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Universidade Católica de Goiás

Vice Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa


Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Psicologia
Mestrado em Psicologia

Homicídio Passional: Uma Teoria in Extremis

Isabel Maria de Sousa

Goiânia - Goiás
Fevereiro de 2004
Universidade Católica de Goiás
Vice Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa
Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Psicologia
Mestrado em Psicologia

Homicídio Passional: Uma Teoria in Extremis

Isabel Maria de Sousa

Dissertação apresentada ao Mestrado de


Psicologia da Universidade Católica de Goiás,
como requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre em Psicologia.
Orientador: Profº. Dr. Rodolfo Petrelli.

Goiânia - Goiás
Fevereiro de 2004
i

Universidade Católica de Goiás


Vice Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa
Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Psicologia
Mestrado em Psicologia

FOLHA DE AVALIAÇÃO

Autora: Isabel Maria de Sousa


Título: Homicídio Passional: Uma Teoria in Extremis
Data de avaliação: 18 de fevereiro de 2004.

Banca Examinadora Avaliação

____________________________________ _________________
Profº. Dr. Rodolfo Petrelli Nota ou Grau
Universidade Católica de Goiás
Presidente

____________________________________ _________________
Profº. Dr. Nivaldo dos Santos Nota ou Grau
Universidade Federal de Goiás
Membro

____________________________________ _________________
Profº. Dr. Saturnino Pasquero Ramon Nota ou Grau
Universidade Católica de Goiás
Membro

____________________________________ _________________
Profª. Drª. Vanúzia Leal Andrade Peres Nota ou Grau
Universidade Católica de Goiás
Suplente

Goiânia - Goiás
Fevereiro de 2004
ii

A Alicio e Ana Maria, meus pais, in memoriam,


primeiros mestres na minha existência, que
fizeram nascer em mim o amor pelo
conhecimento e o gosto pelo estudo e que me
ensinaram a acreditar nas potencialidades
humanas e a não desistir ante as adversidades.
iii

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus. Mestre dos mestres por excelência que me conduz com a sabedoria

necessária no cumprimento da minha missão.

Ao Professor Dr. Rodolfo Petrelli, orientador e amigo, pelo incentivo, confiança e

compreensão para a execução deste trabalho.

A Wermerson Rodrigues, esposo amado e pai dedicado, que, com a presença, incentivo e

participação constantes, tornaram possível este trabalho.

A Isabella e Allice, minhas filhas amadas, pela compreensão e abnegação do amor e

convívio maternos, no longo percurso de realização deste trabalho.

Ao meu irmão José Carlos, que, com apoio constante, possibilitou a consolidação de

minha carreira profissional.

À minha irmã Sirley, pelo incentivo e também colaboração, que me permitiram dedicar na

consecução deste trabalho.

A todos os demais familiares e amigos que colaboraram de forma indireta para a

realização deste trabalho.

À Mara Rúbia V. V. Prata, psicóloga e amiga, pelas valiosas contribuições para a

elaboração deste trabalho.

Às psicólogas Márcia Marques e Elquissana Quirino, que deram o necessário respaldo na

aplicação, classificação das respostas e interpretação dos testes projetivos.

Aos professores e aos meus queridos alunos da Universidade Católica de Goiás, que, por

meio de suas questões, reavivam muitos dos problemas aqui pesquisados.

À Sérgia Santos, do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São P, pela

colaboração na pesquisa bibliográfica.


iv

À Professora Ms. Eclea Campos, atenciosa revisora deste trabalho.

A Juliany Gonçalves Guimarães, responsável pela diagramação desta dissertação.

Aos Drs. Nivaldo dos Santos, Saturnino Pesquero e Vanúzia Leal, participantes da banca

de defesa desta dissertação.

O meu muito obrigada.


v

É um momento que decide a vida do homem e o


seu inteiro destino, empós de longas
deliberações, toda resolução não é, por fim,
senão obra de um momento; e o homem
ponderado realiza a parte mais justa. (Goethe,
“Hermann und Dorothea, V).
vi

SUMÁRIO

Folha de Avaliação........................................................................................................................i
Dedicatória..................................................................................................................................ii
Agradecimentos .........................................................................................................................iii
Epígrafe .......................................................................................................................................v
Sumário ......................................................................................................................................vi
Resumo ......................................................................................................................................ix
Abstrac ........................................................................................................................................x
Introdução ...................................................................................................................................1
Capítulo I - A Violência na Sociedade Contemporânea Brasileira .............................................5
1.1. Significados de Violência ...............................................................................................11
1.2. Matrizes da Violência .....................................................................................................16
Capítulo II - A Tutela Jurídico-Penal da Vida Humana.............................................................23
2.1. Teoria do Crime ..............................................................................................................24
2.1.1. Conceito criminológico e jurídico de crime.............................................................24
2.1.2. Elementos Constitutivos do Crime..........................................................................26
2.1.3. Imputabilidade Penal ..............................................................................................29
Capítulo III - O Delito de Homicídio ..........................................................................................32
3.1. O Homicídio através dos tempos - Um breve relato.........................................................32
3.2. O Homicídio no Sistema Jurídico Penal Brasileiro..........................................................34
3.3. Conceito de Homicídio ..................................................................................................36
3.4. Objetividade Jurídica do Homicídio ...............................................................................38
3.5. Tipo Penal no Homicídio ................................................................................................39
3.6. Sujeitos do Homicídio....................................................................................................40
3.7. Momento Consumativo do Homicídio............................................................................42
3.8. A Tentativa no Crime de Homicídio ................................................................................43
3.9. Formas de Homicídio .....................................................................................................44
3.9.1. Homicídio Simples .................................................................................................44
3.9.2. Homicídio Privilegiado ..........................................................................................44
3.9.3. Homicídio Qualificado ...........................................................................................46
3.9.4. Homicídio Culposo .............................................................................................. 47
vii

Capítulo IV - Homicídio Passional: A Responsabilização do Criminoso ....................................49


4.1. O Crime Passional na legislação brasileira......................................................................49
4.2. A Emoção e a Paixão .......................................................................................................52
4.2.1. A Emoção e a sua Classificação ............................................................................54
4.2.1.1. Fisiológica e Patológica .................................................................................54
4.2.1.2. Astênica e Estênica ........................................................................................55
4.2.1.3. Emoção Choque ............................................................................................55
4.2.1.4. Emoção Contínua ou Repetida.......................................................................55
4.2.1.5. Emoção Contida.............................................................................................55
4.2.1.6. Emoção Retardada .........................................................................................55
4.2.2. A Paixão e a sua Classificação...............................................................................56
4.2.2.1. A Paixão Segundo a Escola Clássica .............................................................56
4.2.2.2. A Paixão Segundo a Escola Positiva..............................................................56
4.3. Violenta Emoção e Crime Passional..............................................................................57
4.4. A Paixão e o crime passional.........................................................................................60
4.5. Homicídio Passional e Distúrbios de Personalidade .......................................................66
4.5.1. Classificação dos Distúrbios de Personalidade .......................................................69
4.5.1.1. Distúrbio de Personalidade Paranóide.............................................................70
4.5.1.2. Distúrbio de Personalidade Esquizóide ...........................................................70
4.5.1.3. Distúrbio de Personalidade Esquizotípico.......................................................70
4.5.1.4. Distúrbio de Personalidade Histriônico...........................................................71
4.5.1.5. Distúrbio de Personalidade Anti-social ...........................................................71
4.5.1.6. Distúrbio de Personalidade Narcisista.............................................................73
4.5.1.7. Distúrbio Borderline de Personalidade ..........................................................73
4.5.1.8. Distúrbio de Personalidade Obsessivo-Compulsivo......................................74
4.5.1.9. Distúrbio de Personalidade Ansiosa...............................................................75
4.5.1.10. Distúrbio de Personalidade Dependente ......................................................75
4.5.1.11. Distúrbio de Personalidade Depressivo .......................................................76
Capítulo V - Metodologia...........................................................................................................77
5.1. Método Fenomenológico ...............................................................................................77
5.2. Procedimentos................................................................................................................82
5.3. Instrumentos ..................................................................................................................84
5.3.1. Psicodiagnóstico Rorschach ...................................................................................84
5.4. Sujeitos do Estudo ..........................................................................................................88
viii

5.5. Análise e Interpretação dos Dados ..................................................................................88


5.5.1. Caso A .........................................................................................................................89
5.5.1.1. Conclusões ..........................................................................................................94
5.5.2. Caso B .........................................................................................................................95
5.5.2.1. Conclusões ........................................................................................................101
Considerações Finais...............................................................................................................103
Referências Bibliográficas ......................................................................................................106
Bibliografia Consultada...........................................................................................................112
Anexos.....................................................................................................................................115
Anexo 1 - Documentos Oficiais do Caso A ..........................................................................116
Anexo 2 - Documentos Oficiais do Caso B ..........................................................................117
ix

RESUMO

Este estudo tem o objetivo de investigar a violência humana no crime de homicídio, cometido sob
os estados emotivos ou passionais, situando-se em uma vertente que apreende o crime como
fenômeno real, humano. Ao enfrentar o tema, a sustentação recai na tese que os estados
emocionais ou passionais não podem ser utilizados como componentes para justificar o
homicídio, diminuir ou atenuar a pena, senão para explicá-lo. A emoção e a paixão somente
podem elidir a imputabilidade penal quando derivadas de patologias do psiquismo humano, que
impedem a capacidade de entender e querer do agente. No crime passional, os aspectos afetivo e
cognitivo da consciência mantêm-se íntegros, faltando ao homicida o domínio ético sobre suas
decisões. Também se sustenta que a paixão que mata não deriva do sentimento de amor ou de
honra íntima, mas de instinto homicida. Portanto, o criminoso passional é imputável e
responsável pelas conseqüências jurídicas do crime. O estudo de caso explora a relação sujeito-
objeto-mundo, sob perspectivas psicológica, psiquiátrica, psicopatológica e jurídico-penal,
razão pela qual este estudo focaliza a aplicação do método fenomenológico no diagnóstico dos
sujeitos pesquisados. A análise de resultados assinala a necessidade de aprofundar a compreensão
da experiência e dos fatos homicidas considerados passionais, para provocar uma ruptura do
pragmatismo dogmático do sistema jurídico penal no processo de seu diagnóstico, imputação,
imputabilidade e penalização.

Palavras-chave: Violência. Homicídio Passional. Distúrbios de Personalidade. Imputabilidade.


Responsabilidade Penal. Justiça Penal.
x

ABSTRACT

This study has the objective to investigate human violence, such as homicide, committed under
emotional or passionate states, that holds crime as a human characteristic. Throughout this theme,
the thesis states that crimes committed under these emotional states cannot be used to justify
homicide, or to lower penal sentences, but to explain them. Emotion and passion can only
eliminate penal sentences when derived from psychological pathologies that incapacitate the
understanding and wanting of the person. Crimes of passion have an integrated cognitive
conscience and affection, failing the murderer only the ethical control over his decisions. The
thesis also states that passion that kills doesn't derive from love or honor, but from a homocidal
instinct. However, the passional murderer is responsible for the legal consequences of the crime.
The case study explores the subject object world relationship, under various perspectives: such
as psychological and psychiatric points of view, being the reason why this study focuses on the
fenomenological method of diagnosing the subjects researched. The analysis of the results shows
the need to better comprehend the facts and experiences of passionate homicide, to create a
rupture in the legal penal system, in its process, diagnosis and penal sentences.

Key Words: Violence. Passionate Homicide. Personality Disordes. Imputability. Penal


Responsibility. Penal Justice.
INTRODUÇÃO
INTRODUÇÃO

O delito de matar sempre foi uma questão de difícil enfrentamento para a humanidade.

Aquele que mata o próprio semelhante, que pratica a conduta considerada como a máxima

expressão da agressividade intra-específica, que não se priva de expressar no nível mais grave a

própria crueldade, move, desde os primórdios da existência humana, os mais diversos enredos de

dinâmicas afetivas, suscita interesses opostos, exalta dinâmicas projetivas desresponsabilizantes

nos movimentos coletivos inconscientes, fomenta óbvios e significativos pedidos de justiça, de

punição, de reparação e de defesa social.

Em um conjunto de forças e movimentos ambivalentes, urge uma linha divisória entre o

bem e o mal, o desejo de compreender a estrutura arquitetada, complexa e dinâmica do

comportamento homicida, de refletir sua etiologia, colocando-se aos diversos campos das

ciências humanas globalmente compreendidas a tarefa de desvelar respostas e soluções para o

incontido e sempre renovado potencial de violência e agressividade do homem.

E, nessa dimensão, o sistema jurídico penal que sanciona a norma proibitiva do delito de

matar, de lesão ao bem jurídico, caracteriza-se, paradoxalmente, como uma ciência pragmática,

confinada a um absolutismo normativo, que encobre a relatividade da norma ante o fenômeno

criminal, reduzindo-o a uma questão de legalidade.

O presente trabalho tem por objetivo enfrentar a questão situando-se, especificamente, no

homicídio passional, em uma vertente que, no enquadramento e na individuação das motivações

subjacentes à prática do crime, conduz à área da psicologia, psiquiatria, psicopatologia e da

ciência penal e, mais especializadamente, àqueles conexos com o mundo emotivo e passional.

Pretende-se, de um lado, demonstrar que no homicídio passional não existe conexão

lógica entre distúrbios de personalidade e capacidade de entender e querer. No crime passional,


2

em que grassa a violenta emoção, não existe prejuízo nas dimensões neuro-psicológica e

epistemológica da consciência. Os aspectos afetivo e cognitivo da consciência mantêm-se

inalterados no cometimento do crime. O prejuízo nessa modalidade de homicídio situa-se quanto

ao aspecto ético da consciência. Portanto, o ator de crime passional deve ser punível, logo

imputável, apesar da atenuante ou da redução de pena prevista no Código Penal. Durante o estado

de violenta emoção, não falta ao agente a noção do ato cometido, o conhecimento das regras e

normas e a necessidade de se comportar de acordo com elas; falta ao agente o domínio ético sobre

suas próprias decisões. Isso sugere a necessidade de uma avaliação criteriosa de cada caso, ao se

definir a imputabilidade penal.

De outro, que a paixão que mata não deriva do sentimento de amor ou de honra. O estado

de paixão no momento do crime não obedece a um sentimento de amor ou de honra íntima, senão

à falta de controle emocional, de natureza neurótica, diante da frustração que lhe provoca seu

parceiro, ao ferir a sua auto-imagem, auto-afirmação e exercício de poder. A paixão que decorre

do amor leva o ser humano a transcender seu primitivismo cultural e ético, não induz ao

homicídio. Portanto, não pode ser usada como fator de redução, de atenuação de pena ou para

perdoar o crime, mas somente para explicá-lo.

O homicídio passional será sempre crime e de qualquer forma uma aberração psicológica

e ética, não justificada por nenhuma lesada honorabilidade. Não existe emoção, paixão ou honra

capaz de justificá-lo.

O crime passional é um resíduo de um direito primitivo, arcaico, que fere a isonomia entre

homens e mulheres, legitimando a posse do outro como objeto sexual, gerando a violência.

Os crimes passionais aos quais se busca enquadrar o privilégio penal de redução ou de

atenuação de pena, na sua quase totalidade, desvelam, em uma análise mais profunda, uma mente

homicida, um degradado ético e cultural.

Assim, não existem dúvidas quanto à necessidade de aprofundar, de dedicar a uma


3

constante compreensão da experiência e dos fatos homicidas tidos como passionais.

O estado emocional e passional como fator de redução ou de atenuação de pena deve ser

considerado com mais rigor pelo operador do Direito.

Como assevera Durkheim (1999, pp. 66-69), o crime é o fenômeno que apresenta, da

forma mais irrefutável, todos os sintomas da normalidade, sendo, pois, necessário e útil,

verdadeiro “fator de saúde pública, uma parte integrante de toda sociedade sadia”. Portanto, é

necessário estudá-lo, identificá-lo, delimitá-lo e questioná-lo ao se estabelecerem os critérios de

sua punibilidade.

As motivações que induzem uma pessoa a praticar um crime ou a abster-se de fazê-lo

constituem uma realidade de difícil compreensão.

Assim sendo, os enfoques, as dinâmicas projetivas podem ser inúmeras e jamais

exaustivas.

Paradoxalmente, qualquer motivo pode levar uma pessoa a agir ou não de determinada

forma, ainda que sua conduta seja reprimida pela sociedade. Na verdade, toda ação responde a

uma lógica interna, orientada para a satisfação de uma necessidade humana, seja ela qual for.

O estudo foi subdividido em cinco capítulos inter-relacionados. No Capítulo I, A

Violência na Sociedade Contemporânea Brasileira, procurou-se traçar um excurso histórico da

violência na sociedade brasileira, seus significados, manifestações e fundamentos, objetivando

uma elucidação teórica quanto à natureza e às causas da agressão humana.

No segundo Capítulo, A Tutela Jurídico-Penal da Vida Humana, buscou-se delimitar a

competência do Direito Penal na tutela jurídica da vida humana, estabelecer conceitos

fundamentais relativos à teoria do crime, visando a compreender adequadamente os conceitos de

responsabilidade penal e imputabilidade, procedendo-se à análise, ainda que sumária, da

culpabilidade.

No Capítulo III, Delito de Homicídio, objetivou-se um estudo teórico e compreensivo do


4

crime de homicídio no sistema jurídico-penal brasileiro.

No Capítulo IV, Homicídio Passional: A Responsabilização do Criminoso, enfrenta-se o

delito de matar em sua modalidade passional, sob uma perspectiva criminológica e dogmática,

analisando-se os aspectos do psiquismo responsável pelo cometimento do homicídio,

examinando o crime sob o ponto de vista jurídico e psicológico, para concluir pela

imputabilidade penal do homicida passional.

No Capítulo V, encerra-se a metodologia que orientou a pesquisa empírica, seguida da

análise e interpretação dos dados. Para a avaliação da culpabilidade, imputabilidade e

responsabilidade penal do homicida passional foi aplicado o método fenomenológico no

diagnóstico dos sujeitos estudados, optando-se pelo psicodiagnóstico Rorschach como

instrumento de pesquisa, que adquiriu uma forma de investigação quantitativa e qualitativa,

corroborado por pesquisas bibliográfica e documental.

Por último, nas considerações finais, são apresentadas as principais conclusões,

contribuições e recomendações fornecidas por este trabalho.


CAPÍTULO I - A VIOLÊNCIA NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA
5

A VIOLÊNCIA NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA

A violência em geral, a urbana especificamente, tem se constituído uma das maiores

preocupações da sociedade brasileira contemporânea. Episódios violentos são cada vez mais

freqüentes, gerando medo e insegurança no cotidiano dos grandes centros urbanos do país. Como

esclarece Zaluar (1997), a violência está em toda parte, não tem atores sociais permanentes e

determináveis nem causas facilmente delimitáveis e inteligíveis. Incorporada ao cotidiano da

sociedade, faz a agressão criminal mais freqüente e violenta, configurando-se fato universal e o

modo pelos quais diferentes grupos sociais se manifestam e resolvem seus conflitos nas relações

sociais e intersubjetivas.

Desde o descobrimento do Brasil, conhecemos um estado crônico de violência na

sociedade. A ocupação, assenhoreamento e colonização do território brasileiro pelos

portugueses, configuram-se, pode-se dizer, na primeira manifestação desse estado. Recorrendo

sistematicamente ao uso da força, domesticaram os gentios da terra, reduzindo-os à condição de

escravos. E, uma vez expropriados de suas terras e tradições, foram aculturados, massacrados e

mortos. Políticas que ainda se fazem sentir nos dias atuais. Expostos à cultura de massa e sob a

dependência da indústria de consumo, aumentaram-se a desagregação das tradições tribais, os

conflitos intra e intergrupos; remanescendo a perda de suas terras, agora sob um processo de

espoliação e guerra guarnecidas pelo império da lei. Embora a Constituição Federal vigente tenha

garantido a demarcação, as terras indígenas continuam sendo ocupadas por fazendeiros,

madeireiros e empresas de mineração.

