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Filosofia

terça-feira, 9 de junho de 2009


A dedução do ego transcendental de Kant

Na aula passada estávamos na seguinte situação: vimos


qual é o modelo de dedução transcendental. Hoje vamos
estabelecer a própria dedução transcendental.

Lembrem que temos duas condições para Kant: uma


estabelecida pela esfera da sensibilidade (gênese – enunciados
empíricos), e outra pela esfera da racionalidade.

Para Kant, para evitar o problema dos postulados, que são


o problema do realismo, e o do relativismo e convencionalismo, que
são o problema do empirismo, deve-se estabelecer, exatamente a
partir dos enunciados empíricos, uma dedução transcendental para
a racionalidade. Dedução sabemos o que é, e sua condição
transcendental também. A regra é dedutiva, com uma conclusão
necessária, que não pode estar estabelecido pelos elementos da
sensibilidade, mas sem dela se desvincular. Neste caso, vamos lá.
Então, para entendermos melhor, vamos ver o que são os
enunciados empíricos para Kant.

Tomemos o enunciado:

O pincel é azul.
Vamos pensar esse enunciado; vamos ver sua condição
lógica. Kant tem, como modelo lógico, Aristóteles. Ainda estamos
longe da chamada virada lingüística do final do século XIX, com a
lógica contemporânea. Então Kant usa o modelo aristotélico:
sujeito e predicado.

O sujeito é idêntico ao predicado? O conceito de pincel é


idêntico ao de azul? Não. Ao falar em pincel, não temos, em seu
conjunto de notas semânticas, a noção de azul.
Segunda pergunta: pincel está contido na noção de azul?
Não, pois teríamos que tudo que é pincel é azul. É a essência de
Aristóteles. Então, em termos lógicos, isto significa que o sujeito
não está contido na noção do predicado. Lembrem-se da figura
na nota de 27/05.

Neste caso, a primeira condição desses enunciados é


a lógica. Na condição lógica, o sujeito é distinto do predicado e não
está contido nele. Como o exemplo do gato, que vimos em aulas
anteriores: “o gato é preto”. Disso segue que gato = preto? Não, pois
não lembramos de “preto” assim que mencionamos “gato”, nem
podemos dizer que “gato” está contido na noção de “preto”.

Segunda condição: epistemológica. Como saber se o


enunciado é verdadeiro ou falso? Como seu sei que o pincel é azul?
Pela observação empírica. Não sei a priori, não tem como saber.
Para saber, tenho que estabelecer uma verificação empírica. Em
outras palavras, todo enunciado desse tipo é
denominado a posteriori. Significa que só depois do
enunciado que podemos saber se ele é verdadeiro ou falso. Kant
denomina esse tipo de enunciado de juízos sintéticos. Por que
juízo? Hoje em dia não se usa mais o termo “juízo” em lógica
contemporânea. Hoje usamos “sentença”, ou “proposição”. Como
Kant usava juízo, então vamos usar aqui também. É que na época a
lógica era compreendida como parte da estrutura do pensamento
humano; a linguagem era vista como um veículo do pensamento.
Juízo, então, no sentido de um signo mental. Sintético por causa da
condição a posteriori. Então, no final das contas, todo juízo que
hoje chamaríamos de enunciado empírico será sempre sintético.
Não pode ser outra coisa.

Frente aos enunciados sintéticos, a lógica de Aristóteles,


ampliada pelos históricos e medievais, permitiu outro tipo de
enunciado: os enunciados analíticos. Kant chama de “juízos
analíticos”. Vamos ver o que significa isso por um exemplo:

Todo solteiro é não-casado.


Se analisarmos esse enunciado, teremos, novamente,
sujeito e predicado. Agora perguntamos: o sujeito se identifica com
o predicado? Sim! “Solteiro” é exatamente igual a “não-casado”,
necessariamente. O sujeito está contido no predicado, então o juízo
é dito analítico. Em sua definição de solteiro, terá que surgir a
noção de não-casado, obrigatoriamente. Outro exemplo do mesmo
gênero: a Lua é a Lua. É um enunciado que parece bobo, mas nunca
poderá ser falso. Seu oposto,

Todo solteiro é casado


Será sempre falso.

