Você está na página 1de 28

Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS

Faculdade de Ciências Econômicas - FCE


Departamento de Ciências Econômicas
Disciplina de Economia Monetária I – ECO 02002
2008 – Textos Selecionados, Resumidos ou Adaptados
2 A Intermediaçäo Financeira
2.1 Os Benefícios da Intermediaçäo e as Funções de um Sistema Financeiro Eficiente
2.2 O Surgimento da Intermediaçäo Financeira
2.3 Relações, Mercados e Sistemas Financeiros
2.4 Os Mercados Eficientes, os Custos de Transação e a Assimetria de Informações
2.5 As Atividades de um Banco Central
2.6 A Polêmica sobre a Autonomia do Banco Central
2.7 As Estratégias de Regulação Financeira
2.8 As Inovações Financeiras e as Transformações Estruturais dos Sistemas Financeiros
2.9 A Seleção Adversa
2.10 O Risco Moral
2.11 Crise Financeira e Atividade Econômica Agregada
2.12 Tópicos Financeiros
Anexo: A Evolução do Sistema Bancário e a Teoria da Poupança, do Investimento e dos Juros
Chick, Victoria. Ensaios FEE, Porto Alegre, (15)1:9-23, 1994.
2 A Intermediaçäo Financeira
A existência da intermediaçäo financeira pressupõe que o sistema econômico tenha superado
o estágio primitivo das trocas diretas em espécie. Em uma economia em que as trocas se estabelecem
por meio do escambo, não há possibilidade de formaçäo de mercados monetários e de intermediaçäo
de ativos financeiros. As atividades dos agentes econômicos restringem-se à produção, ao
intercâmbio direto, ao consumo e à estocagem de ativos reais. A poupança, quando ocorre, assume a
forma de um aumento dos estoques dos ativos reais produzidos e, porque são destinados ao consumo
futuro, näo consumidos no período corrente. Os investimentos ocorrem sob a forma de produçäo de
determinados tipos de ativos reais, destinados a servir, em períodos futuros, como novos instrumentos
de produçäo.
O funcionamento de uma economia sob tais condiçöes é, sem dúvida, precário. Trata-se, como
vimos no capítulo anterior, de uma forma primitiva de organizaçäo da atividade econômica, na qual
impera a perda de eficiência na alocação dos recursos e o bloqueio às possibilidades de especialização
e de divisão do trabalho, que acaba por ceder lugar a tipos mais avançados de organizaçäo, em que a
moeda (em um primeiro estágio) e a intermediaçäo financeira (em um estágio subseqüente) seräo
introduzidas.
Portanto, só nas economias primitivas é que a moeda é o único ou o dominante ativo
financeiro. Todas as economias desenvolvidas, e mesmo a maioria dos países menos desenvolvidos,
têm complexos sistemas financeiros, nos quais a moeda é um dentre muitos ativos financeiros.
A dimensäo e as características da intermediaçäo financeira na economia, em determinado
período de tempo, dependeräo da magnitude dos déficits e dos superavits de seus agentes econômicos,
mas também da predisposiçäo destes agentes em financiar seus déficits e em aplicar seus superavits.
As bases institucionais em que a intermediaçäo se apóia também são fatores de determinação da
importância da intermediação financeira.

19
Nesta linha, J.G.Gurley e E.S.Shaw, em "Money in a Theory of Finance" (1960), destacaram
as seguintes pré-condiçöes para que se estabeleça a intermediação financeira: a) superaçäo do estágio
do escambo; b) criaçäo de bases institucionais para o funcionamento do sistema financeiro; c)
existência de agentes econômicos deficitários e superavitários, respectivamente dispostos a financiar
seus déficits aos custos correntes e a transformar seus ativos monetários em ativos financeiros, aos
riscos e possibilidades correntes de remuneração real.
Ainda no que se refere à terceira pré-condição, observa-se que podem ocorrer três diferentes
situaçöes quanto aos orçamentos correntes dos agentes econômicos (indivíduos, famílias, empresas e
governos), que transacionam em dada economia: a) agentes econômicos com orçamento equilibrado,
cujos gastos em consumo e investimento, com bens e serviços correntemente produzidos, säo iguais
ao montante da renda corrente recebida; a existência de investimento igual à poupança configura um
caso típico de financiamento interno; b) agentes econômicos com orçamento deficitário, cujos gastos
em consumo e investimento, com bens e serviços correntemente produzidos, säo superiores ao
montante da renda corrente recebida1; c) agentes econômicos com orçamento superavitário, cujas
despesas de consumo e investimento, em bens e serviços correntemente produzidos, resultam
inferiores ao montante da renda corrente recebida2.
Os agentes econômicos deficitários exerceräo a demanda de recursos financeiros para a
cobertura de seus déficits, enquanto os agentes superávitários exerceräo a oferta de seus superavits.
Entre as duas situaçöes posicionam-se os intermediários financeiros, cuja atividade consiste em
viabilizar o atendimento das necessidades financeiras de curto, de médio e de longo prazos dos
agentes carentes e a aplicaçäo, sob riscos minimizados, das disponibilidades dos agentes com
excedentes monetários. Trata-se, portanto, de atividade que estabelece a ponte entre os agentes que
poupam e os que se encontram dispostos a dispender além dos limites de suas rendas correntes.
2.1 Os Benefícios e as Funções de um Sistema Financeiro
O financiamento direto envolve, comparativamente ao indireto, maiores custos privados e
sociais e resulta do contato, sem intermediaçäo, de agentes deficitários com superavitários, dispostos
a negociar os termos da transferência de recursos de uns para os outros.
O financiamento direto esbarra em inúmeras dificuldades operacionais. É improvável que os
agentes deficitários desejem, individualmente, tomar empréstimos nas mesmas condições em que os
superavitários se dispõem a concedê-los. Em conseqüência, deve-se esperar que os agentes
deficitários e os superavitários assumam um conjunto de encargos referentes à análise das
possibilidades de seus ganhos reais, dos graus de incerteza e dos riscos envolvidos na operação. Essas
inconveniências e custos, somados à alta exposiçäo a riscos e incertezas, tornam os financiamentos
diretos pouco atraentes.
Há, assim, tanto para os agentes econômicos individuais, como para a economia agregada,
justificativas para as atividades especializadas de intermediaçäo financeira. Para os agentes
econômicos, os benefícios resultantes da intermediaçäo financeira säo: a) no quadro de riscos e de
incertezas que caracterizam a dinâmica econômica, os agentes deficitários e superavitários exigem
julgamento e de previsäo em suas decisões, o que torna aconselhável que estes últimos, em vez de
administrarem suas próprias posições em ativos financeiros, confiem essa atividade a instituiçöes
especializadas, tecnologicamente equipadas para assumir este papel; b) uma vez que o custo de uma
operação financeira deve cobrir os riscos futuros dos agentes econômicos envolvidos e também
eventos não controlados pelos agentes, como desastres naturais, crises econômicas gerais e

1
Existem, portanto, dois diferentes tipos de dispêndios deficitários financiáveis: o consumo e o investimento. A dferença
fundamental entre ambos é que o financiamento do consumo expande, no período atual, a capacidade global de dispêndio
da economia, enquanto o financiamento do investimento, além de expandir a demanda no presente, possibilita também a
expansão da capacidade futura de produção da economia.
2
Assim, além da acumulaçäo de ativos reais, resultantes do dispêndio, os agentes econômicos superavitários podem
acumular ativos financeiros, resultantes da aplicaçäo de seus excedentes de renda.

20
localizadas, incêndios e outros infortúnios, a intermediaçäo financeira, ao abranger grande número
de agentes, de regiöes diferentes e de atividades diversificadas, reduz os riscos e, logo, os custos das
operações podem ser reduzidos; c) os intermediários financeiros ampliam as possibilidades dos
agentes econômicos deficitários encontrarem excedentes financeiros livres no momento de suas
necessidades, assim como expandem as oportunidades dos agentes superavitários, com relaçäo à
absorçäo de seus excedentes no mercado financeiro; d) os intermediários financeiros, mediante o uso
de tecnologia e de economias de escala, ajudam a reduzir os custos de transação, que se referem ao
tempo e ao dinheiro gastos para efetuar uma troca de ativos, bens ou serviços.
Para a economia agregada, os benefícios da intermediaçäo financeira podem ser desdobrados
em dois grupos: a) a intermediaçäo pode tornar mais eficaz a formaçäo de capital, bem como elevar
os níveis correntes de consumo, produção e renda, mediante maior incentivo à poupança individual,
ampliando as possibilidades individuais de acesso ao mercado financeiro, alargando o número de
agentes participantes, fomentando o fluxo agregado de poupança e tornando possíveis maiores
dispêndios de investimento e consumo, favorecendo a expansäo da demanda agregada; b) a
intermediaçäo pode aumentar a eficiência de produçäo, dado um volume de formaçäo de capital, uma
vez que os recursos captados pelos intermediários financeiros tendem a ser aplicados em atividades
que resultam em retornos privados e sociais maiores, dado um volume de poupanças intermediadas,
do que resultariam da aplicação direta, sem intermediação.
A funçäo essencial da intermediaçäo financeira é a de processar os fluxos de financiamento
indireto da economia. As instituições financeiras desempenham as seguintes funcões subsidiárias: a)
transformação de escala, pois quem poupa geralmente adquire ativos de menores denominações, ao
passo que as empresas tomadoras preferem lidar com apenas alguns títulos de maior denominação;
b) transformação de liquidez, pois os poupadores geralmente preferem ativos financeiros de alta
liquidez, ao passo que as empresas normalmente requerem tempo para concluir seus projetos de
investimento; c) transformação de risco, pois as instituições financeiras mantém uma carteira de
papéis de muitas empresas, em diferentes setores e regiões econômicas e, desta forma, transferem
implicitamente essa diversificação do risco para os poupadores; d) monitoramento, pois as
instituições financeiras não apenas coletam e analisam dados para avaliar empréstimos, como também
analisam e monitoram a gestão financeira da firma tomadora, para se manterem informadas sobre a
situação financeira da firma e asim zelarem pela adimplência dos contratos de empréstimo.
À medida que aumentam a renda e a riqueza de uma economia, tende também a crescer a sua
estrutura da intermediaçäo financeira. Quanto mais desenvolvido o estágio de intermediação
financeira, mais eficaz tende a ser a formação de capital, através do estímulo à poupança, e mais
eficiente a alocação de recursos. Existe, assim, paralelismo entre o desenvolvimento econômico e o
desenvolvimento da intermediação financeira. A existência de instituições de intermediação
financeira além das necessidades correntes da economia (o que pode resultar de um longo período de
inflação) conduz a uma tendência de redução do tamanho e de simplificação do sistema de
intermediação (após o alcance de um cenário de estabilidade), até que a produção do sistema
financeiro seja compatível com o sistema de produção de bens e serviços não-financeiros.
O nível e o grau da estabilidade da taxa de inflaçäo é fator determinante da evoluçäo da
intermediaçäo financeira. A estabilidade de preços tende a favorecer a aplicaçäo de excedentes
monetários em ativos financeiros de renda fixa (pré-fixada, sem indexação). Na hipótese de taxas
crescentes de inflaçäo, somente o mecanismo da pós-indexaçäo pode impedir a atrofia da
intermediaçäo financeira.
Um terceiro fator que se associa à evoluçäo da intermediaçäo financeira é o estágio da
estrutura econômica do país, visto que os processos produtivos em cada setor säo caracterizados por
diferentes intensidades de absorçäo de ativos financeiros. O setor agrícola requer uma baixa
intensidade de ativos financeiros e seu funcionamento eficiente é satisfeito com um número reduzido
de ativos. À medida que os setores industrial e de serviços assumem maior importância relativa, novos