Também os negros foram duramente explorados e vitimados durante todo o processo da

colonização brasileira. Milhões de negros, provindos de diversas regiões e cultura africanas,

foram, por meio do tráfico, trazidos para o território brasileiro para a exploração da sua força de
6

trabalho. Em regime de trabalho forçado, eram castigados, submetidos a maus tratos e penas, cuja

sujeição levou os negros oprimidos a se aquilombarem em resistência à escravidão, seguindo-se

uma série de violações e violências.

A colonização, o imperialismo, as oligarquias registram um Estado marcado pelo

autoritarismo burocrático e pelo uso da violência pseudolegítima na solução de conflitos, por

atores bem definidos. Não foram poucos os conflitos sociais com luta aberta, produzindo mortos

e vítimas, em geral; mencionam-se, por exemplo, Guerra dos Farrapos, a Balaiada, a Cabanagem,

a Revolução Federalista, Canudos, Contestado, entre outras formas de violências enraizadas ao

cotidiano do país.

O fim da propriedade escrava e implementação do trabalho livre, industrialização e

urbanização não conduziram o país ao compasso das nações civilizadas. Ao longo de mais de

cem anos de vida republicana, a violência manteve atravessando todo o tecido social, enraizando-

se como modo costumeiro, institucionalizado e positivado de resolução dos conflitos de toda

ordem. Os direitos constitucionais, civis e políticos permaneceram restritos às elites

proprietárias, sendo reprimidas as dissidências políticas e movimentos sociais, tal qual no regime

monárquico. Basta lembrar a sucessão de golpes na estabilidade político-institucional, que

minaram o Estado de Direito. Como bem acentua Adorno (1996), a consolidação da moderna

burguesia industrial não conseguiu por fim ao autoritarismo. Os governos instituíram um sistema

de autoritarismo e repressão que articulava forças militares policiais e forças paramilitares como

a OBAN e os esquadrões da morte. Esse sistema foi responsável pela censura, prisões arbitrárias,

cassação de mandatos eletivos, torturas, mortes, guerra psicológica contra organizações

populares e de esquerda, limites impostos às prerrogativas dos poderes Legislativo e Judiciário,

esfacelamento dos partidos de oposição, cerceamento às liberdades civis e políticas,

esvaziamento intelectual das principais universidades e centros de produção científica e cultural

críticas, exílio e clandestinidade de lideranças políticas.


7

Mesmo o estado democrático emergente à transição do regime ditatorial não logrou

consolidar o Estado de Direito, a cidadania. Os direitos humanos no processo de democratização

da sociedade brasileira persistiram violados. Radicada nas estruturas sociais e enraizada nos

costumes, a violência aos direitos humanos manifesta-se no comportamento da sociedade civil e

nos agentes de manutenção da ordem pública, recrudescendo as oportunidades de solução dos

conflitos sociais e de relações intersubjetivas. A violência em suas múltiplas formas parece

continuar sendo o principal recurso usado para a resolução de conflitos decorrentes das

diferenças de etnia, de classe, de gênero e de geração. O Estado Social foi a instituição política

inventada pelas sociedades capitalistas para compatibilizar as promessas da modernidade com o

desenvolvimento industrial (Streck, 1999).

Faria citado por Streck (1999), assevera existir nesse momento um movimento de

natureza centrífuga no âmbito das instituições e da economia, decorrente de um processo de

globalização econômica que, com seus novos centros de produção normativa e seus mecanismos

auto-regulatórios, erodem alguns dos princípios básicos forjados pelo Estado Liberal (como o

monismo jurídico e a soberania nacional). Assevera, ainda, existir um movimento de caráter

centrípeto, resultante das pressões, demandas e lutas protagonizadas por setores sociais

desfavorecidos em favor de programas governamentais implementados por um Estado “forte”,

ou seja, capaz de promover transferências de renda, por meio de tributação, objetivando

equilíbrio socioeconômico e asseguramento de padrões mínimos de igualdade social, condição

indispensável para o restabelecimento e reintegração de um sentido de identidade coletiva e do

tecido social, para implementação do regime democrático.

Com efeito, persiste-se na modernidade arcaica. A concentração de renda, a produção

voltada exclusivamente para a exportação condenaram as classes menos favorecidas a um estado

de miserabilidade econômico-financeira.

Buarque, citado por Streck (1999, p. 458), ao tratar da questão, faz a seguinte ponderação:
8

Com uma indústria que só dispõe de mercado se a renda for concentrada para viabilizar a

demanda; uma agricultura eficiente, mas voltada para a exportação, em um país onde 380

mil crianças morrem de fome a cada ano; megalópoles que são incapazes de oferecer os

serviços para os quais elas deveriam existir; estrutura de transporte urbano nos moldes

dos países ricos, mas que condena, por falta de dinheiro, milhões de pessoas a

caminharem, como andarilhos medievais, os quilômetros entre suas pobres casas e o

trabalho; e obriga os que têm acesso à modernidade ao desperdício de tempo em

engarrafamentos que seriam desnecessários em um sistema de transporte eficiente.

Enfim, a modernização é vista independentemente do bem-estar coletivo. Obtém-se

imenso poder econômico, mas ele não consegue resolver os problemas da qualidade de

vida. Constroem-se estruturas sociais que, ao se fazerem modernas, mantêm todas as

características do que há de mais injusto e estúpido.

Adorno e Cardia (1999, pp. 75-76), investigando a questão, levantam a hipótese de que:

(...) as violações dos direitos humanos são um dos elementos básicos que minam a

construção de uma cidadania universal e que questionam a credibilidade das instituições

básicas para a democracia, sobretudo as encarregadas de velar pela aplicação das leis e

pela pacificação da sociedade.

Sob esse prisma, a cidadania restrita seria parte constitutiva de uma cultura marcada pela

não-institucionalização dos conflitos sociais e, conseqüentemente, do estado democrático de

direito, e de uma sistemática pela normalização da violência, traços que singularizam as relações

hierárquicas e as estruturas de poder vigentes na sociedade brasileira contemporânea.

Para Saul (1999, pp. 120-121), esses efeitos políticos têm fundamentos na economia

informal, composta por segmentos sancionados socialmente e por segmentos subterrâneos ou

clandestinos, na qual se pode arrolar o crime organizado como parte importante desse processo de

reestruturação da economia e de desencadeamento da violência. Nesse fundamento reitera-se:


9

(...) a existência de uma relação estreita entre miséria e violência, uma vez que a extensão

da pobreza e miséria é resultante de um processo de modernização que combina altos

índices econômicos com elevados índices de marginalização de indivíduos da atividade

produtiva organizada, resultando na precarização do emprego como elemento de

reorganização econômica, com a conseqüente institucionalização da violência.

A crise econômica no momento de transição democrática restringiu a capacidade do

Estado de expandir a economia levando à decadência as ideologias de mobilidade social

implementadas no período anterior. Por outro, o Estado não tem capacidade de desenvolver uma

infra-estrutura que atenda a demanda crescente e cada vez mais fragmentada, e muito menos de

inserir os setores excluídos no mercado de trabalho.

A desindustrialização do mundo capitalista somada às políticas de ajustamento estrutural

acabou por aumentar os bolsões da miséria, da segregação e exclusão social. A sistematização

tecnológica e organizacional implementada no mundo do trabalho estabeleceu novos conceitos

de empregabilidade e um novo perfil de trabalhador, exigências que impõem aos trabalhadores

uma série de restrições à inserção no mercado de trabalho. Como conseqüência, aumentou o

índice de desemprego e a marginalização, sobretudo dos trabalhadores periféricos, que, uma vez

excluídos do mercado de trabalho legitimado, são incluídos no mercado de trabalho por vias

ilegítimas: o mercado de drogas. Como acentua Zaluar (1990, pp. 54-67) : “a saída criminosa é a

entrada possível para a sociedade de consumo já instalada no país”.

Cardia (1999), ao avaliar a violência, entende tratar-se de um fenômeno com múltiplas

causas, que não se explicaria apenas a partir de variáveis estruturais, como a pobreza, o

desemprego, carências em vários níveis, narcotráfico, mas a partir de um conjunto de valores e de

normas socialmente compartilhados que justifiquem a adoção de comportamentos violentos. Em

sua pesquisa, constata que a exposição direta ou indireta à violência não tem gerado uma cultura

de violência, mas que existe uma combinação de atitudes, valores e comportamentos que
10

radica a violência. Os eventos violentos têm diferentes motivações, significados e resultados,

dependendo do contexto nos quais ocorrem. O crescimento da violência não se deve a um tipo

específico de cultura ou subcultura da violência, tampouco que essa cultura ou subcultura seja

uma das conseqüências desse crescimento.

Necessário, portanto, conceber a violência sob uma perspectiva não linear, vendo-a sob o

ângulo daquilo que Da Matta (1982, pp. 15-16) chamou de categoria social. A violência tem uma

universalidade e uma abrangência que não admite a pesquisa de suas origens e causas:

É um fenômeno associado a outros, formando constelações específicas no sistema

social... Há uma necessidade epistemológica de relacionar e esse relacionamento conduz

ao exame das ligações entre, por exemplo, o crime e a norma, desvio e regra, conflito e

solidariedade, ordem e desordem, violência e ação social regular... Ordem e desordem,

crime e castigo, violência e concórdia, não são mais etapas relacionadas exclusivamente a

formas de propriedade, a leis do mercado ou forma de governo, mas soa também modos

pelos quais tudo isso se revela de modo concreto aos nossos olhos.

Não basta falar do mundo social em termos apenas das necessidades funcionais; será

preciso examinar a sociedade a partir dos seus valores, ideologias e configurações institucionais,

atendidas as suas especificidades e singularidades em cada sistema.

Como pontua Ianni (1999), a história do mundo moderno e contemporâneo é a história de

um vasto e intricando processo de transculturação que caminha de par em par com a

ocidentalização, a orientalização, a africanização e a indigenização. Um processo sempre

permeado de identidades e alteridades, tanto quanto de diversidades e desigualdades, que

compreende o contato e o intercâmbio, a tensão e a luta, a acomodação e mutilação, a reiteração e

a transfiguração. Um horizonte que se abre para muitas releituras e fabulações.


11

1.1. Significados da Violência

O termo violência sistematicamente analisado apresenta uma diversidade de acepções,

um paradoxo, se considerada a sua etimologia. Conceituar violência implica, portanto,

considerar tanto a polissemia do termo quanto a sua subjetividade no tempo e no espaço, segundo

normas e valores de cada sociedade.

Segundo Michaud (1999, p. 4), o termo violência vem do latim violentia, que significa,

caráter violento ou feroz, força. “O verbo violare significa tratar com violência, profanar,

transgredir, com uma insistência na infração e no ultraje”, observando que esses termos remetem

a vis, que significa a força em ação, o recurso de um corpo para exercer sua força, portanto a

potência, o valor, a força vital”.

Assim, a noção de violência compreende a idéia de força como potência natural, vital,

cujo exercício de um indivíduo ou grupo contra outro indivíduo ou grupo (ou também contra si

mesmo), visando a ferir, destruir e eliminar faz o caráter violento. A vis por si mesma é virtude e,

somente é violência, quando transgride ou perturba a ordem (Michaud, 1999).

Na concepção de Petrelli (2003), a violência é

(...) uma ação contrária à ordem natural. É violência tudo que se opõe à Natureza, às suas

leis, aos seus processos, às suas configurações sistêmicas, macro e micros sistêmicos, aos

grandes e pequenos Habitats, que amparam e desvelam a vida. É violência tudo que

intenciona destruir a vida na sua riquíssima e útil diversidade, diretamente ou

indiretamente, a curto e a longo prazo. Mas, transgredir leis injustas, contrárias a

consciência ética, ou simplesmente destituídas de significados não é expressão de

violência é 'coragem de ser'. Desobedecer à tirania é virtude, é estratégia de resistência aos

'sistemas de invasão' da liberdade de 'sujeitos pensante e operante'.


12

E, neste sentido, afirma Sitterlin citado por Marin (2001, p. 64):

(...) a violência é, assim, de natureza interior e exterior, ela é brutal e refinada, ela é

natural, injusta e justa... Daí, o paradoxo: de um lado, a noção convida à reflexão; de

outro, ela leva à confusão. De fato, sua riqueza incita a pensar que ela está em todos os

lugares com o risco de não encontrá-la em nenhum lugar, e de confundir o essencial (o

holocausto racionalmente planejado) e o secundário (a artimanha mediática), ver o

metafórico (a violência de uma tempestade). A confusão é veiculada pela linguagem

cotidiana e mantida pela mídia, que a difunde, garantindo a vontade de sua audiência.

É violência o conjunto de intervenções que se manifesta nas relações de poder, na defesa

de interesses, no processo de dominação e apropriação, resultando danos de distinta natureza.

Entretanto, o dano somente pode ser tomado como violação em função de normas definidas,

variáveis historicamente e culturalmente. Existem fatos considerados violentos e outros

apreendidos de forma legítima por cada sociedade. Assim como existe diversidade de normas

regulamentadoras das sociedades, também existe diversidade de violência, que se manifesta nas

relações sociais, intersubjetivas e institucionais.

A violência não se manifesta isoladamente; por trás de cada ato violento existe, sempre

uma rede de outras violências, que não raras vezes são de origem familiar, social ou institucional.

Introjetada no tecido social, em maior ou menor grau, é reproduzida pelos agressores e, inclusive,

pelas próprias vítimas da violência.

No bojo de fenômenos ligados à violência, como os crimes praticados com extrema

violência, os extermínios, as guerras, as catástrofes, as epidemias, o desemprego crônico, a fome,

os extremismos políticos está a crise política, social, econômica, cultural e ética que atravessa a

sociedade contemporânea e que coloca sob suspeita as virtudes dos processos de modernização

social e universalização dos direitos humanos fundamentais. Daí a impossibilidade do consenso e

perpetuação dos conflitos.


13

Conforme explicita Menninger (1970, p. 19),

Por mais que tentemos, é difícil conceber o universo em termos de concórdia; pelo

contrário, nós nos defrontamos em todo lugar com as evidências de conflito. Amor e ódio,

produção e consumo, criação e destruição - a constante guerra de tendências opostas

parece ser o coração dinâmico do mundo. O homem percorre a agitada gama de sua vida

através dos riscos de doença e acidente, de feras e bactérias, do poder maligno das forças

da natureza e das mãos vingativas de seus semelhantes. Contra essas inumeráveis forças

de destruição, a longa e fina linha de defesa proporcionada pela inteligência científica luta

incessantemente no esforço de impedir a destruição da humanidade.

Complementa Minninger, que, ao olhar mais de perto a vida de indivíduos e

comunidades, perplexos, poder-se-iam ver contendas, ódios e lutas, inútil desperdício e

mesquinha destrutividade da vida. Instinto de vida e de morte (Freud). “Criar e destruir, construir

e despedaçar, esses são o anabolismo e catabolismo da personalidade” (Freud, citado por

Minninger, pp. 20-21). O homem, conforme afirma Fromm (1987), além de destruir o seu

semelhante, destrói-se a si mesmo, completando o ciclo da crueldade.

Mas, além da crueldade, a violência pode ser pensada na vertente de agressividade, que é

um significado bastante admitido e elaborado pela psicanálise, sob o prisma da subjetividade.

Lacan, Winnicott, entre outros, trabalham bastante essa noção.

Segundo Lacan (1998, pp. 105-112), a agressividade se manifesta numa experiência que

é subjetiva por sua própria constituição. A “agressividade é a tendência correlata de um modo de

identificação que nós chamamos narcísica e que determina a estrutura formal do Eu do homem e o

registro de entidades características do seu mundo”

Já, consoante Melanie Klein citado por Winnicott (1999), a agressão é inata e coexistente

com o amor. Para a autora, é a elaboração do impulso destrutivo no mundo interior da criança
14

que se converte, finalmente, no desejo de reparar, de construir, de assumir a responsabilidade.

Winnicott (1999), por sua vez, define a agressão como uma reação à frustração, como

fonte de energia vital do indivíduo. Na sua versão, a agressividade, no começo da vida, é

equiparada ao movimento corporal e ao estabelecimento do que é e do que não é o eu. Dá ênfase

ao brincar e ao uso de símbolos como forma de conter a destrutividade interna. Constatou que

uma característica da criança anti-social é o fato de não haver na sua personalidade nenhuma área

para brincar: este é substituído pela atuação. Segundo o autor, a privação ou perda no momento do

desenvolvimento da capacidade de envolvimento pode trazer conseqüências devastadoras para a

criança, que podem levá-la a um comportamento anti-social, curável somente com o passar do

tempo.

Já para Laplanche e Pontalis (1988), a agressividade não se resume apenas em ação

motora violenta e destruidora. Em todo comportamento, seja ele negativo, positivo, simbólico ou

efetivamente concretizado, a agressão pode se fazer presente.

A agressividade é uma forma de proteção necessária contra o ataque violento e, também,

base de realização intelectual e da consecução de independência (Storr, 1970).

A agressão nem sempre objetiva a destruição, a transgressão de normas, mas pode denotar

um processo de construção, de confronto e resistência a uma moral estreita e conformista, que

revela no homem a sua capacidade de resistir, sobreviver e experienciar a sua existência.

Nesse sentido, posiciona com propriedade Gibbon citado por Storr (1970):

(...) as manifestações mais deploráveis de agressão partilham de raízes idênticas com as

partes valiosas e essenciais do esforço humano; sem a parte agressiva e ativa da sua

natureza, o homem seria muito menos capaz de dirigir o curso da sua vida ou de

influenciar o mundo que o cerca. O homem jamais poderia ter atingido sua atual

dominância, nem mesmo sobrevivido como espécie, a menos que possuísse um grande
15

dote de agressividade. (pp. 11-12).

A agressão como faculdade vital essencial é tão inerente à existência humana como os

órgãos que a constituem. É inata ao homem, mas não é sua condição exclusiva. O que é exclusivo

do ser humano, à vista da sua racionalidade, é a violência, não a agressão, que é própria,

biologicamente, de todo ser vivente. Assim, toda violência é agressão, mas nem toda agressão é

violência. Isso impõe uma distinção rigorosa entre ambas. A agressão é impulso natural do

homem, como ser vivo. A violência é calculada, programada, consciente, voluntariosa,

objetivamente cruel. Traduz um ato humano; é o desdobramento de uma tomada de consciência

seguida de um ato livre.

Trata-se, portanto, de uma concepção de longo alcance, abrangente. Conforme afirma

Pereira (1975, p. 29), “o conceito de violência ganha significado realmente apenas à luz do

humano”.

Por isso, não é viável pensá-la como fenômeno singular. Não existe violência, existem,

sim, violências, cujas raízes e significações são múltiplas, e cuja identificação é complexa. A

violência não pode ser sistematicamente identificada pelos condicionantes sociais e territoriais,

que explicariam sua existência. Associá-la a espaços específicos de maior incidência, à pobreza,

desigualdade, marginalidade, segregação espacial, etc. pode levar a desvendar apenas uma parte,

importante, mas insuficiente, da explicação do fenômeno.

Focalizando o caráter múltiplo do fenômeno violência, haveria ainda que se considerar as

formas ou sentidos que a violência assume em seu processo de concretização. Sob este

enfoque, poder-se-ia falar da violência como forma de dominação, da violência como

forma de sobrevivência, da violência como forma de afirmação desta mesma ordem

institucional-legal, da violência como forma de manifestação de não-cidadania, da

violência como forma de insegurança, do medo, etc. (Porto, 1995, p. 268).

O fenômeno violência há que ser contemplado na diversidade de suas dimensões, chave


16

para a compreensão de seus significados.

1.2. Matrizes da Violência

Quando se aborda o fenômeno violência, especificamente a agressividade humana, em

sua dimensão de crueldade e destrutividade, uma das questões mais freqüentemente colocadas é

a das suas razões ou causas, sendo comum a utilização de várias categorias explicativas.