A condição de todo enunciado analítico é que ele é


sempre a priori, ou seja, não se precisa de uma verificação empírica
para aferir sobre sua veracidade, como não precisamos verificar
empiricamente que todo solteiro é não-casado. Então todo analítico
é a priori. Só é precisa a verificação sintático-semântica do
enunciado. É claro que estamos usando termos que o próprio Kant
não usa, pois são da lógica contemporânea, mas no final das contas
só preciso verificar a forma lógica do enunciado. Não é necessário
que se verifique empiricamente se é verdadeiro.

Qual a importância desses enunciados? Em Matemática e


Lógica, será fundamental a importância. São enunciados desse tipo
que permitem que fundamentam a Lógica e a Matemática. Servem
para montar modelos lógicos, mas não para ter conhecimento
acerca do mundo. Por outro lado, esses enunciados empíricos
permitem conhecer o mundo, mas não permitem ter uma
homogeneidade, porque são fragmentários. Não teremos como
saber a priori se o enunciado é verdadeiro ou falso. Para Kant,
então, como são sempre verdadeiros ou suas contradições são
sempre lógicas, eles são muito bons para os realistas construírem
suas teses. Neste ponto, então, Kant julga que não se pode ficar
simplesmente com juízos sintéticos. Mas também não com os
analíticos porque eles não acrescentariam conhecimento nenhum
do mundo, são sempre verdadeiros, mas cairíamos nos postulados.
Então, qual a solução kantiana? Para Kant, devemos estabelecer
um conjunto de enunciados, ou de juízos, se assim quisermos, que,
no final das contas, sejam passiveis de acrescentar conhecimento,
mas ao mesmo tempo não seja relativizado pelas condições
empíricas. É exatamente isso que ele promoverá: evitar os erros dos
empiristas e dos realistas.

Vamos começar.

O pincel é azul.
Com a base empirista, temos um problema sério: ao dizer
isso, qual a unidade que esse enunciado tem? A comunidade dos
observadores. Mas ela pode estar totalmente errada! Eles são o
critério para verificação disso? Por quê? O azul pode ser diferente
para cada um de nossos conjuntos oculares de sentidos. O azul do
pincel pode ser um azul de tonalidade diferente daquele outro azul,
que está no casaco do Bruno, e o que faz este azul ser também azul?
É tudo fruto do consenso. A própria comunidade de observadores,
convencionando, não estabelece um critério válido. Eu posso
admitir, então, a especificação: o pincel tem “azul cobalto”,
enquanto a blusa de alguém é “azul-turquesa”, ou “azul marinho”,
etc. Podemos ter um crivo mais preciso: este azul do pincel é a onda
eletromagnética emitida na freqüência de 6,45.1014 Hz... Mas não
disse nada que é azul! Só disse as características físicas. Vamos
complicar ainda mais: digo que isto é um pincel azul. Abro, escrevo,
e a tinta é vermelha. Ele é o que, azul ou vermelho? Ou pior ainda,
e se o objeto que aparentava ser um pincel é, na verdade, um
isqueiro? A comunidade de observadores não consegue estabelecer
uma diferença entre realidade e aparência. Por quê? Porque
ninguém pode garantir que é mesmo um pincel. Pode ser até um
simulacro de arma de fogo.

Então, o que fazer? Neste caso, não temos como, a partir


da estrutura dos sentidos (os sentidos propriamente ditos + os
órgãos dos sentidos), determinar, segundo Kant, a verdade ou a
validade de um enunciado empírico. Por quê? Porque não temos
uma consolidação dos dados dos sentidos; não temos uma unidade
dos sentidos. Já vimos que os empiristas, e antes deles os céticos,
criticavam essa limitação há muito tempo. Mas isso é problemático
porque a comunidade depende dos sentidos. E o eletroscópio,
instrumento feito para se detectar a presença de cargas elétricas
num corpo? É também um constructo empírico. Então, vamos lá:
já sabemos como se estabelece a gênese do conhecimento, essa sim
é pelos sentidos. Já sabemos também, em geral, algumas
determinadas considerações referentes a “como se dá a impressão
ocular”, e “como se dá a transmissão neurológica dos dados
observados”; mas a tese fundamentalmente aristotélica, aceita por
outros teóricos ¹, pode ser adaptada ao nosso modelo neurológico.

