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Linguística histórica comparativa e formação do léxico da língua

portuguesa

Gisele Martins Siqueira


Universidade Federal de Goiás-FL-PG

Maria Suelí de Aguiar


Universidade Federal de Goiás-FL

Resumo: Neste trabalho apresentaremos uma breve introdução à Linguística Histórica e


descreveremos o que tem sido essa lingüística através de várias abordagens teóricas e em
diferentes contextos históricos. Abordaremos também o surgimento do método histórico-
comparativo e seus percussores. Buscaremos comprovar a hipótese de que o léxico é
importante nos estudos da Línguístca Histórica Comparativa e, por último, mostraremos a
importância do léxico no processo de formação do Português e as mudanças que ocorreram
nesse léxico durante o período de constituição e consolidação do Português.
Palavras-chave: Linguística histórica. Método comparativo. Léxico.
Resumen: En este artículo se presenta una breve introducción a la Lingüística Histórica e
describir lo que ha sido esta lingüística a través de diversos enfoques teóricos y en diversos
contextos históricos. También vamos a explorar el surgimiento del método histórico-
comparativo y sus precursores. Intentaremos probar la hipótesis de que el léxico es importante
en los estudios de Lingüística comparativos históricos y, finalmente, mostrar la importancia
del léxico en el proceso de formación del portugués y los cambios que se ocurrieron en ese
léxico en la formación y consolidación del portugués.

Palabras-clave: Linguística histórica. Método comparativo. Léxico.

Introdução à linguística histórica e surgimento do método comparativo

Comecemos por fazer uma breve distinção no que venha a ser história da linguística e
linguística histórica, para que possamos compreender melhor a ambas e posteriormente
distingui-las. A “história da linguística” estuda a história de uma ciência, recuperando suas
origens e seu desenvolvimento no tempo, enquanto a “linguística histórica” estuda as
mudanças que ocorrem nas línguas humanas, à medida que o tempo passa. (FARACO, 2005.
p. 13).
Vale ressaltar, porém, que neste trabalho abordaremos apenas o estudo das mudanças
das línguas no eixo do tempo, sem deixar é claro de conhecer as origens e o desenvolvimento
da Linguística Histórica, de forma a compreender os caminhos percorridos por esta disciplina
científica. Lembraremos, pois alguns dos caminhos já percorridos na investigação dessas questões
históricas.

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Estudos relatam que a linguística histórica “nasceu” aproximadamente no final do
século XVIII, e é a partir desse momento que se dá o início de uma reflexão sistemática sobre
as mudanças das línguas no âmbito científico, não que não houvesse preocupações com
questões da linguagem antes desse período, pois a preocupação em preservar a cultura e o
passado existe desde a época da criação da famosa biblioteca de Alexandria, quando foram
compiladas as obras antigas da literatura grega, sobretudo de Homero. Mas, só a partir de
1500, com o advento da Renascença, aumenta o interesse dos estudiosos pela história cultural,
com particular interesse pela filologia dando origem à história literária. Isto ocorreu porque
neste período renascia no Ocidente o interesse pelo seu passado que, por sua vez, remetia à
antiguidade greco-latina.
No entanto, a reflexão histórica sobre as mudanças das línguas no eixo do tempo, só
pôde ser encontrada nos estudos filológicos das sociedades humanas a partir do século XVIII.
Com isso, pode-se dizer que “existe um longo processo entre essas investigações de
construção específicas sobre as línguas e sua variabilidade no tempo”, (FARACO, 2005, p.
131).
Foi também, no final do século XVIII, que William Jones (1746-1794) apresentou um
trabalho no qual, destacava várias semelhanças entre o sânscrito, o latim e o grego. A partir
daí foram desenvolvidos muitos outros trabalhos relacionados ao sânscrito. E foi somente no
século XIX, que os estudos comparativistas se iniciaram na Alemanha com Friedrich
Schlegel, mas foi Franz Bopp que demonstrou, através da comparação detalhada, que havia
entre as línguas indo-européias uma origem comum.
Com a publicação do seu livro Sobre o sistema de conjugação da língua sânscrita, em
confronto com o das línguas grega, latina, persa e germânica, na busca da Protolíngua, Bopp
dá origem ao método comparatista, utilizando em seus estudos a classificação genealógica, ou
seja, considerando aquelas línguas que se desenvolveram a partir de um único idioma,
conseguindo através dos seus estudos estabelecer as semelhanças existentes entre as línguas
clássicas, o que justificava a origem comum dessas línguas.
Segundo Ilari (2006, p.18), o método utilizado por Bopp, que foi aplicado por Jakob
Grimm nos estudos sobre as línguas germânicas, deu ao estudo das línguas “um caráter
genético, e fez aparecer a preocupação de reconstituir, pela comparação, o indo-europeu,
considerando como a língua comum das línguas das principais culturas clássicas”.