Enfatizam-se, por exemplo, a teoria instintivista, que explica a agressão humana a partir da

origem animal do homem (Darwin, 1859; McDougall, 1932; Freud, 1933; Lorenz, 1966;

Tinbergen 1965, citados por Fromm, 1987); as abordagens biológicas, teorias assentadas nos

fatores genéticos, bioquímicos, neurológicos e psicofisiológicos, tais como a teoria lombrosiana ,

que interpreta o homem destrutivo como um tipo atávico, isto é, um indivíduo no qual haveria

uma regressão ao Homem primitivo ou mesmo a formas pré-humanas (Lombroso, 2001); as

teorias psicodinâmicas que tentam explicar a agressão humana como reação a frustrações, abuso

e falta de amor na infância; o behaviorismo (Watson, 1914; Skinner, 1971, citados por Fromm,

1987), que sustenta que a agressão é um comportamento aprendido. O homem é condicionado

pelo reforço a se comportar de um certo modo. Com efeito, a questão é bastante complexa, e

implica estudar o fenômeno, de modo a dar conta dos fatores que determinam a sua manifestação

no ser humano. Tenta-se seguidamente demonstrar a necessidade de incluir os fundamentos

filogenéticos, axiológicos e sociais no diagnóstico da agressividade humana.

A evolução da violência e da destrutividade na espécie humana tem contribuído para

formulações quanto à natureza do homem que habita a era globalizada: homo sapiens ou homo

demens?

Sabe-se que o homem foi a primeira espécie da história natural a ter alcançado a

capacidade de se erradicar, mas, nesse processo, vem destruindo toda a vida no planeta, de modo

que não se pode prever o êxito final da humanidade.


17

No decorrer da história do homem, a quantidade e o grau de crueldade e de destrutividade,

manifestados nas mais diferentes localidades do mundo, tem colocado em risco a evolução da

espécie no planeta.

Essa tendência tem proliferado de forma não-mitigada neste século. Historicamente, mais

povos foram mortos nos últimos cem anos do que existiram desde o alvorecer da humanidade até

o último século. Milhões de homens e mulheres são mortos em todo o mundo pelas mais

diferentes razões ou causas: guerras religiosas e étnicas, guerras entre gangues, narcotráfico,

rebeliões em presídios, chacinas, assaltos, estupros, seqüestros, assassinatos e homicídios por

motivos torpes ou banais. Basta uma alteração do ânimo natural do homem, uma adição de

componentes químicos no organismo (drogas, álcool), um estado psicótico, para que

comportamentos anti-sociais se aflorem e o instinto de morte (thánatos) se manifeste,

subjugando a inteligência e a racionalidade humana. O homo ferox subjuga o homo sapiens, numa

ferocidade sem limites, retomando seu estado primitivo.

Eis que se estabelece uma enorme contradição: jamais a humanidade experienciou um

progresso científico e tecnológico como no último século e meados deste: rompemos o código do

DNA, iniciamos experiências de clonagem e de engenharia genética, de exploração de todos os

planetas do sistema solar, descobrimos a energia atômica, tivemos um crescimento exponencial

da indústria, do comércio e dos meios de comunicação. Nunca o sistema jurídico foi tão

amparado por leis. Mas, em geral, estes conhecimentos estão sendo usados a serviço de emoções

e impulsos primitivos.

Um número considerável de recursos financeiros tem sido gasto com aparatos bélicos e

outros arsenais para destruição da vida e hegemonia entre os povos. Apesar da proteção jurídica, a

resolução de conflitos tem escapado ao Estado, voltando-se para o âmbito privado. Os cidadãos

estão armados, proliferam políticas e seguranças particulares, enfim, o comportamento humano

deixa de obedecer a uma série de valores e normas ditadas pelos padrões sociais e culturais para
18

exercitar a “Justiça” com as próprias mãos.

A sede insaciável de poder tem levado a humanidade à autodestruição, seja por motivos

ideológicos, raciais, religiosos ou econômicos.

Decorre, por conseguinte, que o homo não pode ser tomado na sua acepção sapiens

apenas. O homo é também ferox. Aplicando o poder de sua inteligência, com requinte de

crueldade destrói e elimina a vida humana. Como bem pondera Petrelli (2003), é primitivo

porque

(...) projeta nos outros a sua própria imagem e não colhe a si mesmo nos outros; vê e trata o

outro como um rival, que deve ser expulso, agredido, morto, sacrificado; ... é primitivo o

homo sapiens engravatado que mora nos tantos World Trade Centers, e nos corredores dos

palácios, donos das leis, das armas, do ouro, das alquimias e das letras que usa destes

poderes para julgar, condenar, torturar, espoliar, confundir, excluir, eliminar.

De fato, nenhum outro animal se apresenta caracteristicamente demens. Os extremos de

comportamento “ferox”, anômico, estão confinados ao homem, não existindo paralelo na

natureza. Nenhum outro animal tem prazer positivo no exercício da crueldade contra outro da sua

espécie. Nos demais animais, a agressão visa basicamente à preservação ao invés da destruição.

Fromm (1987), examinando a questão, adota a tese de que no ser humano coabitam duas

espécies distintas de agressão: uma agressão defensiva, biologicamente adaptativa, que

compartilha com todos os animais e, embora não seja inata, coloca-se a serviço de seus interesses

vitais e da espécie; e uma agressão “maligna”, isto é, a crueldade e a destrutividade, que o difere

de todos os demais animais, porque especificamente humana. No homem, as impulsões orgânicas

(instintos) - respostas às suas necessidades fisiológicas - são substituídas pelo caráter, no qual se

encontram arraigadas as paixões humanas (amor, ternura, ódio, destruição, sadismo,

masoquismo, poder) - respostas às suas necessidades existenciais - especificamente humanas,

que se diferem conforme as paixões que o dominem e as condições sociais que o circundam.
19

Em todos os demais animais, como explica Fromm (1987), a agressividade é

biologicamente adaptativa, de preservação da vida. O homem, embora filogeneticamente

programado para a defesa de seus interesses vitais, apresenta um potencial agressivo mais intenso

do que os demais animais. O homem pode ser levado pelos seus impulsos a matar, a torturar, sem

qualquer razão ou objetivo e a sentir um prazer intenso em proceder dessa forma. Fenômeno que

somente se explica nas condições específicas da existência humana. Sistematiza Fromm (1987,

p. 295): a agressividade destrutiva e cruel.

(...) é especificamente humana e não originada de um instinto animal. Não serve à

sobrevivência fisiológica do homem, não obstante seja parte importante de seu

funcionamento mental... A destrutividade é uma das soluções possíveis às necessidades

psíquicas que se encontram enraizadas na existência do homem resultando da interação

de várias condições sociais com as necessidades existenciais do homem.

Segundo Durkheim (1996), as necessidades humanas não são estabelecidas

biologicamente como nos outros animais, tem seus fundamentos em regras sociais, que definem

para cada homem o critério de legitimidade de seus direitos. Essas regras incorporadas à sua

consciência estabelecem e disciplinam o seu comportamento, possibilitando satisfação e

realização. Não existe um limite natural aos desejos do homem, portanto, ultrapassa sempre e

infinitamente os meios de que dispõe. Essa insaciabilidade associada às exigências e expectativas

de qualidade de vida, frustradas pelas situações reais e concretas que inviabilizam a realização e

satisfação, gera no ser humano um estado de morbidez. A necessidade de poder perverte a sua

consciência, e, por conseqüência, suas definições habituais do critério de justa distribuição, de

obrigação moral da obediência civil, gerando uma ausência de normas e desregulamento,

situação que denominou de “anomia”.

Assim, acrescenta Durkheim (1996, p. 245), “o que caracteriza o homem é que o

obstáculo que se lhe depara não é físico, mas moral, isto é, social”. Portanto, é preciso educá-lo a
20

partir da sua moralidade. Somente a consciência do homem regulada pela sociedade poderá

encontrar os meios de o restabelecer, de fixar o limite para além do qual suas paixões não devem

se manifestar.

Para Merton (1970, pp. 236-237), a situação anômica não se limita nas características do

indivíduo, mas nas posições que ocupa no sistema social, e situa as fontes de tensão na estrutura

cultural e social, estabelecendo tipologias sociais em reação à anomia. A primeira delas é o

conformismo - situação de adaptação, de consentimento com os objetivos culturais e os meios

institucionalizados. A segunda, a inovação, aceita os objetivos culturais, mas rejeita os meios

determinados normativamente. Essa tipologia é comumente encontrada nos ladrões

profissionais, nos criminosos comuns. O terceiro tipo é o ritualista, próprio dos burocratas,

bêbados contumazes, viciados em drogas que reduzem ou abandonam os objetivos culturais,

obedecendo servilmente às normas sem levar em consideração as suas finalidades. A quarta

tipologia é a rebeldia, na qual se nega lealdade a um sistema cultural e social julgado injusto, e se

procura reconstruir o sistema social a partir de novos objetivos e meios. “A anomia é, então,

concebida como uma ruptura na estrutura cultural, ocorrendo, particularmente, quando há uma

disjunção aguda entre as normas e metas culturais e as capacidades socialmente estruturadas dos

membros do grupo em agir de acordo com as primeiras”.

Para Cohen (1968, p. 10), a natureza anômica do homem reside na obediência e

desobediência às leis. Para tanto, formula a concepção de “um processo de interação, dentro do

qual se desenvolvem a transgressão e o controle, e no qual um reage ao outro e ajuda a organizá-

lo”.

No entanto, qualquer que sejam as razões que aportam o caráter anômico do homem, o

controle da sua paixão para matar, destruir e eliminar a vida é medida imperativa.

Mas, como exercitar esse controle se domina em nossa cultura o homo demens? Se o homo

sapiens é pervertido pelo homo demens para destruição? Se o homo que se julga sapiens perdeu
21

a unicidade de toda a vida e da diversidade de suas manifestações, a percepção espiritual do

universo, face ao mistério da vida e do universo?

Boff (1998, p. 32), ao cuidar da questão, acena com rápida consideração de que:

(...) o ser humano, na sua aventura evolucionária, foi se afastando lentamente de sua casa

comum, a Terra. Foi quebrando os laços de coexistência com os demais seres, seus

companheiros na eco-evolução. Perdeu a memória sagrada da unicidade da vida nas suas

incontáveis manifestações. Esqueceu a teia de interdependências de todos os seres, de sua

comunhão com os vivos e da solidariedade entre todos. Colocou-se num pedestal.

Pretendeu, a partir de uma posição de poder, submeter todas as espécies e todos os

elementos da natureza. Tal atitude introduziu a quebra da re-ligação de todos com todos.

Eis o pecado de origem de nossa crise civilizacional que está chegando nos dias de hoje ao

seu paroxismo.

Decorre, portanto, uma necessidade de se experenciar o modus essendi do homem, de se

compreender o que significa ser homem.

Acentua Storr (1970, p. 143):

Como espécie, estamos ameaçados pela nossa própria destrutividade e jamais

aprenderemos a controlá-la a menos que nos compreendamos melhor. No decorrer de

toda a história, o homem tem sido atormentado pela ignorância sobre sua própria natureza

e tem preenchido a lacuna com fantasias utópicas sobre o que ele quer ser, em vez de

enfrentar a realidade do que ele é... Existe tanta coisa que não sabemos, tanta coisa que

poderíamos descobrir. Para que o homem sobreviva, precisamos saber o máximo possível

sobre nós mesmos, nosso desenvolvimento, nossas necessidades, nossas instituições e

nossas vantagens e deficiências. O homem, embora biologicamente bem sucedido, é, de

muitas maneiras, uma espécie insatisfatória, mas, seja o que for, temos de conviver com

ele.
22

O homem é um ser inteligente, dotado de uma consciência intencional, livre para opções e

decisões. Não é cruel e destrutivo por instinto, mas por intencionalidade. É preciso entendê-lo,

então, a partir de um significado existencial das suas necessidades básicas, resultantes da

singularidade e contradições da situação humana.


CAPÍTULO II - A TUTELA JURÍDICO-PENAL DA VIDA HUMANA
23

A TUTELA JURÍDICO-PENAL DA VIDA HUMANA

A Constituição Federal Brasileira (Brasil, 1988), ao definir o perfil político-

constitucional do Brasil (art. 1º), instituiu o Estado Democrático de Direito, de onde emanam os

direitos e garantias humanos fundamentais, erigindo a vida, a segurança, a liberdade e a justiça à

categoria de bens juridicamente protegidos e fundamentadores do princípio da dignidade

humana.

A proteção à vida humana vincula-se destarte diretamente ao princípio fundamental da

dignidade humana. Há, portanto, um liame direto entre Estado-indivíduo, sob a égide da

segurança jurídica, que reclama a organização do Estado pelas vias do direito, sob a garantia

constitucional.

Dentro desses contornos, ao Direito Penal, elevado à categoria de princípio básico da

República Federativa do Brasil, constituído em Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º, III),

compete tutelar a vida humana, a partir da institucionalização de normas jurídico-penais de

controle social.

Em proteção à vida humana, a norma penal submete a todos ao império da lei, impondo

uma necessidade de definição legal da conduta delitiva e prévia cominação legal da pena (Código

Penal, art. 1º).

Desse modo, para que o fato seja considerado crime, necessita de uma subsunção formal.

Cabe à norma penal descrever os tipos penais incriminadores das condutas delitivas. Somente

pelos fatos definidos como delituosos, e naquelas penas previamente fixadas, pode alguém ser

processado e condenado.

O sistema penal subsume o delito, a imposição e a execução da pena, pressupondo uma

atividade normativa que cria a lei que institucionaliza o procedimento, define o tipo penal e o

executa.
24

2.1. Teoria do Crime

2.1.1. Conceito criminológico e jurídico de crime

Na definição legal, crime é a infração a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção,

quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa (Lei de Introdução

ao Código Penal - Dec. Lei n. 3.914/41, art. 1º). E lei são normas transmitidas de geração a

geração, que penalizam o infrator pela prática de ato criminoso com multa, prisão, reclusão ou

com a figura de pecado, objetivando manter a ordem e o tecido social dentro de padrões

predeterminados (Segre, 1996).

A lei penal delimita a conduta lesiva ao bem jurídico e prescreve a conseqüência para o

seu agente.

Caracteriza-se o ato criminoso como antijurídico, atípico e culpável. Assim, no ato

criminoso compreende tanto elementos objetivos quanto subjetivos. Os primeiros dizem respeito

à antijuridicidade e à tipicidade do ato; e os elementos subjetivos dizem respeito à culpa

(Maranhão, 1995).

Antes, porém, de examinar o conceito jurídico de crime, é importante analisá-lo à luz da

criminologia, uma vez que a concepção criminológica antecede a concepção jurídica.

Embora sem uma sistematização científica, desde a Antiguidade se estudam aspectos

relacionados à criminologia, abrangendo a criminalidade e suas causas endógenas, exógenas ou

sociológicas.

Lombroso (2001), criador da teoria do atavismo, desenvolveu estudos sobre os

criminosos, afirmando, em sua teoria, que o verdadeiro delinqüente é nato, nasce semelhante ao

louco moral, que tem uma base epilética, com taras degenerativas, designando-o como um genus

homo delinquens. Lombroso teve o mérito de ensejar a sistematização científica da Antropologia

Criminal. Sua teoria centrou-se em determinados caracteres morfológicos apresentados pelo

criminoso; não se preocupou com o crime em si. A tarefa de estudar o crime à luz da
25

criminologia foi empreendida por Garofalo (1997), que elaborou a concepção do delito natural,

definindo-o como ofensa aos sentimentos altruístas fundamentais de piedade e probidade.

Defende a teoria, segundo a qual, os criminosos são portadores de uma anomalia moral e

psíquica.

Ferri (1996), o sistematizador da Sociologia Criminal, define o crime como uma ação

movida por motivos egoístas e anti-sociais. Em sua classificação, distingue os criminosos em

natos, incorrigíveis, habituais; além destes, acrescenta os criminosos de ocasião e os alienados.

Os criminosos natos se distinguem pela falta congênita do senso moral e pela imprevidência das

conseqüências de suas ações. De acordo com o autor, o criminoso nato manifesta insensibilidade

perante o sofrimento e os danos causados à vítima, nenhuma repugnância ou remorso pelo delito

praticado e total indiferença às penas cominadas na lei. Os criminosos de ocasião são

caracterizados pela debilidade do senso moral, portanto, podem converter-se em criminosos

habituais e alienados, que fazem do crime a sua indústria, em conseqüência da supressão

progressiva do senso moral e das circunstâncias menos favoráveis à sua existência. Todos os

criminosos apresentam uma normal força impulsiva para a prática de atos criminosos,

provenientes de degeneração hereditária, de condição psicopatológica sucessiva, ou de

perturbação física transitória mais ou menos violenta, que pode desencadear tipos intermediários

de criminosos.

Mas, como pondera Brandão (2003), a investigação do crime perpetrada por Garofalo e

Ferri, parte de uma realidade fenomênica, divergente do conceito jurídico. Muitos crimes

normatizados pela legislação penal não atentam ao sentimento de piedade e de probidade

definidos por Garofalo ou são movidos por motivos egoístas ou anti-sociais como quer Ferri. O

crime incurso no art. 242 do Código Penal, por exemplo, incrimina a conduta de registro de filho

alheio como próprio, mas que praticado por motivo de reconhecida nobreza, ensejaria a mudança

da pena de reclusão para detenção com diminuição ou supressão da pena. O homicídio motivado
26

por relevante valor social ou moral, como, por exemplo, a eutanásia, é um crime em que a pena

pode ser reduzida (Art. 121, parágrafo 1º do Código Penal).

Com efeito, embora a criminologia e o Direito Penal estudem a criminalidade, investigam

o crime sob prismas diferenciados. Enquanto a criminologia busca investigá-lo à luz do saber

empírico, o Direito Penal busca explicá-lo segundo o saber normativo (Brandão, 2003).

O conceito de crime à luz das normas jurídicas pressupõe ênfase ao preceito (conceito

formal) ou ao conteúdo (conceito material).

Materialmente, o crime é definido como violação ou exposição a perigo do bem jurídico.

E, bem jurídico, como valor objetivo que a norma penal visa a proteger. No conceito formal,

crime é toda ação típica, antijurídica e culpável.

2.1.2. Elementos Constitutivos do Crime

O primeiro elemento constitutivo do crime deriva do princípio da legalidade, quer dizer, a

conduta delitiva deve estar adequada ao tipo penal. Essa adequação é denominada tipicidade. A

tipicidade é, pois, definida como a adequação da ação humana ao modelo descrito na lei.

A tipicidade, como explica Brandão (2003), é a ratio cognoscendi, isto é, o ponto

eqüidistante entre a legalidade e a antijuridicidade. Desse modo, somente se pode imputar pena a

uma conduta se esta estiver tipificada na lei. Esse o princípio esculpido pela Constituição Federal

(Brasil, 1988), art. 5º, XXXIX e normatizado pelo do Código Penal Brasileiro, art. 1º, segundo o

qual, “não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”.

Desse modo, crime e pena só podem existir onde houver lei que obedeça, na sua formulação, aos

trâmites determinados pela Constituição e pela lei penal. É a denominada reserva absoluta da lei,

o que exclui a possibilidade de criação de tipos penais por outras fontes do Direito. Além disso, a

lei deve ser anterior quanto ao crime e prévia, no que diz respeito à cominação da pena, isto é,

antes que ela surja, não há fato que receba a qualificação delituosa, nem previsão punitiva
27

possível. É a consagração do princípio da irretroatividade da lei penal. É necessário também que a

lei defina o crime e a pena. A lei penal delimita a conduta lesiva ao bem jurídico e prescreve a

conseqüência para o seu agente. Ao fazê-lo, circunscreve a ilicitude penal ao comportamento

descrito, explicitando, com marcos precisos, a conduta criminosa que não pode servir de

parâmetro para situações fáticas próximas ou assemelhadas. Por meio de tipos penais, descreve

as condutas elevadas à categoria de ilícitos penais.

