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15(4): 317-321, agosto de 1985 Revista Brasileira de Geociências.

Volume 15, 1985

SOBRE O PADRÃO DE CIRCULAÇÃO DO ESTUÁRIO SANTISTA

WALDIR WPES PONÇANO' e ANTONIO FERNANDO GIMENEZ"

ABSTRACT Studies ou salinity and supended matter allowed to attribute the circulation pattern
of port channel, roam branch of the Santos estuary to the two-Iawyer flow with vertical mixing type;
the São Vicente Channel belongs almost entírely to the vertically homogeneous type, with some slight
stratification in its inner parto The collected samples are representative of high water and low water,
both for spring tídes, under summer conditions of maximum fluvial díscharge.

INTRODUÇÃO O estuário santista situa-se em unidade e propiciaria o crescimento dos manguezais. A proveniência
fisiográfica bem definida, conhecida como Baixada Santista, dos sólidos em suspensão seria continental e a circulação
objeto de numerosos estudos, entre os quais a extensa mo- estuarina, do tipo cunha salina.
nografia organizada por Azevedo (1965). Este estuário, em
que se encontra implantado o Porto de Santos, mereceu
estudos parciais realizados por pesquisadores do Laborató-
rio de Hidráulica da Escola Politécnica da Universidade de
São Paulo/Departamento de Águas e Energia Elétrica
(EPUSP/DAEE 1966). A partir de 1973, mediante diversas
campanhas, desenvolvemos também alguma pesquisa nessa o '''''I''' """"" 00..,.'" r;,,,,,..;;i;;;/
• _"",,,,,,,,",,"or"""""
área, parcialmente publicada no que se refere aos sedimen-
tos de superfície de fundo (Fúlfaro & Ponçano 1976, Fúlfa-
ro et al. 1976, Ponçano & Fúlfaro 1976). Este trabalho visa
apresentar os principais resultados obtidos no estudo da
salinidade das águas e sedimentos em suspensão. Estes dois
fatores já foram previamente examinados (EPUSP/DAEE
1966) visando o primeiro, caracterizar a importância da flo-
culação no processo de formação de vasas na faixa portuária
e, o segundo, determinar a importância dos sólidos em sus-
pensão no assoreamento dessa mesma faixa. Para tanto, fo-
ram coletadas amostras de água em seções dos rios Casca-
lho, Casqueiro, Jurubatuba, Diana-Sandi e Canal de Bertio-
ga, em diversas profundidades. A amostragem para material Figura 1 - Localização das eslações de amostragem
em suspensão estendeu-se de 19 de junho de 1964 a 20 de
maio de 1966, enquanto as salinidades e as velocidades de Procuramos aqui retomar o assunto, porém com aborda-
correntesforam medidas de 18 a 20 de maio de 1966. gem distinta, essencialmente voltada para a definição do
Os resultados obtidos mostraram valores de salinidade modeio de circulação estuarina.
decrescente em direção ao interior do estuário, que varia- A área estudada situa-se em região de clima tropical
. ram de 30.000 a 22.900 ppm de sais. subquente, superúmido (Nimer 1977), caracterizado por
Por outro lado, sempre segundo EPUSP/DAEE (1966), a pluviosidade anual de 2.000 a 2.500 mm, com forte concen-
variação entre as concentrações de sólidos em suspensão na tração (média de 791 mm) nos meses de verão (janeiro a
enchente e na vazante era mínima, e a inversão de corrente março) e diminuindo sensivelmente (média de 322,6 mm)
invalidaria cálculos buscando estabelecer predomínio de nos meses de inverno (junho a agosto), segundo observações
transporte num ou em outro sentido; apenas no Canal de Ber- do período 1944-1962 (EPUSP/DAEE 1966). As vazões
tioga e na embocadura do Diana-Sandi (Fig. I) haveria domi- dos cursos d'água, que drenam para o estuário, respondem a
nância de material em suspensão durante as vazantes, o que esse regime, conforme mostram os dados entre 1966 e 1970
contribuiria para assoreamento dessas áreas. Nesses dois caos, para o Rio Cubatão (DAEE 1974). O estuário santista apre-
ambos para situação de verão, as concentrações de material senta amplitudes máximas de maré em torno de 1,3 rn.
em suspensão variaram entre 10 e 240 rng/I enquanto nas
outras seções variaram entre 5 e 50 mg/l, tanto para situa- MATERIAIS E MÉTODOS A coleta de amostras foi
ções de verão como de inverno. O equihbrio morfológico efetuada com barco de alumínio, de fundo chato, especial-
regional, associado às baixas concentrações de material em mente adaptado para esta finalidade e equipado com guin-
suspensão, explicaria as baixas taxas de assoreamento no cho e roldanas, e com motor de popa de 50 HP. As amos-
canal do porto; a própria floculação, que teria lugar nas tras de água foram coletadas com garrafas de Van Door de 3
partes mais altas do estuário, fixaria parte da descarga sólida litros de capacidade, a I m da superfície da água (T), a I m

* Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo . IPT~DMGA. ex. Postal 7141, CEP 01000, São Paulo, SP,
Brasil; Instituto de Geocíências e Ciências Exatas, CEP 13500, Rio Claro, SP, Brasil
** Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo IPT DMGA. Cx. Postal 7141, CEP 0100, São Paulo, SP, Brasil
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do fundo (B) e a profundidade intermediária (M) nas esta- Tabela 2 - Valores de salinidade no Canal de São Vicente
ções mostradas na figura 1. em situações de preamar e baixa-mar
As amostras foram coletadas em situações de preamar e
baixa-mar, em marés de sizígia de 21 e 22 de janeiro de
Salinidade Salinidade
1985, em duas seções longitudinais: uma, desde a barra do AmoslIa (pprn de NaO) Amostra
(pprnde NaO)
porto até a região dos largos, com 14 estações de amostra-
1T 29.000 1T -
gem e, outra, abrangendo o Canal de São Vicente e sua 1M 30.000 1M -
ligação com os largos, com sete estações (Fig. 1). A opera- 1B 30.000 1B -
ção de coleta acompaobou a estofa da maré e se realizou 2T 26.500 2T 18.000
entre 40 minutos antes e 40 minutos após as horas de refe- 2M 29.000 2M 23.000
2B 30.000 2B 27.000
rência de preamar e baixa-mar referidas na tábua de marés. 3T 24.000 3T 16.000
Os teores de material em suspensão foram determinados 3M 27.000 3M 19.000
pela filtragem a vácuo de 1 litro de água em filtro Sartorius 3B 26.500 3B 18.000
de 47 mm de diâmetro e 0,45 J1 de porosidade, com pesa- 4T 21.000 4T 13.000
gem de precisão ± 10- 4 g. 4M 22.000 4M 14.000
4B 23.000 4B 15.500
As salinidades foram determinadas em equivalentes de 5T 15.500 5T 8.600
NaCI a 250C (em ppm) a partir de resistividades obtidas em 5M - 5M -
condutivímetro CM2A,Toa Electronics Ltd. 5B 19.000 5B 12.000
6T 14.100 6T 6.300
Os dados hidrológicos disponíveis para anos prévios 6M 15.500 6M 11.000
(DAEE 1974) indicam que a amostragem se processou em 6B 15.100 6B 12.500
situação de verão, estimando-se. que o padrão resultante 7T 8.900 7T 12.300
reflita condições de máxima contribuição fluvial. 7M 19.000 7M 13.000
7B - 7B
RESULTADOS OBTIDOS Salinidade Os valores de sali-
. . ..
T . amostra coletada a 1 m da superffcíe da agua.
14.100

nidade estão apresentados nas tabelas 1 e 2. Com eles prepa- M ~ amostra coletada a meia profundidade da seçâo.
B amostra coletada a 1 m do fundo.
ramos as seções de preamar e baixa-mar dos canais do porto w

e de São Vicente até a região dos largos, apresentadas nas PREAMAR


figuras 2 e 3.