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No entanto, foi Grimm quem identificou que havia mudanças fonéticas entre as
línguas de uma época para outra e juntou o estudo histórico ao estudo comparativo, surgindo
assim, a Linguística Histórica Comparativa.
O método histórico-comparativo se fundamenta em relacionar os fatos de uma língua
aos análogos de outra da mesma família, para assim lhes descobrir a origem ou procedência.
(COUTINHO, 1976).
Já nos anos de 1836 e 1844, Friedrich Diez deu origem aos estudos da Linguística
Românica ou Filologia Românica, que teve um papel importante no desenvolvimento dos
estudos histórico-comparativos. Essa disciplina se baseava nos estudos das línguas oriundas
do latim, através de documentos escritos. Além da comprovação do parentesco entre as
línguas indo-européias, o método histórico-comparativo reconstruiu, de forma hipotética, a
Protolíngua que não possuía nenhum registro escrito que pudesse comprová-la. Nesse caso,
os resultados do método histórico-comparativo são reconstruções bastante prováveis, por
causa das regularidades constatadas, mas devemos lembrar que são resultados hipotéticos.
Por isso, de acordo com Bassetto (2001), Friedrich Diez tornou-se o pai da Filologia
Românica aplicando o método histórico-comparatista no estudo das línguas indo-européias.
Outra grande contribuição deste pesquisador foi descobrir que as línguas românicas se
originaram de uma variedade do latim conhecido como latim vulgar, embora, também não
haja registros escritos dessa variedade.
Foi também, através do método histórico-comparativo que August Schleicher criou o
conceito de árvore de famílias linguísticas, no qual ele fez uma divisão das línguas indo-
européias em ramos cada vez menores, até chegar a uma raiz, ou seja, a uma língua única.
Ele mostra como as línguas tornaram-se diferentes por causa das mudanças, como as famílias
linguísticas são classificadas, a que família pertence cada língua e como as línguas se
relacionam.
O diagrama em árvore das famílias linguísticas é representado da seguinte forma:
como percebemos a seguir no modelo criado por Schleicher.
A LÍNGUA - MÃE

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B C D LÍNGUAS-IRMÃS

E F G H I J K LÍNGUAS-FILHAS
O diagrama em árvore expressa o relacionamento genético e o grau de parentesco
entre as várias línguas, já que, os estudos baseados na reconstrução através do modelo de
árvore são de extremo rigor. Como exemplo, vemos no Quadro II a seguir a genealogia da
Família Romance, tal como reconstruída pela tradição da lingüística histórica (aqui, na
adaptação de Campbell, 2004):

Esse conceito de árvore de famílias lingüísticas tentou representar o desenvolvimento


das línguas indo-européias, no entanto, ele não leva em conta a variação dialetal nem as
influências entre diferentes línguas, que é fundamental para esse tipo de estudo.
Diez, fundador da Lingüística Românica, e seus seguidores foram diretamente
influenciados pelo historicismo da filosofia romântica vigente em sua época. Entretanto, a
escola linguística que sucedeu a geração de Diez esteve, ao contrário, sob influência das