O crime na sua tipificação legal pode ser culposo ou doloso. O crime culposo é aquele em

que o agente não age com vontade expressa, sendo o crime resultado de negligência, imprudência

ou imperícia. O crime é doloso quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo.

O segundo elemento constitutivo do crime é a antijuridicidade. A antijuridicidade pode

ser definida como uma contradição da conduta humana com a norma penal. Enquanto elemento

do crime, a antijuridicidade encerra um juízo de valor, que atribui à ação humana a qualidade de

ser contrária ao ordenamento jurídico, constituindo-se em um pressuposto geral da

imputabilidade penal.

A antijuridicidade, para Bettiol (2000), consiste num juízo de valoração do fato

relativamente às exigências de tutela da norma penal e aos valores. São os valores que definem o

fato como crime, permitindo estabelecer a sua conformidade com o Direito.

Destarte, não é suficiente que o sujeito agente tenha, com consciência e vontade,

pretendido realizar o fato típico; é imprescindível a existência do objeto jurídico do crime, o

bem, o interesse tutelado pela norma. Todo crime é um fato típico e culpável voltado para um bem

jurídico tutelado pela norma. A antijuridicidade é, portanto, um elemento do crime que faz

convergir para si todas as demais categorias do delito. Sua inferência independe da valoração do

agente e da sua capacidade de direito.

Mas, a antijuridicidade não pode ser sustentada na sua concepção formal apenas. Nela
28

também se distingue um conceito material, que exprime a anti-socialidade da conduta humana. A

antijuridicidade é também a contradição do fato com o interesse tutelado pela norma jurídica. À

antijuridicidade material preexiste o Direito. Sem a sua formalização, não é possível infundir a

existência de delito (nullum crimen nulla poena sine lege).

Litz citado por Brandão (2003), assenta tese de que o direito visa à defesa dos bens

jurídicos mediante a coação imposta pela norma. A ordem jurídica mediante a força submete a

vontade individual à vontade coletiva. Essa coação é exercida pelo Estado por meio da força, pelo

restabelecimento do status quo ante e pela imposição da pena como castigo à desobediência. Essa

última forma consiste na missão do Direito Penal: defesa dos bens jurídicos por meio de ameaça e

execução da pena. O crime compreende, portanto, uma antijuridicidade formal e material. É

formalmente antijurídico porque transgride a ordem jurídica; é materialmente antijurídico

porque é uma conduta contrária aos interesses vitais da sociedade. Daí, asseverar Reale Júnior

(1974) a necessidade de normatização da antijuridicidade material para a objetivação do Direito.

Entretanto, para que o fato constitua crime não é suficiente que seja típico e antijurídico, é

necessário que esteja revestido de culpabilidade. Elemento de juízo do autor da ação. Como

explica Brandão (2003), existem condutas típicas e antijurídicas que nem sempre constituem

crime. Matar alguém é uma ação típica e antijurídica disposta no art. 121 do Código Penal

Brasileiro - CPB, porém se o fato é praticado por um menor de idade (CPB, art. 27), não se

constitui crime, por ausência do elemento culpabilidade. É a culpabilidade um elemento

definidor da imputabilidade penal. Mas acrescenta que, toda a base da culpabilidade apóia-se na

consciência da antijuridicidade. Para que o fato seja culpável é preciso que seu agente tenha

conhecimento da antijuridicidade material da sua ação, isto é, que sua conduta seja juridicamente

proibida.
29

2.1.3. Imputabilidade Penal

O termo imputar significa atribuir responsabilidade a alguém por alguma coisa.

Imputável é aquele sobre quem se pode atribuir culpabilidade, responsabilidade. Assim, a

imputabilidade é a capacidade de se realizar um ato com pleno discernimento da conduta.

A imputabilidade entendida como capacidade de culpabilidade “é a condição pessoal de

maturidade e sanidade mental que confere ao agente a capacidade de entender o caráter ilícito do

fato ou de determinar-se segundo esse entendimento” (Fragoso, 1987, p. 203).

Ponte (2001, p. 26) esclarece que a imputabilidade pode ser definida como a capacidade

de entender e querer o ato delituoso; para ser imputável o agente precisa compreender as

conotações antijurídicas de seu comportamento e determinar-se conforme esse entendimento.

“Essa capacidade supõe a existência de conceitos biológicos (maioridade penal, possibilidade de

ouvir e falar), psiquiátricos (sanidade mental), psicológicos (maturidade psíquica e

voluntariedade) e antropológicos (entendimento dos padrões socioculturais que imperam em um

meio estranho)”. Adverte, entretanto, que a imputabilidade não pode ser entendida em si mesma

no processo de responsabilização do criminoso, senão adaptada à sua própria história de vida, que

se forma e se desenvolve por meio da assimilação de exigências normativas, sociais e jurídicas.

O legislador penal, por sua vez, não definiu o que é a imputabilidade. Decidiu-se por

definir as condições nas quais é impossível o seu reconhecimento: “é isento de pena o agente que,

por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação

ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de

acordo com esse entendimento” (Código Penal Brasileiro, art. 26).

Optou o ordenamento jurídico penal brasileiro pelo critério biopsíquico, que exige a

verificação, no agente, de determinados coeficientes mentais anormais, de que resulte para ele

falta de juízo da realidade e volição.


30

Na hipótese, estão abrangidas todas as enfermidades mentais que provoquem alterações

mórbidas à saúde mental, como, por exemplo, a esquizofrenia paranóide, a psicose maníaco-

depressiva, a epilepsia, a demência senil, a embriaguez patológica. Também são considerados

inimputáveis os menores de 18 (dezoito) anos (Código Penal Brasileiro, art. 27), os retardados

mentais.

O Direito ainda reduz a imputabilidade dos indivíduos fronteiriços ou semi-imputáveis.

Aqueles que, por força de perturbação de saúde mental ou desenvolvimento mental incompleto

ou retardado, têm capacidade reduzida para entender a ilicitude do fato ou de determinar-se

conforme esse entendimento (art. 26, parágrafo único).

A lei penal situa a perturbação mental em um patamar menos grave que a doença mental,

entendendo que, na primeira, a manifestação de insanidade coexiste com outras de simultânea

higidez. Em face dessa distinção, ao conferir inimputabilidade ao deficiente mental, parte do

entendimento de que as anomalias do psiquismo impossibilitam a compreensão da ilicitude do

fato ou da determinação conforme esse entendimento, não reconhecendo nos seus atos qualquer

responsabilidade penal.

Estabelece ainda a legislação penal os modificadores da punibilidade, isto é, situações

que agravam ou atenuam a culpa e a pena.

O art. 28 do Código Penal exclui a inimputabilidade penal aos crimes praticados por

emoção, paixão e embriaguez. Mas, atribui isenção ou atenuação da pena ao agente que, na

hipótese de embriaguez, não dispunha ao tempo da ação ou omissão de capacidade para entender

o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Reconhece a lei

penal que o agente sob estado de emoção e paixão dispõe de juízo de realidade e volição, sendo

imputável penalmente.

Em relação à embriaguez preordenada, o Código Penal acolhe a posição de que o agente

predispõe a si próprio como instrumento do seu projeto criminoso. Embriaga-se para cometer o
31

crime. A embriaguez voluntária e a culposa também não eliminam a capacidade de culpabilidade

pelo ilícito penal. Na embriaguez voluntária, a ingestão de bebida alcoólica visa à ebriez. Na

embriaguez culposa, embora o agente não pretenda embriagar-se, por imprudência, negligência

ou imperícia, atinge um estado previsível e evitável. Tem o agente, em ambas as circunstâncias,

capacidade para de entender o ato ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse

entendimento. A lei penal somente reconhece a inimputabilidade penal na hipótese de

embriaguez completa resultante de caso fortuito ou de força maior, por exclusão da capacidade de

culpabilidade.

Com efeito, se referindo a inimputabilidade à incapacidade de reconhecer normas e de

agir nessa conformidade, a imputabilidade implica em ter o agente consciência da criminalidade

de seu ato e de dirigir suas ações.


CAPÍTULO III O DELITO DE HOMICÍDIO
32

O DELITO DE HOMICÍDIO

Não somos nós mesmos,

Quando a natureza, oprimida, manda que o espírito

Sofra com o corpo. (Shakespeare, “King Lear”, Ato II, Cena IV).

3.1. O Homicídio através dos tempos - Um breve relato

A morte e a sua incriminação legal dominam o mundo desde os mais remotos tempos.

Mas, antes de questionar as origens do homicídio e a sua sistematização legal, gostaria de

começar por uma pequena observação, à margem do texto, argumentando que, para serem

compreendidos, os fatos contemporâneos precisam ser vistos senão com os olhares da

contemporaneidade. E, reporto-me aqui à forma como Foucault (1977, p. 32) aborda a história,

os fatos pretéritos e presentes, comentando a atualidade das revoltas nas prisões em todo o

mundo: “É desta prisão, com todos os investimentos políticos do corpo que ela reúne em sua

arquitetura fechada, que eu gostaria de fazer a história do passado nos termos do presente. Sim, se

entendermos com isso fazer a história do presente”. Nesse prisma, Foucault parece fazer menção

à forma anacrônica de nossos procedimentos usuais e habituais de reconstruir a história, nos quais

o passado é lido, reconstruído, perquirido, vasculhado com vistas a explicitar o presente e

iluminar os caminhos do próprio curso histórico, num eterno retorno às origens. Assim, não existe

lugar para a atualidade presente, o novo, o inesperado, o que muda e o que é mudado, mas uma

eterna repetição do mesmo e, por essa via, a explicação é uma espécie de profecia que se auto

realiza. Não existem fatos objetivos, porém construções históricas e culturais imersas em um

regime de verdade e de poder, que constroem nossa contemporaneidade. Desse modo, cumpre

questionar qual é, enfim, o regime de poder e de verdade subjacente e que sustenta


33

a atualidade das “demandas”, das contenções, das prevenções contemporâneas por ordem

social.

É nestes termos que se pretende trazer para o debate um fato contemporâneo: o crime de

homicídio e, em especial, uma de suas modalidades, qual seja o homicídio passional.

Seguramente, o homicídio não é um crime recente. Ao que sugerem os estudos históricos,

seus rudimentos podem ser buscados nos primórdios das mais antigas civilizações. Nos tempos

bíblicos, o homicídio era punido com a pena de morte. Está no Gênesis, cap. IV, v. 8, a morte de

Abel pelo seu irmão, Caim. Vigorava com toda plenitude, a lei de Talião: "oculum pro oculo,

dentem pro dente manum pro manu, pedem pro pede, adustionem pro adustione, vulnus pro

vulnere, livorem pro livore" (Êxodo, cap. XXI, 24, 25)

Nas antigas civilizações o homicídio era considerado a mais grave das infrações à ordem

geral, por ferir, ao mesmo tempo, o homem e Estado. Ao homem pela violenta destruição da vida

e ao Estado pelo atentado ao interesse público e à ordem social.

Em Atenas, a princípio, a punição pelo homicídio, não obedecia ao mesmo rigor oriental.

Era concedido facultativamente ao homicida exilar-se, ficando a aplicação da pena de morte para

quando retornasse do exílio. Buscava-se com a medida abrandar o sofrimento do homicida.

Posteriormente, sob o comando de Dracon, reproduziu-se à severidade da lei mosaica.

Os romanos, desde a mais remota época, puniam o homicídio com extremo suplício. A

partir da Lex Cornelia, a pena de homicídio passou a variar de acordo com as condições pessoais

do homicida. Assim, aplicava-se a deportatio e a confiscatio, para os altiores in honore aliquo

positi; a decapitatio, para os que secundum gradu sunt honestiore;s e a vivicrematio para os

humiliores. Para o homicídio praticado contra os servos não incidia a pena de morte, uma vez que

era considerado uma coisa e, portanto, não podia ser sujeito passivo do homicídio. Somente com

Justiniano, nos seus libri terribiles, foi restabelecida a indistinta aplicação da pena de morte aos

homicidas (Hungria, 1942).

No primitivo direito germânico, o homicídio não tinha caráter de crime público; assim,
34

era reparado pela vingança privada. Além disso, cumpria ao criminoso a prestação pecuniária,

que se transformou mais tarde em multa, cabendo parte dela ao Estado, como preço da paz, e a

outra parte, aos familiares da vítima, como forma de reparação da vida destruída. Distinguia-se

entre o homicídio com perfídia, clandestino e o homicídio simples, sob a forma de homicídio

temerário e homicídio provocado.

Com a revigoração do direito romano e sob a influência do direito canônico, o homicídio

perdeu o caráter de ofensa privada, exasperando-se a pena, que passou a ser, de regra, a de morte.

No direito brasileiro, as Ordenações Filipinas cominavam a pena de morte ao crime de

homicídio “Qualquer pessoa que matar outra ou mandar matar, morra por ela” (Liv. 5, tít. 35). O

Código do Império (Lei de 16 de dezembro de 1830) e o Código Penal da República (Dec. N. 847,

de 11 de novembro de 1890) incriminam o homicídio, cominando-lhe o do Império (art. 192) a

pena de morte, no grau máximo. Sendo o homicídio classificado por ambos os códigos, em

simples e qualificado, na forma que especifica, cominando pena carcerária, variável de seis a

trinta anos.

Nos tempos modernos, os códigos e legislações penais, em geral, continuam a distinguir o

homicídio em uma forma simples e uma forma agravada.

O Código Penal Brasileiro vigente (Dec. n. 2.848 de 7 de dezembro de 1940, alterado pela

Lei n. 7.209 de 11 de julho de 1984) segue idêntica orientação quanto à previsão do homicídio.

Considera homicídio “matar alguém” (art. 121), distinguindo-o em simples e qualificado, doloso

e culposo. Aplicando-se pena, quantitativamente mais severa ao homicídio qualificado do que ao

homicídio na forma simples.

3.2. O Homicídio no Sistema Jurídico Penal Brasileiro

O Código Penal Brasileiro, ao catalogar os tipos penais, define no Título I da Parte

Especial os crimes contra a pessoa em seis capítulos: I Dos crimes contra a vida; II Das
35

lesões corporais; III - Da periclitação da vida e da saúde; IV - Da rixa; V - Dos crimes contra a

honra; e VI - Dos crimes contra a liberdade individual.

No primeiro capítulo, referentes aos crimes contra a vida, são definidos os delitos de

homicídio; induzimento, instigação ou auxílio a suicídio; infanticídio; e aborto.

O homicídio se encontra tipificado no art. 121 do Código Penal, nos seguintes termos:

Homicídio simples

Art. 121. Matar alguém:

Pena reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos.

Caso de diminuição de pena

Parágrafo 1º. Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou

moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da

vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

Homicídio qualificado

Parágrafo 2º. Se o homicídio é cometido:

I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;

II - por motivo fútil;

III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou

cruel, ou de que possa resultar perigo comum;

IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou

torne impossível a defesa do ofendido;

V para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime:

Pena reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

Homicídio culposo

Parágrafo 3º. Se o homicídio é culposo:

Pena detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.


36

Aumento da pena

Parágrafo 4º. No homicídio culposo, a pena é aumentada de um terço, se o crime resulta de

inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar

imediato socorro à vítima, não procura diminuir as conseqüências do seu ato, ou foge para

evitar prisão em flagrante.

Parágrafo 5º. Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de

aplicar a pena, se as conseqüências da infração atingirem o próprio agente de forma tão

grave que a sanção penal se torne desnecessária.

Assim, conforme a tipificação penal, o homicídio é o crime de “matar alguém”.

Exprime no sentido penal a destruição da vida humana por outrem, por ação ou omissão, dolo ou

culpa, na forma simples ou qualificada.

O homicídio é, por excelência, o crime mais grave entre os crimes contra a pessoa,

por atentar contra a vida. Como dizia Impallomeni citado por Hungria (1942, p. 24):

(...) todos os direitos partem do direito de viver, pelo que, numa ordem lógica,

o primeiro dos bens é o bem da vida. O homicídio tem a primazia entre os crimes mais

graves, pois é o atentado contra a fonte mesma da ordem e segurança geral, sabendo-se

que todos os bens públicos e privados, todas as instituições se fundam sobre o respeito à

existência dos indivíduos que compõem o agregado social.

3.3. Conceito de Homicídio

O Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (1998, p. 904) conceitua o

homicídio, do latim homicidiu, como a morte de uma pessoa praticada por outrem; assassínio.

De Plácido e Silva (1991, p. 387), ao estabelecer a conceituação, diz que o termo

homicídio deriva:

(...) do latim homicidiu (morte violenta), é geralmente entendido como toda


37

ação que possa causar a morte de um homem. Assim, no sentido penal, homicídio exprime

a destruição da vida de um ente humano, provocada por ato voluntário (ação ou omissão)

de outro ser humano.

Carmignani, citado por Hungria (1942, p. 25), define o homicídio como a morte

violenta de um homem, injustamente praticada por outro homem.

Hungria (1942, p. 25) acoima de pleonástica essa definição, uma vez que o sujeito

ativo do crime é sempre o homem e todo crime tem por pressuposto a injustiça. Assim, propõe

uma outra antiga definição: “violenta eliminação da vida de um homem”. Entretanto, prefere a

fórmula de Carmignani, por entender que é a idéia exata do definido, pois tanto é eliminação ou

destruição da vida humana o crime de homicídio quanto a morte de um homem ocasionada por

um animal, ou praticada por alguém em legitima defesa (ato lícito) ou casualmente (fato

penalmente indiferente).

Na acepção de Damásio Evangelista de Jesus (1992, p. 15), “o homicídio é a

destruição da vida de um homem praticada por outro”. A injustiça e violência não integram o tipo

penal. A injustiça do comportamento é requisito inerente à antijuridicidade; a violência diz

respeito à culpabilidade. Ademais, o sujeito pode causar a morte da vítima sem emprego de

violência.

Em consonância, Capez (2003, p. 3) define o “homicídio como a morte de um homem

provocada por outro homem”. Essa conceituação tem o alcance exato do tipo penal descrito no

art. 121 do Código Penal: “matar alguém” e se apresenta suficiente para distinguir o homicídio

das demais figuras típicas de crimes contra a vida como o infanticídio, o aborto e o suicídio.

O homicídio tem por objeto jurídico a proteção da vida humana extra-uterina. A vida

intra-uterina é incriminada pelo aborto (art. 124 a 128). A deliberada destruição da própria vida é

incriminada pelo suicídio (art.122). A ocisão do neonato pela própria mãe sob estado puerperal é

incriminada pelo infanticídio (art. 123).

Considera-se homicídio “matar alguém”. Alguém é pessoa. Pessoa é o ser humano


38

nascido com vida. Logo, somente configura-se homicídio a morte da pessoa.

No ensinamento de Manzini, citado por Noronha (1990, p. 14), “no sentido do art.

121, vida é o estado em que se encontra um ser humano animado, normal ou anormais que sejam

suas condições físico-psíquicas. A noção de vida tira-se ex adverso daquele de morte”. O

homicídio protege a vida do homem, da pessoa humana nascida com vida.

3.4. Objetividade Jurídica do Homicídio

O Estado, em proteção aos “entes” pelos quais tem interesse, expressa uma norma

jurídica, punindo a sua violação com uma pena, o que faz com sejam considerados bens jurídicos

penalmente tutelados.

Bens jurídicos penalmente tutelados são, no postulado de Zaffaroni e Pierangeli (2001, p.

462), “a relação de disponibilidade de um indivíduo com um objeto, protegida pelo Estado, que

revela seu interesse mediante a tipificação penal de condutas que o afetam”.

Desse modo, o “ente” que a ordem jurídica tutela contra condutas que o afetam não é a

coisa em si mesma, mas a relação de disponibilidade do titular com a coisa. O que equivale dizer

que os bens jurídicos são os direitos de disponibilidade da coisa.

Quando uma conduta impede ou perturba a disposição de certos objetos, afeta também o

bem jurídico, e algumas destas condutas estão proibidas pela norma que gera o tipo penal.