21
e mais sofisticados instrumentos financeiros tornam-se necessários para o funcionamento eficaz
desses setores (Lopes; Rossetti, p.302).
2.2 O Surgimento da Intermediaçäo Financeira
A atividade bancária é um negócio antigo, instituições que concediam empréstimos e
trocavam moeda estrangeira existiam na antiguidade, como na Babilônia, na Grécia e em Roma. A
atividade bancária, após uma existência relativamente importante no Império Romano, declinou na
Idade Média (ainda que certas ordens religiosas militares, como os templários, tenham exercido esta
função), à medida que o comércio tornava-se mais difícil e a concessão de empréstimos entrava em
choque com a objeção religiosa à usura (empresários da comunidade judaica, livres deste tabu,
passaram a prestar serviços financeiros).
Mas a moderna atividade bancária começou na Itália renascentista, onde os banqueiros, além
de comprar e vender moedas estrangeiras, também aceitavam depósitos à vista e a prazo. Esses
depósitos eram, em geral, transferidos oralmente pelo dono ao banqueiro, que se sentava em sua banca
(banco). A expressão quebra de um banco (banca rotta) vem do costume italiano de quebrar a banca
(ou o banco)3 do banqueiro que não conseguia pagar os seus credores. Dentre os mais famosos desses
banqueiros italianos estavam integrantes da família Médici, que, durante um certo tempo, governaram
Florença e concediam empréstimos a príncipes e mercadores da Itália e do resto da Europa.
Portanto, tanto quanto se pode associar algum tipo de atividade empresarial a uma etnia, a
atividade bancária pertence aos italianos, haja visto que, tanto o seu declínio, quando da decadência
do Império Romano, quanto a sua recomposição, a partir do Renascimento, ocorreram na Itália. As
casas bancárias de Veneza e Gênova são as precursoras dos bancos comerciais modernos, assim como
também são conhecidas as casas bancárias do vale do Pó e, à medida que o empréstimo de dinheiro
desenvolveu-se em Londres, não deixou de ser natural que a rua em que tivessem sido estabelecidas
as primeiras atividades bancárias recebesse o nome dos lombardos (Lombard Street).
Na Inglaterra, a atividade bancária surgiu do costume dos ourives aceitarem ouro e prata dos
clientes para guardá-los com segurança. Eles descobriram, então, que podiam emprestar aquelas
moedas, mantendo apenas uma determinada porção a título de reserva, já que nem todos os clientes
apareciam, ao mesmo tempo, para pegar o dinheiro de volta. Além do mais, eles davam recibos aos
depositantes, e estes podiam ser passados adiante para outras pessoas. Com o tempo, para tornar mais
simples essas transferências, eles emitiam recibos em números redondos. Esses recibos tornaram-se,
assim, notas ou bilhetes de banco particulares, isto é, notas de papel-moeda emitidas pelo banqueiro
e pagável por ele, em metais preciosos, se for o caso, mediante apresentação.
2.3 Relações, Mercados e Sistemas Financeiros
Relações Financeiras
Relações financeiras são estabelecidas sempre que um agente econômico é capaz de transferir
o comando sobre recursos financeiros para terceiros, contra o reconhecimento de uma obrigação (e

3
Banco. Empresa cuja atividade básica consiste em guardar dinheiro ou valores e conceder empréstimos. O banco executa
várias outras operações conexas, como pagamento e cobrança em nome de terceiros, venda e desconto de títulos e
operações com moedas estrangeiras. Na prática, a atividade bancária diminui a necessidade de dinheiro para a realização
de negócios e transações, sobretudo na medida em que “cria” dinheiro na forma da chamada moeda escritural (os depósitos
bancários, movimentados por meio de cheques e, hoje, também por meio de cartões). A origem dos bancos confunde-se
com a própria moeda, sobretudo quando esta começou a ser negociada em cima de bancos de madeira (daí a expressão)
nos mercados da Antiguidade. Estudos arqueológicos comprovam a existência de atividades bancárias na Babilônia e na
Fenícia. Na Grécia, os primeiros centros bancários conhecidos (Delfos, Éfeso) estavam ligados aos templos religiosos,
que funcionavam como lugares seguros para aqueles que quisessem guardar seus tesouros. Em Roma, no século II a.C.,
as operações bancárias eram privilégio de uma categoria de cidadãos, os publicanos, mas na época imperial surgem os
argentarii ou mensarii, cuja principal ocupação era o câmbio de moedas estrangeiras, mas que também aceitavam
depósitos e faziam empréstimos. Na Idade Média, a atividade bancária deixou de existir até o século XI, quando ressurgiu
em íntima ligação com o desenvolvimento do comércio. Judeus, lombardos e os membros da Ordem dos Templários
destacaram-se na nova atividade (Sandroni, 2005).

22
de seu serviço) por parte do beneficiário. Uma relação financeira característica corresponde a uma
operação de crédito. Esta relação se estabelece quando um agente empresta recursos a outro, por um
prazo determinado e é remunerado por isto através do pagamento de juros.
Outro conceito relevantes sobre relações financeiras corresponde ao que se chama de
intermediação e desintermediação financeiras.
Relações financeiras intermediadas são aquelas em que uma instituição financeira interpõe
suas próprias obrigações no processo de canalização de recursos do emprestador último ao tomador
último. Tipicamente, bancos operam captando depósitos, isto é, assumindo obrigações junto aos
depositantes, usando os recursos assim obtidos para comprar ativos sob a forma da dívida dos
tomadores. A remuneração do banco nessas operações é conhecida por spread.
Em contraste, relações desintermediadas são aquelas em que o emprestador último retém
consigo diretamente obrigações do tomador final, como, por exemplo, na colocação de commercial
papers junto a fundos de mercado monetário, ou de bônus emitidos por empresas ou governos junto
a fundos de investimento. Nesse tipo de relação financeira, o papel da instituição financeira é diverso
do anterior, limitando-se à promoção da colocação de papéis, isto é, à corretagem de valores (que
corresponde à remuneração da instituição pelos serviços prestados). Mercados de capitais referem-
se, assim, a operações desintermediadas (Cardim de Carvalho et allii, p.242).
Já disse Schumpeter que a característica mais distintiva do capitalismo moderno reside
exatamente no desenvolvimento de sistemas de crédito. Keynes escreveu que a construção de um
sistema de contratos em moeda, pelos quais se transfere recursos de um agente para outro e se definem
as obrigações de cada parte, é o que separa a civilização moderna de formas mais primitivas e menos
eficientes de organização social, do ponto de vista produtivo.
O que essas inovações institucionais, como sistemas de crédito e de contratos, trazem consigo
é a possibilidade de criação de mercados para a negociação de títulos e de contratos de crédito, assim
como para a emissão de títulos de propriedade (ações de uma empresa), em que se transacionam
expectativas de pagamento, solidarizando-se todas as partes como co-proprietárias de um dado
empreendimento.
O desenvolvimento de relações financeiras determina um processo de organização destas
relações, que resulta na constituição de mercados financeiros especializados, cujo conjunto, por sua
vez, dá origem a sistemas financeiros.
Mercados Financeiros
Mercados financeiros englobam todas as transações que são feitas com obrigações (títulos ou
contratos) emitidas por agentes deficitários ou por intermediários financeiros que busquem canalizar
recursos para eles. Esses mercados são regulados por instituições e práticas de funcionamento que
são, em parte, fixados pelos próprios participantes nessas transações, e, em parte, por instituições do
estado. Essas práticas e instituições, por sua vez, não são as mesmas em todos os segmentos do
sistema financeiro. Mercados específicos tomam a forma que for necessária para a viabilização das
transações, dependendo das classes de ativos negociadas em cada um. Ativos diferenciam-se pelos
riscos que envolvem, pelo perfil de retornos que oferecem, pela complexidade das disposições que
regulam o cumprimento das obrigações e pelas garantias que cercam este cumprimento. Podemos
reconhecer essas diferenças de vários modos, conforme segue.
a) Mercados de Crédito e de Títulos
No mercado de crédito, as transações são feitas de forma individualizada, identificando-se as
duas partes que realizam o empréstimo, porque os contratos tendem a ser desenhados de modo a
satisfazer as demandas específicas dos tomadores e dos emprestadores, em termos de taxas de juros,
prazos, garantias e outras disposições relevantes para as partes. O mercado de crédito se desdobra em
dois segmentos, o de crédito de longo prazo e o de crédito de curto prazo.
Nos mercados de títulos as transações obedecem a regras mais genéricas, desprezando-se as
idiossincrasias de cada parte interessada. Pode-se identificar o mercado de papéis de curta duração,

23
com, por exemplo, até três meses de maturidade (denominado de mercado monetário). A
característica mais relevante para essa caracterização é que papéis de curta duração não estão sujeitos
ao risco de capital. Os papéis de maturidade mais longa, sujeitos, portanto, aos riscos de capital, são
transacionados no mercado de capitais, que, por sua vez, se desdobra nos mercados de dívidas (que
negocia títulos de dívidas, como bônus, notas, debêntures etc.) e de ações (títulos de propriedade,
emitidos por empresas sociedades anônimas).
b) Mercados Primário e Secundário
O mercado primário é aquele em que se realiza a primeira aquisiçäo de um ativo financeiro,
assim que emitido. É nesse mercado que efetivamente se transferem fundos de agentes superavitários
para agentes deficitários, no financiamento das atividades produtivas e do consumo.
O mercado secundário é aquele em que säo renegociados ativos financeiros já existentes e
primariamente adquiridos quando de sua emissäo, transferindo-se assim, de um proprietário para o
outro. Este mercado näo exerce, precipuamente, a funçäo de aumentar o estoque de ativos financeiros
e, consequentemente, o fluxo agregado de financiamentos. Sua finalidade principal é a de aumentar
a liquidez do estoque de ativos financeiros da economia, tornando mais atraente sua aquisiçäo
primária.
c) Mercados Públicos e Privados
Mercados públicos são aqueles cujas condições de operação permitem a qualquer participante
usufruir, em princípio, das mesmas vantagens que qualquer outro participante. Os termos dos
contratos são conhecidos e acessíveis a todos. Exemplo destes mercados são os pregões em bolsa de
valores.
Já os mercados privados não são acessíveis a todos os participantes. Nestes, as transações são
feitas em condições que são acordadas de forma bilateral. Exemplo destes mercados são as operações
de balcão.
d) Mercados Monetário e de Capitais
Outra classificação usual dos mercados em que atuam as instituições financeiras é a
segmentação de suas atividades em dois estamentos: o mercado monetário e o mercado de capitais.
Este responsável pelas relações financeiras essencialmente ligadas à emissão e negociação de títulos
de propriedade (ações) e por títulos de dívida de médio e longo prazos, enquanto que o mercado
monetário engloba as atividades monetárias, creditícias e cambiais essencialmente ligadas à captação
de recursos e à emissão e negociação de contratos e de títulos de dívidas de curto prazo.
e) Mercados Monetário, de Crédito, de Capitais e Cambial
Pode-se ver que os segmentos de mercado em que atuam os intermediários financeiros
apresentam mais de um critério de diferenciação. Uma segmentação mais usual classifica os
intermediários financeiros, a partir de suas finalidades essenciais, como integrantes dos mercados
monetário, de crédito, de capitais e cambial.
No mercado monetário realizam-se operaçöes de curto e de curtíssimo prazos. É por meio
deste mercado que os agentes econômicos e os próprios intermediários financeiros suprem suas
necessidades momentâneas de caixa. A liquidez deste segmento de mercado é regulada por operaçöes
abertas, realizadas pelas autoridades monetárias, via colocaçäo, recompra e resgate de títulos da
dívida pública de curto prazo.
O mercado de crédito atende aos agentes econômicos quanto as suas necessidades de crédito
de curto, médio e longo prazos. Säo, principalmente, atendidas solicitaçöes de crédito para
financiamento da aquisiçäo de bens duráveis e moradias pelos consumidores, ao lado de capital de
giro e investimentos das empresas. A maior parte do suprimento desse tipo de crédito é feita por
intermediários financeiros bancários. Em complemento, podem ocorrer suprimentos via
intermediários näo-bancários.

24
O mercado de capitais atende aos agentes econômicos produtivos quanto as suas necessidades
de financiamentos de médio e, sobretudo, de longo prazos, a maior parte dos quais suprida por
intermediários financeiros não bancários. As operaçöes que se realizam nas bolsas de valores
(particularmente açöes) säo parte integrante desse mercado, além do lançamento de debêntures e de
outros títulos de dívida por parte das empresas organizadas, principalmente, sob a forma de
sociedades anônimas.
No mercado cambial realizam-se operaçöes de compra e venda de moedas estrangeiras
conversíveis, além de operações de financiamento envolvendo a troca de moedas e de ativos
financeiros estrangeiros por moeda e ativos financeiros nacionais e vice-versa.
Sistemas Financeiros
O conjunto de mercados financeiros, estes definidos em função das classes de ativos
transacionados, das instituições financeiras participantes, das inter-relações entre elas e os
regulamentos e regras de intervenção do poder público na organização e supervisão das operações,
define um sistema financeiro. Esses sistemas são, assim, definidos fundamentalmente pela sua
estrutura, isto é, pelo modo como se dá a interação entre os mercados e as instituições financeiras.
Essas estruturas são, por sua vez, o resultado de dois conjuntos de influências. De um lado,
encontram-se os determinantes técnicos da atividade financeira, como o desenvolvimento de sistemas
modernos de contabilidade financeira ou a aplicação, na atividade bancária e financeira, de inovações
tecnológicas desenvolvidas nos setores de informática e de comunicações. De outro lado, atua a
história econômica específica de cada país, além de seus condicionantes políticos e culturais, que
tornam certas práticas mais aceitas do que outras, definem padrões de ética, de segurança, de
concentração de poder etc (Cardim de Carvalho et allii, p.249).
Os sistemas financeiros podem ainda ser diferenciados na forma de sistemas financeiros
baseados em mercado e sistemas baseados em crédito.
Sistemas financeiros baseados em mercado são aqueles em que proporção significativa ou
majoritária das necessidades de financiamento colocadas pelos agentes econômicos são satisfeitas
através da colocação de papéis nos mercados monetário e de capitais. Em sistemas baseados em
crédito, predominam as relações de crédito (títulos e contratos financeiros), normalmente, mas não
necessariamente, dominadas por bancos comerciais. Títulos financeiros nada mais são do que
contratos padronizados que prevêem direitos e obrigações de cada parte contratante.
Assim, do ponto de vista do grau de evolução do sistema financeiro, pode-se definir
basicamente dois tipos de estruturas: por um lado, há estruturas financeiras amplamente
diferenciadas, em termos de tipos de instituições e funções, e em que relações diretas
(desintermediadas) têm grande importância em relação ao peso da intermediação bancária; em
contraste, há estruturas em que predomina o mercado de crédito, dominado por bancos. No primeiro
caso, temos como exemplo quase isolado, os Estados Unidos. No segundo, entre os países
desenvolvidos, tem-se todos os outros, notadamente o Japão, a Alemanha, a França e praticamente
todos os mercados emergentes (Cardim de Carvalho et allii, p.296).
Intermediários Bancários e Não-Bancários
No que tange às instituições que atuam nos diversos segmentos do mercado financeiro, cabe
esclarecer a diferença entre intermediários bancários e näo-bancários. Os intermediários financeiros
bancários säo os que operam com ativos monetários. Os näo-bancários säo os que operam com ativos
financeiros näo-monetários. Os ativos monetários säo o papel-moeda e os depósitos (essencialmente
os depósitos à vista em bancos comerciais, mas, hoje em dia, também são assim considerados os
depósitos a prazo e os depósitos de poupança, ampliando-se, assim, o conceito de instituições
financeiras bancárias). Os ativos financeiros não-monetários säo constituídos por diferentes tipos de
títulos que däo sustentaçäo às operaçöes que se realizam nos mercados de crédito e de capitais. Assim,
os bancos comerciais, ou outros intermediários que desempenham funçöes típicas de bancos
comerciais, säo os chamados intermediários financeiros bancários ou monetários. As demais