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ciências naturais e do darwinismo. Essa nova escola ficou conhecida como neogramáticos e
seus seguidores opunham-se ostensivamente às orientações comparatistas da época. Os
neogramáticos recomendavam que, em vez de tentar encontrar a Protolíngua através da
comparação das línguas modernas, os pesquisadores deveriam voltar sua atenção “para as
línguas vivas, onde os processos de evolução linguística poderiam ser vistos em ação, e onde
poderia ser captado o papel das forças psicológicas que estão na base do funcionamento e da
evolução das línguas” (ILARI, 2006, p.19).
De acordo com os neogramáticos, “as ‘leis fonéticas’ agem de maneira regular,
admitindo exceções apenas quando sua ação é contrariada pela ação da força psicológica da
analogia” (ILARI, 2006, p.19). Entretanto, essa perspectiva da evolução fonética gerou muitas
críticas de estudiosos que não concordavam com a tese de que as leis fonéticas agem de forma
absoluta. Mesmo assim, os neogramáticos tiveram uma influência muito grande na linguística
e na filologia românica. Visto que Ferdinand Saussure, o pai da Lingüística Moderna, era
neogramático de formação, assim como Meyer-Lübke, cujas obras, Gramática das línguas
românicas e Dicionário etimológico românico (REW) são referências no estudo da filologia
românica.
Os neogramáticos foram importantes para os estudos filológicos por terem refinado o
método histórico-comparativo que é fundamental para os estudos da linguística histórica em
geral e para filologia românica.
Embora, segundo Bassetto (2001), o método histórico-comparatista não tinha obtido
os mesmos resultados satisfatórios em todos os níveis da linguagem, esse método
devidamente utilizado foi, e continua sendo, muito proveitoso para o conhecimento do latim
vulgar e, consequentemente, das línguas românicas. A aplicação desse método verificou-se
eficaz também nos estudos das línguas germânicas e eslavas.
Os estudos de Linguística Histórica comprovam que as línguas humanas se
transformam no fluxo do tempo, ou seja, palavras e estruturas que existiam antes deixam de
existir ou sofrem modificações na forma, na função e/ou no significado. Apesar das
transformações sofridas, as línguas mudam, mas continuam organizadas e oferecendo a seus
falantes os recursos necessários que garantem uma comunicação eficaz, pois as mudanças
ocorrem em partes e não no todo das línguas, num processo de mutação e permanência.
Outro fato importante sobre o aspecto das mudanças, é que elas são mais prováveis de
ocorrerem na fala do que na escrita, já que a escrita desenvolve um padrão de língua

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permanente e estabilizado, isso se deve ao fato de a língua escrita ser a forma cultivada pelos
letrados, ensinada pelas escolas e também codificada em gramáticas.
Mas devemos ressaltar que não é qualquer diferença da fala entre gerações que pode
ser considerada como mudança, essas diferenças podem ser apenas aspectos de variação
lexical. Por isso, em Linguística Histórica se diz que “nem toda variação acarreta mudança,
mas que toda mudança pressupõe variação” (FARACO, 2005, p. 74).
No entanto, sabemos que as mudanças linguísticas ocorrem de forma lenta e gradual,
havendo um determinado período em que duas formas, x e y coexistem como variantes, até
que uma delas desapareça, concretizando-se a mudança, depois de um longo processo
histórico. Mas o porquê dessas mudanças pode ser explicado pelo simples fato de que “numa
realidade em que tudo se transforma, estranho seria se justamente as línguas não mudassem”,
(FARACO, 2005, p. 73).
Em seguida faremos um levantamento de como se constitui o léxico de uma língua,
observando sua origem histórica para melhor esclarecer esses processos de mudanças, numa
perspectiva dos estudos lexicais.

Importância do léxico nos estudos histórico-comparativos

Comecemos por abordar o que venha a ser léxico que, em uma explicação mais
simples, é o conjunto de palavras que constitui uma determinada língua, ou seja, é o meio
pelo qual os homens nomeiam as coisas e os seres a sua volta.

O léxico se relaciona com o processo de nomeação e com a cognição da realidade... O


léxico de uma língua natural constitui uma forma de registrar o conhecimento do universo.
Ao dar nome aos seres e objetos, o homem os classifica simultaneamente. Assim, a
nomeação da realidade pode ser considerada como a etapa primeira no percurso científico
do espírito humano de conhecimento do universo (BIDERMAN, 2001, p. 13).

Pode-se dizer que o homem conceitua o meio ao seu redor, estruturando o mundo em
signos linguísticos através do conhecimento armazenado na memória, ou seja, a partir de
experiências e vivências adquiridas ao longo de sua existência, vai associando palavras a
conceitos, constituindo, dessa forma, o léxico de sua língua.
A história da formação do léxico não corresponde a um processo linear e continuado,
ela decorre de vários estados da produção de saber lingüístico e das transformações que eles
sofreram ao longo dos processos históricos.