No crime o objeto jurídico é o interesse tutelado pela lei penal. A norma jurídica ínsita no

art. 121 do Código Penal proíbe “matar alguém”. Logo, o homicídio tem por objeto jurídico a

proteção da vida humana extra-uterina. Protege a vida do ser humano nascido com vida.

Destarte, se no sentido de uso a vida é o mais disponível dos bens jurídicos, porque é

consumida de acordo com o interesse do seu titular, não é facultado ao homem destruir a vida de

outrem, uma vez que a norma jurídica que incrimina o homicídio proíbe essa conduta.

O homicídio não é, porém, o único tipo penal com essa finalidade. Todos os tipos
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penais previstos no título “Dos crimes contra a vida” objetivam a tutela da vida humana. Assim,

com a incriminação do infanticídio objetivou-se a proteção do ser humano no instante de seu

nascimento e também a do recém-nascido. Com a tipificação do aborto protege-se a vida intra-

uterina. Com a incriminação prevista no art. 122, tutela-se a vida da pessoa humana contra a

indução, instigação ou auxílio a suicídio.

Em suma, quando a norma penal tipifica os crimes contra a vida, tutela um bem jurídico,

punindo as condutas que impedem a sua disposição.

3.5. Tipo Penal no Homicídio

O tipo penal consiste na descrição abstrata da conduta humana feita pela lei penal e

correspondente a um fato criminoso. O tipo é, portanto, um modelo criado pela lei, que descreve o

crime com todos os seus elementos e a conduta necessária à sua caracterização (Capez, 2003).

Consoante Zaffaroni e Pierangeli (2001, p. 469), “a lei, mediante o tipo, individualiza

condutas atendendo a circunstâncias que ocorrem no mundo exterior e a circunstâncias que se

encontram no interior, pertencentes ao psiquismo do autor”.

No homicídio a conduta típica é matar alguém, isto é, destruir ou eliminar a vida humana,

utilizando-se de qualquer meio capaz de execução.

O homicídio é, portanto, um crime de ação livre, uma vez que o tipo não descreve forma

de atuação específica da conduta delitiva. Desse modo, o agente pode praticar o crime por

qualquer meio, direto (por ação direta contra a vitima: disparo de arma de fogo, golpe de arma

branca, envenenamento, transmissão de vírus letais), indireto (coação ao suicídio, açular um cão

contra a pessoa que se quer matar), por meios morais ou psíquicos (o agente utiliza o estado de

medo ou de emoção súbita para alcançar o seu objetivo), por omissão (abstenção do dever

jurídico de agir).

Também não exige do agente finalidade especial para o aperfeiçoamento da figura típica.
40

Para o homicídio doloso, por exemplo, basta a vontade de matar (animus necandi ou occidendi),

de realizar o resultado morte. A finalidade determinante do crime pode, eventualmente, constituir

uma qualificadora (Art. 121, parágrafo 2º) ou uma causa de diminuição da pena (art. 121,

parágrafo 1º), porque afeta à culpabilidade e não ao tipo.

O fato típico compõe-se tradicionalmente da conduta dolosa ou culposa, do resultado e do

nexo causal nos crimes materiais e da tipicidade. Portanto, não basta a subsunção formal da ação

ou omissão para operar o fato típico, é necessário que a conduta do agente seja dolosa ou culposa.

Sem dolo e culpa não existe fato típico, logo, não há crime. O elemento subjetivo do homicídio é o

dolo ou a culpa.

O homicídio tem por elemento subjetivo o dolo quando o agente quis (dolo direto) ou

assumiu o risco de produzir (dolo eventual) o resultado morte; a culpa quando a morte é

ocasionada por negligência, imperícia ou imprudência do agente (Mirabete, 1989).

O tipo penal, portanto, tem uma parte objetiva , consistente na correspondência externa

entre o que foi feito e o que está descrito na lei, e uma parte subjetiva, que é o dolo e a culpa.

3.6. Sujeitos do Homicídio

O homicídio é um crime comum que pode ser praticado por qualquer pessoa contra

outra pessoa, com conduta e resultado definido. Com a edição da Lei n. 8.930/94, porém, o

homicídio passa a ser considerado hediondo quando cometido em atividade típica de grupo de

extermínio, ainda que executado por um só agente.

O sujeito ativo do homicídio é a pessoa que pratica a figura típica descrita na lei,

representada por uma ação positiva ou omissiva. A definição abrange não somente aquele que

pratica a figura típica, como também o partícipe.

Sujeito passivo do homicídio é o titular do bem jurídico ofendido ou ameaçado pela

conduta do agente.
41

Desse modo, qualquer pessoa pode ser sujeito ativo ou passivo do homicídio.A

dificuldade reside, porém, em se definir quando se inicia a vida humana extra-uterina. Capez

(2003) entende que a interpretação do início do nascimento pode levar à caracterização de delitos

diferenciados. Pode-se estar diante do delito de aborto, ou do infanticídio, se presente o

privilégio, ou homicídio, se ausente o privilégio. O que equivale a dizer que, se o crime é

praticado contra a vida intra-uterina, teremos o aborto; se durante o parto pela mãe, teremos o

infanticídio pelo privilégio; se praticado por agente que não goza do privilégio, teremos o

homicídio.

O mesmo autor citando Marques (2003, p. 11) partilha do entendimento que:

Sujeito passivo do homicídio é alguém, isto é, qualquer pessoa humana, o 'ser

vivo nascido de mulher' l' uomo vivo, qualquer que seja sua condição de vida, de saúde, ou

de posição social, raça, religião, nacionalidade, estado civil, idade, convicção política ou

status poenalis. Criança ou adulto, pobre ou rico, letrado ou analfabeto, nacional ou

estrangeiro, branco ou amarelo, silvícola ou civilizado toda criatura humana, com vida,

pode ser sujeito passivo do homicídio, pois a qualquer ser humano é reconhecido o direito

à vida que a lei penalmente tutela.

Faria (1961, p. 10), ao posicionar a despeito já afirmava: “sem o nascimento e a vida o

homicídio não é possível”. Parte, portanto, do pressuposto que o sujeito passivo do homicídio é

aquele que nasce com vida. Por pessoa humana entende o ente nascido de mulher com vida.

Santos (2003, p. 127) comparte dessa posição ao fazer a análise do delito de

homicídio durante o parto:

Homicídio é 'matar alguém'. Alguém é pessoa. Pessoa é o ser humano nascido

com vida. O feto não é pessoa. Se não nasce com vida, não adquire personalidade, não se

torna sujeito, não pode ser vítima de homicídio. Feto e pessoa são realidades distintas que

o código penal trata de forma distinta. Existem tipos penais diferentes para incriminar a
42

morte dada a um e a outro. O momento de transição da vida intra-uterina para a extra-

uterina está subsumido no tipo penal do infanticídio, do qual somente a mãe sob

influência do estado puerperal pode ser sujeito ativo. Fora da hipótese de infanticídio, a

morte dada ao feto a termo, durante o parto, é fato atípico”.

Por sua vez, Bitencourt (2001, p. 31-32) define o sujeito passivo do homicídio

como “qualquer ser vivo, nascido de mulher, isto é, o ser humano nascido com vida”. Entretanto,

define o começo da vida com o início do parto, com o rompimento do suco amniótico. Parte do

entendimento que “a simples destruição da vida biológica do feto, no início do parto, já constitui o

crime de homicídio”.

Prado (2003, pp. 37-38) compartilha do mesmo posicionamento, define o sujeito

passivo como “o ser humano com vida”. Porém, entende que “o delito de homicídio tem como

limite mínimo o começo do nascimento, marcado pelo início das contrações expulsivas. Nas

hipóteses em que o nascimento não se produz espontaneamente, pelas contrações uterinas, como

ocorre em se tratando de cesariana, por exemplo, o começo do nascimento é determinado pelo

início da operação, ou seja, pela realização da incisão abdominal... Basta, para a caracterização

do delito, que o sujeito passivo esteja vivo”.

A questão, como se observa, não se apresenta pacificada. O início da tutela penal do

homicídio ainda depende de uma definição pela lei penal. Contudo, como bem assevera Santos

(2003), não se pode admitir o entendimento de que o homicídio protege a vida humana em todas

as suas fases. A vida intra-uterina é protegida pelo tipo penal do aborto. Matar o ser nascente

configura o tipo penal do infanticídio quando o agente é a própria mãe. Por conseguinte, a

proteção tipificada no homicídio apresenta uma lacuna, uma vez que abrange a vida humana

somente após o nascimento.


43

3.7. Momento Consumativo do Homicídio

Crime consumado é aquele em que foram realizados todos os elementos constantes da

sua definição legal (CP, art. 14, I).

Nos crimes materiais, o momento consumativo é o da produção do resultado. O homicídio

é um crime material e se consuma com a morte da vítima. Trata-se de crime instantâneo de efeito

permanente. É instantâneo porque a consumação se dá em um determinado momento. É de efeito

permanente porque, uma vez consumado, não se pode reverter o seu efeito.

A morte é confirmada por perícia médico-legal pelos sinais de sua ocorrência.

Distinguem-se a morte clínica (paralisação da função cardíaca e respiratória), a morte cerebral

(paralisação das funções cerebrais) e a morte biológica (deterioração celular). Em regra, a morte é

diagnosticada após a cessação do funcionamento celular e cerebral.

3.8. A Tentativa no Crime de Homicídio

O crime é tentado quando o agente inicia a sua execução e não o consuma por motivos

alheios à sua vontade (CP, art. 14, II).

No homicídio, a tentativa ocorre quando o agente quer matar outrem, inicia a execução,

mas não consuma o crime por circunstâncias alheias à sua vontade.

Para a tentativa exige a lei penal o começo da execução, isto é, não admite que se

estenda o conceito aos atos simplesmente preparatórios. Somente se pode falar em crime tentado

quando haja um efetivo ataque a um bem jurídico sob tutela penal.

Segundo Capez (2003), sendo o homicídio um crime material admite tentativa, que

ocorrerá quando, iniciada a sua execução, este não se consumar por circunstâncias alheias à

vontade do agente. Para tanto, o crime percorre quatro etapas (iter criminis) até a sua integral

realização:

a) cogitação nessa fase o agente apenas mentaliza, idealiza, planeja, representa


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mentalmente a prática do crime; b) preparação - são os atos anteriores necessários ao

início da execução, mas que ainda não começou a realizar o verbo constante da definição

legal (núcleo do tipo); c) execução aqui o bem jurídico começa a ser atacado. Nessa fase,

o agente inicia a realização do verbo do tipo e o crime já se torna punível, ao contrário das

fases anteriores; d) consumação todos os elementos que se encontram descritos no tipo

penal foram realizados. (Capez, 2003, p. 18).

Dessa distinção, conclui-se que o conceito de tentativa não se estende aos atos

preparatórios, porque exige o início da execução. Os atos preparatórios não resultam em perigo

de dano ao bem jurídico penalmente protegido; logo, não há crime. Somente há início de

execução quando o sujeito começa a praticar o verbo do tipo, ou seja, “matar alguém”, primeiro

ato apto a produzir a consumação, e inequívoco à produção do resultado.

3.9. Formas de Homicídio

A lei penal, ao normatizar o homicídio, distinguiu várias subespécies: homicídio simples

(art. 121, caput), homicídio privilegiado (parágrafo 1º). Homicídio qualificado (parágrafo 2º) e

homicídio culposo (parágrafo 3º).

3.9.1. Homicídio Simples

O homicídio simples é a figura típica descrita no caput do art. 121 do CP. Constitui o tipo

básico fundamental do crime, é o que contém os componentes essenciais do crime (Capez, 2003).

3.9.2. Homicídio Privilegiado

O art. 121, parágrafo 1º do Código Penal define o homicídio privilegiado como o fato de o

sujeito cometer o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio

de violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação da vítima.


45

Não se trata, portanto, de delito autônomo, mas de um caso de diminuição de pena, em

virtude de circunstâncias subjetivas especiais que caracterizam o tipo penal. Conforme Capez

(2003), o homicídio privilegiado é o homicídio simples em que as circunstâncias subjetivas do

crime conduzem à atenuação da pena.

Inicialmente, tem-se, como circunstâncias especiais de diminuição da pena, a prática do

homicídio por relevante valor social ou moral, previstos no art. 65, III, a, do Código Penal. O

motivo social diz respeito ao interesse coletivo. Nessa modalidade, o agente pratica o crime

impulsionado pela satisfação de um anseio social. Essa motivação constitui causa de atenuação

da pena. O motivo de relevante valor moral é aquele aprovado pela moralidade média.

Corresponde aos interesses individuais, entre eles, a legítima defesa da honra, o homicídio

cometido por sentimentos de piedade e compaixão.

A última figura típica do homicídio privilegiado é a daquele cometido por violenta

emoção, logo em seguida à injusta provocação da vítima. Entende-se por violenta emoção aquela

que se apresenta intensa, provocando um verdadeiro choque emocional, seguido de uma

provocação injusta. Somente nesses termos a emoção autoriza a diminuição da pena do

homicídio. Para a incidência do privilégio, exige a lei que o agente esteja sob o domínio de

violenta emoção. Aquele que reage com frieza a uma provocação não terá direito à diminuição da

pena. Segundo Capez (2003), somente a emoção derivada de uma injustiça e imediata à

provocação da vítima justifica o privilégio. O privilegio não incide no homicídio produto de

estado emocional recalcado, que se transforma em outros sentimentos, como o ódio, a vingança.

Destaca ainda o autor que essa circunstância privilegiadora difere da atenuante genérica

prevista no art. 65, III, c, do Código Penal, uma vez que, nesta última, não exige a lei que o agente

esteja dominado por violenta emoção, mas sob a sua influência e, tampouco, se impõe a

imediatidade entre provocação e reação. Portanto, nas hipóteses em que afastado o privilégio por

não estar o agente sob o domínio de violenta emoção ou pela falta de imediatidade da
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provocação e reação, poderá ser invocada a circunstância atenuante, para o abrandamento da

pena.

Assim, embora a emoção não constitua dirimente da punibilidade (art. 28, I, do Código

Penal), pode funcionar como circunstância especial de diminuição da pena ou como atenuante

genérica no homicídio doloso.

Finalmente, importa observar que as circunstâncias que privilegiam ou que

qualificam o homicídio podem coexistir, desde que não sejam incompatíveis entre si. As

circunstâncias privilegiadoras que são sempre subjetivas podem coexistir com as circunstâncias

qualificadoras objetivas (meio e modo de execução).

3.9.3. Homicídio Qualificado

O homicídio é considerado qualificado quando praticado em qualquer das

circunstâncias previstas no parágrafo 2º, do art. 121 do Código Penal. Trata-se de causa especial

de aumento da pena. No homicídio qualificado, a lei acrescenta ao tipo penal básico um evento

mais grave que o previsto no tipo simples, cominando ao fato pena mais severa.

Conforme Capez (2003), no homicídio qualificado foram incorporadas certas

circunstâncias agravantes (CP, art. 61), nas suas formas qualificadas, para efeito de majoração da

pena. Dizem respeito aos motivos determinantes do crime e aos meios e modos de execução, que

demonstram maior periculosidade ou perversidade do agente, tornando o fato mais grave do que

o do homicídio simples.

É qualificado, nos termos do parágrafo 2º, o homicídio praticado: “I - mediante paga ou

promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe”. Nessa modalidade o agente pratica o crime

mediante pagamento, promessa de recompensa ou por qualquer motivo abjeto, repugnante,

ignóbil, desprezível, vil , imoral, que denota a depravação espiritual do sujeito e suscita repulsa

geral; “II motivo fútil”. O motivo fútil também é uma qualificadora subjetiva que se refere aos
47

motivos. Considera-se fútil o crime praticado por motivo frívolo, mesquinho, insignificante,

desproporcional, do ponto de vista do homem médio; “III emprego de veneno, fogo, explosivo,

asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum”. Essa é

uma qualificadora objetiva, porque diz respeito à forma de execução do crime. Nessas hipóteses,

a conduta do agente demonstra certa periculosidade, crueldade que dificultam a defesa da vítima

ou coloca em risco a incolumidade pública; “IV à traição, de emboscada, ou mediante

dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido”.

Configuram a qualificadora os recursos obstativos à defesa da vítima. O agente utiliza recursos

que possibilitem a prática do homicídio com maior segurança, valendo, para tanto, da boa fé ou

da falta de prevenção da vítima; “V para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou

vantagem de outro crime”. Constituem qualificadoras subjetivas, na medida em que dizem

respeito à motivação do crime. São circunstâncias que configurariam, a rigor, motivo torpe.

Assim, se para o homicídio simples a exigência é apenas a vontade de matar alguém para a

caracterização do tipo, a forma qualificada do crime exige além da vontade de matar, que o dolo

seja praticado por motivações que denotam alto grau de lesividade social do agente.

Impende ainda ressaltar que em qualquer das hipóteses de homicídio qualificado o

crime é considerado hediondo, nos termos do art. 1º da Lei n. 8.072/90. Como hediondos estão

também classificados os crimes considerados de alto potencial ofensivo, dentre os quais o

latrocínio, de extorsão qualificada pela morte, de extorsão mediante seqüestro e na forma

qualificada, de estupro, de atentado violento ao pudor, de epidemia com resultado morte e de

falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou

medicinais.

3.9.4. Homicídio Culposo

Embora a lei não defina a culpa, registra o homicídio culposo no art. 121, parágrafo 3º do

Código Penal, limitando suas modalidades no art. 18 do mesmo Codex, quais sejam: a
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imprudência, a negligência e a imperícia. O homicídio será culposo quando a conduta causadora

do resultado morte decorrer de negligência, imprudência ou imperícia, ou seja, quando houver a

quebra do cuidado objetivo necessário, fundado na previsibilidade objetiva.

Como assevera Capez (2003), na conduta dolosa o agente por ação ou omissão dirigida a

uma finalidade ilícita quer ou assume o risco da produção do crime. Na conduta culposa o agente

dirige uma ação voluntária para finalidade lícita, mas, em decorrência da inobservância do

cuidado objetivo devido, produz um resultado ilícito não pretendido pelo autor.

É modalidade de homicídio que admite as figuras típicas simples (art. 121, parágrafo 3º)

e qualificada (art. 121, parágrafo 4º). Existe homicídio culposo qualificado se o crime resulta de

inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar

imediato socorro à vítima, não procura diminuir as conseqüências do seu ato, ou foge para evitar

prisão em flagrante. Nessa hipótese a pena de detenção prevista para o delito (1 a 3 anos) pode ser

aumentada de um terço. Entretanto, se as conseqüências da infração atingirem o próprio agente

de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária, o juiz poderá deixar de aplicar a

pena (art. 121, parágrafo 5º). Trata-se de causa extintiva de punibilidade restrita aos casos

previstos no art. 107, IX, do Código Penal.


CAPÍTULO IV HOMICÍDIO PASSIONAL: A RESPONSABILIZAÇÃO DO

CRIMINOSO
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HOMICÍDIO PASSIONAL: A RESPONSABILIZAÇÃO DO CRIMINOSO

Chega. Suplico que quando relatarem tais infortúnios por escrito...

Falem de mim como sou. Não amenizem nada. Tampouco aumentem a culpa.

Portanto, devem falar daquele... que não soube amar e amou demais. Daquele que era

pouco ciumento... mas que fora iludido e influenciado ao extremo. Daquele cuja mão é

como a do índio que... joga fora a pérola mais valiosa que tudo da tribo. Daquele cujos

olhos dominados.... embora não acostumados à melancolia... vertem lágrimas tão rápido

quanto as árvores árabes... vertem a sua resina medicinal. Mais uma coisa. Devem dizer

também... que uma vez em Alepo... um turco perverso com turbante derrotou um

veneziano... e difamou o Estado. O cão circuncidado peguei pelo pescoço... e o derrotei ...

Assim. Aqui fostes beijada e morta por mim. Só me resta uma coisa: suicidar-me... para

morrer... com um beijo. (Shakespeare, citado em “Othello”).