Tabela 1 - Valores de salinídade no canal porto e naregião


dos largos, em situações de preamar e baixa mar
"
Preamar Dalxa-Mar

·(ppm de Naa) Amostra l(p:~l~~d~aeCI) Amoltra (ppm de NaCll Amostra (ppm de NaCll
Sali"idade Salinidade Salinidade
Amo~lra
r:).JL---------__- __- - - - - - - - - - - '
IT 23.000 BT IS.Dal) Ir 24.000 BT 17.500 BAIXA-MAR
1M 29.00(l 8'1 28.000 1M 28.000 8'1 27.000
ie 29.500 ee 29.500 ln 29.000 an 28.000
® • I; ® ® ®
2T 23.000 sr 17,500 2T 20.000 sr 16.000
2M 27.000 9'1 28.000 2M 21.000 9'1 28.000 .~------._-,,-
zu
,,--~---~,
. ~~
28.000 9B 29.000 2B 28.000 9B 28.000
3T 19.500 10"1 14.000 3T 19.000 100 iS.SOO
3M
3"
29.000
29.500'
10M
100
23.000
24.000
3M
3B
29.000
29.000
I, lO"
10M 16.00D
18.000
IlT 17.000 4T j4.<lOO
4'
4'1
20.500
28.000 11M 27.000
28.000
4'1
19.500
26.500 I "'
11M 27.000

"5'1
51
29.500
22.500 "'
l2T 14.500
4B
ST
29.000
18,000 "'
l2T
27.500
12.000

<.,..
27.000 "12M 27.000 5'1 27.000 12M 27.500
51l 29.000 12' 28.000 5" 29.000 12" 28.000
61' 19,500 DT 13.000 6T l3T \0.000
6'1
en
28.000
29.000
13M
1311
27.000
27.000
6'1
eu
17.500
27.500
29.000
I 13'
13M 24,500
27,000
1T 19.000 14T 14.500 1T 18,000 1<1' 10,500 Figura 2 - Distribuição de salinidades do canal do porto e
1M
tu
29.000
29.500
"'I
""
27.000
27.500
1M
11l I 18.000
29.000
14M
lO"
aa.coo
27.500 na região dos largos, em preamar e em baixa-mar
T amostra coletada a 1 m da superfície da água
w

M . amostra coletada a meia profundidade da seção superior comparativamente à situação de preamar.


B amostra coletada a 1 m do fundo
w
Para as duas situações, preamar e baixa-mar, pode-se
constatar mistura de água salgada e água doce, pouco pro-
Ambas as seções do canal do porto até a região dos nunciada no estrato inferior e maior no superior. Para o
largos mostram acentuada estratificação ao longo de pouco estrato superior, em nenhum dos dois casos se configura um
mais de 16 km investigados (Fig. 2). Na situação de prea- gradiente mais acentuado, definido por alguma variação
mar, o estrato inferior apresenta menos de 10% de variação brusca nas curvas.
máxima de salinidade, desde a barra do estuârio até o Largo Bem diversa é a situação ao longo do Canal de São Vi-
do Canéu; o gradiente de salinidade sofre brusca variação na cente, em que as salinidades são nitidamente maiores na
curva de isovalor de 28.000 ppp de NaCI. preamar que na baixa-mar (Fig. 3). Em ambas as situações,
Na baixa-mar, a situação é semelhante, também balizada alguma estratificação, mais nítida na preamar, começa a se
pela curva de isovalor de 28.000 ppm de NaCI. Entretanto a esboçar apenas a montante da estação 5, ou seja, no Largo
montante da estação 11, no Largo do Canéu, a camada da Pompeba e em sua ligação com o Largo do Canéu, Nos
inferior tende a desaparecer e seu valor de salinidade se demais, os valores de salinidade aumentam progressivamen-
aproxima do da camada superior. Ainda a montante da se- te de jusante para montante e caracterizam uma mistura
ção 5, observa-se ligeira diminuição de salinidade da camada mais efetiva de águas doce e salgada.
Revista Brasileira de Geociéncias, Volume 15, 1985 319
PREAMAR