Dado que temos um objeto em nosso campo sensual, esse


objeto causa uma impressão no órgão dos sentidos (olho, da visão).
Sabemos por Aristóteles que seria semelhante a uma marca de um
anel na cera; para Aristóteles, tais coisas são impressões. Isso
porque ainda não tínhamos a moderna neurologia ocular
desenvolvida. Mas que o objeto causa uma impressão no órgão do
sentido podemos estabelecer no modelo de hoje: provoca pequenos
pontos luminosos em nossa retina, que são captados e levados ao
cérebro. Mas, segundo os empiristas, na verdade o pensamento é
passivo, dado que a impressão se impõe, daí os sentidos são fonte-
gênese de conhecimento. Para o realista, o sentido é gênese, mas
não é fonte porque a razão é ativa e o pensamento cria um signo
para a identificação dessa imagem. Essa, em geral, é a tendência de
Kant. Mas vamos ver como ele pensa:

Segundo Kant, qual é o problema empirista? É que temos


uma estrutura de dados fragmentária, exatamente por causa da
estrutura de conhecimento. Temos algo que é responsável pelos
dados sensitivos. Ele denomina este de ego empírico. Mas ele só
é capaz de organizar os dados dos sentidos. Depois dos pontos
luminosos dos olhos, o muito que o ego consegue fazer é organizar
esses dados, e mais nada. Por isso, por exemplo, o ego empírico não
é capaz de determinar se aquilo que se vê é uma ilusão ou a
realidade. Por isso somos traídos todo o tempo pelos sentidos. Por
quê? Porque, no final das contas, não conseguimos saber se aquilo
observado é uma fantasia, como o fenômeno da refração da luz ao
mergulhar uma régua na água, e assim por diante. Em outras
palavras, o que acontece? O ego empírico, quando toma ciência da
impressão, ele simplesmente toma todos os dados de impressão do
sentido e organiza. Mas é tudo que ele pode fazer: estabelecer
organização dos dados. Evidentemente, diferenciará as condições
de contexto: não vamos confundir o pincel com o casaco do Bruno.
Teremos a dimensão de distância, perspectiva, tudo notado pelo
ego empírico. Mas ele só não consegue estabelecer se tal coisa é
realmente um pincel, ou se é um isqueiro, ou uma arma. Um bom
exemplo kantiano é: quando dormimos, o ego empírico está
reduzido, já que os sentidos estão reduzidos em sua percepção;
achamos que não passou o tempo, perdemos essa noção.
Exatamente por causa disso. O ego não tem condições de saber se
passou o tempo ou não.

Como saber, então, que esse objeto é real, como saber se


ele é pincel, e como saber que ele se estabelece para o nosso
conhecimento, se o ego empírico não é capaz de chegar a esse nível?
Então, neste caso, Kant estabelecerá uma suposição para a
dedução. Se o ego empírico não pode fazer isso, então, o que é
capaz? No final das contas, é a mesma questão velha de Heráclito.
Entramos no mesmo rio duas vezes? Para eu verificar se essa
organização dos dados é válida, devemos usar a comunidade de
observadores, mas esta, como já sabemos, é problemática porque
acaba se reduzindo à convenção, e essa convenção é mutável no
tempo. Então Kant tem que buscar condições na própria razão que
nunca mudam. Neste caso, o que o pincel tem, aliás, quais as duas
condições que o pincel tem que qualquer outro terá, que todo
apagador tem, que nós temos, ou seja, que qualquer ente empírico
tem e são necessárias para que todos eles sejam passíveis de serem
conhecidos? Espaço e tempo! Na verdade, nada que é perceptível
não pode ser percebido se não estiver no espaço e no tempo. Mas
diremos: como eu sei disso?

É simples. Vamos começar pelo tempo. Um exemplo que


Kant dá é que não podemos observar uma casa em sua totalidade,
essa observação tem que transcorrer no tempo. Por que, então, o
tempo existe? Porque, no final, do fato de haver o transcurso do
tempo segue que o tempo tem que existir. Então, não confundamos
o tempo com a marcação temporal. Esta é convencional. Nós
convencionamentos marcar o tempo segundo a passagem do Sol,
por exemplo. Mas com um calendário lunar, a marcação já é
diferente. Um relógio do século XVIII, um do século XIX, um
relógio suíço, ou um atômico. O próprio tempo não é a mera
passagem de momentos sucessivos. É um erro que Kant percebeu.
O tempo era uma condição acidental do ente empírico. Tanto que
sua essência não muda. Kant não pensa assim, porque se, no final,
o tempo é uma condição empírica do objeto, confundiríamos o
tempo com sua passagem. E haveria objetos que duram mais
tempo, e não teríamos o critério de determinação do que vem a ser
o tempo. Neste caso, Kant dirá: o tempo não pertence ao objeto,
mas é uma estrutura do pensamento. É o pensamento que impõe o
tempo aos entes empíricos. O tempo, como estrutura de
sensibilidade, é imposto pela razão, pelo pensamento aos entes
empíricos. Note que estamos falando na marcação temporal, que é
meramente convencional. Mas quando dormimos e acordamos,
temos a consciência de que o tempo passou. Se fosse algo da própria
estrutura dos objetos, o tempo poderia nem ter passado.

