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0 inha fascinação com Ezequiel começou em 1978, quan-


do me ocorreu que Ezequiel foi o único profeta a cumprir
todo o seu ministério profético em uma terra estrangeira.
Comecei a indagar como o seu ambiente influenciou seu ministério e o li-
vro que preserva seu trabalho. Descobri que as ligações e influências esta-
vam em toda parte: em suas referências geográficas, os acadismos e ara-
maísmos em seu vocabulário, suas imagens iconográficas, e sua estrutura
conceitual. Esta é apenas uma das razões por que o livro é tão fascinante e
enigmático. Como intérpretes cristãos da Bíblia hebraica, devemos sempre
nos perguntar pelo menos três questões: (1) O que o texto diz? [pergunta
crítico-textual]; (2) O que o texto significou para a audiência original? [per-
gunta hermenêutica]; (3) O que o texto significa para mim? [pergunta prá-
tica e teológica]. Contudo, ainda existe uma quarta pergunta que é espe-
cialmente importante quando se lê Ezequiel: (4) Por que o texto diz isso
dessa forma? [pergunta genérica e cultural]. Sem referência ao mundo no
qual Ezequiel viveu, muitos aspectos no livro permanecem enigmáticos e
obscuros, isso se não forem confusos e sem sentido.
Inicialmente, o enigma de Ezequiel era um assunto pessoal e privado.
Uma ligação telefônica de R. K. Harrison de Toronto, em 1982, mudou
tudo. Quando ele perguntou se eu me interessaria em produzir um comen-
tário sobre o livro para o New International Commentary on the Old Testa-
ment (Eerdmans), eu imaginei, inocentemente, que gastaria quatro ou
cinco anos para terminá-lo. Mal sabia eu o desafio e a gratificação que esse
projeto seria. Após uma convivência de quinze anos com esse sacerdote
profético, às vezes eu sentia como se eu o conhecesse pessoalmente; outra

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vezes, ele me deixava completamente perplexo com suas declarações, quan-


do não chateado com sua descrição de Deus.
Tudo o que se sabe de Ezequiel deriva-se de seu livro. Ele era o filho de
Buzi (1.3), e foi levado cativo para a Babilônia em 597 a.C., em companhia
do rei Joaquim e dez mil outros, incluindo líderes políticos e militares, e
habilidosos artífices (2Rs 24.14-16). Como mencionado anteriormente,
Ezequiel foi o único profeta israelita a exercer todo o seu ministério fora da
terra de Israel. Ele recebeu o seu chamado cinco anos após ter sido depor-
tado para a Babilônia por Nabucodonosor em 597 a.C. Essa tragédia, pre-
vista pelo profeta Isaías mais de cem anos antes (2Rs 20.16-18), represen-
tava a culminação de uma série de eventos históricos. Após a horrenda
apostasia de Manassés, o fiel rei Josias (640–609 a.C.) se dedicou a grandes
reformas religiosas (2Rs 23.1-25), mas seus esforços foram poucos e tar-
dios. A ruína da nação já havia sido determinada. De acordo com os histo-
riadores hebraicos, os sucessores de Josias foram todos iníquos. Seu filho,
Jeoacaz, reinou por somente três anos antes dos egípcios o deporem e o
substituírem por seu irmão Jeoaquim (609–598 a.C.). A Babilônia substi-
tuiu o Egito como a força política dominante no antigo Oriente Próximo
após a batalha de Carquemis em 605 a.C. Sob Nabucodonosor, o exército
babilônico marchou em direção ao Sul, até Jerusalém, reivindicando Judá
como seu vassalo. Durante essa época, Daniel e seus amigos foram levados
cativos à Babilônia, aparentemente como reféns, mas da perspectiva divina,
isso aconteceu para que preparassem o caminho para a chegada de milha-
res de judeus em 597. Devido ao fato de Jeoaquim ter se rebelado contra a
Babilônia naquele mesmo ano, Nabucodonosor o removeu do trono e o
substituiu por seu filho Jeoaquim, mas este, também, resistiu aos babilô-
nios, e Nabucodonosor o deportou, juntamente com todas as classes mais
altas da sociedade (incluindo Ezequiel) para a Babilônia e colocou seu tio
Zedequias no trono. Extraordinariamente, Zedequias também resistiu à
autoridade de Nabucodonosor. Finalmente, em 587 a.C., os exércitos de
Nabucodonosor sitiaram Jerusalém, e a cidade foi tomada em 586 a.C.
Ezequiel viveu em sua própria casa perto do Rio Quebar, um canal de
irrigação que canalizava o Rio Eufrates até áreas áridas da redondeza. Ele
se casou e exerceu seu ministério em sua própria casa (3.24; 8.1; 33.30-33).
Sua esposa morreu repentinamente (24.18), mas não lhe foi permitido la-

