandeanas numa situação difícil, que sobreveio
após várias derrotas, obteve com êxito marcantes
vitórias, pelo que se pode notar numa carta de um
general republicano ao Comitê de Salvação Pública:
“Os brigands desdobram uma atividade incomum.
Sua impetuosidade verdadeiramente admirável é
fruto do élan que um jovem - feito generalíssimo
após a passagem do Loire - lhes comunica, chama-
do Henri de la Rochejacquelein; desde Torfou não
encontrávamos tamanha ciência militar e segurança
nas manobras”.
“Se eu avançar, segui-me; se eu recuar, matai-me; se eu Enquanto perseguia e rendia alguns republicanos,
morrer, vingai-me!” levou um tiro na cabeça que o conduziu à morte.†
Henri de la Rochejacquelein, por Pierre-Narcisse Guérin
13
Entrevistando os séculos
Luta: glória do passado, terror do presente,
promessa para o dia de amanhã Daniel Vinicius
1º ano de Teologia
E
m um austero salão medie- Espantado, nosso contemporâneo avisado.
val, dois homens conversam começava a perceber que não tratava O medíocre repórter já tentava adi-
à tênue luz de um vitral. No com um homem qualquer… O cava- vinhar qual teria sido o plano de fuga
primeiro, o traje, a espada e, sobretu- leiro prosseguiu: dos francos, quando a narrativa inter-
do, o olhar inocente e combativo bem – Desde pequeno aprendi a amar a rompeu seu pensamento.
indicam ser ele um cavaleiro da Idade Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo. – Longe de deixar-se tomar pelo
Média. O segundo personagem já nos Cresci ao som de choque de espadas desânimo, Balduíno convocou os ho-
é mais familiar: trata-se de um homem
do século XXI. Ouvira falar de um
tempo em que os homens amavam a
luta – uma verdadeira blasfêmia para
os ouvidos contemporâneos – e resol-
veu fazer uma visita ao passado, a fim
de investigar esta estranha situação.
Após amáveis cumprimentos, o en-
trevistador expõe brevemente seu ob-
jetivo, e passa a interrogar o cavaleiro:
– Então, nobre senhor, ouvi dizer
que exercias tua profissão de guerrei-
ro no Reino de Jerusalém, e que foste
um dos heróis de Montgisard. Podes
dizer-me o que te levou a seguir esta
carreira e como chegaste ao sucesso?
– Perdoa-me, senhor, creio não
ter compreendido inteiramente tua
pergunta… nunca ouvi dizer que ser
“Nossos corações ardiam e nossas espadas pareciam implorar pelo combate”
guerreiro era uma profissão ou uma
Detalhe do quadro representando a defesa do Krak de Moab, na qual Balduíno IV, de
carreira. Ser guerreiro é um ideal! maca, fez fugir Saladino, por Charles-Philippe Larivière
Na realidade, a vida nesta terra
é uma luta; apenas fui, no e trotar de cavalos, e tão cedo quanto mens que lhe restavam e partiu a fim
campo de batalha, o que foi possível, entrei em campo de bata- de defrontar as hostes inimigas junto
todo homem deve ser lha. Realmente, tive a graça de ser um às muralhas de Ascalon. Ao deparar-se
no dia-a-dia. dos 375 cavaleiros que enfrentaram com tanta força de alma, Saladino não
Saladino em Montgisard, às ordens do ousou travar combate. Caiu a tarde, e
Santo Rei Balduíno IV. Balduíno recolheu-se à cidade, o que
O entrevistador estava gélido. Com- foi interpretado pelos muçulmanos
bate, sangue e cruz eram palavras que como uma desistência, pela qual feste-
agrediam seus ouvidos e sua alma me- jaram toda a noite.
díocre. O cavaleiro, por sua vez, conti- – Mas que imprudência! – interrom-
nuou com entusiasmo: peu o entrevistador – Quanto tempo
– Era o ano de 1177. Estando a ainda tardaram para render-se?!
Cidade Santa desguarnecida, Sa- – Render-se?! Balduíno estava de-
ladino viu uma ótima oportu- cidido a enfrentar Saladino. Com o
nidade para tomá-la. Com reforço dos templários de Gaza, con-
sua tropa de elite rumou tornamos seu exército, tendo apenas
para o Reino Franco: 375 combatentes. Os maometanos
eram 60.000 homens! acreditavam que estivéssemos ainda
Contudo, Balduíno foi em Ascalon, quando surgimos no lado
B
alduíno IV e a sublime batalha de Montgisard foram objeto dos
comentários de Mons. João nas saudosas e fogosas reuniões da
Cavalaria, nos anos de 1997 e 1998.
