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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE – UFS

DEPARTAMENTO DE ECONOMIA
NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA
DISCIPLINA ECONOMIA POLÍTICA II
Professor Dr. Cesar Ricardo Siqueira Bolano

A TAXA MÉDIA DE LUCRO: TRANSFERÊNCIA DE VALOR ENTRE AS INDÚSTRIAS.

Hellen Deise Lopes dos Santos¹

RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo apresentar breve resumo dos Capítulos VIII
e IX do Livro III de “O Capital” de Karl Marx, onde o autor tece relevantes contribuições a
respeito da transformação do lucro em lucro médio, da formação de uma taxa geral de lucro na
economia e da repartição uniforme da mais-valia entre as diferentes esferas produtivas.

Palavras-chave: taxa média de lucro, preço de produção, mais-valia.


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INTRODUÇÃO

Em “O Capital” Marx introduz o lucro como sendo a mais-valia produzida pelo


trabalhador de cuja qual o capitalista se apropria, dito de outra forma, à exploração da mão de
obra assalariada gera um excedente da produção do trabalhador que o capitalista recolhe sob a
forma de lucro. De acordo com Marx, lucro é a denominação que a mais-valia recebe quando
relacionado ao capital que a produziu, sendo, portanto, a forma mistificada do mais valor, uma
vez que se apresenta como fruto do capital como um todo e não apenas de sua parte variável.

O autor apresenta a taxa de lucro como sendo a razão entre mais valor e o capital total
adiantado, isto é, capital constante somado ao capital variável:

𝑚
𝑙′ =
𝑐+𝑣

Onde: l’ = taxa de lucro


m = mais valor
c = capital constante
v = capital variável

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¹ Mestranda do Programa de pós-graduação em Economia da Universidade Federal de Sergipe -PROPEC

1
Uma vez que a massa de mais valor produzido m é igual a taxa de mais valor m’
multiplicado pelo capital variado, a taxa de lucro pode ser escrita como função da taxa de mais
valor.

𝑣
𝑙 ′ = 𝑚′ ∙
𝑐+𝑣

No capítulo intitulado “Composição Diferente dos Capitais em Diversos Ramos da


Produção e a Diferença Resultante Disso nas Taxas de Lucro” Marx inicia a discussão sobre a
forma cuja qual se estabelece uma taxa de lucro geral dentro de um país.

Para tal discussão, o autor destaca que é necessário analisar as diferenças na composição
orgânica do capital bem como dos seus períodos de rotação.

[...] então segue disso, por si mesmo, que as taxas de lucro de diversas esferas da
produção, existentes simultaneamente uma ao lado da outra, serão diferentes se, com
as demais circunstâncias constantes, o período de rotação dos capitais empregados for
diferente ou se a relação de valor entre os componentes orgânicos desses capitais, nas
diversas esferas da produção, for diferente (MARX, 1986, p.112).

Ainda neste capítulo Marx afirma que a proporção entre o capital variado e o capital
constante empregados no sistema produtivo difere muito nas diversas esferas da produção e,
até mesmo, nos diferentes ramos da mesma indústria, embora possa ser igual em ramos
industriais muito afastados.

Ao enfatizar que a proporção do valor dividido entre capital constante e capital variável
podem divergir nos diversos ramos industriais Marx tem por objetivo elucidar que capitais em
diferentes esferas da produção, considerados percentualmente ou capitais de igual grandeza,
resultam em mais-valias diferentes e consequentemente, em lucros diferentes, uma vez que
determinada esfera produtiva pode empregar o trabalho vivo mais ou menos intensamente e por
conseguinte apropriar-se de uma quantidade maior ou menor de mais valor. Logo, a taxa de
lucro que consiste no percentual da mais-valia sobre o capital global, difere entre as esferas
produtivas.