Essa noção de tempo de Kant é muito interessante: ela é


um desenvolvimento de dois grandes modelos de tempo. Um é o
newtoniano, que é absoluto, então não pode estar nos entes
empíricos, porque estes são mutáveis, mas o tempo para Newton é
absoluto por causa do pensamento. E de onde vem a condição
subjetiva do tempo? Vem de Santo Agostinho. No Livro XII das
Confissões, ele desenvolve o que é conhecido como concepção
subjetivista ou psicologista do tempo. Vamos pensar como Santo
Agostinho: o que realmente existe? Passado, presente ou futuro? Só
o presente. Mas no momento em que eu pronuncio essa frase, ela
já está no passado. Então, o que existe está sempre “em átomo”, o
que é sempre efêmero. Então, o único modo de ter o passado é
rememorar coisas que já não são parte do presente. Então o
passado se torna presente novamente, mas são eventos que não
existem mais. Futuro: previsão de eventos que ainda não existem.
Se deve existir uma entidade atemporal, essa deve ser Deus, porque
para ele não há passado, presente e futuro, e ele consegue conhecer
tudo. Aí vem a famosa tese de Santo Agostinho: o tempo é sempre
uma distensão da alma: ela sempre existe no presente. O passado é
a alma se distendendo, por memória, àquilo que já não é, e o futuro
é a alma se distendendo para aquilo que ainda não é no presente.

Kant entende o tempo como no pensamento, mas não


meramente por uma distensão psicológica do tempo, pois, como
saberíamos que o tempo entre o dormir o despertar passou? Então
vem a objetividade do tempo em Newton, não no ente, mas no
objeto.

Terminamos o tempo.

Espaço: nada há de empírico que não exista no espaço.


Para perceber o pincel, ele tem que estar no espaço. Ele tem que ter
as três dimensões. É o erro de Aristóteles, que concebeu o espaço
como um acidente do ente, mas uma coisa é ocupar um lugar no
espaço, e isso não se confunde com o próprio espaço. Kant também
dá uma noção dessa concepção de espaço. Vejam: por abstração,
poderíamos tirar toda essas cadeiras desta sala? Poderíamos
eliminar Brasília? E o mundo? Tudo. Menos o quê? O próprio
espaço. Ele não é um local, mas são as três dimensões. Para pensar
um ente empírico, ele tem que ter um conjunto dimensional de
coordenadas espaciais. Por isso o espaço também não pode
pertencer a um objeto porque, se ele for removido pela abstração, o
espaço vai junto com ele.
Assim, o espaço e tempo são duas estruturas que Kant
denomina como estruturas de sensibilidade. São condições de
possibilidade de conhecimento de todo ente empírico. Tempo e
espaço são as condições. Ambos pertencem ao pensamento, não ao
próprio objeto. Então, o pensamento já impõe ao pincel o espaço e
tempo. São essas condições que permitem saber se aquela
impressão é real ou não. Se não fosse o espaço e o tempo, jamais
poderíamos saber se esse pincel é real ou mera ilusão.

Como John Nash, o matemático do filme Uma Mente


Brilhante, sabia que aquela menina não era real? Porque ela não
envelhecia, então não era um ente empírico porque o tempo não
passava para ela; ou seja, ela não estava posta no tempo. Neste caso,
se fosse apenas por condição empírica dos empiristas, o que
teríamos? Uma comunidade de observadores, que poderia, por sua
vez, ser psicótica. Todos veriam a menina. Bons exemplos são
ilusões coletivas. Neste caso, vem um ponto interessante: o espaço
e tempo são suficientes para dizer o que é determinada coisa? Dá
para distinguir o apagador e o pincel? Não, porque ambos ocupam
o espaço-tempo. Não podemos distinguir pincel e pessoa, e assim
por diante apenas com o espaço e o tempo. Em outras palavras, o
espaço e o tempo são necessários para determinarmos se a
organização que é estabelecida pelo ego empírico é real ou não.