25
instituiçöes que operam no sistema financeiro säo geralmente consideradas näo bancárias,
essencialmente em virtude do fato de näo emitirem ou criarem ativos incorporados ao conceito
tradicional de meios de pagamento (ainda que, conforme visto, bancos de investimento e de
desenvolvimento são considerados bancos por aceitarem depósitos a prazo).
2.4 Os Mercados Eficientes, os Custos de Transação e a Assimetria de Informações
A Teoria dos Mercados Eficientes
A teoria dos mercados eficientes nos diz que todas as oportunidades de lucros em excesso são
rapidamente anuladas pela concorrência. Isto significa que os preços dos ativos financeiros já levam
em consideração todas as informações disponíveis. Não faz sentido, assim, projetar o preço de um
título, uma ação por exemplo, olhando para o seu desempenho passado. Como todas as informações
que existem já estão embutidas no preço atual da ação, a única causa que altera o seu preço é a chegada
de uma nova informação. Esta informação, de acordo com a teoria dos mercados eficientes, é
distribuída de forma aleatória, havendo uma igualdade de probabilidades de que seja positiva ou
negativa. Por conseguinte, segundo a mesma teoria, os preços dos ativos também seguem um caminho
aleatório4.
Esta teoria significa, primeiro, que se pode usar a análise econômica mais para explicar porque
os preços de um ativo são o que são, do que para prever qual será a sua alteração. Predizer a alteração
no preço de um ativo requer que se saiba qual a notícia sobre ele que será divulgada no futuro.
Segundo, ao especular nos mercados de ativos, não se deve esperar um lucro acima da taxa normal
de rendimento adequada ao grau de risco, a menos que se tenham informações que os outros não têm,
ou que se possa interpretar melhor as informações existentes. Isso não quer dizer, necessariamente,
que se deva escolher ações ou outros ativos de forma aleatória. Pode ser razoável montar uma carteira
que atenda as suas circunstâncias pessoais, como o grau de risco que você quer correr. A teoria dos
mercados eficientes dá a entender, portanto, que aqueles que, devido a uma maior capacidade, ou por
trabalharem mais, puderem prever melhor ou interpretar melhor do que outros as notícias que irão
influir no mercado, obterão lucro acima da taxa normal.
Até que ponto a teoria dos mercados eficientes é confiável, isto é, até que ponto as informações
distribuem-se de forma ampla e aberta no mercado financeiro? Os economistas têm examinado os
preços de uma grande variedade de ativos, como ações e moedas estrangeiras, para ver se essa teoria
é realmente válida. Os resultados são polêmicos. Enquanto alguns pesquisadores defendem que, de
modo geral, os mercados são eficientes, outros afirmam o contrário. A Academia de Ciências da
Suécia, ao indicar os escolhidos para receberem o Prêmio Nobel de Economia de 2001, agraciou
economistas que defendem o caráter assimétrico da distribuição da informação nos mercados e,
portanto, consideram essencial a regulação da economia e, em particular, dos mercados financeiro e
de capitais, pelo estado. Em grande medida, esta posição cética quanto à eficiência dos mercados,
está apoiada pelos conceitos de custos de informação, assimetria de informações, seleção adversa e
risco moral.
Os Custos de Transação
Conceito relacionado com os custos necessários para a realização de contratos de compra e
venda de fatores num mercado composto por agentes formalmente independentes. Esses custos são
comparados com aqueles necessários à internalização dessas atividades no âmbito da própria empresa

4
Os proponentes da hipótese do mercado eficiente consideram, portanto, que as abordagens da Análise Fundamental e
da Análise Técnica (Gráfica) são de pouca valia para a previsão dos futuros movimentos dos preços das ações, pois se
baseiam em dados do passado, cujas flutuações foram aleatórias. Esta concepção do comportamento do mercado se baseia
nas seguintes premissas: a) existem inúmeros participantes num mercado eficiente; b) todos têm acesso às informações
relevantes que afetam os preços das ações; c) estes participantes competem livremente e em igjualdade de condições pelas
ações no mercado, de tal forma que as cotações das mesmas refletem seus valores (patrimoniais). Neste contexto e à
medida que novas informações surgem aleatoriamente, seus reflexos nos preços fazem com que estes também se
comportem aleatoriamente (Sandroni, 2005).

26
e constituem um critério importante na tomada de decisão nas empresas modernas. Os intermediários
financeiros reduzem os custos de transação em razão dos fatores que se seguem.
a) Economias de Escala.
Uma solução para o problema dos altos custos de transação é juntar os recursos de muitos
investidores para que eles possam ter as vantagens da economia de escala. A existência de economias
de escala no mercado financeiro ajuda a explicar porque os intermediários financeiros se
desenvolveram e são tão importantes na nossa estrutura financeira. O exemplo mais claro de um
intermediário financeiro que surgiu devido às economias de escala é o fundo mútuo. Um fundo mútuo
é um intermediário financeiro que vende ações para indivíduos e depois investe os lucros em títulos
de dívida ou ações. Como o fundo mútuo compra muitas ações e títulos de dívida, ele pode tirar
vantagens dos custos de transação mais baixos. As economias de escala também são importantes para
a redução de custos de outros fatores, como por exemplo os custos de tecnologia de teleinformática
de que as instituições financeiras necessitam para realizar suas tarefas.
b) Especialidade (Expertise).
Os intermediários financeiros também surgem porque são melhor habilitados para
desenvolver técnicas voltadas para a redução de custos de transação.
Assimetria de Informações
Assimetria de informações é um problema que surge sempre que uma das partes envolvidas
em uma transação não tem toda informação relevante para tomar uma decisão correta. A assimetria
de informações gera dois tipos de problema: um antes que a transação ocorra e outro depois.
Seleção adversa é o problema gerado pela assimetria de informação antes que a transação seja
efetuada. Em mercados financeiros, o problema da seleção adversa ocorre porque os tomadores de
empréstimos que têm a maior probabilidade de produzir um resultado indesejável do ponto de vista
do emprestador são exatamente aqueles que mais ativamente procuram tomar empréstimos e,
portanto, são os que mais provavelmente sejam selecionados para recebê-los. Como os indivíduos e
firmas com alto risco de crédito têm maior probabilidade de serem selecionados para receber
empréstimos, os emprestadores podem decidir não efetuar a transferência de fundos.
O risco moral é o problema gerado em mercados financeiros pela assimetria de informação
depois que a transação foi efetuada e ocorre quando existe o risco de que o tomador de recursos se
engage em atividades indesejáveis (que reduzam o retorno ou aumentem o risco do investimento) do
ponto de vista do emprestador. Na presença de risco moral, se o emprestador não conseguir monitorar
as atividades do tomador dos recursos, ele pode decidir não efetuar a transação (Hillbrecht, 1999, p.
23).
Voltar-se-á ao tema da seleção adversa e do risco moral mais adiante, neste texto.
2.5 As Atividades de um Banco Central
Os bancos centrais são instituições governamentais que estão preocupadas, não com a
maximização dos lucros, como os bancos comerciais e demais instituições financeiras privadas, mas
sim com o alcance de certas metas para toda a economia, como a prevenção da falência de bancos e
o controle da inflação.
Os bancos centrais se desenvolveram de duas maneiras. Uma delas é um lento processo de
evolução, com o primeiro exemplo sendo o Bank of England, que começou como um banco
comercial, mas adquiriu, ao longo dos anos, maiores poderes e responsabilidades, que lentamente o
transformaram num banco central. Nesse processo de evolução, é difícil dizer quando ele deixou de
ser um banco comercial e se tornou um banco central. Uma data importante neste processo foi a
reforma bancária de 1844, mediante a qual o Banco da Inglaterra passou a operar com dois
departamentos, um bancário e outro monetário.
Em contraste com o Bank of England, muitos bancos comerciais não se transformaram em
bancos centrais, mas sim, como o Federal Reserve (e o Banco Central do Brasil), foram e são bancos

27
centrais desde o início de suas atividades. Esse tipo de banco central pertence, de fato, desde o início,
ao governo, embora possa, como o Fed, ter acionistas privados. Quando um banco atua como um
banco central, isto é, determina suas ações com base no interesse público e não no dos acionistas, ele
funciona como uma instituição pública, ainda que seus acionistas elejam formalmente todos os seus
principais dirigentes (Mayer, Duesenberry, Aliber, p.187).
O Banco central tem o poder de criar reservas. Salvo se há uma lei dizendo que o banco central
tem que manter, por exemplo, 20 centavos em ouro para cada unidade de seu papel-moeda em
circulação ou depósitos existentes, ele poderá criar tantas reservas para os bancos comerciais quantas
quiser, pois estas reservas consistem, sem contar o dinheiro, meramente em lançamentos nos registros
contáveis do banco central. Logo, se um banco central quiser que os bancos tenham mais reservas,
tudo o que tem a fazer é comprar títulos deles e pagar pelos títulos anotando um aumento das reservas
deles nos seus registros (balanços e balancetes contábeis).
As funções mais importantes dos bancos centrais são: a) emitir moeda e controlar o meio
circulante; b) emprestador de última instância; c) banco dos bancos; e d) banco do governo (Mayer,
Duesenberry, Aliber, p.188/189):
Emitir moeda e controlar o meio circulante
Cabe ao Banco Central o monopólio da emissão de moeda legal em uma determinada área
monetária. Cabe também, privativamente, ao Banco Central o controle do meio circulante. Todo
banco comercial, ao obter reservas, expande seus depósitos e, na ausência de certos mecanismos para
controlar o volume das reservas, os depósitos e, com isso, o estoque de moeda, poderiam crescer a
uma taxa imprópria. Uma das maneiras de controlar a taxa de aumento dos depósitos é exigir que os
bancos estejam prontos para resgatar seus depósitos com alguma mercadoria valiosa, como o ouro.
Uma outra é instituir um banco central encarregado de manter as reservas, e com isso os depósitos e
o meio circulante, crescendo a uma taxa adequada, ainda que os bancos centrais nem sempre
consigam manter a taxa de crescimento da moeda no caminho certo.
O controle das taxas de juros básicas da economia, seja a referente aos títulos públicos, seja a
referente aos empréstimos de redescontos para os bancos comerciais, também é função do banco
central. Mas, desta vez, em lugar de visar a oferta de moeda, o banco central busca influir na demanda
por moeda.
Evitar as falências bancárias (emprestador de última instância)
Um dos aspectos do controle da oferta de moeda é a necessidade de uma proteção contra a
falência de bancos, especialmente se houver muitos bancos relativamente pequenos. Isso não quer
dizer que os bancos centrais tenham sempre evitado a falência generalizada de bancos; não há dúvida
de que o Fed não fez isso na década de 1930. Mas um banco central deve agir como emprestador de
última instância, ou seja, como uma instituição capaz e disposta, numa crise, a conceder empréstimos
a bancos quando outros bancos não podem ou não querem emprestar. A razão pela qual o banco
central tem condições de conceder empréstimos numa época dessas é que ele tem o poder de criar
reservas.
Banco dos Bancos
Um dos conjuntos de funções rotineiras consiste nos serviços que o banco central presta aos
bancos comerciais. Assim, ele age como banco dos banqueiros, guardando a maior parte das reservas
para os bancos comerciais. Como o banco central guarda reservas para os bancos comerciais,
freqüentemente ele também compensa cheques para os bancos. Observa-se que, no Brasil, a
compensação de cheques é um serviço prestado pelo Banco do Brasil, que recebe uma remuneração
pelo exercício deste encargo.
Banco do Governo
Além dos seus serviços para os bancos comerciais, um banco central presta muitos serviços
ao governo, quando age como o banco do governo, que mantém uma conta no banco central, emite