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Pode-se estudar a composição do léxico do ponto de vista histórico, observando sua
origem (por exemplo, a base latina do léxico português) e os diversos fluxos de incorporação
de palavras de outras línguas (empréstimos). Esse estudo linguístico diacrônico se
correlaciona com o estudo mais amplo da história cultural das comunidades linguísticas, já
que o nível em que se percebem as relações entre língua e cultura é o léxico.
O léxico é o foco deste trabalho, por ser à base dos estudos comparatistas, já que é
através dele que podemos comprovar cada mudança ocorrida na língua, ao longo do tempo, e
além de ser o material básico para todas as investigações dos estudos histórico-comparativos.
Tomaremos como base o estudo linguístico diacrônico de forma a abordar as fases da
formação e mudança do léxico, para comprovar a sua importância ante os estudos Histórico-
Comparatistas.
Na análise das línguas, “a comparação e o confronto levam à busca de características
supostamente inerentes a toda língua humana”, (ILARI, 2006, p. 20). Com isso, temos que as
semelhanças constatadas entre expressões pertencentes às diferentes línguas provam que elas
originam de uma mesma palavra, por isso é necessário comparar as formas lexicais das
línguas supostamente “irmãs” para chegar à forma original da palavra que as derivou. Por
exemplo, as formas: português <velho>, espanhol <viejo>, francês <vieil>, italiano
<vecchio>, romeno <vechi> que levam à forma <veclus> (que se explica a partir da forma
clássica do latim <vetus>), já que essas línguas são derivadas de uma mesma, o latim.
Tomaremos como objeto de análise o léxico do Português, sua formação e percurso
histórico, para entender melhor como se dão os estudos comparatistas, utilizando o léxico
como base das investigações.
Como se pode comprovar em vários estudos, tais como os de Piel (1964), Coseriu
(1979), Melo (1946) e Basseto (2001) o léxico português se origina do galego-português, que
por sua vez se originou do latim.
A história do léxico português, basicamente de origem latina, reflete a história da
língua portuguesa e os contatos de seus falantes com as mais diversificadas realidades
linguísticas, a partir do Romanço Lusitânico. Esse acervo lexical apresenta um núcleo de base
latina popular (resultante da assimilação e das transformações do latim pelas populações
nativas ibéricas), complementado por contribuições pré-românicas e pós-românicas. Além
desse núcleo, é grande a participação de empréstimos de outras línguas (empréstimos
culturais) e ao próprio latim (termos eruditos tomados ao latim clássico, a partir do século

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XVI). Foram os termos populares que deram feição ao léxico português, tanto na sua estrutura
fonológica, como na sua estrutura morfológica. Mesmo no caso de empréstimos de outras
línguas, foi o padrão popular que determinou essas estruturas.
Os termos populares são primordiais para o empréstimo, pois sua estrutura fonológica
e morfológica é responsável pelos padrões lexicais portugueses, ao passo que termos eruditos
presentes, principalmente, em vocábulos técnicos, são formas primitivas, de uso isolado,
dissociados da realidade linguística, desconhecidos do povo em geral. Por exemplo,
hidrófobo, é uma palavra que não sofre a neutralização médio-alta que ocorre em palavras
como pérola. Tais palavras mantêm a estrutura fonológica latina (MELO, 1981).
O latim corrente já havia contribuído para a base do léxico português, mas foi durante
o Renascimento, época em que se valorizou a cultura da Antiguidade, que as obras de
escritores romanos serviram de fonte para muitos empréstimos eruditos. A partir das obras
literárias, se desenvolveu um processo de derivação de palavras do latim literário. Surgiu,
então, uma série de adjetivos com radical distinto do respectivo substantivo (ocular / olho,
digital / dedo, capilar / cabelo, áureo / ouro, pluvial / chuva). Esse processo é responsável pela
existência de raízes distintas para termos do mesmo campo semântico. Houve, também, a
substituição de muitos termos populares por eruditos (palácio / paaço, louvar / loar, formoso /
fremoso, silêncio / seenço, joelho / geolho).
O vocabulário fundamental do português, compreendendo nomes de parentesco, de
animais, partes do corpo e verbos muito usuais é formado, sobretudo, de palavras latinas, na
sua base de origem. Essa base românica usada na conversação diária constitui, assim, a grande
maioria da formação do léxico português.
Dentro da contribuição pré-românica, destacam-se vocábulos de origem ibérica
(abóbora, barro, bezerro, cama, garra, louça, manteiga, sapo, seara); céltica (bico, cabana,
caminho, camisa, cerveja, gato, légua, peça, touca); grega (farol, guitarra, microscópio,
telefone, telepatia) e fenícia (apenas saco, mapa, malha e mata - não havendo muita clareza
quanto à sua origem).
A contribuição pós-românica, que compreende palavras de origem germânica,
relacionadas ao modo de vida de seu povo e à arte militar, ocorre no século V, época das
invasões. São exemplos nomes como Rodrigo, Godofredo, guerra, elmo, trégua, arauto e
verbos como esgrimir, brandir, roubar, escarnecer.