Kant aponta, então, que deve existir uma outra estrutura


na razão que serve para discriminar os entes. Chama de estrutura
de racionalidade. Por quê? Porque no final das contas é o que
discrimina racionalmente o que é o ente e o que é objeto. A essas
estruturas pertencem as categorias. Por exemplo: categoria
“matéria”. Categoria “cor” = azul. Categoria “forma” = corpo cônico.
E assim por diante. Quer dizer, a razão possui uma outra estrutura
que são as categorias. Se não existem, não se saberá diferenciar as
coisas, como pincel azul de pincel verde. O que são as categorias?
São como o grande arquivo da razão. Na verdade podemos
imaginar, quando falamos no realismo, como se fosse um grande
arquivo. O pensamento possui um arquivo, que têm pastas, que são
as categorias. A estrutura de racionalidade é esse grande disco
rígido. Temos a categoria de substância, que corresponde ao
sujeito; a de cor, que compreende o azul, o verde, e assim por
diante. Matéria, forma, (matéria no sentido físico-químico), etc.
Como funciona? Como se dá a fisiologia do
conhecimento? O ego empírico organiza. Mas só isso. As estruturas
de sensibilidade tomam, efetuam sobre a organização do ego
empírico e determinam sua realidade, ou aparência. E aí, o que faz?
No momento em que o ego empírico determina a realidade, o
pensamento busca nas categorias as divisões categóricas. E então,
por exemplo, pincel, na categoria de substância, na categoria de cor
= azul, então o pensamento busca, na memória (as categorias) qual
é a que se aplica ao ente empírico. Nisso, o pensamento cria um
signo mental.

O pincel atômico é azul.


Este signo mental corresponde ao pincel atômico. Assim
sendo, o enunciado é verdadeiro.

Quando, então, o enunciado sintético é falso? Quando


essas estruturas não estão em jogo: podemos ter ilusão de ótica, ou
não sabermos determinar o que é, porque não há interferência das
categorias. Neste caso, Kant denomina ao conjunto dessas duas
estruturas o ego transcendental. Então temos duas estruturas na
razão: o empírico e o transcendental. O primeiro é responsável pela
organização dos dados recepcionados e o segundo pela
determinação da realidade e do ente. São estruturas da razão. Mas
qual é a estrutura da razão que é o tribunal supremo? O ego
transcendental. Ele tem todas as condições de possibilidade do
conhecimento. Não é o ego empírico porque não se tem mais
relativismo, e por mais que tenhamos erros, o ego transcendental
corrige. Foi o que John Nash fez. Mas não é que a razão é um ou
outro; ela é tanto um quanto outro. Ela tem essas duas estruturas,
o ego empírico e o transcendental. Mas este último é o que contém
as condições de critério para sabermos se aquele ente é o que é ou
não é. Por isso, vem uma pergunta: o pincel existe? Sim. Mas ele
tem independência de nosso pensamento? Não. Ele é um
constructo do pensamento. É devido ao constructo do espaço-
tempo, e também das categorias, que são todas do pensamento. É
exatamente isso que Kant denomina fenômeno. O fenômeno,
então, é um constructo do pensamento. O pincel não existe se não
existe o pensamento sobre o pincel. O ego empírico é individual,
mas o ego transcendental é comum. Não significa que se um sujeito
morre o pincel deixa de existir. Um cachorro não vê pincel atômico,
ele só tem ego empírico. O que tigre vê no pincel? Kant dirá: “não
sei”. Ele não dirá que a substância é um conceito ilogicamente
estabelecido. Quando observamos, construímos o objeto. Temos o
espaço e o tempo. Se não fosse o ego transcendental, teríamos que
ser Deus ou não passaríamos de autistas que não conseguiriam
conversar sobre algo que realmente existe.

Então, Kant chega à conclusão: deve existir,


necessariamente, uma estrutura da razão que é totalmente humana
e que é comum a todos os seres humanos que determina
exatamente o conhecimento. Essa estrutura é o ego
transcendental. E está provado, segundo Kant, a necessidade
dessa estrutura.