28
seus cheques contra essa conta e, em alguns países, vende suas obrigações através do banco central.
Outros serviços ao governo surge da íntima relação entre o banco central e os bancos comerciais.
Em alguns países, o banco central também concede empréstimo ao Tesouro. De fato, vários
bancos centrais, e o Bank of England é, outra vez, o exemplo primordial, começaram como bancos
comerciais que concediam empréstimos ao Tesouro e, em troca, obtinham certos privilégios. Mas o
fato de o banco central conceder empréstimos ao Tesouro pode ser altamente inflacionário, já que ele
faz isso criando moeda nova, e esse aumento do meio circulante resulta, muitas vezes, em inflação.
No entanto, aquilo que não pode ser feito abertamente pode ser feito indiretamente, usando o público
como intermediário. O Tesouro vende obrigações ao público, enquanto o banco central adquire do
público a mesma quantidade de obrigações do governo.
2.6 A Polêmica sobre a Autonomia do Banco Central
Com o fim do padrão-ouro e tendo os bancos centrais a responsabilidade pela regulação da
quantidade de moeda em circulação e pelo controle da inflação em um contexto de moeda de curso
forçado, surgiu a polêmica sobre a independência (ou autonomia) ou subordinação destas instituições
em relação a seus governos.
A Defesa da Independência
Os que apóiam a independência alegam que a política monetária, e, com isso, o valor da
moeda, é um tema demasiado importante e complexo para ser deixado ao jogo das forças políticas.
De acordo com esse ponto de vista, o processo político é míope. Por estar excessivamente preocupado
com a próxima eleição, ele exagera a importância de benefícios de curto prazo e não está disposto a
tomar as duras e impopulares decisões - como a de tolerar mais desemprego a curto prazo - necessárias
a que se obtenham os benefícios de longo prazo de um nível de preços estável.
Associada a esta questão há o perigo do ciclo econômico político. Em essência, trata-se de
uma situação na qual, antes de uma eleição, o presidente induz o banco central a adotar uma política
expansionista que baixe as taxas de juros e reduza o desemprego. Então, após as eleições, o banco
central reduz as pressões inflacionárias resultantes daquela política, tornando-se mais restritivo. As
taxas de juros e o desemprego, então, aumentam. Mas a eleição já foi ganha.
Além do mais, é quase certo que os políticos, se puderem, utilizarão o banco central para
financiar maiores despesas do governo, sem aumentar os impostos. Por conseguinte, seria necessário
um banco central independente, afastado das pressões políticas, para garantir a justiça para aqueles
que perdem com a inflação.
Além disso, mesmo que o desejo dos políticos por uma certa política monetária reflita a
vontade do público, não é óbvio que o Banco Central tenha que realizá-lo. Específicamente, o público
sofre do que se chama síndrome do problema número um. Durante uma recessão, tudo o que parece
ter importância é reduzir a taxa de desemprego, enquanto durante uma expansão inflacionária, a
redução da taxa de inflação é tudo o que importa. Mas uma política demasiado expansionista para
combater o desemprego acaba resultando numa inflação exagerada, assim como uma política
restritiva que reduza a taxa de inflação também aumenta temporariamente o desemprego. Por isso, o
público pode muito bem preferir que o banco central dedique menos atenção a suas preferências por
uma política temporária.
Os defensores da tese da independência do Banco Central (IBC) reconhecem que são os
pilares teóricos da economia novo-clássica que sustentam a sua proposição. Goodhart (Charles
Goodhart e Alex Cukierman são responsáveis pelos trabalhos mais importantes entre os defensores
da IBC) reconhece que a curva de Phillips de longo prazo vertical compõe os fundamentos teóricos
da proposta de independência. Cukierman considera que políticas monetárias discricionárias ativas
podem somente temporariamente reduzir a taxa de desemprego (colocando-a abaixo da taxa natural
de desemprego). O custo da melhoria temporária de variáveis reais é, contudo, a inflação. Segundo
os novos clássicos, o resultado final de qualquer política monetária ativa é sempre nulo: a economia
retorna à posição original de equilíbrio onde vigora a taxa natural de desemprego. Logo, o melhor

29
resultado sustentável que as autoridades podem alcançar através da política monetária é a estabilidade
de preços.
Em suma, independência do Banco Central tem um claro significado para os seus
proponentes: plena liberdade de ação para as autoridades monetárias com o objetivo único de
combater a inflação.
A proposição da IBC apóia-se também nas discussões estabelecidas em torno do trinômio
credibilidade-reputação-delegação.
O Trinômio Credibilidade-Reputação-Delegação
Os gestores de política econômica podem, eventualmente, avaliar que resultados imediatos e
passageiros sobre o nível de produto são mais valiosos do que a credibilidade nas regras de política
monetária. Motivados, por exemplo, por interesses eleitorais, podem flexibilizar a política monetária
com ações discricionárias expansionistas, implementando uma política monetária dinamicamente
inconsistente e, assim, perdem reputação perante os agentes privados. O termo reputação deve ser
entendido como a quantidade de graus de confiança dos agentes nos dirigentes do Banco Central, a
qual é medida em relação ao seu comportamento pregresso. A tese da IBC objetiva delegar a política
monetária a um agente que mantenha a sua reputação, a credibilidade nas regras monetárias e,
portanto, mantenha a inflação em patamar aceitável e reduza a variabilidade do produto. Os mais
interessantes trabalhos que sugerem formas de delegação da política monetária para conter o viés
inflacionário são de K. Rogoff e de C. Walsh.
Segundo Rogoff, se a política monetária for delegada a um agente cujas preferências sejam
mais avessas à inflação do que as preferências da sociedade, seria possível sustentar uma taxa de
variação do nível de preços mais baixa do aquela que ocorreria se o presidente do Banco Central
tivesse as mesmas preferências sociais. Em suma, Rogoff sugere um presidente do Banco Central
conservador em relação às preferências sociais.
Walsh sugere que seja estabelecido um contrato entre o Banco Central e o governo. Esse
contrato deve impor custos (perda do cargo) ao presidente do Banco Central e a sua diretoria quando
a inflação ultrapassar o nível considerado ótimo pelo governo ou pelo parlamento. Nesta abordagem,
o Banco Central tem que ser independente, para que seus dirigentes possam, sem restrições, tentar
atingir seu objetivo: a taxa de inflação ótima (meta de inflação) e, consequentemente, a manutenção
dos seus empregos, salários e imagem profissional.
O modelo de Walsh tem sido considerado mais adequado pelos adeptos da tese da IBC, em
relação ao de Rogoff, pois, sob as condições desse último modelo, todo candidato ao cargo de
presidente do Banco Central tende a se mostrar mais antiinflacionista do que realmente pode ser, pois
isto é um pré-requisito para a manutenção das suas chances eleitorais (para presidente do bacen). E,
após eleito, pode decepcionar o colégio eleitoral que o conduziu ao cargo revelando suas verdadeiras
preferências, ou seja, conduzindo a política monetária de forma flexível, isto é, quebrando a
credibilidade nas regras monetárias. Já o modelo de Walsh estabelece uma meta de inflação que deve
ser perseguida pelos gestores da política monetária e, ao mesmo tempo, estabelece uma punição a
estes, caso a meta não seja alcançada.
As Metas Inflacionárias
As metas inflacionárias surgiram no modelo de Walsh de Banco Central independente. O
regime de metas inflacionárias propõe uma meta de crescimento para algum índice de inflação, que
é anunciada no início de um determinado período. A meta é estabelecida pelo governo e/ou
parlamento e deve ser perseguida pelo Banco Central. A política monetária passa a ter um único
objetivo, alcançar a meta inflacionária determinada. Assim, os dirigentes do Banco Central não
devem se preocupar com o desempenho de outras variáveis macroeconômicas. Por exemplo, o
desemprego e o produto de uma economia somente se tornariam objeto de análise se estivessem
dificultando a realização da meta de inflação, que é o alvo exclusivo do Banco Central.

30
O Ataque à Independência
Aqueles que criticam negativamente a independência do banco central rejeitam esses
argumentos. Eles acreditam que é fundamentalmente antidemocrático dizer que não se deve confiar
em autoridades eleitas no julgamento da política monetária.
Não há dúvida de que uma política monetária envolve decisões difíceis, que precisam de uma
visão de longo prazo, mas o mesmo acontece com a política externa ou com a política de defesa
nacional. Além do mais, o público responsabiliza o presidente pelas condições econômicas que
resultem de todas as políticas seguidas durante o seu governo. Por isso, ele deveria exercer o controle
da política monetária, uma das mais importantes dessas políticas.
Finalmente, as políticas monetária e fiscal deveriam ser integradas, e uma integração
adequada não pode ser obtida, segundo os opositores da independência do banco central, meramente
por um processo de consultas informais.
Concessões Possíveis
Esses argumentos pró e contra podem dar a enganadora impressão de que a escolha é entre
dois extremos incompatíveis. Mas, mesmo que o banco central venha a perder sua independência e
se torne parte da administração, ainda haveria pelo menos uma tentativa de mantê-lo fora da política
partidária. Por outro lado, mesmo que o banco central seja plenamente independente, este dificilmente
deixaria de coordenar suas políticas monetárias com as demais políticas econômicas do governo. Em
síntese, pode-se pensar como solução intermediária para a polêmica a adoção de um banco central
autônomo, mas com os objetivos da política monetária mantidos sob a responsabilidade política do
governo como um todo.
2.7 As Estratégias de Regulação Financeira
É possível conceber-se a evolução recente da regulação financeira como a sucessão de,
fundamentalmente, quatro estágios.
a) Regulação de Balanços.
A primeira das estratégias de regulação, dominante por muito tempo, poderia ser descrita pela
busca de controle direto sobre as operações das instituições financeiras. Esse sistema, que coloca
demandas pesadas às instituições de supervisão, consistia no banimento de certas classes de
atividades a cada tipo de instituição financeira (segmentação do mercado financeiro) e a imposição
de indicadores quantitativos objetivos para o julgamento da adequação das operações permitidas
(índices de liquidez baseados na disponibilidade de reservas em relação a depósitos que, no caso de
bancos comerciais, permitissem honrar retiradas de depositantes).
b) Coeficientes de Capital.
O sistema anterior, apesar de adotado por décadas, tornou-se obsoleto frente a inovações
institucionais que foram se acumulando. Por um lado, estratégias de diversificação de fontes de
recursos, conhecidas como administração de passivos (liability management), contribuíram para
diminuir a importância de depósitos à vista no passivo bancário, reduzindo a eficácia de regulações
que se apoiavam principalmente em indicadores relacionados a depósitos. Por outro lado, tornou-se
crescentemente aceita a idéia de que os riscos mais importantes a que se sujeitavam as instituições
financeiras eram derivados de lacunas no modo pelo qual os mercados financeiros condicionam a
ação das instituições financeiras.
A idéia central, conhecida na literatura como o problema do agente e do principal, é a de que
intermediários financeiros têm incentivos a correr riscos excessivos, porque sua remuneração
depende da realização do maior volume de negócios possível, particularmente aqueles de maior risco
que, por isso mesmo, oferecem maiores taxas de rentabilidade. Era preciso introduzir incentivos que
compensassem aqueles que estimulavam o risco excessivo.
O método utilizado foi consagrado no Acordo de Basiléia de 1988. Por este acordo, os países
que aceitassem seus princípios introduziriam normas regulatórias estabelecendo coeficientes de