CD @ Tabela 3 - Teores de material em suspensão no canal do


o
porto e na região dos largos, em situações de preamar e
baixa-mar
to Premar Baixa-Mar
Materialem Material em
Amostra suspensão Amostra suspensão
" (mg/I) (mg/l)
ao IT 9,1 IT 4,6
o 1M 10,6 1M 19,5
BAIKA-MAR IB 18,0 IB 59,0
2T 11,5 2T 7,2
CD ® 0) 2M 11,2 2M 6,0
o
18000 0
2B 32,9 .
2B 112,8
3T 7,9 3T 6,1
ecccc
3M 22,5 3M 6,4
eacoc 53,8 3B 13,6
3B
4T 3,0 4T 5,1
~ CURVA DE ISOVALOR D,E SALINIDADE (ppm)
4M 12,8 4M 8,1
4B 38,8 4B 17,8
~ SUBSTRATO DE FUNDO
5T 6,2 5T 7,5
CD PONTO DE COLETA DAS AMOSTRAS 5M 10,0 5M 12,6
5B 24,4 5B 23,2
6T 7,3 6T 8,5
Figura 3 - Distribuição de salinidades no Canal de São VI- 6M 11,2 6M 12,7
centeem preamar e em baixa-mar 6B 19,1 6B 12,0
7T 3,4 7T 10,5
Material em suspensão Os teores de material em suspen- 7M 14,1 7M 10,1
são só foram obtidos para a seção ao longo do canal porto e 7B 30,2 7B 29,1
8T 7,9 8T 8,9
da região dos largos e os valores são apresentados na tabela 8M 7,3 8M 12,5
3. 8B 18,0 8B 50,0
Provavelmente, a constatação mais notável que se pode 9T 4,7 9T 7,5
fazer, de início, refere-se aos teores de sólidos em suspen- 9M 16,3 9M 16,6
são, que se mantêm, em sua maior parte, na mesma faixa 9B 24,6 9B 21,7
IOT 8,0 10T 7,1
dos valores obtidos entre 1964 e 1966 (EPUSP/DAEE 10M 11,0 10M 10,7
1966). Este fato vem de encontro a observações feitas ante- IOB 12,7 10B 15,6
riormente (EPUSP/DAEE 1966, Fúlfaro & Ponçano 1976) 11T 7,1 11T 8,9
no sentido de que o sistema de circulação de sedimentos no 11M 13,9 11M 11,4
estuário santista é bastante equilibrado. Assim, não obstan- 11B 22,1 11B 10,7
12T 6,6 12T 8,2
te a intensificação dos processos de erosão nas encostas da 12M 13,9 12M 9,1
Serra do Mar, decorrentes da implantação de obras viárias, 12B 20,3 12B 9,3
da exploração de materiais de construção e da degradação 13T 8,1 13T 9,3
da cobertura vegetal por poluentes, não parece ter havido 13M 14,8 13M 7,9
13B 22,9 13B 8,1
um incremento permanente nos teores do material transpor- 14T 6,4 14T 8,1
tado em suspensão. 14M 11,7 14M 5,9
A distribuição do material em suspensão em situações de
preamar e baixa-mar pode ser visualizada na figura 4.
14B 8,0
..14B
T - amostra coletada a 1 fi da superffcie da agua
5,6