Ela não é postulado, e não é empírica. E Kant soluciona,


segundo sua posição, os erros dos empiristas e dos realistas.

Ele dirá que o conhecimento é post rem. Mas o fenômeno


não tem autonomia ao pensamento, pois é constructo dele. Para os
empiristas, o fenômeno também é post rem, mas para eles há
autonomia do fenômeno em relação ao pensamento. Kant vai dizer
que tudo que é fenômeno é constructo; substância então não é,
porque ele não sabe o que é substância. “Não sei o que é isso.” Neste
caso, é claro que Kant concorda com Aristóteles quanto à tese da
tabula rasa. As categorias são o quadro, mas o que eu pinto no
quadro vai depender de cada um.

“Fenômeno” vem do grego. ()

Se não é fenômeno, é “númeno” (Noumenon). É o que


está para a percepção, para os sentidos.

No ego transcendental, temos a razão pura teorética, que


é a razão da ciência. E aí, então, o que são os númenos? Tudo que
não é constructo do pensamento. Deus, por exemplo. Valores
morais, como liberdade e igualdade também. O mundo como uma
totalidade: temos como conceber empiricamente? Não, só seus
objetos, mas não o próprio mundo. Kant diz: cosmologia. O que é o
mundo? A esfera da ação moral, política e jurídica? Tudo são
númenos. A esfera da religião e da metafísica e Deus são númenos;
não pertencem à ciência. Esse é o erro dos realistas, e também dos
empiristas que entendem que a razão científica pode entrar para
provar ou não algo. De não se provar Deus não segue que Deus não
existe. Dizer o contrário é dizer uma falácia.
Para fechar, a última pergunta: a razão, em suas duas
grandes estruturas, o ego empírico e transcendental: é fenômeno
ou númeno? Fenômeno? Mas ela não pode ser fenômeno
porque assim ela seria constructo do pensamento, enquanto o
lógico seria que este fosse constructo daquela ². Então ela é o
número. Senão teríamos contradição aristotélica. Na verdade, a
razão em Kant é Deus.

Daí, temos a dedução transcendental do ego, mas do


ego teorético.

A crítica da razão pura estabelecerá o primeiro limite: o


da ciência. Mas podemos estabelecer todo o critério ou
conhecimento, então como se descobre qual é o tribunal supremo
para a ação moral, para política, para a religião... O que fazer? Fazer
a dedução do ego transcendental prático. Veremos na aula que vem.

1. Aceita por outros com algumas variações.


2. Muito infelizmente eu estava atrasado nesta
hora e o trecho em itálico ficou vago. Tive que
completar com a idéia anteriormente aprendida,
mas, nessas situações, sempre falta um detalhe,
como vocês podem ver nas minhas tentativas de
responder às perguntas do professor, que muito
freqüentemente fracassam. Fico triste porque
seria exatamente o fechamento da dedução
transcendental.

Conceitos do dia:

• Enunciado a posteriori: enunciado que


pende de verificação empírica para que possamos
dizer se é verdadeiro ou falso.
• Juízo sintético: a valoração feita no caso
acima.
• Enunciado analítico: enunciado feito
sempre a priori, sem a necessidade de se fazer a
verificação empírica para admiti-lo como
verdadeiro ou falso.
• Ego empírico: parte da estrutura do
conhecimento responsável pela organização dos
dados dos sentidos. Não consegue ir além da
tarefa de organizar esses dados captados.
• Concepção subjetiva ou psicologista
do tempo, de Santo Agostinho: o tempo é
sempre uma distensão da alma: ela sempre existe
no presente. O passado é a alma se distendendo,
por memória, àquilo que já não é, e o futuro é a
alma se distendendo para aquilo que ainda não é
no presente.
• Estruturas de sensibilidade: o espaço e
o tempo, para Kant. Sem espaço e tempo, não se
têm entes empíricos; os entes não podem ser
imaginados sem ser no espaço ou no tempo.
Também são o que permitem distinguir se um
ente observado é real ou se é mera ilusão.
• Categorias: partes integrantes da estrutura
da racionalidade, responsáveis pela distinção dos
entes.
• Fenômeno: o ente como constructo do
pensamento, depois de feita a observação
empírica, pondo o ente no espaço-tempo, e da
aplicação das categorias. O fenômeno inexiste se
for construído pelo pensamento.
• Númeno: tudo o que está já dado na
realidade, não é obra do pensamento.

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