31
capital exigidos dos bancos em proporção aos seus ativos, ponderados estes últimos de acordo com
seus riscos.
c) Coeficientes de Capital e Inovação Financeira.
Ao impor coeficientes de capital sobre tipos de crédito, o acordo tornou o crédito
relativamente mais caro, quando comparado com outras formas de intermediação financeira, cujos
riscos não tivessem que ser compensados pela constituição de capital próprio. Por essa razão, pouco
tempo depois de concluído, e enquanto suas disposições ainda nem sequer se aplicavam na sua
plenitude na maior parte dos países aderentes, o acordo passou a ser objeto de reexame para torná-lo
mais eficaz e menos distorsivo.
A idéia-chave seria manter a definição de coeficientes de capital como base da estratégia
regulatória, mas recalculá-los de modo a abranger uma gama mais ampla de riscos, como os riscos
de mercado, operacionais e de iliquidez. A tendência inicial seria tratar dos riscos de mercado, de
iliquidez e outros de forma aditiva, isto é, definindo coeficientes adicionais de capital proporcionais
a esses outros riscos.
Entretanto, percebeu-se que seria provavelmente impossível estabelecer um conceito geral de
risco que permitisse fixar coeficientes de capital aplicáveis a qualquer perfil de carteira de ativos.
Para manter-se essa estratégia, seria preciso um conhecimento e uma monitoração muito mais
específica e detalhada que aquela que se buscava com o Acordo de 1988, o que estaria fora do alcance
da imensa maioria dos países que aderiram inicialmente à estratégia.
d) Auto-Regulação Como Estratégia.
Em meados dos anos 1990, em função dos problemas citados acima, firmou-se a posição de
que a regulação prudencial teria de se voltar para estratégias de investimento das instituições
financeiras, ao invés de se voltar para itens ou características específicas de sua operação.
Partindo-se do suposto de que seria impossível retornar a um sistema de regulação e
supervisão mais detalhista e frente à impossibilidade de desenhar um sistema de avaliação e
compensação de riscos mais simples, que pudesse ser resumido em um conjunto dado de indicadores,
como os coeficientes de capital fixados anteriormente pelos reguladores no Acordo de Basiléia,
chegou-se à estratégia de auto-regulação. Nesta alternativa, caberia aos próprios bancos definir uma
estratégia de avaliação e tratamento de riscos. Esta deveria se materializar em estratégias formais de
controle, descritas em modelos quantitativos, portanto, que seriam submetidos à autoridade
reguladora e/ou supervisora para aprovação.
Vários tipos de modelos voltados para o cálculo dos riscos envolvidos em cada estratégia
utilizada por uma instituição foram produzidos, sendo conhecida a principal família de modelos como
VAR (value at risk), pelos quais seriam calculadas as perdas a serem incorridas em caso de eventos
adversos previsíveis. Coeficientes de capital seriam então estabelecidos em função deste valor
colocado em risco por uma dada estratégia.
O entusiasmo inicial por essa estratégia, porém, cedeu a um certo desencanto quando as crises
asiática e russa, em 1997 e 1998, impuseram pesadas perdas às instituições financeiras que deveriam
estar adotando estratégias mais eficazes de proteção. A reação dos reguladores, até o presente, foi
insistir que as instituições financeiras não se limitem a construir modelos tipo VAR, mas também
sujeitem estes modelos aos chamados testes de resistência (stress tests).
Assim, percebe-se que a monitoração das atividades das instituições financeiras de modo mais
aprofundado do que a simples aprovação de estratégias ainda será exigida do supervisor por algum
tempo, se é que algum dia esta função poderá ser integralmente transferida ao mercado. Certamente
não enquanto externalidades importantes continuarem resultando da ação das instituições financeiras
e os sistemas de administração privada de risco não forem mais confiáveis do que no presente (Cardim
de Carvalho et allii, p.331).
2.8 Inovações Financeiras e Transformações Estruturais dos Sistemas Financeiros

32
Bancos diversificam-se, abandonando a especialização do passado e mercado de capitais
transformam-se, criando-se permanentemente novas oportunidades de negócios, mudando-se a escala
de custos financeiros conhecidos e os riscos a que a atividade está submetida. Novos agentes
emergem, enquanto os tradicionais reorganizam-se para participar destes novos mercados. Este item
visa mapear as principais dessas transformações, que vêm ocorrendo nas últimas décadas e que,
provavelmente, continuarão a ocorrer nos próximos anos (Cardim de Carvalho et allii, p.337).
Inovação Financeira e Mudança Estrutural
Denominamos inovação a mudanças na forma de produzir, de organizar a produção ou de
distribuir bens e serviços entre seus usuários. Como em economias de mercado inovações são
introduzidas o tempo todo, os processos produtivos, à medida que o tempo passa, vão se tornando
mais eficazes e baratos e a gama de produtos disponíveis para uso mais variada.
O tipo de inovação aqui focada são as inovações financeiras. Inovações financeiras referem-
se à produção de novos tipos de serviços financeiros ou a novas formas de produção dos serviços
financeiros já conhecidos. Inovações financeiras são introduzidas pela mesma razão que qualquer
outro tipo de inovação: porque representam armas competitivas nas mãos das empresas que tomam a
iniciativa de implantar novos métodos de produção ou novos produtos contra seus concorrentes.
Tradicionalmente, a atividade financeira tendia a ser desempenhada de forma muito
conservadora, com as instituições financeiras, como bancos, por exemplo, preferindo enfatizar sua
solidez, mais do que sua disposição a correr riscos para buscar maiores retornos.
Esta situação se alterou profundamente a partir da década de 1970. Inaugurou-se naquela
década um período de volatilidade dos mercados financeiros, que criou um prêmio para aquelas
instituições financeiras mais capazes de desenvolver novas respostas para desafios que se
diferenciavam a cada momento. Inflação elevada, taxas de câmbio flutuantes, movimentos livres de
capital através do mundo, taxas de juros voláteis, tudo isso criou um ambiente onde as instituições
mais bem-sucedidas passariam a ser aquelas capazes de se diferenciar com a evolução dos mercados
financeiros ou, ainda melhor, em antecipação às mudanças destes últimos.
Em função dessa mudança de atitudes, os mercados financeiros passaram a se comportar de
forma mais semelhante aos outros mercados. A introdução freqüente, quase contínua, de inovações
torna a mudança estrutural, isto é, a transformação das estruturas produtivas do setor uma
característica permanente de sua operação.
Raízes do Movimento de Inovação Financeira Recente
Esta tendência à inovação permanente contrasta de forma aguda com a situação anterior. Suas
raízes mais profundas remontam, principalmente, ao colapso do sistema monetário internacional
criado na conferência de Bretton Woods, em 1944.
O sistema monetário internacional criado em Bretton Woods, que será abordado em outro
texto, funcionou de forma satisfatória durante mais de vinte anos, mas começou a dar sinais de
esgotamento ao final dos anos 1960. Nessa época, acumulavam-se pressões inflacionárias em vários
países, notadamente nos Estados Unidos, onde um período de recuperação cíclica da economia era
reforçado pelo aumento de demanda agregada, apoiado na expansão da participação do país na guerra
do Vietnã. Essas pressões inflacionárias eram incompatíveis com a manutenção do sistema de taxas
fixas de câmbio e com a fixação do valor do dólar em ouro.
Em conseqüência do fim do sistema de taxas fixas, a volatilidade cambial, naturalmente,
intensificou-se. A instabilidade foi aumentada, ainda neste período, pelo primeiro choque do petróleo,
ao qual vários países, notadamente o Japão, responderam adotando políticas monetárias expansivas,
que validaram a aceleração da inflação. Mais choques se seguiram, até que, ao final da década,
generalizou-se o sentimento de que o processo inflacionário estava saindo de controle. A reação a
esse sentimento foi a adoção quase universal, entre os países desenvolvidos, de políticas monetárias
restritivas, baseadas em aumentos dramáticos das taxas de juros.

33
Criou-se, assim, um ambiente de extrema incerteza para a operação dos mercados financeiros
dos principais países desenvolvidos. Instabilidades de preços, de taxas de juros e de taxas de câmbio
combinavam-se para criar riscos para aplicadores e tomadores de recursos em escala praticamente
desconhecida até então. O desenvolvimento de procedimentos eficazes para administrar esses riscos,
socializar incertezas, diferenciar produtos para colocação junto a clientes com diferentes propensões
a risco etc., tornou-se uma importante fonte de inovações financeiras, notadamente o
desenvolvimento e diferenciação de um grande mercado de derivativos5.
Em paralelo, iniciou-se um período de revisão profunda dos princípios que regiam, até então,
a ação reguladora do Estado nos mercados financeiros. Desregulação e liberalização da atividade
financeira passaram a ser objetivos perseguidos com afinco em todos os países.
Finalmente, uma última grande força inovadora foi aquela que já era central nos outros setores
da economia, mas que, até recentemente, tinha pouco peso nos setor financeiro: o progresso
tecnológico. A evolução tecnológica nos setores de comunicações e de informática mudou de forma
dramática os custos de transação envolvidos na produção dos serviços convencionais, ao mesmo
tempo em que viabilizou a criação de produtos até então inacessíveis, como aqueles que combinam
eventos que tenham lugar em praças financeiras geograficamente distantes, unificando os mercados
financeiros e viabilizando a operação de instituições financeiras gigantescas, 24 horas por dia, em
todos os mercados. O progresso técnico, mediante a automação, também atingiu as operações de
rotina do setor, em especial as de saques, depósitos, transferências, realização de pagamentos etc.
Em síntese, os determinantes do movimento de inovação financeira antes descrito são: a) fim
do Acordo de Bretton-Woods; b) fim do sistema de câmbio fixo; c) a volatilidade cambial e o aumento
de incerteza decorrente dos determinantes anteriores; d) a desregulação financeira; e) a globalização
dos mercados financeiros; e) o processo tecnológico que atingiu o mercado financeiro, derivado do
desenvolvimento das telecomunicações e da informática. Além destes, não se pode esquecer o
aumento de risco e de incerteza associado aos choques de preços do petróleo ocorridos no início e ao
final dos anos 1970.
2.9 A Seleção Adversa
O Problema dos Limões
Uma caracterização especial do problema de seleção adversa, e a forma como ele interfere no
funcionamento eficiente de um mercado, foi esboçada em um famoso artigo de George Akerlof (Apud
Mishkin, 2000, p.125). É chamado de o “problema dos limões”, porque se refere ao problema criado
por “limões”6 no mercado de carros usados. Os compradores potenciais de carros usados em geral
não podem avaliar a qualidade do carro; isto é, eles não podem dizer se um determinado carro usado
é bom, se vai funcionar bem, ou se é um “limão” que só vai causar desgosto. O preço que um
comprador paga deve, portanto, refletir a qualidade média dos carros no mercado, algo entre o baixo
valor de um “limão” e o alto valor de um bom carro.
O proprietário de um carro usado, por outro lado, provalvelmente sabe se o seu carro é um
“pêssego”7 ou um “limão”. Se o carro for um “limão”, o proprietário fica mais do que feliz de vendê-
lo pelo preço que o comprador está disposto a pagar, que, sendo algo entre o valor de um “limão” e
um bom carro, é maior do que o valor de um “limão”. No entanto, se o carro for um “pêssego”, o
dono sabe que o preço que o comprador está disposto a pagar representa uma avaliação baixa do valor
de seu carro, e pode não querer vende-lo. Como resultado dessa seleção adversa, muito poucos carros

5
Derivativos. Operações financeiras cujo valor de negociação deriva (daí o nome derivativos) de outros ativos,
denominados de ativos-objeto, com a finalidade de assumir, limitar ou transferir riscos. Abrangem um amplo leque de
operações: a termo, futuros, opções e swaps, tando de commodities quanto de ativos financeiros, como taxas de juros,
cotações futuras de índices etc. (Sandroni, 2005).
6
“Limões” é o termo popular utilizado nos EUA para denotar um automóvel de segunda mão que apresenta sérios
problemas que só são descobertos após a compra do carro.
7
“Pêssego” é o termo popular utilizado nos EUA para denotar um carro de segunda mão em ótimas condições.

34
usados bons estarão no mercado. Como a qualidade média de um carro usado disponível no mercado
será baixa, e como muito poucas pessoas querem comprar um “limão”, haverá poucas vendas. O
mercado de carros usados, então, funcionará mal.
Seleção Adversa no Mercado de Títulos de Dívida e Ações
Um problema semelhante de seleção advers surge nos mercados de títulos, tanto de dívidas
(bônus) quanto de propriedade (ações). Suponha-se que um investidor, comprador potencial de títulos
como ação ordinária, não consegue distinguir entre boas firmas com altos lucros esperados e baixo
risco e firmas ruins com baixos lucros esperados e alto risco. Nessa situação, o investidor estará
disposto a pagar somente um preço que reflita a qualidade média das firmas emissoras de títulos,
preço que fica entre o valor dos títulos das firmas ruins e o valor daqueles de firmas boas.
Se os donos ou gerentes de uma firma boa têm uma informação melhor do que o investidor e
sabem que são uma firma boa, eles sabem que seus títulos estão subvalorizados e não vão querer
vendê-los ao investidor pelo preço que este está disposto a pagar. As únicas firmas dispostas a vender
títulos para o investidor são as firmas ruins (porque o preço é mais alto do que os títulos valem). Mas
o investidor não quer títulos de firmas ruins e, portanto, poderá decidir não comprar títulos no
mercado. Num resultado semelhante ao do mercado de carros usados, este mercado de títulos não
funcionará bem, porque poucas firmas irão vender títulos nele para levantar capital.
A presença do “problema dos limões” não deixa que os mercados de títulos de dívida e de
ações sejam eficientes na canalização de recursos dos poupadores para tomadores de empréstimos e
explica o enigma 2, ou seja, “por que os títulos negociáveis não são a fonte principal de financiamento
de empresas em qualquer país do mundo?”. Também explica, em parte, o enigma 1 – por que as ações
não são a fonte mais importante de financiamento para os negócios?
Ferramentas para Ajudar a Resolver os Problemas de Seleção Adversa
a) Produção privada e venda de informação.
A solução para o problema da seleção adversa nos mercados financeiros é eliminar a
informação assimétrica, fornecendo às pessoas recursos com detalhes sobre indivíduos ou firmas que
queiram financiar suas atividades de investimento. Um modo de fazer chegar esse material aos
poupadores-emprestadores é ter companhias privadas que coletem e produzam informações, que
permitam distinguir as firmas boas das ruins e depois vendam essa informação para os compradores
de títulos. Nos EUA, companhias como Standard and Poor’s, Moody’s, Fitch e Value Line coletam
informações sobre as posições e atividades de investimento do balanço das firmas, publicam estas
informações e as vendem aos assinantes.
Entretanto, o sistema de produção privada e venda de informação não resolve completamente
o problema de seleção adversa nos mercados de títulos, devido ao problema do free-rider. Este
problema ocorre quando pessoas que não pagam pela informação obtêm vantagem da informação
pela qual outras pessoas pagaram. Suponha-se que você tenha comprado informação que indica quais
as firmas boas e quais as ruins. Você acredita que esta compra vale a pena, porque você pode
compensar o custo de adquirir essa informação comprando os títulos das firmas boas que estão
desvalorizados. No entanto, quando outro investidor vir você comprando certos títulos, ele também
os comprará, apesar de não ter pago por nenhuma informação. Se muitos outros investidores agirem
como este investidor, haverá uma demanda crescente pelos títulos bons que estão desvalorizados, o
que fará com que seu preço aumente imediatamente, refletindo o seu verdadeiro valor. Como
resultado de todos esses free-riders, você não poderá comprar títulos por menos que seu valor real e,
como você não vai ter nenhum lucro extra pela compra de informação, dá-se conta de que nunca
deveria ter pago pela informação em primeiro lugar.
b) Regulamentação do Governo.