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mentar por sua perda. Contudo, conhecemos Ezequiel, primariamente,


como um profeta que recebeu visões de Deus para serem transmitidas ao
povo (cf. 2.5; 33.33). Contudo, seus evidentes interesses sacerdotais forne-
cem bons argumentos para interpretá-lo, primeiramente, como um sacer-
dote que também atuava como profeta. O chamado de YHWH veio a ele
no trigésimo ano (1.1), a idade na qual os sacerdotes geralmente são intro-
duzidos no ofício (Nm 4.30). Em Jerusalém, ele teria herdado o ofício de
sacerdote e se preparado para isso do modo tradicional. No entanto, no
exílio, o chamado veio dramática e diretamente de Deus. Numa visão, ele
foi chamado ao divino ministério e conduzido à presença de Deus. Em suas
observações autobiográficas, Ezequiel descreve suas reações aos eventos
com sensibilidades sacerdotais, especialmente em questões que envolvem
pureza e impureza (4.14). Algumas das atividades às quais Deus lhe incum-
biu eram apropriadas somente a um sacerdote: “levar a culpa” do povo
(4.4-6) e não lamentar a morte de sua esposa (24.15-27; cf. Lv 21.4-5). Isto
é especialmente verdadeiro nas visões do templo, nas quais, o próprio
YHWH levou Ezequiel ao templo e o guiou por todos os edifícios (caps.
8–11; 40–43). Em ambas as visões, a presença legítima de Ezequiel no tem-
plo é contrastada com a presença ilegítima de outros (8.7-18; 44.1-14). Em
suas pregações e ensinos, Ezequiel cumpriu o papel de sacerdote, incumbi-
do com a responsabilidade de ensinar a Torá em Israel (Lv 10.11; Dt 33.10a).
Ezequiel anunciou os oráculos recebidos de Deus, permeados do formato
e teologia mosaicos. O ministério sacerdotal é associado com sacrifícios e
outros rituais do templo/tabernáculo (cf. Dt 33.10b). Em contra partida,
retirado de Jerusalém, Ezequiel não podia exercer suas funções do templo.
A função sacerdotal principal que lhe restou foi ensinar. Ezequiel se mostra
como um modelo tanto de sacerdote como de professor da Torá.
Isso não lhe nega seu status, ou funções proféticas. Normalmente, sacer-
dotes se envolviam no ministério profético através do Urim e do Tumim
(Nm 27.21). Contudo, impedido de usar essas vestes sacerdotais, ele não
podia usar esses objetos. Como um sacerdote profético, ele recebia mensa-
gens direta e verbalmente de Deus. Como seu contemporâneo Jeremias,
inicialmente, Ezequiel resistiu ao chamado de Deus. Isso explica a natureza
da visão inaugural, cujo intento era vencê-lo e superar sua resistência (1.1-
28a); pois o aviso de YHWH era para que não fosse rebelde (2.8); por

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causa do profundo distúrbio emocional de Ezequiel no seu chamado (3.15);


por causa da dureza do aviso de YHWH para que não fracassasse como
atalaia (3.16-21); e por causa das severas restrições de seu chamado (3.22-
27). Uma vez aceito o chamado, ele proclamou as mensagens de Deus co-
rajosamente. Por demonstrar muitas atitudes bizarras, alguns caracterizam
Ezequiel como neurótico, paranoico, psicótico ou esquizofrênico. Contudo,
seu comportamento incomum deriva-se de sua profunda obediência a
Deus. Ezequiel foi tomado pelo Espírito Santo, teve uma perspectiva teoló-
gica profunda sobre os eventos historicos contemporâneos, e exibia uma
determinação inflexível de proclamar as mensagens exatamente como
Deus as dera.
Esse livro é a continuação de Junto ao Rio Quebar: Estudos Teológicos,
Literários e Históricos do livro de Ezequiel. Como os estudos daquele vo-
lume, estes apresentados aqui refletem meu interesse de longa data em
Ezequiel, o homem e o seu livro. A presente coleção é organizada da se-
guinte maneira: um estudo geral sobre a teologia de Sião; três estudos
relacionados à percepção de Ezequiel sobre reino e o Messias; três ensaios
sobre o oráculo de Gogue (Ez 38–39); e dois sobre a visão final de Eze-
quiel (Ez 40–48).

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