Tabela 1. Valor das mercadorias e diferenciação das taxas de lucro

Ramo Industrial Taxa de Mais-valia Valor das Taxa de lucro com


mais valia mercadorias venda pelo valor

I 80c+20v 100% 20 120 20%


II 70c+30v 100% 30 130 30%
III 60c+40v 100% 40 140 40%
IV 85c+15v 100% 15 115 15%
V 95c+5v 100% 5 105 5%
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Na tabela acima adaptada de “O Capital” pode-se observar que ramos industriais com
composições orgânicas (c+v) diferentes apresentariam taxas de lucro diferentes caso suas
mercadorias fossem vendidas pelos seus valores. Todavia, o sistema capitalista não se
sustentaria se de fato existissem tais diferenças nas taxas de lucro, uma vez que, dificilmente,
as mercadorias que apresentassem taxas de lucro menores seriam produzidas. Logo, apreende-
se que as mercadorias não são vendidas pelos seus valores, mas sim pelo preço de produção
que geram uma taxa de lucro média nas diferentes esferas produtivas. Preço de produção é o
preço que permite a reprodução do capital, preços pelos quais as mercadorias são de fato
compradas e vendidas no mercado.

O valor da mercadoria é encontrado somando-se o preço de custo da produção acrescida


da mais-valia. Marx destaca que para o capitalista é indiferente a diferenciação entre capital
constante e variado, uma vez que para ele o custo de produzir é o total de capital por ele
dispendido. O preço de produção por sua vez é calculado somando-se o preço de custo, k, mais
a taxa de lucro média  , multiplicada pelo capital total, C:

p = k + ´  C
Para calcular o preço de produção é necessário conhecer a taxa de lucro média da
economia, sendo esta o resultado da soma das mais valias produzidas em cada ramo da
economia dividida pela soma dos capitais adiantados de todos os ramos. Usando-se a tabela
acima como exemplo temos que a soma das mais valias dos Ramos I-V é de 110 e que a soma
dos capitais adiantados para estes ramos é de 500. Logo, temos que a taxa de lucro média da
economia é de 22% e o preço de produção 122.

Entretanto, Marx destaca que para não se chegar a conclusões inteiramente falsas, é
necessário não calcular todos os preços de custo como iguais a 100, uma vez que o capital
constante possui partes fixas e circulantes e apenas parte do capital fixo é consumido durante a
produção da mercadoria. Ele introduz no exemplo dado o “c” consumido. Assim sendo, o preço
de custo passa a ser o c consumido somado ao capital variado.

[...]Cabe considerar, portanto, ao considerar os valores das mercadorias, produzidas


por cada 100 dos diversos capitais, que eles serão diferentes de acordo com a
composição diversa de c em elementos fixos e circulantes, e que os elementos fixos
dos diversos capitais, por sua vez, se depreciam mais rápida ou mais lentamente,
portanto agregando ao produto em períodos iguais quantidades desiguais de valor
(MARX, 1986, p.122).

Tabela 2. Taxa média de lucro e transferência de valor


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RAMO TAXA MAIS TAXA DE CAPITAL PREÇO TAXA DE LUCRO VALOR DAS PREÇO DAS TRANSFERÊNCIA
INDUSTRIAL DE VALIA LUCRO CONSTANTE DE LUCRO MÉDIO MERCADORIAS MERCADORIAS DE VALOR:
MAIS COM VENDA CONSUMIDO CUSTO MÉDIO DESVIO PREÇO –
VALIA PELO VALOR
VALOR
I 80c+20v 100% 20 20% 50 70 22% 22 90 92 +2
II 70c+30v 100% 30 30% 51 81 22% 22 111 103 -8
III 60c+40v 100% 40 40% 51 91 22% 22 131 113 -18
IV 85c+15v 100% 15 15% 40 55 22% 22 70 77 +7
V 95c+5v 100% 5 5% 10 15 22% 22 20 37 +17

Observando-se a última coluna da tabela acima adaptada do exemplo contido no livro de


Marx, nota-se que, no total, as mercadorias são vendidas 2 + 7 + 17 = 26 acima do seu valor e
por 8 + 18 = 26 abaixo de seu valor. Os desvios nos preços resultantes da distribuição igualitária
da mais-valia, ou seja, pela adição do lucro médio de 22 a cada 100 de capital adiantado dos
diversos ramos industriais, se anulam reciprocamente. Isso decorre pois enquanto algumas
mercadorias são vendidas acima de seus valores outras, proporcionalmente, são vendidas
abaixo.

É só a venda das mercadorias aos seus preços de produção que possibilita que a taxa de
lucro para I-V seja uniforme, de 22%, sem consideração pela composição orgânica diferente
dos diversos ramos industriais.