A heróica e trágica história do Rei Leproso encantou de tal maneira a
nosso Fundador, que ele chegou a afirmar numa “Palavrinha ao pé da es-
oposto, na colina de Montgisard. Sob cada”, no Êremo de São Bento, que para ressuscitá-lo, bastaria ler junto ao
um céu tempestuoso, contemplamos o seu túmulo a narração da vida de Balduíno e da bata-
terrível espetáculo de 60.000 homens lha de Montgisard, que alma retornaria ao corpo!
armados contra nós. Neste momento, Nesta ocasião, o Rei Leproso tinha tão somen-
a fraqueza da natureza humana fez-se te 17 anos e com apenas 300 cavaleiros –auxi-
sentir e Balduíno percebeu. liados por mais 75 templários da fortaleza de
– Ah! – exclamou o repórter, aliviado Gaza – derrotaram mais de 60.000 muçulma-
– Finamente vos lembrastes que sois de nos, comandados pelo próprio Sultão Saladino.
carne e osso, que os homens têm limi- Ainda hoje as crônicas muçulmanas cantam
tes, e que às vezes se apresentam diante as glórias do Deus verdadeiro, narrando o
de nós algumas impossibilidades… heroismo do Rei Leproso. Dia virá em
– Sim, e é este o momento do he- que outras crônicas narrarão uma res-
roísmo! Quando chegamos aos nossos surreição que ainda está por marcar
limites é a hora da intervenção do Céu. as páginas da história.
Naquele instante, deu-se a cena mais
bela de minha vida: descendo do cava-
lo, o Santo Rei tomou o Lignum Cru-
cis que levávamos e prostrou-se diante
dele. Fez-se um silêncio celestial. Ao todas as
levantar-se, vimos seu rosto chagado lutas em-
banhado em lágrimas e transfigurado. preendidas
Um sopro do Espírito Santo fez-se en- em tua vida? Que prêmio
tão sentir; nossos corações ardiam e recebeste?
nossas espadas pareciam implorar pelo O cavaleiro não se abalou, e res-
combate. Com as mãos sobre a Santa pondeu com segurança:
Cruz, juramos não recuar, e, exultantes, – A própria luta premiou minha
nos lançamos sobre os inimigos. Não vida! Que há de mais honroso a
tenho palavras para descrever o comba- um homem como São João do
te. Refreados em seu orgulho e apavo- que ter estado aos pés da Cruz do
rados pelas numerosas perdas, Saladino Salvador? Pois bem, o maior prê-
e seu bando foram perseguidos durante mio de minha vida foi dedicá-la
três dias, até os abandonarmos, para a brandir minha espada sob a
que, em suas terras, narrassem a cons- Cruz de meu Rei Sofredor e es-
ternação que lhes causara aquele rei so- tar junto dele no Céu. Quanto ao
fredor de dezessete anos! destino de Jerusalém, confesso
O contraste era tremendo: ao mesmo que, após a entrada de Balduí-
tempo em que o cavaleiro, imerso nes- no na eternidade, fui tomado
tas lembranças, parecia estar em êxtase, de preocupação pelo destino da
nosso contemporâneo buscava nas bru- Cidade Santa, até o dia em que,
mas de sua banalidade uma explicação depois de ter consumado meu
para tudo aquilo. Após alguns instantes holocausto defendendo-a, fui
de silêncio, ousou inquirir: recebido na Jerusalém celes-
– Não quero desmerecer tuas proe- te. Lá pude entrever o glorioso
zas, nobre senhor, mas pergunto: Bal- dia em que ela descerá de junto
duíno morreu poucos anos depois, e de Deus para habitar entre os homens.
infelizmente, seus sucessores não sou- Rogo a Maria Santíssima pelos eleitos
beram defender Jerusalém, e ela foi no- desses tempos, para que, ornados com
vamente tomada… Partiste desta vida, o sangue do Cordeiro, possam contem-
e teu ideal pereceu… Que valor vês em plar a sua glória.†
F
rança, filha primogênita da Igreja e marcou sobremaneira a História: a vida de
mãe de incontáveis varões que imo- uma jovem alma muito chamada, que viveu
laram sua vida batalhando por um os terríveis aqueles dias preso em um cala-
alto ideal: conquistar o mundo para Deus! bouço. É a história de um grande Rei que
Porém, os anos se passaram, e junto pas- a França rejeitou e nunca permitiu que por-
sou esse ardoroso desejo de lutar por Ele. tasse a coroa em sua fronte. É a enigmática
Um requinte de maldade derrubou todas história de Luís XVII, o herói ignorado da
estas maravilhas de um só golpe, foram os torre do Templo, que lutou até a morte por
sombrios acontecimentos de 1789. Entre- um ideal que os homens desconhecem, mas
tanto, durante a avalanche da Revolução que pode ser vislumbrado neste poema “Va, mon fils, bénis tes revers”
Francesa, ocorreu um emblemático fato que do célebre Victor Hugo: Retrato de Luis XVII aos 7 anos, por
Alexander Kucharsky, 1792