Nas duas situações, nota-se que as maiores concentrações M - amostra coletada a meia profundidade da seção
de material em suspensão mostram boa coincidência com a B . amostra coletada a 1 m do fundo
disposição das porções de água salgada. Este padrão sugere
que o aparte de sólidos em suspensão de origem continental
é menor que o de origem marinha, como, aliás, se verifica
na maior parte dos estuários (postma 1967).
"
CIRCULAÇÃO ESTUARINA A literatura indica que
os dois parâmetros mais característicos da circulação estua-
rina são as distribuições de salinidades e de velocidades de f';.,Jl----------=~=------.----'
corrente (cf. Bowden 1967). Entre os quatro tipos básicos
de circulação estuarina apresentados por Bowden (1967) -
cunha salina, estratificado com aporte (two-layer flow with
entrainement), estratificado com mistura vertical (two layer
flow with vertical mtxtngjparttatty mixed estuaries) e verti- "
calmente homogêneo -, é o terceiro que podemos conside- •
rar como representativo do trecho do estuário santista na
seção canal do porto largo do Canéu, se levarmos em conta
a distribuição de salinidades mostrada na figura 2. Neste Figura 4 - Distribuição do material em suspensão no canal
tipo de estuário, não há nítida separação entre águas doce e do porto e naregião doslargos, empreamar e em baixa-mar
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salgada, e, sim, um aumento contínuo de salinidade em gradiente de salinidade é quase horizontal, o que caracteriza
direção ao fundo. então uma circulação do tipo verticahnente homogênea.
Nos estuários estratificados com mistura vertical, a distri- Conforme já notáramos, na região dos largos, há uma ten-
buição de velocidades mostra um padrão em que a camada dência à maior estratificação, tanto em preamar como em
inferior se movimenta para montante; o ponto de inflexão, baixa-mar (Figs. 4 e 5).
com velocidades próximas de zero, situa-se da metade para Procuramos a seguir verificar quais as implicações mais
o terço superior da seção, após o que a camada superior diretas do modelo de circulação da seção canal do porto/
passa a se movimentar para jusante (Bowden 1967). No Largo do Canéu na distribuição do material em suspensão,
sentido de ilustrar o esquema de circulação acima mencio- por meio de cerrelação entre salinidades e teores de mate-
nado, recorremos a duas séries de medições de velocidades rial em suspensão. Para todos os dados, obtivemos coefí-:
de corrente e salinidades apresentadas no trabalho da cientes de correlação de 0,72 em situação de preamar e de
EPUSP/DAEE. (1966) realizadas na Ponta da Praia (barra 0,44 em baixa-mar.
do canal do porto) e à altura da Ilha Barnabé. Foram sele- Procedemos a seguir à correlação entre esses dois fatores,
cionadas as horas de medidas mais próximas das situações para os três níveis amostrados (T, M, e B). Obtivemos as
de baixa-mar e preamar de marés de sizígia ocorridas entre seguintes correlações em preamar T = 0,20, M = 0,30 e B =
19 e 21 de maio de 1966. A figura 5 mostra os perfis de 0,43; em baixa-mar, os valores foram T = 0,62, M = 0,49 e
velocidades e salinidades nas seções escolhidas. B = 0,43. Verificamos assim que a distribuição do material
Os dados da figura 5 vêm de encontro ao modelo de em suspensão não guarda relação direta com a estratificação
circulação aqui cegitado, embora não se possa projetá-los do estuário.
diretamente para as condições da campanha de 21 e 22 de Procedemos então a novas correlações entre salinidade e
janeiro de 1985. Assim, pelos dados obtidos pela teores de material em suspensão, desta vez abrangendo três
EPUSP/DAEE em 1966, verifica-se que tanto o maior gra- setores do estuário: um próximo à foz, cempreendendo as
diente de salinidades se encontra na porção do terço supe- estações de 1 a 5; um intermediário, estações de 6 a 9; e
rior dos perfis, cerno a zona de velocidades próximas a zero outro inferior, estações de II a 14. Desta feita obtivemos as
encontra-se aí localizada. Essas situações podem ser clara- cerrelações de jusante para montante de: 0,78, 0,83 e 0,83,
mente observadas tanto para preamar como para baixa-mar em preamar; e de 0,62, 0,77 e 0,30, em baixa-mar. Esses
(Fig. 5) e são características dos estuários estratificados resultados mostram que a melhor correlação observada em
cem mistura vertical (Bowden 19(7). preamar para todas as amostras se mantém. Adícíonalmen-
No caso da seção Canal de São Vicente-Largos, não dis- te, nota-se que a menor correlação global da baixa-mar de-
pomos de medidas de velocidade de corrente. Entretanto, cerre da maior dispersão do material em suspensão na re-
neste caso, não há dúvida de que, na maior parte de seção, o gião dos largos, coincidentemente com uma tendência à ho-

o o o o

• • • •
6 6 6 6

6 6 e e
m '-~ ~ _ _~
0,2 0,0 0,2 0,4 10000 20000 ;,0000 0,2 0,0 0,2 0,4 10000 20000 30000
veteeteeee (m/s) SOl inidade (p.p. m) Velocidade (m/i) Salinidade (p.p.m)
preamar 1h apÓs boi~o - mor