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Apesar de não imporem sua religião e língua, ao conquistarem a Península Ibérica, os
árabes deixaram marcas no nosso léxico. Como palavras de origem árabe correntes em
português há as que se referem a nomes de plantas, de alimentos, de ofícios, de instrumentos
musicais e agrícolas (alface, algodão, álcool, xarope, almôndega, alfaiate, alaúde, alicate).
Quanto aos empréstimos culturais, ou seja, os que decorrem de intercâmbio cultural
entre as línguas em contato, há no léxico português influências diversas de acordo com as
épocas. Segundo Cunha (1970), a incidência de palavras de empréstimo no português data da
época da constituição da língua, e as diversas contribuições para o seu léxico reproduzem os
diferentes passos de sua história literária e cultural.
Na época medieval, por exemplo, a poesia trovadoresca provençal influenciou os
primeiros textos literários portugueses. Porém, muitos vocábulos provençais, correntes nas
cantigas dos trovadores medievais, não se incorporaram à nossa língua. São exemplos de
empréstimos provençais que formam parte do léxico português: balada, estandarte, refrão,
jograll, trovador, vassalo.
Já do século XV ao século XVIII, muitos escritores portugueses, entre eles os poetas
do Cancioneiro Geral, Gil Vicente e Camões, escreviam em castelhano e português, o que se
explica pelas relações literárias, políticas e comerciais entre as duas nações ibéricas. Como
contribuição de empréstimos espanhóis para o léxico português, temos, entre muitas outras
palavras, bolero, castanhola, caudilho, gado, moreno, galã, pandeiro.
A expansão portuguesa na Ásia e na África foi mais uma fonte de empréstimos. São de
origem asiática: azul, bambu, berinjela, chá, jangada, leque, laranja, tafetá, tulipa, turbante.
São de origem africana: angu, batuque, berimbau, cachimbo, engambelar, marimbondo,
moleque, quitanda, quitute, samba, senzala, vatapá.
Em virtude de relações políticas, culturais, comerciais com outros países, é natural que
o léxico português tenha recebido (e continue recebendo) empréstimos de outras línguas
modernas. Assim, incorporaram-se ao nosso léxico palavras oriundas do francês chefe, hotel,
jardim, paisagem, vitral, vitrina; do inglês futebol, bife, córner, pudim, repórter, sanduíche,
piquenique; do italiano adágio, alegro, andante, confete, gazeta, macarrão, talharim, piano,
mortadela, serenata, salame; do alemão valsa, manequim, vermute. Nos tempos atuais, o
inglês tem servido de fonte de inúmeros empréstimos, sobretudo nas áreas técnicas e
tecnológicas, o que demonstra a estreita ligação que o processo de mudança linguística tem
com a história sócio-político-cultural de um povo.