As diferentes taxas de lucro que prevalecem originalmente nas diversas esferas produtivas
são diferentes, como pode-se observar na coluna 4 da supracitada tabela. Essas taxas são
igualadas pela concorrência numa taxa geral de lucro, que é a média de todas essas diferentes
taxas de lucro. De acordo com Marx, o lucro que, em conformidade com essa taxa geral de
lucro, cabe a um capital de determinada grandeza, seja qual for a sua composição orgânica, é
chamado de lucro médio.

A concorrência em que se estabelece a taxa geral de lucro apontada por Marx é aquela
que se dá entre os capitalistas dos diversos ramos da produção em busca de uma oportunidade
mais lucrativa de aplicação do capital. Os capitalistas buscando empregarem seu capital em
ramos mais lucrativos, investem seus capitais em segmentos onde possam recolher um maior
lucro. Os segmentos produtivos que possuem uma baixa composição orgânica do capital,
produzem uma maior massa de mais valia e consequentemente um maior lucro como fica
evidenciado nas colunas 3 e 4, respectivamente, da tabela 2.

Tomando o exemplo da tabela acima haveria uma transferência dos capitais dos ramos
IV e V, que possuem uma composição orgânica mais elevada e por conseguinte uma menor
massa de mais valia, para os ramos II e III da indústria, que produzem uma massa maior de
mais valia. Em virtude disto, a quantidade de mercadorias produzidas nos ramos II e III
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aumentaria acirrando a concorrência, obrigando os capitalistas desses ramos a diminuírem seus
preços, o que implicaria diretamente em uma redução de suas taxas de lucro. Por sua vez, nos
ramos IV e V observar-se-ia uma redução na produção de mercadorias pertencentes a estes
segmentos possibilitando aos industriais elevarem os preços de suas mercadorias, uma vez
modificada as relações de demanda e oferta, resultando numa elevação da taxa de lucro.

Embora, portanto, os capitalistas das diversas esferas da produção, ao vender suas


mercadorias, recuperem os valores-capital consumidos na produção dessas
mercadorias, não resgatam a mais-valia, nem portanto o lucro, produzida em sua
própria esfera na produção dessas mercadorias, mas apenas tanta mais-valia, e
portanto lucro, quanto mais-valia global, ou lucro global, produzida em todas as
esferas da produção em conjunto, em dado espaço de tempo, pelo capital social global,
que cabe, com repartição igual, a cada parte alíquota do capital global (MARX, 1986,
p.124).

OBJETIVO

Marx ao demonstrar a transformação do lucro em um lucro médio traz a luz importantes


contribuições. A realização de que as mercadorias não são vendidas por seus valores e sim pelos
preços de produção, preços estes que permitem a reprodução do capital. É por meio dos preços
de produção, onde as mercadorias são vendidas acima ou abaixo dos seus valores, de forma
proporcional a permitir uma taxa média de lucro, que se realiza transferência de mais valia de
um segmento produtivo para outro. Fica evidenciado desta forma que os operários são
explorados não apenas por aqueles capitalistas os empregam, mas pela classe dos capitalistas
com um todo.

METODOLOGIA

A metodologia adotada foi revisão bibliográfica da obra O Capital de Karl Marx.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na busca incessante por altos lucros, processa-se uma transferência de capitais de uma
esfera da produção para outra estabelecendo-se, como resultado, uma taxa média lucro, uma
distribuição do trabalho e dos meios de produção nos diversos ramos da economia. Essa
“guerra” concorrencial entre os capitalistas dos diversos ramos da economia perdurará até que
se nivelem as proporções dos lucros em todos os ramos.

Uma parte da mais valia criada nos ramos produtivos que possuem uma baixa composição
orgânica do capital é apropriada pelos capitalistas dos ramos que apresentam uma composição
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mais elevada do capital. Logo, a formação da taxa média de lucro significa, na realidade, uma
redistribuição da mais-valia entre os capitalistas das diversas esferas produtivas.

REFERÊNCIAS

MARX, Karl. A Transformação do Lucro em Lucro Médio. In: MARX, Karl. O Capital: Crítica da
economia política. Livro III: O Processo Global da Produção Capitalista. Tradução. Regis Barbosa e
Flávio R. Kothe. São Paulo: Nova Cultural, 1986, pp. 109-133.

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