4.1. O Crime Passional na legislação brasileira

Na acepção mais comum, o crime passional é aquele causado por paixão. Em linguagem

jurídica, convencionou-se denominar de passional o crime cometido em razão de relacionamento

amoroso e sexual.

Nos termos do Código Penal vigente, o homicídio praticado por paixão não exclui a

imputabilidade penal (art. 28, I), sendo reputado hediondo se for considerado homicídio

qualificado (Lei n. 8.072/90, art. 1º). É crime excepcionalmente inimputável quando for reflexo

de um dos estados mórbidos que determinem a inimputabilidade por doença mental ou

desenvolvimento mental incompleto ou retardado (art. 26). O estado passional poderá ainda ser

causa de atenuação ou de diminuição da pena, quando cometido sob a influência de violenta


50

emoção, provocada por ato injusto da vítima (art. 65, III, c e 121, parágrafo 1º).

Conforme acentuou Linhares (1978), a legislação penal se absteve à discussão doutrinária

sobre incapacidade parcial, total e única. Preferiu considerar os estados patológicos totais, de um

lado, e os estados patológicos incompletos de outro, atribuindo inimputabilidade aos primeiros e

atenuação da punibilidade aos segundos (art. 26), sem prejuízo da aplicação da medida de

segurança.

A posição acolhida pelo Código Penal em relação à emoção e à paixão reconhecem que os

estados emocionais e passionais são atividades comuns ao psiquismo humano normal, sendo

detectáveis em qualquer pessoa com capacidade de controlar a própria afetividade. Supõe-se que,

sob violenta emoção ou paixão, não falta ao agente noção do ato cometido. O que se encontra

prejudicado é a opção de agir eticamente, ou seja, o domínio sobre as suas próprias decisões.

Sobre a aferição dos aspectos afetivos, emoção e paixão, Bitencourt (2003, p. 319)

assevera que a lei penal não apresenta dificuldades na distinção, pois

Esses estados emocionais não eliminam a censurabilidade da conduta (art. 28, I, do CP);

poderão, apenas, diminuí-la, com a correspondente redução de pena, desde que satisfeitos

determinados requisitos legais. Esses requisitos são: a provocação injusta da vítima, o

domínio, nos casos da lesão ou do homicídio (minorantes), ou a influência, em caso de

qualquer outro crime (atenuante), desse estado emocional, que deve ser violento, sob o

psiquismo do agente. Então, além da violência emocional, é fundamental que a

provocação tenha sido da própria vítima, e através de um comportamento injusto, ou seja,

não justificado, não permitido, não autorizado.

Acrescenta o penalista que o legislador não deixou de contemporizar com o

passionalismo. O crime passional não foi considerado inimputável, como ocorrera com o Código

Penal da Primeira República que acolheu entre as causas de exclusão da criminalidade “os que se

acharem em estado de completa privação de sentidos e de inteligência no ato de cometer o


51

crime” (art. 27, parágrafo 4º). Apenas reconheceu a exclusão da responsabilidade no caso de

autêntica alienação ou grave deficiência mental, e atribuiu influência minorativa da pena sob

determinadas condições.

Ressalvados esses casos, a emoção e a paixão, somente poderá modificar a culpabilidade

se decorrerem de estados emocionais patológicos. Nessas circunstâncias, porém, já não

correspondem à emoção e paixão estritamente falando, e pertencerá à anormalidade psíquica,

cuja origem não se perquire. Se o agente comete um delito sob efeito de um surto psicótico

derivado de um trauma emocional, o ato ilícito deve ser analisado à luz da inimputabilidade ou da

culpabilidade diminuída, nos termos do art. 26 e seu parágrafo único.

Sob a posição adotada pelo Código Penal, parece adequada a acepção proposta por

Linhares (1978); a lei penal não forneceu elementos para se estabelecer um conceito teórico

genérico de uma responsabilidade parcial em relação aos passionais fronteiriços, psicopatas ou

anormais psíquicos, preferiu reconhecer a sua responsabilidade plena, deixando ao prudente

arbítrio do magistrado aferir se o crime foi cometido por anormalidade da função psíquica ou por

alteração do equilíbrio mental com incidência sobre a ação.

Segundo Anibal Bruno (1967), a lei penal reduziu à doença mental todas as hipóteses de

perturbação do psiquismo que fundamentam a incapacidade de volição e juízo de realidade.

Brandão (2003) adverte que a lei, ao estabelecer o critério de redução de imputabilidade

(art. 26), não distingue o mentalmente são do insano mental. A lei fala em perturbação da saúde

mental e não em doença mental. E, parafraseando Roque de Brito Alves (1998), afirma que,

embora toda doença mental implique em perturbação da saúde mental, nem sempre este estado de

perturbação atinge o grau de doença. As personalidades psicopáticas, por exemplo, apresentam

sinais de perturbação de saúde mental, mas não são doentes mentais. E, substanciado em

Cerezo Mir (1982), atenta que a redução de capacidade de entendimento dos fronteiriços

pode ter origem tanto natural, quanto de ação positiva de medicamentos. Os semi-imputáveis são
52

penalmente imputáveis, contudo, gozam de causa especial de redução de pena.

4.2. A Emoção e a Paixão

A emoção e a paixão são fatos da vida afetiva que condicionam o comportamento

individual e coletivo do homem. Já dizia Empédocles, citado por Silveira (1955), que duas

grandes forças potencializam o Universo: o amor e o ódio, fenômenos esses máximos das

paixões. Há diferenciar-se, de dissociar-se o fenômeno da emoção e o da paixão. Estes não se

interpenetram, nem se entremisturam ou se entretocam. Exprimem estados diversos que não

podem ser reduzidos a uma fórmula esquemática e a um tratamento uniforme.

Emoção, do francês emotion, ato de mover (moralmente), é definido por Dalgalarrondo

(2000, p. 100) como:

(...) reações afetivas agudas, momentâneas, desencadeadas por estímulos significativos.

É um estado afetivo intenso, de curta duração, originando-se, geralmente, como uma

reação do indivíduo a certas excitações internas ou externas, conscientes ou

inconscientes. Como o humor, as emoções acompanham-se freqüentemente de reações

somáticas (neurovegetativas, motoras, hormonais, viscerais e vasomotoras), mais ou

menos específicas. São experiências psíquicas e somáticas ao mesmo tempo, revelam

sempre a unidade psicossomática básica do ser humano. E citando Mira y López (1964),

acrescenta ser a emoção uma alteração global da dinâmica pessoal, um 'movimento

emergente', uma tempestade anímica, que desconcerta, comove e perturba o instável

equilíbrio existencial.

Hungria (1942) define a emoção “como um estado de ânimo ou de consciência

caracterizado por uma viva excitação do sentimento. Forte e transitória perturbação da

afetividade, a que estão ligadas certas variações somáticas ou modificações particulares das

funções da vida orgânica” (p. 121).


53

Para Oliveira (1962), a emoção é um estado afetivo atual, que produz imprevista e

violenta perturbação do equilíbrio psíquico. É a vivência afetiva que dá o tom de qualquer

operação da consciência. É o sentimento mais vibrante e intenso que domina os fenômenos

psíquicos.

São emoções todas as impressões agradáveis ou penosas. A emoção pode ter como fator

etiológico a ira, o medo, a alegria, a ansiedade, o prazer erótico, a vergonha ou tantos outros

sentimentos instintivos, egoísticos, afetivos, sociais e, também, os mais elevados, isto é, os ético-

sociais.

Contudo, os homens não reagem do mesmo modo em uma situação convergida ao mesmo

sentimento afetivo. Consoante posiciona Silveira (1955), a afetividade que estrutura o

comportamento individual e social do homem, eleva-se ao grau de paixão, adquirindo enorme

intensidade, assumindo, assim, os caracteres de afetos patológicos. O amor sexual, por exemplo,

é um afeto. Quando, porém, domina de forma absoluta a consciência do indivíduo e a própria

reflexão, torna-se, então, uma paixão. Os efeitos da emoção transcendem a normalidade para o

afeto patológico.

Silveira (1955, p. 1394) citando Dupré, adverte que “os efeitos da emoção se traduzem

por desordens, as mais variadas, determinadas, na sua natureza, sua evolução e sua gravidade,

pela intensidade do choque emotivo e, sobretudo, pelo estado do indivíduo, no momento do

traumatismo psíquico”. Na emoção não existe intencionalidade, deliberação, movimento externo

finalístico. Desse modo, a paixão estará na razão direta da potência emotiva, como esta, à sua vez,

é uma serva dos estados orgânicos e psíquicos subjacentes.

Como distingue Kant citado por Silveira (1955, p. 1453), “a emoção é a água que rompe

com violência o dique e desde logo se espraia; a paixão é a torrente que escava o seu leito, ali se

canalizando. A emoção é uma ebriedade; a paixão, uma moléstia”.

Assim, a paixão se diferencia da emoção pelo predomínio de um estado contínuo e


54

duradouro de perturbação da afetividade. A paixão é a emoção em estado crônico, que se alonga

no tempo, alimentando-se nas suas próprias entranhas. Perdura como um sentimento profundo e

monopolizante (Bitencourt, 2003).

Oliveira, fundado em Ribot (1962, p. 73), entende que a emoção é um episódio da

consciência. A paixão constitui um conjunto de representações, que invade de forma lenta e

duradoura o psiquismo humano e asfixia, submete e transforma os outros grupos de

representações. De conseqüência,

(...) desaparecem as idéias de relações, os freios inibitórios debilitam-se, de início, e,

depois, se paralisam. A paixão forma-se paulatinamente. Surge, na consciência, como

uma série de estados diversos e amiúde opostos e contraditórios, que se vão somando e

reunindo, por efeito do seu motivo, até à sua cristalização definitiva, à semelhança das

águas dos regatos, que formam os rios, com as suas adições sucessivas.

A emoção e a paixão são reações do organismo humano, como um todo, a um estímulo,

porém, não se confundem. As emoções constituem o tecido da vida psíquica cotidiana do homem.

Caracteriza-se pela transitoriedade da perturbação afetiva, por isso permanece nos confins da

imputabilidade. As paixões constituem um estado crônico de perturbação da afetividade. Uma

desordem rara da vida psíquica do homem, sem, entretanto, constituir demência. No homicídio

cometido por paixão, o criminoso evoca os motivos, delibera, decide e executa, por isso, não

anula a responsabilidade.

4.2.1. A Emoção e a sua Classificação

4.2.1.1. Fisiológica e Patológica

As emoções podem ser fisiológicas e patológicas, conforme expressem estados

orgânicos ou de enfermidade mental.


55

4.2.1.2. Astênica e Estênica

As emoções astênicas são aquelas que conduzem o indivíduo a atitudes depressivas, de

angústia, enquanto que as estênicas conduzem-no a manifestações de euforia, de agressividade.

4.2.1.3. Emoção Choque

A emoção choque ou choque emocional é a reação súbita e intensa da afetividade.

Conforme assinala Oliveira (1962), é a explosão psicológica. Uma vez desencadeada, o

organismo sofre graves e profundas alterações orgânicas, variáveis de acordo com os

temperamentos e circunstâncias de sua ocorrência. Ora produz o estupor, a imobilização física,

ora impulsiona o instinto de conservação, ora desencadeia o brusco e imediato revide da defesa.

4.2.1.4. Emoção Contínua ou Repetida

Emoção contínua ou repetida “cifra-se na ruminação da impressão, que lhe deu lugar,

ocasionando permanente desarranjo do equilíbrio psíquico, em torno do sentimento, que a

consubstancia” (Oliveira, 1962, p. 74). O indivíduo permanece continuamente em estado

emocional.

4.2.1.5. Emoção Contida

A emoção contida é a que o sujeito controla, sufoca, recalca, subjuga no momento da sua

produção, para se positivar depois.

4.2.1.6 Emoção Retardada

A emoção retardada “é a que surge, após o fato desencadeador, por evocação da memória

afetiva” (Oliveira, 1962, p. 75). É a que sobrevém após as representações de todas as

conseqüências do fato.
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Silveira (1962) observa que tanto a emoção contida quanto a retardada, subjugada, podem

fazer nascer um sentimento que com elas se relacionam e se ligam. Nesse caso, a paixão pode ser

subsistente ao agravo ou à afronta. Nesse instante, pode surgir a emoção, e, com ela, o sentimento,

e, com este, o estado passional. Acresce que a emoção retardada pode ser tão violenta como

qualquer outra, podendo nascer tanto do contraste da situação atual com a situação passada,

quanto da simples evocação do passado.

4.3.1. A Paixão e a sua Classificação

4.2.2.1. A Paixão Segundo a Escola Clássica

Inúmeras são as classificações das paixões pelos adeptos da Escola Clássica. Mas dentre

elas destaca-se a feita por Carrara, que as classifica em dois grupos: cegas e raciocinantes. As

primeiras são dirimentes por constituírem ação gravemente perturbadora da inteligência.

Situam-se entre elas o amor, o ciúme, a vingança, a cobiça. As paixões raciocinantes (paixão do

jogo, do dinheiro) são inspiradas no raciocínio, portanto, não anulam a responsabilidade.

4.2.2.2 A Paixão Segundo a Escola Positiva

A Escola Positiva não escalona as paixões pela sua intensidade, tem como critério a sua

qualidade. Daí, a classificação de Ferri em paixões anti-sociais e sociais. As paixões anti-sociais

são:

(...) 'as que tendem a desagregar as condições normais da vida humana, individual e

coletiva, segundo as exigências da solidariedade tais como a vingança, o ódio, a cobiça'.

As paixões sociais são 'as que normalmente têm a função de desfavorecer e cimentar a

vida social e fraterna, e, somente por uma aberração momentânea, acompanhada ou não

de verdadeiro desequilíbrio psicopatológico, podem conduzir aos excessos do crime

como o amor, a honra, a paixão política'. (Almeida Júnior, 1998, p. 454).


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4.3. Violenta Emoção e Crime Passional

O Código Penal exclui da inimputabilidade a emoção (art. 28, I). Mas, dispõe de outra

parte cuidar-se de situação atenuante de alguns delitos e causa de diminuição de pena, quando

caracterizada por um estado emocional, de ânimo e do sentimento muito excitado, isto é , quando

o crime ocorre sob a influência de uma violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima. (art.

65, III, c ; 121, parágrafo 1º). Dispõem os referidos dispositivos:

Art. 65 São circunstâncias que sempre atenuam a pena: ... III ter o agente: ... c) cometido

o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de autoridade

superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima; art.

121 Matar alguém: Pena reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos. Parágrafo 1º Se o agente

comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio

de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a

pena de um sexto a um terço.

A posição da lei penal é, pois, bem definida. Não é qualquer emoção que atenua ou

diminui a pena. Somente a emoção definida como violenta e sob adequada proporcionalidade

entre o fato injusto provocador e a ação ilícita desencadeada tem a prioridade atenuante ou de

diminuição da pena. A exigência legal restringe-se à capacidade de entendimento do agressor, ao

tempo da ação, do caráter ilícito do fato. Interessa, portanto, definir se a violenta emoção seria um

fato capaz de determinar que o agente não era condutor do seu comportamento, mas submetido ao

estado emocional que o domina.

No posicionamento de Meyer (1994), a emoção domina o homem e impede a sua

racionalidade.

Giullaume, citado por Dalgalarrondo (2000, p. 102), afirma que:

(...) a emoção pode ter um efeito paralisante, tanto para o pensamento como para a ação.

A emoção intensa cria um vácuo no espírito; não encontramos mais o que dizer ou fazer;
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não podemos mais pensar, já não vemos com clareza na situação concreta, não

compreendemos mais as palavras.... o aspecto do homem emocionado é, muitas vezes, o

de um imbecil, dá impressão de impotência mental.

Partindo dessa concepção, a emoção corresponde a uma dimensão inferior do homem

(resquício animal do homem primitivo). O homem em estado emocional não teria a capacidade

de discernimento de seus atos, estaria desvestido de sua racionalidade.

A ciência do século XX, embora tenha devolvido a emoção ao cérebro, relegou-a aos

estratos neurais inferiores do cérebro, associando-a à ancestralidade humana. A emoção é

colocada em pólo oposto ao da razão (Damásio, 2000).

Contrário a essa posição, Dória (1997) afirma que a dimensão emocional não impede o

homem da sua racionalidade. O homem em estado emocional apresenta juízo de realidade e

volição.

Nesse sentido Silveira (1955) já assentava que a emoção comum, que não ultrapassa o

mecanismo psico-fisiológico, jamais exime o agente da responsabilidade criminal, por que

inexistente o ato inibitório da vontade. Os estados emocionais ordinários não se dessubjugam dos

atos da consciência e do intelecto. A emoção descrita como atenuante da pena, subtende-se, o

estado emocional normal, pois que, sendo patológico, o agente se exime da punibilidade, por

constitutiva de uma doença mental.

Esclarece Hungria (1942) que a lei, ao prescrever que a emoção não exclui a

imputabilidade penal, fez referência exclusivamente à emoção do homem normal ou daquele

que não chega a ser um doente mental. O indivíduo emocionado jamais adquire personalidade

contrária àquela que possui fora do estado emocional.

No crime cometido em estado emocional, o criminoso não perde a integridade da

cognição. O indivíduo tem consciência do ato, domínio e conhecimento da ilicitude.

Goleman (2001), em seu estudo sobre a inteligência emocional, parte do princípio de que
59

a mente emocional é muito mais rápida que a racional, agindo sem reflexão analítica. Para o

Psicólogo, as ações desencadeadas pela mente emocional carregam uma forte sensação de

certeza e somente após a reação ou no seu curso o indivíduo é capaz de refletir sobre a sua atitude.

A constatação de que é necessário agir tem que ser imediata e não pode atingir um nível de

consciência. O indivíduo dominado pela emoção baseia-se nas primeiras impressões e reage ao

panorama global ou aos seus aspectos mais conflitantes. Capta tudo num relance, reage

automaticamente sem precisar detalhes. Baseado em Ekman, afirma que,

(...) em termos técnicos, o auge da emoção dura um momento breve segundos, e não

minutos, horas ou dias. Para que as emoções permaneçam em nós por mais tempo, o

gatilho tem de ser mantido, ou seja, o sentimento tem que ser continuamente evocado.

Quando os sentimentos persistem durante muito tempo, tornam-se estado de espírito,

uma forma contida. Os estados de espírito estabelecem um afeto, mas não formam

percepções de maneira tão forte como ocorre no calor da emoção. (Ekman, pp. 306-307).

Esclarece, em outras linhas, que o indivíduo que está à mercê dos impulsos não tem

autocontrole, sofre de uma deficiência moral. A capacidade de controlar os impulsos é a base da

força de vontade e do caráter.

Assim considerado, o homicídio passional não compadece do privilégio pela violenta

emoção. Em geral, os passionais não praticam o crime sob o domínio da emoção. O homicida

passional é movido pela paixão. Esse sentimento não provoca reação automática, momentânea ,

passageira e abrupta. Como esclarece Eluf (2003), a paixão que mata é crônica e obsessiva; no

momento do crime, a ação é fria, com emprego de recurso que impossibilita a defesa da vítima e

se revela premeditada. O criminoso passional pensa, planeja, decide e executa o crime. E, na

grande maioria das vezes, não existe provocação injusta da vítima, apenas vontade de romper

com o relacionamento ou recusa de reconciliação; situações que não podem ser consideradas

como provocação.
60

Por outro lado, mesmo existindo provocação da vítima, se o crime é premeditado, não se

pode reconhecer o privilégio. A premeditação é incompatível com a violenta emoção.

Conforme adverte Hungria (1942, p. 126), “aquele que, embora injustamente provocado,

reage a sangue frio, como se estivesse praticando uma ação normal, revela que não sentiu a

injustiça, e comete o crime por mera perversidade, pela só vanglória de não levar desaforo para

casa”.

A violenta emoção se caracteriza pela falta de cognição da ilicitude do ato. Não é

compatível com a consciência do ato, a intencionalidade e o conhecimento da ilicitude. Para que

se configure a violenta emoção, é necessário que este estado emocional domine o agente, o que

significa que, sob o estado de violenta emoção, este perde o seu autodomínio, seu controle,

ficando prejudicada a sua consciência e, conseqüentemente, a sua relação com a realidade.