35
Uma possibilidade de reduzir a seleção adversa é o governo regulamentar os mercados de
títulos, de um modo que incentive as firmas a divulgar informações honestas sobre si, para que os
investidores possam determinar se elas são boas ou ruins.
O problema da seleção adversa nos mercados financeiros, gerada por assimetria de
informação, ajuda a explicar porque os mercados financeiros estão entre os setores mais rigidamente
regulamentados da economia (o que explica o enigma 5).
c) Intermediação Financeira.
Um intermediário financeiro, como um banco, se torna um especialista na produção de
informações sobre firmas, de modo que pode distinguir os riscos de crédito bons dos ruins. Então,
pode conseguir recursos dos depositantes e emprestá-los às firmas boas. Como o banco é capaz de
emprestar mais para as firmas boas, ele pode obter um rendimento mais alto sobre seus empréstimos
do que os juros que tem que pagar aos seus depositantes. Em resultado, o banco tem lucro, o que lhe
permite se engajar nessa atividade de produção de informação.
Uma importante razão para que os bancos possam lucrar com a informação que produzem é
o fato de que evitam o problema do free-rider. E o fazem realizando empréstimos privados, em vez
de comprarem títulos que são negociados no mercado aberto.
Nossa análise sobre a seleção adversa indica que os intermediários financeiros em geral, e os
bancos em particular, por possuírem uma fração grande de títulos de dívidas não-negociáveis
(empréstimos), deveriam desempenhar um papel maior do que os mercados de títulos na canalização
de fundos para empresas. Isto explica os enigmas 3 e 4 (por que o financiamento indireto é tão mais
importante do que o financiamento direto e por que os bancos são a fonte mais importante de recursos
externos para o financiamento de negócios?).
d) Garantia e Patrimônio Líquido.
A seleção adversa só interfere no funcionamento dos mercados financeiros se um emprestador
tiver um prejuízo, caso o tomador não efetue os pagamentos de um empréstimo e, portanto, fique
inadimplente. A garantia, propriedade prometida ao emprestador caso o tomador do empréstimo se
torne inadimplente, reduz as conseqüências da seleção adversa, porque reduz os prejuízos do
emprestador na eventualidade de inadimplência. E os tomadores estão dispostos a oferecer garantia
porque o risco reduzido para o emprestador facilitará a concessão de empréstimo e até mesmo
implicará em uma taxa de juros menor.
A presença de seleção adversa em mercados de crédito portanto fornece uma explicação para
o fato de a garantia ser uma característica importante nos contratos de dívida (enigma 7).
No que tange ao patrimônio líquido (a diferença entre os ativos de uma firma, isto é, o que ela possui
e o que lhe é devido, e seu passivo, isto é, o que ela deve), se uma firma tiver o valor deste alto, então,
mesmo que ela se engaje em investimentos que lhe dêem lucros negativos, gerando, portnato,
inadimplência no pagamento de suas dívidas, o emprestador pode tomar posse do PL da firma, vende-
lo e usar a receita para ressarcir parte dos prejuízos decorrentes do empréstimo. Além disso, quanto
mais patrimônio líquido uma firma tiver, menor é a probabilidade de inadimplência, porque a firma
estará escorada por ativos que poderão ser utilizados para pagar seus empréstimos.
Portanto, quando firmas que requerem crédito tiverem um patrimônio líquido alto, as
conseqüências de seleção adversa têm menos importância e os emprestadores estarão mais dispostos
a conceder empréstimos. Por trás dessa análise está a reclamação de que “somente as pessoas que não
precisam de dinheiro conseguem empréstimo!”.
2.10 O Risco Moral
O Risco Moral em Ações: o Problema entre Agente e Principal
Os contratos de participação acionária, como ações ordinárias, são solicitações de parte dos
lucros e ativos de uma empresa. Estes contratos estão sujeitos a um tipo especial de risco moral,
chamado problema entre agente e principal. Quando os gerentes têm apenas uma participação

36
pequena na firma para a qual trabalham, os acionistas majoritários da empresa (chamados principais)
são pessoas diferentes dos gerentes da firma, que são os agemtes dos proprietários. Esta separação
entre propriedade e controle envolve risco moral porque os gerentes em controle (os agentes) podem
agir em interesse próprio e não de acordo com os interesses dos acionistas-proprietários (os
principais), já que têm menos incentivo do que os acionistas-proprietários para maximizar lucros.
O problema entre agente e principal não surgiria se os proprietários da firma tivessem todas
as informações sobre as atividades de seus gerentes e pudessem evitar desperdícios de gastos ou
fraudes. O problema entre agente e principal, um exemplo de risco moral, surge porque um gerente
tem mais informações sobre suas atividades do que o acionista, isto é, há informação assimétrica.
Instrumentos para Ajudar a Resolver o Problema entre Agente e Principal
a) Produção de informação, monitoramento.
Uma maneira de os acionistas reduzirem esse problema de risco moral é se engajarem em um
tipo determinado de produção de informação, qual seja, o monitoramento das atividades da firma:
auditorias freqüentes da firma e controlar o que o gerente está fazendo. O problema é que o processo
de monitoramento pode ser caro em termos de tempo e dinheiro, pois estes chamados custos de
verificação podem ser elevados. Elevados custos de verificação tornam menos atraentes os contratos
de participação acionária e explicam, em parte, porque a emissão de ações não é um elemento tão
mais importante na estrutura financeira das nações.
Estes custos de verificação também estão sujeitos ao problema do free-rider, que pode
diminuir o monitoramento. Se você sabe que outros acionistas estão pagando para monitorar as
atividades da companhia da qual você possui ações, você pode pegar uma “carona” (free-ride) nas
atividades deles. No entanto, se você pode conseguir isso, os outros acionistas também podem e,
assim, ninguém irá gastar recursos para monitorar a firma.. O problema do risco moral para ações
ordinárias será sério, dificultando a emissão de ações por firmas, como forma de obter mais capital.
b) Regulamento do governo para aumentar informação.
Como acontece com a seleção adversa, o governo tem um incentivo para tentar reduzir o
problema de risco moral criado pela informação assimétrica. Todos os governos têm leis para forçar
as firmas a aderirem a princípios de contabilidade padrões, que facilitam a verificação de lucros. Eles
também aprovam leis que impõem penas duras a pessoas que cometem fraudes por esconder ou roubar
os lucros.
c) Intermediação financeira.
Os intermediários financeiros têm a capacidade de evitar o problema de free-rider associado
ao risco moral. Um intermediário financeiro que ajuda a reduzir o risco moral que surge do problema
entre agente e principal é a firma de capital de risco (venture-capital firm). Firmas de capital de risco
agrupam os recursos de seus sócios e utilizam os fundos para ajudar empresários principiantes a
montarem seus negócios. Em troca pelo uso do capital de risco, a firma recebe uma parte das ações
no novo negócio. Como a verificação dos ganhos e lucros é muito importante na eliminação do risco
moral, as firmas de capital de risco geralmente insistem em ter pessoal próprio participando como
membros do corpo gerencial da firma, a diretoria, para que possam controlar de perto as atividades
da empresa.
d) Contratos de dívida.
O risco moral surge com um contrato de participação acionária, que é um direito sobre os
lucros em qualquer situação, esteja a firma ganhando ou perdendo dinheiro. Se um contrato pudesse
ser estruturado de maneira que o risco moral só existisse em certas situações, haveria menor
necessidade de monitorar gerentes e o contrato seria mais atraente do que o contrato de participação
acionária. O contrato de dívida tem exatamente esses atributos, porque é um acordo contratual do
tomador do empréstimo de pagar ao emprestador quantias fixas em unidades monetárias (reais,
dólares etc.), em intervalos regulares. Somente quando a firma não consegue efetuar seus pagamentos,

37
encontrando-se, portanto, em estado de inadimplência, o emprestador sente necessidade de verificar
a situação dos lucros da firma.
A vantagem de não haver necessidade freqüente de monitorar a firma e, portanto, a vantagem
de um custo mais baixo de verificação, ajuda a explicar porque os contratos de dívida são usados mais
frequentemente do que os contratos de participação acionária para obter capital adicional. O conceito
de risco moral, portanto, ajuda a explicar o enigma 1, qual seja, porque as ações não são a fonte mais
importante de financiamento das empresas.
Um alto patrimônio líquido, monitoramento e imposição de cláusulas contratuais restritivas,
garantias (e seguros sobre garantias reais) e intermediação financeira também são ferramentas que
ajudam a resolver o risco moral em contratos de dívida.
2.11 Crise Financeira e Atividade Econômica Agregada
As crises financeiras ocorrem quando há uma ruptura no sistema financeiro, que causa um
aumento tão brusco dos problemas de seleção adversa e risco moral que os mercados são incapazes
de canalizar de forma eficiente os recursos dos poupadores para as pessoas com oportunidades de
investimento produtivo. Em decorrência dessa incapacidade dos mercados financeiros funcionarem
eficientemente, a atividade econômica se contrai abruptamente.
Fatores que Causam as Crises Financeiras.
a) Aumento nas taxas de juros.
A seleção adversa mostra que os indivíduos e firmas com os projetos de investimento mais
arriscados são exatamente aqueles que estão dispostos a pagar as taxas de juros mais altas. Se as taxas
de juros de mercado são elevadas suficientemente, devido à crescente demanda por crédito ou devido
a uma queda na oferta de moeda, é menos provável que os tomadores com bons riscos de crédito
queiram pedir empréstimo, enquanto o contrário ocorre com aqueles com riscos de crédito ruins.
Devido aos aumento resultante na seleção adversa, os emprestadores não vão mais querer conceder
empréstimos. O declínio abrupto do volume de empréstimos levará a uma queda significativa no
investimento e na atividade econômica agregada.
b) Aumento na incerteza.
Um aumento dramático na incerteza dos mercados financeiros, em decorrência talvez da
falência de uma instituição financeira ou não-financeira proeminente, uma recessão ou uma quebra
da bolsa, dificulta a separação dos riscos de crédito bons dos ruins pelos emprestadores. A
incapacidade resultante dos emprestadores em resolver o problema da seleção adversa os torna menos
dispostos a emprestar, o que leva a um declínio no empréstimo, no investimento e na atividade
agregada.
c) Efeitos do mercado de ativos sobre o balanço patrimonial
Uma queda brusca no mercado de ações é um fator que pode causar uma deterioração séria
nos balanços patrimoniais de uma firma, bem como provocar uma crise financeira. Este fator faz com
que os emprestadores fiquem menos dispostos a emprestar, porque o patrimônio líquido de uma firma
desempenha papel semelhante ao da garantia. Quando cai o valor da garantia, os emprestadores estão
menos protegidos, o que quer dizer que, provavelmente, os prejuízos decorrentes de empréstimos
serão mais sérios. Eles diminuem seus empréstimos, o que, por sua vez, causa o declínio do
investimento e da produção agregada.
Nas economias em que a inflação é moderada, muitos contratos de dívida têm, em geral,
vencimento bastante longo com taxa de juros fixa. Nesse ambiente institucional, as quedas não-
antecipadas do nível de preço agregado também diminuem o patrimônio líquido das firmas. Como os
pagamentos de dívida são fixados contratualmente em termos nominais, uma queda imprevista do
nível de preços aumenta o valor dos passivos das firmas em termos reais (aumenta o ônus da dívida),
mas não aumenta o valor real dos ativos das firmas. Portanto, uma queda imprevista no nível de preço
agregado leva a uma queda nos empréstimos e na atividade agregada.