,
ILHA BARNABE n8/05/66)

o o o

• • •
6 6 6

e e e
m
0,2 0,0 0,2 0,4 0,2 0,0 0,2 0,4 10000 20000 30000
Velocidade (m/s) Solinidode (p. p.m,) Veloeidod. {m/a} Solinidod. {p.p.m.)
lh op6s boi~o- mor
PONTA DA PRAIA (19/05/66)

Figura 5 - Diagramas de velocidades de fluxo versus profundidades e salinidades versus profundidades


Revista Brasileira de Geociências, Volume 15, 1985 321

mogeneização do gradiente de salinidades, conforme expu- origem fluvial ficam de preferência aí retidos por: 1) quebra
séramos anteriormente. de gradiente fluvial, perda de energia do meio transportador
No conjunto, podemos concluir que a preamar o estuário e conseqüente deposição das frações granulométricas mais
apresenta relações mais nítidas quanto a velocidades de cor- grossas; 2) coagulação eletrolítica das frações finas; e 3)
rente, salinidade e materiai em suspensão. Na baixa-mar, fixação do material assim depositado por efeito tanto físico
embora com menor nitidez, há ainda boa definição de dois (coesão, velocidades críticas de deposição e erosão) como
estratos e boa correlação destes com os teores de material biológico (crescimento de vegetação do mangue).
em suspensão, ao longo do canal do porto; na região dos Entre a região do alto estuário e o canal do porto, nos
largos, a correlação é muito baixa. largos, estende-se uma região caracterizada por teores de
Há portanto, uma certa mudança na dispersão dos sóli- material em suspensão mais baixos que os da zona de turbí-
dos em suspensão nessas duas situações, que pode ser asso- dez máxima. Em decorrência, só na porção terminal do
ciada maior ou menor penetração de água marinha para o
â canal do porto voltam a haver condições mais favoráveis à

interior do estuário, conforme se esteja em preamar ou em agregação de part iculas, desta vez devido a aumentos locais
baixa-mar. de concentração de sólidos em suspensão, na zona de turbi-
Nas condições investigadas, sob descarga fluvial de verão, dez máxima. Neste caso, pode ocorrer agregação pelo
a zona de turbidez máxima do canal do porto e largos esten- aumento do número de choques entre partículas, conforme
de-se entre as estações 1 e 9 (Fig. 4), sendo alimentada de mostraram Krone (1978) e Krank (1981).
preferência por sólidos em suspensão que acompanham a
penetração da água salgada proveniente da baía. Não há
dados para estender essas considerações ao Canal de São CONCLUSÃO A investigação sedimentológica efetuada
Vicente. em curto prazo, sob mesmas condições de maré, permite
Outro fator a ser considerado é o da agregação de partí- determinar melhor o padrão de circulação estuarina. Neste
culas, sob o ponto de vista da zona de turbidez máxima e sentido, pudemos estabelecer, no estuário santísta, sob con-
do modelo de circulação. Este último dado, no caso em dições de verão e marés de sizígia, que o canal do porto e
questão, mostra considerável aparte de água marinha para o sua continuação pelos largos internos se aproximam do mo-
interior do estuário, altura dos largos. Isto Implica que, do
á dela de duas camadas com mistura vertical, e não da cunha
ponto de vista eletrolítico, há condições de precipitação de salina, conforme se postulava previamente. Adicionalmente,
flocos também nessa região. o Canal de São Vicente exibe padrão próximo do vertical-
Levando em conta, como já se notara anteriormente mente homogêneo, com predomínio de circulação marinha,
(EPUSP/DAEE 1966) que é nessa faixa dos largos que se situação que começa a se modificar para uma incipiente
estendem os manguezais, pode-se supor que os sólidos de estratificação em sua porção próxima aos largos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

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ABGE, v. 2, p. 85-110. Recebido em 06 de março de 1986
KRANK, K. - 1981 - Particle matter graín-size characteristics and Revisão aceita em 05 de junho de 1986

Teorias não são meros exercícios de diletantismo científico ou veleidades a serem banidas. A adoção de uma teoria é passo indelével da invés-
tigação Científica, como degrau da observação do conjunto, sistemática e persistente, na busca de um arranjo coerente de conhecimentos.
B. Bley Brito Neves, 1985, Boi. IG·USP, Série Didática (I), p. 14.

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