Entretanto, não é isso que normalmente ocorre. O agente tem consciência da ilicitude da sua ação

e capacidade de prever o resultado dela, conhece a vítima, sabe exatamente o que quer fazer com

ela e qual procedimento deve ser adotado para atingir a sua finalidade. Em geral, é empregada

violência, mas sem motivo que justifique a conduta delitiva.

4.4. A Paixão e o crime passional

O delito passional existe desde os mais remotos tempos. A história registra com

freqüência episódios criminais passionais. As “mortes por amor”, em defesa da honra íntima

sempre foram motivações utilizadas para justificar o assassinato e para minorar as conseqüências

jurídicas penais do delito.

Consoante acentua Eluf (2003), tanto se abordou sobre o tema nas mais diferentes formas

de comunicação e, às vezes, de forma tão adocicada que se criou uma aura de perdão em torno do

criminoso.

Os dramas que as notícias, a literatura, o cinema, o teatro narram sempre repercutiram de


61

forma intensa e profunda na alma humana. Sublimam afeições e provocam a exaltação de

violências, especialmente quando dão contas da indulgência concedida a assassinos que se

apresentam como heróis de amor triunfante, ou vítimas de paixões cegas (Linhares, 1978).

A morte por amor, por não suportar a perda do objeto de desejo ou para lavar a honra

ultrajada, foi por séculos tomada como uma conduta nobre e justificada.

No Brasil-Colônia, a lei permitia ao homem traído matar a sua mulher e o seu amante. E,

embora tenha o Código Penal do Império eliminado essa regra, o Código Penal da República

entendeu que o estado emocional decorrente do adultério era causa de exclusão de punibilidade

por privação dos sentidos e da inteligência, deixando impunes os homicidas passionais. O

Código Penal de 1940, ainda em vigor, substituiu a excludente de ilicitude por uma nova

categoria de delito, o homicídio privilegiado, que passou a permitir a redução da pena ao

homicídio cometido por motivo de relevante valor social ou moral e aquele sob domínio de

violenta emoção. Permaneceu, porém, arraigada na sociedade a idéia do direito de posse do

homem sobre a mulher que lhe autorizava matá-la na hipótese de adultério, não sendo a alteração

promovida pelo Código aceita passivamente pelos criminalistas, que insistiram na absolvição do

criminoso passional. A concepção de que a infidelidade conjugal da mulher era uma afronta aos

direitos do marido e um insulto à sua reputação, aliado ao desejo dos criminalistas de absolvição,

encontrou eco nos sentimentos do júri popular, que passou a conceber com benevolência o

criminoso passional. O julgamento pelo júri popular, como leigo que é, não era feito com base na

previsão legal, mas segundo os seus valores culturais.

Assim, surgiu a tese de legítima defesa da honra e da dignidade para absolver o marido ou

amante vingativo. E isso era possível porque a pena a ser aplicada equivalia à pena do homicídio

culposo. No exercício da legítima defesa, a lei prevê um excesso culposo, que, na hipótese de réu

primário, como geralmente ocorre nessa modalidade de crime, a pena não excedia a dois anos, o

que permitia a aplicação do sursis (suspensão condicional da pena). Com a aplicação da medida,
62

o acusado não era submetido ao regime de reclusão e, em dois anos, estava livre e sem ônus com a

justiça.

O machismo possibilitou, por longo período, a “absolvição” do homicida passional.

Releva notar, ainda, que geralmente o conselho de sentença, por expressa disposição legal, era

composto exclusivamente ou majoritariamente por homens, situação que sempre determinava o

resultado esperado pelos criminalistas e criminosos a absolvição do crime.

Entretanto, como pondera Eluf (2003), essa tendência vem sendo gradativamente

refutada pelas decisões judiciais. Os tribunais do País têm afastado a tese da legítima defesa da

honra. A honra passou a ser concebida como bem pessoal e intransferível. Desse modo, eventual

conduta reprovável por parte de um dos cônjuges não afeta o outro. Qualquer dos cônjuges é

responsável apenas por seu comportamento, não havendo a disponibilidade do de outrem.

A “honra”, como salienta Eluf (2003, p. 164), foi usada em sentido deturpado, refere-se

ao comportamento sexual da mulher. “É a tradução perfeita do machismo, que considera serem a

fidelidade e a submissão feminina ao homem um direito dele, do qual depende a sua

respeitabilidade social. Uma vez traído pela mulher, o marido precisaria 'lavar sua honra',

matando-os. Mostraria, então, à sociedade que sua reputação não havia sido atingida

impunemente e recobraria o 'respeito' que julgava ter perdido”.

Os motivos que levam ao crime passional não guardam consonância com o sentimento de

honra, tampouco com o sentimento de amor; têm a ver com sentimentos de destrutividade e de

crueldade.

A paixão que mata não deriva do amor, decorre do sentimento de ódio, de vingança, de

possessividade, de frustração aliada à prepotência, do ciúme exacerbado, do desejo sexual

frustrado pelo rancor.

Como explica Goleman (2001, p. 21):

(...) o amor, os sentimentos de afeição e a satisfação sexual implicam estimulação


63

parassimpática, o que se constitui no oposto fisiológico que mobiliza para “lutar-ou-

fugir” que ocorre quando o sentimento é de medo ou ira. O padrão parassimpático,

chamado de “resposta de relaxamento”, é um conjunto de reações que percorre todo o

corpo, provocando um estado geral de calma e satisfação, facilitando a cooperação.

Eluf, citando Itagiba (2003), afirma que o amor que assassina transpira animalidade,

porque gerado do egoísmo paroxístico, da sensualidade bestial, da ameaça da exclusividade da

posse, do despique do amante preterido, do ciúme ofendido na vaidade, do ódio, a que chama de

honra.

No crime passional, a motivação constitui uma combinação de egoísmo, de ciúme, de

amor próprio, de instinto sexual e de uma compreensão deformada da justiça.

Um número representativo de criminosos que revestem a aparência de passionais não

passa de assassinos frios e premeditados, com juízo de realidade e volição íntegro.

A paixão que decorre do amor dá sentido à vida e transcende uma existência banal; leva a

um sentido maior de força, de alegria, de integração e de vitalidade, não conduz à destrutividade

e à crueldade (Fromm,1987).

A paixão normal não produz crime. É um sentimento comum aos seres humanos, que se

acha na própria raiz da existência humana e visa a dar um sentido à sua vida.

Rabinowicz citado por Eluf (2003, p. 114), ao comentar sobre o crime passional, observa

que a paixão resulta do instinto de posse exasperado:

Curioso sentimento o que nos leva a destruir o objeto de nossa paixão! Mas não devemos

extasiar-nos perante o fato; é, antes, preferível deplorá-lo. Porque o instinto de destruição

é apenas o instinto de posse exasperado. Principalmente quando a volúpia intervém na sua

formação. Porque a propriedade completa compreende, também, o jus abutendi e o

supremo ato de posse de uma mulher é a posse na morte.

No homicida passional, o sentimento de posse sexual está intimamente ligado ao ciúme,


64

na sua forma de agressão maligna vinculada ao caráter. Um sentimento de amor sexual-

possessivo, egoísta, capaz de gerar ciúmes violentos, que normalmente levam a graves

equívocos, inclusive ao crime.

Consoante explica Linhares (1978), o ciúme não deriva do amor senão do autoritarismo

sobre a mulher, semelhante e contemporânea historicamente ao pátrio poder. No ciúme infiltra-se

a dúvida e a desconfiança sobre a pessoa amada e, conseqüentemente, o medo da perda da posse

do objeto de desejo. Acentua, portanto, motivos endógenos e exógenos. Uma ameaça potencial

pode se transformar em efetiva, favorecendo em quem ama o desenvolvimento de sentimentos

de dor, ódio, vingança, raiva, cólera, que podem conduzir à destruição e, especialmente, à

autodestruição.

Asúa, citado por Linhares (1978, pp. 188-189), esclarece que as relações amorosas, em

geral, são marcadas por formas exacerbadas de poder sobre o objeto amado:

No fundo, queda latente uma grande quantidade de ambição pessoal, de vaidade e desejo

de domínio; cada amante é ciumento e faz valer certo direito de posse sobre a amada, que

em realidade não possui. Cada olhada para outro rival encontra uma ferida em seu

domínio; quando o sujeito se sente inferior à pessoa desejada, engendra-se o temor ao

fracasso e à falta de correspondência. Esse sentimento de inferioridade origina diversos

transtornos neuróticos. A estes corresponde o ciúme como mecanismo de defesa,

mediante o qual quer o sujeito dissimular este sentimento de inferioridade, acusando o

outro de todos os seus erros e infidelidade para, assim, dominá-lo e humilhá-lo. A isso são

acrescidos, de outra parte, o sentimento de inferioridade em relação ao rival possível e o

desejo de vencê-lo para, assim, reafirmar-se a própria vontade do poder. Deixando de lado

o ciúme paranóico, pode-se dizer que os principais fatores dos ciúmes são a cólera, o

amor.-próprio ferido, a inveja, a projeção de culpabilidade e da desconfiança em si

mesmo, surgindo o crime dessa terrível combinação, cujos componentes estão ínsitos em
65

toda conduta ciumenta, ainda que uns predominem mais que outros.

O ciúme não resulta de um amor exaltado, mas de um sentimento, no qual estão em jogo o

orgulho, a resolução da posse exclusiva, o despeito por uma inferioridade física ou moral.

O ciúme é capaz de alterar completamente o caráter e o sentimento do indivíduo. O

amante tomado pelo ciúme pode tornar-se extremamente violento e cruel, a ponto de encontrar

satisfação no sofrimento da pessoa amada. Como acrescenta Roque de Brito Alves (1984, p. 19),

“o ciumento considera a pessoa amada mais como 'objeto' que verdadeiramente como 'pessoa' no

exato significado desta palavra. Esta interpretação é característica do delinqüente por ciúme”.

Em outra passagem, adverte que o ciúme não é uma 'prova de amor', em verdade, é a sua distorção

ou deformação.

Eluf (2003) observa que no ser humano o instinto de sobrevivência obriga a um egoísmo

extremo. Apesar das modificações culturais através dos tempos, os sentimentos de

exclusividade, propriedade, egocentrismo e narcisismo intensificam, ficando incólumes.

O homicida passional possui uma necessidade de dominar seu objeto de desejo sem

limites e sua repulsa pela traição não se restringe ao significado imprimido à relação amorosa,

mas sim a repercussão social do fato à sua reputação.

Noronha (1990, p. 21) esclarece que:

(...) a Escola Positiva exaltou o delinqüente por amor e foi o bastante para que por

passional fosse tido todo matador de mulher. A verdade é que, via de regra, esses

assassinos são péssimos indivíduos: maus esposos e piores pais. Vivem sua vida sem a

menor preocupação para com aqueles por quem deveriam zelar, descuram de tudo, e, um

dia, quando descobrem que a companheira cedeu a outrem, arvoram-se em juízes e

executores. Não os impele qualquer sentimento elevado ou nobre. Não. É o despeito de se

ver preterido por outro. É o medo do ridículo eis a verdadeira mola do crime. Esse

pseudo-amor não é nada mais que sensualidade baixa e grossa.


66

O criminoso passional tem uma necessidade de auto-afirmação, de domínio do

relacionamento. Sua história de amor é egocêntrica. Padece de um amor obsessivo, de um desejo

doentio, de insensatez. É um indivíduo narcisista, um neurótico, que busca recuperar seu

reconhecimento e auto-estima que julga ter perdido com a traição do ser amado, mediante

violência, na sua forma de agressividade, de crueldade.

Entretanto, a paixão que mata não é amor. “Quem ama não mata!”. O relacionamento

afetivo-sexual maduro é absoluto e abrangente não leva à morte.

4.5. Homicídio Passional e Distúrbios de Personalidade

Em geral, os homicidas passionais atribuem como causa do crime o amor, o estado de

violenta emoção, a defesa da honra, mas será que estes aspectos da afetividade podem ser

responsabilizados pelos atos cruéis que normalmente são praticados por esses criminosos? Esses

estados afetivos seriam capazes de privar as dimensões fundamentais da consciência (psico-

neurológica, epistemológica e metafísica), de modo a configurar a inimputabilidade penal?

Assim é que o termo distúrbio (transtorno) será empregado, para descrever o conjunto de traços

sintomatológicos, manifestados por essa categoria de criminosos, como uma característica

básica necessária ao prognóstico de distúrbio de personalidade e, conseqüentemente, da

definição da sua responsabilização penal.

Ponti (1999), ao buscar definir o conceito de personalidade, esclarece que está contido

nele tanto o temperamento quanto o caráter. O primeiro é potencialidade inata que se transforma

no segundo e a personalidade nada mais é do que a organização dinâmica interior ao indivíduo

dos sistemas psicofísicos que determinam a sua adaptação única ao ambiente.

Ajuriaguerra, citando Heyer (1991, p. 323), define caráter como:

(...) uma representação de um conjunto das tendências emotivo-afetivas congênitas ou

adquiridas que regulam as relações do sujeito com as condições do meio, e, quando este
67

conjunto de tendências deixam de ser harmônicas, podem se tornar patológicas, e

definidos como patologias de caráter.

Rorschach, citando Bleuler (1973, pp. 102-106), afirma que:

(...) o caráter de um indivíduo é quase unicamente determinado pela afetividade... Sob o

nome de afetividade, reunimos os afetos, as emoções, os sentimentos de prazer e de

desprazer... Os impulsos são as descargas súbitas de afetos que se fazem acompanhar de

descargas motoras repentinas, o que corresponde à correlação entre a afetividade e a

motilidade. Os impulsos representam o mais elevado grau de labilidade afetiva.

Nessa perspectiva, a afetividade é a base de desenvolvimento do caráter, uma vez que é

nessa dimensão psíquica que o ser humano encontra estímulos para todas as suas vivências.

Quando a afetividade encontra-se comprometida, por fatores constitucionais e emocionais, que

comprometem o equilíbrio da personalidade, ocorrem transtornos de comportamento que

resultam em patologia do caráter.

A Classificação de Transtornos Mentais e Comportamentos CID-10 (1993, p. 5) define

transtorno da seguinte forma: “Transtorno é um termo usado para indicar um conjunto de

sintomas ou comportamentos clinicamente reconhecível, associado na maioria dos casos, a

sofrimentos e interferências com funções pessoais. Desvio ou conflito sozinho, sem disfunção

pessoal, não deve ser incluído em transtorno mental”.

Nesta terminologia, está inclusa a existência de vários comportamentos anti-sociais,

agressivos, impulsivos, desafiadores, repetitivos e persistentes que os homicidas, na sua

modalidade passional, apresentam nas suas relações intersubjetivas.

Trata-se, portanto, de comportamentos de ordem da conduta, pois associados a traços de

caráter.

O termo transtorno de personalidade foi cunhado por Schneider citado por Dalgalarrondo

(2000, p. 165), que a definiu como personalidade psicopática, que, pelas suas características,
68

“sofre e faz sofrer a sociedade, assim como não aprende com a experiência”.

Isso significa que no transtorno de personalidade existem alterações tanto no plano

psíquico quanto no plano das relações interpessoais. As pessoas com transtornos de

personalidade geralmente apresentam uma deficiência para conformar-se às normas, são, em

geral, transgressores. Não são facilmente modificáveis pelas experiências da vida.

De acordo com a classificação de transtornos mentais da OMS, a CID 10, citada por

Dalgalarrondo (2000, p. 166), os transtornos de personalidade podem ser definidos pelas

seguintes características:

1. Geralmente surgem na infância ou adolescência e tendem a permanecer

relativamente estáveis ao longo da vida do indivíduo.

2. Manifesta-se um conjunto de comportamentos e reações afetivas claramente

desarmônicas, envolvendo vários aspectos da vida do indivíduo, como, por exemplo,

a afetividade, o controle dos impulsos, o modo e estilo de relacionamento com os

outros, etc.

3. O padrão anormal de comportamento e de respostas afetivas e volitivas é permanente,

de longa duração e não limitado ao episódio de uma doença mental associada (como,

por exemplo, uma fase maníaca ou depressiva, um surto esquizofrênico, etc.).

4. O padrão anormal de comportamento inclui muitos aspectos do psiquismo e da vida

social do indivíduo, não sendo restrito apenas a um tipo de reação ou a uma área do

psiquismo.

5. O padrão comportamental é mal-adaptativo, produz uma série de dificuldades para o

indivíduo e/ou para as pessoas que com ele convivem.

6. São condições não-relacionadas diretamente à lesão cerebral evidente ou a outro

transtorno psiquiátrico (embora tenhamos alterações de personalidade secundária à

lesão cerebral).
69

7. O transtorno de personalidade leva a algum grau de sofrimento (angústia, solidão,

sensação de fracasso pessoal, dificuldades no relacionamento vividas com amargura,

etc.). Entretanto, salienta a CID-10, tal sofrimento pode se tornar aparente para o

indivíduo apenas tardiamente em sua vida.

8. Geralmente o transtorno de personalidade contribui para um mau desempenho

ocupacional (no trabalho, estudos, etc.) e social (com familiares, amigos, colegas de

trabalho ou estudo). Entretanto, tal desempenho precário não é condição obrigatória.

Sica (2003) sublinha que os sistemas classificatórios mais recentes - Classificação

Internacional das Doenças (ICD 10) e o DSM, proposto pela Associação Americana de

Psiquiatria - utilizam o termo distúrbio da personalidade para designar os distúrbios da conduta.

Esses distúrbios foram definidos no DSM III-R citado por Sica (2003, pp. 30-31)

como:

(...) modos constantes de perceber , relacionar-se e pensar nos confrontos com o ambiente

e consigo próprio, que se manifestam em um amplo espectro de contextos sociais e

interpessoais importantes, quando os traços de personalidade são rígidos e não

adaptáveis, causando, via de conseqüência , um significativo comprometimento do

funcionamento social e laborativo ou um sofrimento subjetivo.

Consoante essa conceituação, os distúrbios se referem à conduta social e, portanto, a

respostas mal adaptadas em contextos interpessoais. O distúrbio de personalidade não se

caracteriza, necessariamente, um distúrbio mental, permite ao sujeito uma vida de relações

suficientemente normais, sem evidentes comprometimentos sociais e/ou pessoais, embora

aquele apresente tendência a um distanciamento da realidade ambiental e das regras de

comportamento social.

4.5.1. Classificação dos Distúrbios de Personalidade

Os distúrbios de personalidade podem ser tratados de formas diversas. Seguindo o


70

enquadramento que toma por base o fato de estes pertencerem ou não a áreas psicopatológicas

específicas podem ser classificados na seguinte ordem:

4.5.1.1. Distúrbio de Personalidade Paranóide

O distúrbio de personalidade paranóide caracteriza-se como um nível avançado de

distúrbio funcional. É um distúrbio que se manifesta na adolescência ou no início da fase adulta.

Os portadores desse distúrbio apresentam déficit de aprendizagem, dificuldade nas

relações interpessoais, desconfiança invasiva sobre os outros. Normalmente acreditam estar

sendo explorados, prejudicados, enganados pelos outros de alguma forma e, por causa disso,

questionam sempre a fidelidade e a lealdade das pessoas à sua volta; não fazem confidências, pois

temem que possam ser usadas contra si; são irascíveis, sarcásticos, irônicos, chantagistas

emocionais e guardam rancor por longos períodos; não fazem auto-análise, uma vez que são

substancialmente satisfeitos de si próprios. São pessoas com tendência a um progressivo

isolamento social.

4.5.1.2. Distúrbio de Personalidade Esquizóide

O distúrbio de personalidade esquizóide é próprio de pessoas que apresentam um padrão

de afastamento persistente, um constante desconforto nas interações humanas, uma

excentricidade de comportamento e pensamento, isolamento e introversão. O indivíduo

esquizóide não mantém laços afetivos com as pessoas, mantém-se afastado; apresenta aparente

frieza emocional e insensibilidade para com normas e convenções sociais.