38
Os contratos de dívida denominados em moeda estrangeira, quando ocorre uma
desvalorização repentina da moeda doméstica, podem levar a uma crise financeira semelhante a um
declínio imprevisto da inflação, pois o ônus da dívida das firmas domésticas aumenta. Como os ativos
são, em geral, denominados em moeda doméstica, há, conseqüentemente, uma deterioração nos
balanços patrimoniais das firmas e uma queda no patrimônio líquido, que, então, aumenta os
problemas de seleção adversa e de risco moral nas formas já definidas.
d) Pânico bancário.
Uma crise financeira, quando muitos bancos quebram (chamada de pânico bancário), reduz
a quantidade de intermediação financeira feita pelos bancos, levando a declínio no investimento e na
atividade econômica agregada. Na verdade, mesmo que não vão à falência, mas sofram, ainda assim,
uma contração significativa em seu patrimônio líquido, devido a mais empréstimos, os bancos terão
menos recursos para conceder empréstimos, que cairão, causando uma contração na atividade
econômica.
2.12 Tópicos Financeiros
As Taxas de Juros e a Taxa de Retorno
As taxas de juros afetam decisões pessoais, tais como consumir ou poupar, comprar uma casa,
ou comprar títulos de dívida ou depositar em uma conta de poupança. As taxas de juros também
afetam as deciões econômicas de empresas e famílias, tais como utilizar seus fundos para investir em
um novo equipamento para fábricas ou poupar seu dinheiro num banco.
O conceito conhecido como rendimento até o vencimento, YTM8, é a medida mais exata das
taxas de juros. Em outras palavras, o YTM é o que os economistas querem dizer quando usam o termo
taxa de juros.
Para qualquer título, a taxa de retorno é definida como os pagamentos ao proprietário,
acrescidos da mudança em seu valor, expressa como uma fração do seu preço de compra. Para tornar
esta definição mais clara, vamos ver como seria o retorno para um bônus de cupom com valor de face
de $1.000 e taxa de cupom de 10%, que é comprado por $1.000, mantido por um ano e, então, vendido
por $1.200. Os pagamentos ao proprietário são os pagamentos de cupom anuais de $100 e a mudança
em seu valor é $1.200 - $1.000 = $200. Somando-se estes resultados e expressando-os como uma
fração do preço de compra ($1.000), temos o rendimento do período de retenção de um ano para este
título:
($100 + $200)/($1.000) = $300/$1.000 = 0,30 = 30%.
Pode-se notar que, enquanto a taxa de retorno desse título equivale a 30%, a sua taxa de juros
(taxa de cupom ou YTM) é de somente 10%. Isto demonstra que o retorno sobre um título não irá
equivaler necessariamente à taxa de juros sobre esse título. Mais genericamente, o retorno de um
título retido do tempo t até o tempo t + 1 pode ser escrito:
RET = (C + Pt+1 – Pt)/(Pt)
Onde: RET = rendimento decorrente da retenção de um título do tempo t até o tempo t+1;
Pt = preço do título no tempo t;
Pt+1 = preço do título no tempo t+1
C = pagamento de cupom

8
A expressão yield to maturity significa a taxa de desconto que equaciona o valor presente do pagamento de juros e o
valor de vencimento com o preço presente do título. O termo não tem tradução precisa em língua portuguesa e, por esta
razão, opta-se por utilizar, neste texto, a sigla YTM ou a expressão retorno até o vencimento. (N. do T.)

39
Um modo conveniente de reescrever a fórmula de retorno na equação anterior é reconhecer
que ela pode ser dividida em duas expressões separadas. A primeira é o rendimento anual ia (o
pagamento de cupom sobre o preço de compra):
C/Pt = ia
A segunda expressão é a taxa de ganho de capital, ou a mudança no preço do título, em
relação ao preço de compra inicial:
(Pt+1 – Pt)/(Pt) = g
Onde g = taxa de ganho de capital. A equação RET pode, então, ser reescrita como:
RET = ia + g que mostra que o rendimento sobre um título de dívida é o rendimento anual i a mais
a taxa de ganho de capital .
As ações não são a fonte mais importante de financiamento externo para as empresas.
Como a maior parte das atenções da mídia se concentra no mercado de ações, muitas pessoas
têm a impressão de que as ações são as fontes mais importantes de financiamento das empresas (nos
EUA e em muitos outros países, inclusive no Brasil). No entanto, o mercado de ações só foi
responsável por uma fração pequena (2,1%) de financiamento externo dos negócios (nos EUA) no
período de 1970 a 1985 (Mishkin, 2000, p.121).
Emissão de títulos de divída negociáveis, ações e debêntures não representam a principal fonte de
financiamento das operações das empresas.
A mesma fonte (Mishkin, 2000, p.122) informa que, no período 1970/85, os títulos de dívida
foram uma fonte de financiamento muito mais importante do que as ações nos EUA (29,8% versus
2,1%). Isto significa que as ações e os títulos de dívida combinados (31,9%), que somam o total dos
títulos negociáveis, ainda fornecem menos de um terço dos recursos externos de que as empresas
necessitam para financiar suas atividades (nos EUA). Outras importantes economias mundiais, como
o Reino Unido, França, Alemanha e Japão têm comportamento similar. O Canadá constitui-se em
exceção, dado que as empresas que lá operam captam recursos mediante o uso preferencial de ações,
bônus e outros meios que não empréstimos (Idem, Ibidem, p.122).
O financiamento indireto, que envolve as atividades de financiamento intermediário, tem uma
importância muito maior do que o financiamento direto, no qual as empresas levantam fundos
diretamente dos emprestadores nos mercados financeiros.
O financiamento direto envolve a venda de títulos negociáveis, como ações e títulos de dívida,
às famílias. Nos EUA, desde 1970, menos de 5% dos títulos de dívida de empresas e commercial
papers emitidos e cerca de 50% das ações foram vendidos diretamente a famílias norte-americanas.
O resto desses títulos foi comprado, principalmente, por companhias de seguros, fundos de pensão e
fundos mútuos (Idem, Ibidem, p.122). Mishkin afirma que, portanto, estes números indicam que o
financiamento direto é utilizado em menos de 5% do financiamento externo das empresas norte-
americanas. Como na maior parte dos demais países, os títulos negociáveis, como fonte de
financiamento, têm uma importância ainda menor do que nos EUA, o financiamento direto é, no resto
do mundo, também, ainda menos importante do que o financiamento indireto.
Os bancos são a fonte de recursos externos mais importante das empresas.
As principais fontes de recursos externos para as empresas, em todo o mundo, são os
empréstimos (61,9% nos EUA) (Mishkin, 2000, p.123). A maior parte desses empréstimos é suprida
por bancos, que, assim, desempenham o papel mais importante no financiamento de atividades
comerciais. Os bancos são ainda mais importantes em país como a França e, em países em

40
desenvolvimento, os bancos desempenham um papel ainda mais importante no sistema financeiro do
que nos países industrializados.
O sistema financeiro está entre os setores da economia mais rigidamente regulamentados.
Os governos regulamentam os mercados financeiros principalmente para promover a
distribuição eqüitativa de informações e para assegurar a saúde do sistema financeiro.
Somente as empresas grandes e bem-estabelecidas têm acesso aos mercados de títulos para financiar
suas atividades.
Os indivíduos e empresas menores, ainda não bem-estabelecidas nas suas atividades, quase
nunca levantam fundos através da emissão de títulos negociáveis. Em vez disso, eles obtêm seu
financiamento através de bancos.
A garantia é um requisito predominante dos contratos de dívida para famílias e para firmas.
A garantia é uma propriedade que é penhorada (hipotecada, no caso de imóvel) ao
emprestador, para garantir pagamento na eventualidade de o tomador do empréstimo não poder
cumprir os pagamentos da dívida. A dívida garantida (ou caucionada, no caso de títulos) é a forma
mais comum de dívida das famílias e é também amplamente utilizada nos empréstimos comerciais.
Os contratos de dívida em geral são documentos legais extremamente complicados, que impõem
restrições significativas ao comportamento do tomador de empréstimo.
Em todos os países, os contratos de empréstimos ou títulos de dívida são, em geral, longos
documentos legais com cláusulas que restringem e especificam certas atividades com as quais o
tomador pode se engajar (as chamadas cláusulas restritivas).
Bibliografia
Cardim de Carvalho, Fernando J.; Pires de Souza, Francisco E.; Sicsú, João, Rodrigues de Paula, Luiz
Fernando; Studart, Rogério. Economia Monetária e Financeira. Teoria e Política. Editora Campus.
Rio de Janeiro. 2001.
Lopes, Joäo do Carmo e Rossetti, José P. Economia Monetária. Editora Atlas, 6.ed., 1992.
Mayer, Thomas; Duesenberry, James e Aliber, Robert. Moeda, Bancos e a Economia. Editora
Campus, 1993.
Hillbrecht, Ronald. Economia Monetária. São Paulo : Editora Atlas, 1999.
Gurley, J.G.; Shaw, E.S. Money in a Theory of Finance. 1960.
Mishkin, Frederic S. Moeda, Bancos e Mercados Financeiros. LTC-Livros Técnicos e Científicos
Editora S.A. 5ª. Ed. Rio de Janeiro-RJ, 2000.
ANEXO 1
A Evolução do Sistema Bancário e a Teoria da Poupança, do Investimento e dos Juros
Chick, Victoria. Ensaios FEE, Porto Alegre, (15)1:9-23, 1994.
Introdução
A teoria da poupança e da taxa de juros não pode - ou mesmo não deve – ser independente do
estágio de desenvolvimento das instituições financeiras. Em Chick (1983, cap.9), foi afirmado que a
inversão da causalidade na relação entre poupança e investimento, proposta por Keynes (1936), não
devia ser vista como a teoria correta triunfando sobre o erro, mas como uma mudança no que
constituía a teoria correta, devido ao desenvolvimento do sistema bancário.
Em seções subsequentes, será argumentado que o comportamento dos bancos evoluiu para um
estágio suficientemente diferente daquele para o qual a abordagem de Keynes era pertinente, de forma
a exigir alterações na teoria preexistente sobre o investimento, a poupança e os juros.

41
Os Estágios do Desenvolvimento Bancário
O sistema bancário desenvolveu-se de forma contínua: não há rupturas abruptas entre os
estágios descritos a seguir.
a) Estágio I
Neste estágio, os bancos são numerosos e pequenos, além de semi-isolados geograficamente.
Débitos em contas bancárias não são usualmente utilizados como forma de pagamento. Os bancos
eram, portanto, principalmente receptores de poupanças. Essas características implicavam que uma
expansão dos empréstimos levasse a uma substancial perda de reservas, até mesmo para o sistema
como um todo. Os bancos eram, pois, dependentes dos depósitos para formar reservas e das reservas
para obter capacidade de emprestar.
Fazendo R = reservas, L = empréstimos (ou adiantamentos) e D = depósitos, teríamos a
seguinte cadeia causal:
D  R  L.
Os depósitos, neste estágio, são constituídos por poupanças. Sua oferta para os bancos pode
ser considerada como exógena ao sistema bancário, originando-se de uma oferta crescente de moeda
que as pessoas não desejavam reter na forma de dinheiro, ou de mudança nas preferências do público
entre dinheiro e depósitos, à medida que aumenta a confiança nos bancos.
Enquanto os bancos permaneceram nesse estágio de seu desenvolvimento, eles foram –
exatamente como os próprios banqueiros afirmavam – elementos de ligação entre a poupança e o uso
dessa poupança para investimento. Eles funcionavam, em grande parte, da mesma forma que as
instituições de empréstimo direto, como o mercado de novas emissões, onde alguém precisa ter
poupado dinheiro antes de poder emprestá-lo. Nessas circunstâncias, a poupança determina o volume
de investimentos.
b) Estágio II
Neste estágio, o sistema bancário já demonstrou sua viabilidade e obteve a confiança do
público. O número de bancos é menor e o tamanho médio é maior. A criação de agências
disseminadas desenvolveu-se, contribuindo para a dispersão de riscos, reduzindo a perda de depósitos
após a expansão dos empréstimos e aumentando a conveniência dos depósitos como meio de
pagamento. A consolidação de acordos de compensação encoraja ainda mais a mudança no sentido
do uso dos depósitos como meio de pagamento.
A função “meio de pagamento” é crucial. Significa que os depósitos agora representam não
apenas poupanças, mas também balanços de transações que financiam o circuito de consumo,
movendo-se de um banco para outro, sem abandonar, de forma significativa, o sistema como um todo.
É isso que assegura que os depósitos oriundos de empréstimos não são perdidos, em grau expressivo,
pelo sistema bancário. Bancos com excesso de reservas são, agora, encorajados a emprestar “dinheiro
que não possuem”, desencadeando a expansão e a multiplicação do sistema como um todo, o que nós
hoje consideramos natural. A cadeia causal pertinente a esse estágio é:
R  L  D.
O “multiplicador dos depósitos bancários” é a teoria relevante: o sistema bancário pode agora
emprestar um valor que é um múltiplo das reservas, sujeito à manutenção de um nível mínimo de
reservas, que é estabelecido convencionalmente ou imposto pelas autoridades. Os depósitos são uma
consequëncia.
D = (1/r) R.
Os bancos, seja por hábito, seja por outro motivo, ainda mantêm uma atitude passiva quanto
a buscar novos depósitos criadores de reservas. As reservas ainda chegam ao sistema bancário da
mesma forma que antes, como resultado de mudanças nas preferências do público, que deixa de