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Com todo esse percurso histórico da constituição do léxico foi possível perceber que o
empréstimo é a fonte mais promissora de formação lexical de uma língua, além, obviamente,
da língua de que originou e da qual herdou a maioria do léxico fundamental.
Empréstimo é, segundo Leonard Bloomfield, “a adoção de traços linguísticos diversos
do sistema tradicional” (apud CÂMARA JR., 1985, p. 196). O empréstimo é responsável pela
permanente renovação do vocabulário, ou seja, é uma forma de ampliação lexical.
Bloomfield dividiu os empréstimos entre culturais e íntimos. São empréstimos
culturais todas as aquisições estrangeiras feitas em virtude de relações políticas, comerciais ou
culturais com povos de outros países. Estes empréstimos ocorrem entre línguas vizinhas e
depende do grau de compreensão mútua entre as línguas. Na Língua Portuguesa, os
empréstimos culturais provêm de contatos com o francês, com o espanhol, com o italiano,
com o inglês, principalmente, além dos contatos orientais pela expansão colonial portuguesa
nos séculos XV e XVI, como vimos acima.
Já os empréstimos íntimos ocorrem entre falantes que convivem na mesma área,
porém esses empréstimos são limitados às palavras não-familiares e podem restringir-se a
uma parte do vocabulário da língua. Como já dissemos, a adoção de empréstimos linguísticos
pode ser motivada pela necessidade de atribuir nomes a novos conceitos, nomes de pessoas,
lugares e objetos e a introdução de produtos importados de outra cultura.
Alguns empréstimos são tão específicos que não encontramos correspondentes em
nossa língua. Querer aportuguesá-los, adaptando-os ao nosso sistema fonológico, ficaria
artificial. É o caso, por exemplo, de pizza, com total aceitação na língua portuguesa.
Para chegar a ser adotado, um empréstimo atravessa diferentes fases: (i) fase de
instalação e adaptação, quando o termo pode ser aceito (caso de futebol, gol, pênalti) ou
rejeitado (caso de back, center-forward) ou pode, ainda, ser aceito inicialmente e depois
rejeitado (é o caso de corner, muito usado nas décadas de 40 e 50, hoje substituído por
escanteio); (ii) a fase de aceitação com adaptação à fonologia portuguesa, (caso de futebol,
pudim, nhoque, bife, abajur) e, por fim, (iii) a fase final quando o empréstimo é, de tal forma,
incorporado à língua que pode ser considerado lexema vernáculo, servindo de origem a novos
vocábulos, através de processos geralmente de derivação: caso de lobby, que deu lobista.
A analogia também pode ser considerada como um processo de formação/evolução
lexical, mas, pode-se dizer que está mais relacionada ao processo de mudança do que ao de
formação. A analogia consiste em mudar a forma de uma palavra para torná-la mais parecida

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com outra, à qual esteja relacionada somente pelo significado. É, pois, um processo
linguístico que envolve a generalização da relação de um conjunto de condições para outro, é
a mudança inspirada no exemplo de outras palavras ou formas. Segundo Arlotto (citado por
Campbell, 2004, p.103), “a analogia é um processo histórico, que projeta uma generalização
de um conjunto de expressões para outro”.
Reflitamos sobre as possíveis situações que podem surgir em determinados planos de
formação das línguas, nesses planos pode-se esperar algum grau de continuidade entre a
língua (ou línguas) antiga e a nova. Será, por exemplo, o caso do léxico, pois uma geração de
falantes não criará um léxico “novo” no espaço do seu tempo de aquisição; ao contrário,
herdará a maior parte do léxico da geração anterior. O exame da produção linguística da
“nova geração”, ou seja, os estudos linguísticos mostraram continuidades nos níveis do
léxico, dos processos morfo-fonológicos e outros, mas também poderá mostrar uma ruptura
no nível da sintaxe.
Por isso, podemos dizer que a língua continua viva e, exatamente por essa razão,
mantém seu fluxo de mudanças, evoluções, empréstimos, assimilações, analogias,
importações, exportações, trocas. Toda língua pertence ao presente do povo que dela se utiliza
para comunicar-se e expressar-se, e pertence, também, ao futuro das gerações encarregadas
de, ao receber uma língua, adaptá-la às urgências de seus tempos e de seus contemporâneos.
No entanto, através dos estudos realizados acerca da Linguística Histórica percebemos
que o único meio de reconstruir é comparar, e para tal, teóricos e estudiosos utilizaram a
comparação das formas lexicais de uma língua para, dessa forma, reconstruir o passado dessa
mesma língua e suas origens. Foi possível, ainda, através desses estudos perceber as
mudanças pelas quais essa língua passou e passa em seu processo de formação e ampliação
lexical.

Considerações finais

Sabemos que ao fazer a história das línguas, como ao fazer qualquer história,
abordamos processos aos quais já não temos acesso direto. E essa impossibilidade dos
métodos de “observação imediata” deixa duas alternativas principais aos estudos históricos: o
recurso à documentação e o recurso à reconstrução. Por isso, ao longo do tempo, diferentes
abordagens históricas sobre as línguas enfatizaram a documentação, ou a reconstituição; na

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maior parte dos casos, buscaram-se combinar as duas esferas de análise para que possam ter
uma maior certeza dos resultados da pesquisa. Mas, quando não há o recurso da
documentação se utiliza o método hipotético, através da reconstrução e comparação dos
termos linguísticos do presente para se chegar a uma forma que existiu no passado.
Como mencionado no início desta pesquisa a preocupação em preservar a cultura e o
passado existe desde a época da criação da famosa biblioteca de Alexandria, quando foram
compiladas as obras antigas da literatura grega, sobretudo de Homero, mas só a partir de
1500, com o advento da Renascença, aumenta o interesse dos estudiosos pela história cultural,
com particular interesse pela filologia dando origem à história literária. Isto ocorreu porque
neste período renascia no Ocidente o interesse pelo passado que, por sua vez, remetia à
Antiguidade greco-latina.
Neste contexto, temos que ressaltar a importância dos humanistas no trabalho árduo de
reconstrução do nosso passado histórico. Ao humanista cabia a tarefa de, primeiramente,
descobrir os manuscritos que ainda existiam para confrontá-los e tentar obter o texto original
do autor. Neste processo, foram necessários séculos de buscas e pesquisas.
A partir das pesquisas realizadas durante muitos séculos, que buscam através do
método comparativo, reconstruir o passado para se entender as mudanças que ocorreram até o
momento presente é que acreditamos ser o léxico o objeto base dessas pesquisas.
Sabemos que a linguagem é uma herança social, cuja história se estende por séculos.
Uma visão completa, um conhecimento detalhado de seu mecanismo, de sua estrutura, de sua
semântica e até de sua ortografia só podem ser obtidos através de pesquisa diacrônica.
Após vários estudos as deficiências do método Histórico-Compartivo foram corrigidas
pelo método da Geografia Linguística e por outros derivados. Enquanto o método histórico-
comparativo investiga diacronicamente os fatos da língua, os outros métodos os investigam
sincronicamente, com explicações que devem ser buscadas diacronicamente. Assim,
estabelece-se uma integração entre diacronia e sincronia.
No entanto, os métodos não se negam, apenas complementam os atos falhos dos
anteriores. São procedimentos de estudo que surgiram para suprir as necessidades da
Linguística Histórica.
A formação do léxico português se deu a partir de várias outras línguas, como
observamos neste estudo, além do latim. Já a sua ampliação, além de se utilizar de outras

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línguas, se constitui também através de processos internos à língua que são realizados pelos
falantes, assim como as mudanças que nele ocorrem.
São vários os processos de mudança que ocorrem na língua, principalmente as
transformações nas línguas formadoras do português, que se deram de maneira a fixar a
morfologia e a sintaxe da língua portuguesa.
No entanto, é somente através do léxico de uma língua que podemos observar e
compreender quais as mudanças que ocorreram nessa mesma língua, por isso o léxico é muito
importante para os estudos da linguística histórica comparativa.
Ao comparar o léxico que era utilizado por falantes em um tempo anterior com o que é
usado hoje percebemos quais os tipos de mudanças que uma determinada língua sofreu. Essas
mudanças podem ser percebidas com mais evidência no uso desse léxico pelos falantes em
seus processos de interação social, de maneira que a escrita tem por meta conservar a língua
de seu povo, por registrar formalmente os seus usos em suportes que duram mais que a leveza
do som na modalidade falada. É na oralidade, no entanto, que melhor se percebem os
processos de mudanças que ocorrem ao longo do tempo, até se tornarem permanentes e serem
registrados na escrita.
Segundo Campbell (2004), no decorrer da história, a comparação lexical tem sido
empregada como evidência de relacionamento entre famílias linguísticas, mas ao observar
rapidamente os cognatos potenciais aparentes, podemos determinar se eles são realmente o
resíduo de origem comum e não o trabalho de pura mudança ou outro fator qualquer.
Apesar do transtorno que certas afirmações têm causado, considerando as propostas de
relacionamento genético distante, os princípios metodológicos envolvidos na investigação
entre possíveis relacionamentos genéticos distantes, os procedimentos comparativistas são
extremamente importantes no estudo de natureza como o que propusemos apresentar neste
texto.

Referências bibliográficas
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