42
manter saldos em dinheiro e prefere depositá-los em bancos ou, o que é cada vez mais importante à
medida que passa o tempo, através do Banco Central, via operações de open market.
Já que agora os depósitos são meio de pagamentos, eles representam toda a renda, quer
destinada ao consumo, quer ao investimento. Torna-se adequado afirmar que o investimento pode
preceder a poupança, pois os empréstimos bancários, baseados tanto em fluxos de consumo quanto
em poupanças abrigadas nos bancos, desempenham um papel significativo no financiamento dos
investimentos.
c) Estágio III
Neste estágio, desenvolvem-se mecanismos de empréstimo interbancário, suplementando o
mecanismo dos empréstimos à vista e contribuindo para um uso eficiente das reservas disponíveis.
As possibilidades que se abrem para os bancos individuais cada vez mais se aproximam daquelas que
são acessíveis para o sistema como um todo. A cadeia causal do Estágio II ainda é aplicável e o
multiplicador dos depósitos bancários atua de forma ainda mais rápida.
d) Estágio IV
Este estágio poderia ser abordado de forma simultânea com o anterior. O princípio do
emprestador de última instância está agora firmemente estabelecido, mesmo para situações muito
menos agudas do que aquelas em que Bagehot (1873) recomendava seu uso. Colocando a questão de
outra maneira, o Banco Central já aceitou totalmente a responsabilidade pela manutenção da
estabilidade do sistema bancário.
Na expectativa de que essa política continue a ser seguida, os bancos tornam-se cada vez mais
audazes; os empréstimos podem agora se expandir além da capacidade determinada pelas reservas do
sistema. Pode-se, virtualmente, contar com o Banco Central como garantia no caso de falta de
reservas. Quando se impõe um custo para a suplementação de reservas, ou seja, através do uso de
taxas de penalização ou por meio de operações de mercado aberto que resultem em taxas de juros de
mercado mais altas, os lucros dos bancos são afetados. Essa ameaça pode moderar a expansão de seus
empréstimos.
Mesmo no caso de as reservas serem suplementadas a uma taxa de juros mais alta, os bancos
poderão ainda expandir os empréstimos além da capacidade das reservas do sistema, mas só o farão
de forma deliberada caso esperem que essa expansão seja rentável. Isso depende da relação entre as
elasticidades da demanda por crédito e da oferta de reservas. A maior parte dos analistas tem
concordado em que, durante os anos 1970 (na Inglaterra), quando o Estágio IV estava completando
seu desenvolvimento, a demanda por empréstimos era bastante inelástica, enquanto a oferta de
reservas era muito elástica, o que se aproxima do caso dos juros fixos. A seqüência causal apropriada
para este estágio é, portanto:
Ld = L  D  R,
onde Ld se refere à demanda por empréstimos e L é o volume efetivo de novos empréstimos. A teoria
da criação de depósitos adequada para esse estágio, em que os empréstimos exógenos conduzem o
sistema, foi proposta por Coghlan (1978).
A chegada do Estágio IV exigiu a adoção de uma nova teoria de comportamento dos bancos,
baseada na rentabilidade marginal da expansão dos empréstimos, dados os custos marginais da
obtenção de reservas adicionais. A literatura da década de 1970 reflete essa mudança, ao menos no
que diz respeito às teorias microeconômicas do comportamento bancário.
Do lado da macroeconomia, embora tenham havido alusões ao movimento no sentido de uma
“economia de crédito puro”, por exemplo, Hicks (1965, cap. 23), o debate polarizou-se em torno de
duas posições: a de que as autoridades monetárias controlam a base de reservas e, portanto, a oferta
de moeda – uma abordagem que seria apropriada, no máximo, até o Estágio III -; ou a de que a oferta
de moeda é completamente elástica, como afirma, por exemplo, Moore (1979). Se for necessário
escolher entre essas posições extremas, a última é a preferível.

43
e) Estágio V
Neste estágio, os bancos desenvolvem a administração do passivo. Até esse estágio, todos os
ajustamentos, independemente da estrutura causal, ocorriam pelo lado dos ativos dos balanços dos
bancos. Os depósitos, depois do Estágio I, eram, em grande parte, uma conseqüência passiva da
política de empréstimos dos bancos, sujeita à disponibilidade de reservas. No Estágio V, os bancos
passaram a agir no sentido de buscarem atrair, ou reterem como depósitos, poupanças que poderiam
ter sido mantidas em outras instituições financeiras, ou como instrumentos financeiros do governo ou
das empresas.
Na medida em que os depósitos bancários passarem a ser preferidos em relação ao dinheiro
ou ao ouro, a mudança no sentido dos depósitos proporcionará reservas e financiará a expansão dos
ativos. O custo é uma taxa de remuneração mais alta para os depósitos.
Em 1981, a exigência formal de reservas foi abolida (no Reino Unido), de forma que se
poderia ser tentado a supor que o dinherio à vista e os depósitos bancários não mais eram importantes.
Os bancos, no entanto, ainda deviam estar prontos para honrar as solicitações de retirada de dinheiro,
e o Banco da Inglaterra deixou claro que esperava que os bancos o consultassem a respeito dos níveis
“adequados” de depósitos dos banqueiros. Esse entendimento presumivelmente foi concebido para
evitar uma expansão súbita com base nas reservas existentes. No longo prazo, as reservas poderiam
ser reduzidas em comparação com o nível de depósitos. O nexo causal pertinente, para este estágio
de expansão agressiva, é:
Ls = L  D  R,
O Estágio V difere do anterior pela ausência de uma atitude passiva em relação a qualquer
dos lados dos balanços dos bancos. Uma interpretação disso (Pigato, 1985) é que esse estágio é apenas
uma transição para algum tipo de equilíbrio competitivo condicionado. De forma alternativa, esse
estágio representaria uma estratégia de maximização de vendas em uma luta por uma parcela
dominante do mercado. Uma terceira interpretação, que me parece a mais adequada, aceita a
possibilidade de que não existe uma solução competitiva estável e bem definida. Os mercados
financeiros são diferentes dos mercados de bens: a demanda por empréstimos é finita apenas na
ausência de “riscos morais”.
Conclusão
Este artigo defende uma mudança no panorama teórico, em dois aspectos, como conseqüência
do desenvolvimento de estratégias de “maximização de vendas” e da “administração do passivo” por
parte dos bancos.
Em primeiro lugar, como as mudanças no comportamento bancário descritas acima não
alteraram, mas, sim, intensificaram, a posição subordinada da poupança, a despesa autônoma que
domina o ato de poupar pode compreender menos investimento do que antes. Isso aumenta a
probabilidade de que uma expansão financeira e monetária possa não ser apoiada por uma capacidade
“real” de pagar os empréstimos. Isso constitui uma fonte de pressão inflacionária não incluída na
atual teoria macroeconômica.
Em segundo lugar, o viés deflacionário previsto na teoria macroeconômica tradicional,
oriundo de uma preferência pela liquidez a baixas taxas de juros, foi alterado pela administração do
passivo. Os bancos aprenderam a se tornar atraentes para os investidores não apenas na recessão, mas
também em tempos melhores, a qualquer nível geral de taxas de juros. Isso aumentou grandemente
sua capacidade para emprestar em todas as fases do ciclo econômico, gerando um viés inflacionário
consistente no sistema econômico. Existem, também, sem dúvida, forças inflacionárias “reais”, mas
seria equivocado ignorar a existência simultânea de causas financeiras.

ANEXO 2
As Expectativas Racionais nos Mercados Financeiros e a Teoria dos Mercados Eficientes

44
A teoria das expectativas racionais procura explicar de que forma os agentes econômicos
formam suas expectativas; constitui o principal foco de muitos dos mais recentes debates sobre a
forma como deveriam ser realizadas a política fiscal e a política monetária. Além disso, quando a
teoria é aplicada a mercados financeiros, onde é chamada de teoria dos mercados eficientes, apresenta
implicações importantes sobre os fatores que determinam os preços dos valores mobiliários e a forma
como esses preços se modificam com o tempo.
Podemos enunciar a teoria das expectativas racionais, de maneira formal, na forma seguinte.
Se X representa a variável que está sendo prevista, Xe é a expectativa dessa variável e Xof a previsão
ótima de X utilizando toda informação possível (a melhor previsão possível de X), a teoria das
expectativas racionais então é, simplesmente:
Xe = Xof.
Isto é, a expectativa de X equivale à previsão ótima usando toda a informação disponível.
A teoria dos mercados eficientes é baseada, conforme antes visto, na hipótese de que os preços
dos valores nos mercados financeiros refletem totalmente toda a informação disponível. Lembrando
que a taxa de retorno de investimento em títulos equivale à soma do ganho de capital sobre o título (a
mudança no preço) mais qualquer pagamento em dinheiro, dividido pelo preço inicial de compra do
valor mobiliário:
RET = (Pt+1 – Pt + C)/Pt
Onde: RET = taxa de retorno sobre o valor mobiliário retido do tempo t até t+1.
Pt+1 = preço do título no tempo t+1, o final do período de investimento.
Pt = preço do título no tempo t, o início do período de investimento.
C = pagamento em dinheiro (em cupom ou dividendos) efetuado no período de t até t+1.
Vamos examinar a expectativa desse retorno no tempo t, início do período de investimento.
Como o preço atual Pt e o pagamento em dinheiro C são conhecidos no início, a única variável na
definição de retorno que é incerta é o preço no período seguinte Pt+1. Simbolizando como Pet+1 a
expectativa do preço do título ao final do período de investimento, o retorno esperado RETe é:
RETe = (Pet+1 – Pt + C)/Pt
A teoria dos mercados eficientes também considera as expectativas dos preços futuros
equivalentes às previsões ótimas utilizando todos os dados atuais disponíveis. Em outras palavras, as
expectativas de mercado dos preços futuros de títulos são racionais, de forma que:
Pet+1 = Poft+1
Que, por sua vez, implica que o retorno esperado sobre um valor mobiliário seja igual à previsão
ótima do retorno:
RETe = RETof
A análise de oferta e demanda do mercado de títulos de dívida indica que o retorno esperado
de um valor mobiliário (convergirá) tenderá a se direcionar ao encontro do retorno de equilíbrio que
equaciona a quantidade demandada à quantidade ofertada. A análise de oferta e demanda nos permite
determinar o retorno esperado sobre um valor mobiliário com a seguinte condição de equilíbrio: o
retorno esperado de um título RETe equivale ao retorno de equilíbrio RET*, que equaliza a quantidade
demanda do título à quantidade ofertada, isto é:
RETe = RET*
Podemos derivar uma equação para definir o comportamento dos preços em um mercado
eficiente utilizando a condição de equilíbrio para substituir RET e por RET* na equação das
expectativas racionais (RETe = RETof ). Dessa forma, obtemos:

45
RETof = RET*
Esta equação nos indica que os preços vigentes em um mercado financeiro serão
determinados de forma que a previsão ótima do retorno de um título, usando-se todos os dados
disponíveis, equivale ao retorno de equilíbrio do título. Os economistas financeiros enunciam de
modo mais simplificado: o preço de um título reflete totalmente todas as informações disponíveis em
um mercado eficiente.
Uma outra forma de enunciar a condição dos mercados eficientes é esta: em um mercado
eficiente, todas as oportunidades inexploradas de lucro serão eliminadas. Um fator de extrema
importância para este argumento é o de que nem todas as pessoas em um mercado financeiro devem
estar bem-informadas sobre um valor mobiliário ou ter expectativas racionais quanto ao seu preço
chegar ao ponto em que se instaura a condição dos mercados eficientes. Os mercados financeiros
são estruturados de forma a que muitos participantes possam tomar parte. Contanto que alguns
mantenham os olhos abertos para as oportunidades inexploradas de lucro, eles eliminarão as
oportunidades de lucro que aparecerem porque, ao fazerem isso, lucram.
Muitos economistas financeiros levam a teoria dos mercados eficientes um passo adiante nas
suas análises de mercados financeiros. Não só eles definem os mercados eficientes como aqueles em
que as expectativas são racionais, isto é, equivalentes às previsões ótimas utilizando todos os dados
disponíveis, como também somam a condição de que um mercado eficiente é aquele em que os preços
refletem o valor fundamental (intrínseco) dos títulos. Portanto, em um mercado eficiente, todos os
preços estão sempre corretos e refletem os fundamentos do mercado (itens que apresentam um
impacto direto sobre as tendências de receita futura decorrente dos títulos).

46

Você também pode gostar