4.5.1.3. Distúrbio de Personalidade Esquizotípico

O distúrbio de personalidade esquizotípico pode ser definido por um comportamento

bizarro, incluindo-se experiências perceptivas insólitas, ilusões corpóreas, excentricidade de


71

linguagem de pensamento, disposição para modalidades ideativas de tipo mágico e tendência ao

auto-referimento.

A pessoa portadora deste distúrbio tem tendência ao isolamento, dificuldades para

manter relações sociais e íntimas, não tem amigo íntimo ou confidente, além dos parentes de

primeiro grau. Apresenta ansiedade excessiva em situações sociais. É previsível que a

personalidade esquizotípica resulte também esquizóides e paranóides.

4.5.1.4. Distúrbio de Personalidade Histriônico

O portador deste distúrbio tem tendência a uma particular reação a situações externas,

mostra emotividade exagerada, porém, superficial, pueril e lábil; freqüentemente considera suas

relações mais íntimas do que na verdade são; comunica-se com os outros por erotização; sente

uma necessidade contínua de atenção e apreciação pelos outros; é manipulador, dependente,

apresentando pouca tolerância à frustração.

4.5.1.5. Distúrbio de Personalidade Anti-social

O distúrbio de personalidade anti-social como propostas no DSM IV, são:

incapacidade de conformar-se às normas sociais que, desde a adolescência, se revela sob forma

de comportamento interpessoal agressivo e de afetividade grosseira e impulsiva; a origem do

distúrbio é quase sempre detectada na infância enquanto alteração da conduta à qual se associa

um amplo comprometimento do fator social. Essa situação prolonga-se no tempo sem que a

pessoa tenha consciência da doença; a diagnose geralmente não é feita antes dos 18 anos (Sica,

2003).

Segundo Coleman (1973), aos portadores de personalidade anti-social falta o

desenvolvimento ético, moral e a capacidade de comportar segundo as regras estabelecidas. São

pessoas que freqüentemente estão com problemas e em conflito com a autoridade e a disciplina,
72

e, embora inteligentes, não aprendem com a experiência ou castigo, e não conservam lealdade

real a qualquer pessoa, grupo ou código. Geralmente são imaturas emocionalmente,

irresponsáveis, impulsivas, com baixa tolerância à frustração e mau julgamento, embora sejam

capazes de racionalizar seu comportamento e justificá-lo. Apresentam incapacidade para adiar

seus prazeres imediatos; vivem no presente; não suportam a rotina. Têm necessidade de “ser

alguém” e “ter o melhor”, mas utilizam meio inadequado para isso. Gozam de habilidade para

impressionar e explorar os outros, e para fazer sofrer aqueles com quem se relacionam.

As pessoas com distúrbio de personalidade anti-social apresentam uma incapacidade de

conformar-se às normas sociais. Transgridem facilmente as leis e sentem desprezo pelos que as

seguem. Essa incapacidade de obediência às normas não impede, entretanto, o discernimento e a

volição, eles tem consciência do que fazem e conhecem a ilicitude da sua conduta, mas se sentem

superiores às leis.

A frustração e as adversidades tornam os psicopatas agressivos e impulsivos. São capazes

de cometerem atos brutais, abomináveis, embora se apresentem quase sempre de maneira amável

e de fácil contato.

Os psicopatas são instáveis e se irritam com facilidade, não sendo possível prever o seu

comportamento. Não se prendem a sentimentos, objetos, pessoas, ao presente, vivem para o

prazer imediato, pela improvisação, pelo futuro.

Desenvolvem uma agressividade elaborada, que os leva a matar e a torturar, sentindo

prazer em proceder desta forma.

A afetividade dessas pessoas é perturbada, seus estados afetivos, embora intensos, não

são duradouros. A culpa, apesar de existir, não é assumida, sempre buscam justificativas no alheio

para a sua conduta.

Na sua sexualidade predominam o excesso e as condutas perversas, na busca de um prazer

aumentado.
73

Esse quadro se manifesta muito cedo em sua história de vida. A infância é marcada por

indisciplina, incapacidade de acompanhar a escolaridade e, mais tarde, por atos infracionais.

Geralmente são advindos de lares conflituosos, onde não foram desejados pelos pais, ou

são filhos ilegítimos. A etiologia do distúrbio pode também estar ligada a problemas genéticos,

por abuso e dependência de substância química, psicoses, síndromes mentais orgânicas e retardo,

fatores sociais, entre outras causas.

Pode-se perceber, portanto, que o diagnóstico de personalidade anti-social é complexo e

depende de uma apreciação quantitativa-qualitativa dos dados e de uma avaliação da vivência do

criminoso.

4.5.1.6. Distúrbio de Personalidade Narcisista

No distúrbio narcisista de personalidade, o sujeito apresenta um sentido grandioso de

onipotência, com fantasias de sucesso, poder, fascínio, beleza e amor ideal ilimitados. Acha-se

especial e único, exigindo admiração excessiva para si mesmo. Tende a ser explorador nas

relações intersubjetivas, buscando vantagens sobre as pessoas para atingir seus objetivos

pessoais. É invejoso, arrogante e presunçoso.

4.5.1.7. Distúrbio Borderline de Personalidade

Sica (2003), citando a definição do DSM IV, descreve a síndrome como “uma modalidade

invasiva de instabilidade das relações interpessoais, da auto-imagem e do humor, bem como uma

pronunciada impulsividade que surge na primeira idade adulta e se faz presente em vários

cenários” (p. 47).

Para satisfazer a diagnose descrita pelo DSM IV, segundo a autora, são necessárias ao

menos cinco das seguintes características propostas pelo manual:

(...) sujeitos com comportamento tendente a evitar um abandono real ou imaginário que
74

freqüentemente se manifesta com esforços desesperados; instauram relações

interpessoais instáveis e intensas, atribuindo às pessoas que com eles interagem

sentimentos de idealização e de desvalorização; sua identidade revela-se sempre alterada;

na mesma esteira, sua afetividade, vez que seu humor é altamente reativo. São sujeitos

que demonstram impulsividade em ao menos três áreas potencialmente danosas, vale

dizer, sexo, abuso de substâncias entorpecentes e direção perigosa; constantemente são

tomados por sensações de vazio, às quais se associam momentos de raiva imotivada e

intensa, ameaças incontroláveis, gestos suicidas ou automutilantes. Igualmente freqüente

é a presença de ideações paranóides, com graves sintomas dissociativos transitórios

ligados a situações estressantes. (Sica, 2003, p. 47).

Segundo a autora, no distúrbio de personalidade borderline, o sujeito é incapaz de tomar

consciência de seu papel e de desempenhá-lo; embora presentes ligações com o mundo real, a

total ausência de percepção da própria identidade induz o paciente borderline a perseguir metas

limitadas, vez que não consegue enquadrar-se em um contexto externamente reconhecido. O

portador do distúrbio tem baixa tolerância às frustrações, o que pode levá-lo quer a situações em

que os estímulos recebidos do ambiente se contrapõem no reconhecimento do próprio

egocentrismo, quer a agir antes de avaliar as conseqüências de seus gestos. Tem um padrão

comportamental de instabilidade emocional e uma acentuada falta de controle dos impulsos.

4.5.1.8. Distúrbio de Personalidade Obsessivo-Compulsivo

O obsessivo-compulsivo representa um tipo de comportamento rígido, perfeccionista,

inflexível , preocupado excessivamente com detalhes, perdendo de vista o objetivo final da ação e

não a concluindo por buscar um padrão muito elevado na execução. Em geral, é avarento. Tem

dúvidas excessivas sobre suas prioridades e hierarquia a ser empregada para a execução de

tarefas, que nunca são delegadas a terceiros, a menos que estes se sujeitem a realizá-las
75

exatamente à sua maneira de fazer as coisas. É indeciso quanto aos valores morais e às escolhas

existenciais. Adere excessivamente às convenções sociais. Sua rigidez impede ou anula o prazer

nas relações interpessoais.

4.5.1.9. Distúrbio de Personalidade Ansiosa

O portador do distúrbio de personalidade ansiosa ou de evitação apresenta uma constante

inibição social, introversão e ansiosidade. Normalmente reputa-se improdutivo, desinteressante,

inferior aos outros. Acha-se incapaz de tomar decisões e de alterar a própria existência. Tem

sensibilidade extrema aos juízos negativos, e reluta em estabelecer contatos interpessoais

significativos e interações sociais, notadamente ocupacionais, principalmente por medo de

críticas, desaprovação ou rejeição.

4.5.1.10. Distúrbio de Personalidade Dependente

Os portadores desse distúrbio têm um comportamento dependente e submisso por medo

do abandono. Permitem que outras pessoas tomem as decisões importantes em sua vida pessoal e

necessitam de conselhos e asseguramento constantes por terceiros; não discordam do

posicionamento das pessoas por medo de reprovação e perda de apoio; não fazem tarefas

sozinhas; sentem desespero quando seus relacionamentos terminam, buscando uma substituição

imediata; fazem qualquer atividade em troca de ajuda e suporte. Aparentemente, esses sujeitos

têm atitudes articuladas e satisfatórias, vez que vivem o conflito em um plano pessoal e não

relacional.

Entre as alterações de funcionamento da personalidade, cujos critérios diagnósticos não

pertencem a distúrbios de personalidade específicos, merece relevo o distúrbio que segue.


76

4.5.1.11. Distúrbio de Personalidade Depressivo

As pessoas com distúrbio de personalidade depressivo são habitualmente melancólicas,

debilitadas, sem alegria ou felicidade; sentem-se desajustadas e com pouco valor; apresentam

excesso de criticidade e indisposição consigo próprias e com os outros; têm predisposição para

sentir culpa e arrependimento.


CAPÍTULO V METODOLOGIA
77

METODOLOGIA

5.1. Método Fenomenológico

O termo fenomenologia deriva das expressões gregas, phainomenon e logos.

Phainomenon (fenômeno) significa aquilo que se mostra por si mesmo. Logos é entendido aqui

como estudo descritivo. Dessa maneira, fenomenologia significa estudo descritivo daquilo que

se mostra por si mesmo (Martins, 1984).

Husserl, apud Holanda (2001) propõe a partir dessa terminologia uma fenomenologia

como ciência eidética, isto é, a busca das essências ou o retorno às coisas-mesmas. A

fenomenologia é, então, entendida como uma ciência descritiva da realidade, eidética e empírica

considerada na sua essência e universalidade. É descritiva porque parte da experiência e vivência

concreta; é eidética e empírica por ser uma reflexão sobre as generalidades e tipicidade da

vivência, e por identificar, pela sua descrição, as essências pré-existentes. A coisa-mesma é aqui

considerada como fenômeno com um significado que integra consciência e objeto.

A fenomenologia consiste, então, no resgate da dimensão das vivências, a partir da

experiência comum, pela reflexão, pelas significações da realidade e do mundo para o sujeito ator

e protagonista da sua própria história.

Segundo o pensamento de Husserl, não existe “consciência pura”, desvinculada do

mundo, uma vez que toda consciência tende para o mundo, assim como não existe objeto em si

independente de uma consciência que o perceba. O objeto é sempre para um sujeito que lhe

atribui significado (Bruns, 2001). A compreensão do Ser depende da percepção da consciência

em sua totalidade, essência e intencionalidade.

A consciência, complementa Merleau-Ponty, citado por Holanda (2001, p. 37), “não é

susceptível de uma simples constatação, mas de uma análise intencional”.

Por esse prisma, não é possível pensar no mundo, ou no homem, sem uma inter-relação.
78

A fenomenologia prioriza a indissocialização entre homem e mundo na própria estrutura da

vivência, da experiência intencional. Centraliza-se na relação sujeito-objeto-mundo. Assim, não

se atém à inquirição de fenômenos observáveis e controláveis apenas, mas à investigação das

experiências vivenciadas e aos significados que lhe são atribuídos pelo sujeito. Essa visão de

totalidade é o alicerce da própria existência do ser-no-mundo (Bruns, 2001).

A propósito, enfatiza Rezende (1990, p. 35) que “a estrutura fenomenal é uma

multiplicidade unificada por uma ordem, cujo sentido é a correspondência intencional à situação

existencial”.

Nesse sentido, o homem é concebido numa perspectiva dialética, que se realiza pela

intencionalidade. Não existe uma dicotomização entre “homem interior” e “mundo exterior”, a

existência de um envolve a do outro. A estrutura fenomenal dialética é ser-no-mundo.

Forghieri (1993, p. 15), confirmando essa visão, expressa que:

A intencionalidade é, essencialmente, o ato de atribuir um sentido, é ela que unifica a

consciência e o objeto, o sujeito e o mundo. Com a intencionalidade há o reconhecimento

de que o mundo não é pura exterioridade e o sujeito não é pura interioridade, mas a saída

de si para o mundo que tem uma significação.

Segundo Bruns (2001), a fenomenologia em Husserl, ao direcionar a compreensão da

contemporaneidade humana, a faz de modo a não reduzir o homem às suas características

corporal, espiritual, individual, social, teórico, prático, político e econômico, mas a

compreendê-lo em sua facticidade e transcendência, levando em consideração a sua vivência

histórica e reconhecendo-o como um ser capaz de administrar e de se responsabilizar pelos seus

atos, um ser com possibilidade de perceber-se nessa ambigüidade ontológica.

Nessa perspectiva, o homem é compreendido como sujeito e objeto do conhecimento

que vivencia intencionalmente sua existência, atribuindo-lhe um sentido e um significado.

Desse modo, a fenomenologia dirige-se à análise compreensiva do fenômeno. Emprega


79

recursos para abordar o fenômeno, aquilo que se manifesta por si mesmo, na totalidade da sua

essência.

Para tanto, Husserl (1965) propõe uma orientação objetiva para as coisas em si

mesmas, como se apresentam à intuição. Os fenômenos devem ser estudados na forma como se

manifestam à consciência, numa descrição intuitiva, seja como seu objeto ou como atos

intelectivos, volitivos, ou afetivos. Segundo Husserl,o único caminho para atingir a essência das

coisas é o da intuição, porque favorece uma percepção fenomenológica do Ser.

Para o autor, é somente pela fenomenologia que se pode alcançar uma objetividade

com rigor científico.

A fenomenologia, enquanto método, preocupa-se com os “fundamentos da significação”,

com o solo poiético do sentido, “com o não formulado que sustenta a formulação, com o implícito

que prepara a explicitação. Ela quer destacar as condições de inteligibilidade do próprio objeto da

investigação científica” (De Bruyne, Herman & De Shoutheete, 1977, citados por Holanda,

2001, p. 40).

O método fenomenológico possibilita uma compreensão de totalidade do indivíduo e de

sua singularidade, no contexto de sua vivência.

Para isso, é indispensável operar o processo que Husserl chamou de redução

fenomenológica, definida por Morujão, segundo Holanda (2001, p. 41), como:

(...) o conjunto de processos metódicos tendentes a elevar o sujeito da atitude natural ao

plano em que se situa a investigação fenomenológica e que consiste, resumidamente, em

pôr entre parêntese ou suspender daí também a sua designação de époché todos os dados,

convenções etc. a que se referem os atos, para volver aos atos mesmos. A redução

fenomenológica engloba uma redução eidética e uma redução transcendental. Na

primeira, passa-se, mercê de uma técnica de variações livres das notas caracterizadoras,

dos processos individuais à essência desses mesmos processos. Na segunda, põe-se


80

fundamentalmente entre parênteses a crença na existência das coisas e na existência do

mundo natural e todos os domínios que lhe estão ligados, como, por exemplo, o mundo

dos seres matemáticos, para alcançar o terreno firme da consciência pura em que o seu

correlato, que é o mundo, se transforma em mero objeto intencional.

A redução é, assim, um processo que permite acessar o fenômeno como constituinte de

uma totalidade, onde o mundo e o sujeito revelam-se, mutuamente, como significações.

Segundo Petrelli (2001), a fenomenologia se preocupa em colher relações constantes e,

por isso, significativas, entre fatos, para se chegar à compreensão singular e do conjunto de fatos.

Essa relação deve ser registrada como se desvela à consciência; num processamento objetivo que

colhe os produtos da consciência do investigado, livre de contaminações ideológicas ou de

distorções por interpretações subjetivas. Nesse sentido, afirma ter a fenomenologia uma

dimensão ética que é parte integrante do itinerário metodológico de redução proposto por

Husserl, para o qual distingue três momentos: redução teorética, eidética e transcendental.

O primeiro momento consiste na redução de todas as teorias antecedentes, precedentes e

pertencentes ao sujeito que investiga, por de meio de disciplina e ascese. A essa postura chama de

empatia, que é entrar no mundo interior do outro, na experiência do outro para colher princípios e

valores condutores, a visão de mundo, a filosofia de vida, que se fixa em depoimentos, em

memórias, fragmentos da memória, palavras ditas, negadas e não ditas pelo silêncio, que se fixam

em categorias de nomes, ou nomes que se configuram em categorias, esta consciência de si e do

outro, essa consciência do em si do outro, se desvela para mim, na sua autenticidade. Um

fenomenólogo deve, através de sua ascese, saber diferenciar a essência do objeto percebido,

investigado e a sua significação para si.

O segundo momento do itinerário redutivo consiste em ver no fato singular, na

experiência do sujeito um eidos universal. Um desvelamento na singularidade, na subjetividade

de um phatos universal: ódio, instinto de morte, inveja, ciúme, cobiça, inferioridade, impotência,
81

traição, ganância, instinto de posse, reificação do espírito, manipulação de valores, etc. A

importância desse momento é a descoberta desse universal, das essências, porque a humanidade,

o pensamento, a filosofia, a ciência em si, já o produziram em consciência e já elaboraram

sistemas de compreensão e de administração. E exemplifica o Mestre (2003): “Nós não

inventamos a roda, ela nos foi dada pela inteligência antecedente e quando estamos frente a uma

roda sabemos pela tradição como foi feita e para que serve”. Esse momento de redução eidética é

fruto de uma análise de suspensão de todas as variáveis intervenientes para colher as constantes

do fato. As leis, por exemplo, não se produzem, se descobrem operantes nos fenômenos físicos,

na ordem do espírito, constante de funcionamento do psiquismo.

Acresce Petrelli (2001, p. 24):

(...) que as essências se constituem como desvelamento ou fenomenologia do Espírito.

Elas têm uma função prática nos processos do conhecimento humano, a função de

categorizar fenômenos, eventos e situações, controlando a dispersão dos dados e

descobrindo, também, aos poucos a ordem, as leis da própria realidade. Nesse sentido, as

“essências” são verdadeiros instrumentos conceituais para o processamento da

realidade; como tais devem ser usadas, e, como todo instrumento, submetidas à validação.

No terceiro momento, as invariantes, as essências universais são retidas, para se

observarem as peculiaridades, as singularidades, as dimensões não comparáveis, específicas do

fato. Esse momento pode produzir novos eidos, universais e teorias sobre o fenômeno, uma vez

que a subjetividade é produtora de essência. Estudando um caso especifico, posso “descobrir”

uma nova razão explicativa ou compreensiva do caso que se projeta como universal e, nesse

momento, a ciência avança e a fenomenologia garante o saber antecedente, permitindo a

produção de um novo saber.

Assim, pode-se afirmar que o enfoque fenomenológico não se pauta em padrões da


82

pesquisa científica tradicional, com um procedimento metodológico canônico. O método

fenomenológico permite ao pesquisador uma forma específica de orientar sua investigação.

Conforme explica Bruns (2001), quando o pesquisador busca a compreensão de um fenômeno,

baseia-se na premissa de que o homem é sujeito e objeto do conhecimento e que vivencia

intencionalmente sua existência, atribuindo-lhe um sentido e um significado.

Entretanto, há de se destacar que não existe uma só forma de investigação

fenomenológica. Existe diversidade tanto em termos de ação metodológica na fenomenologia,

quanto em compreensões da própria fenomenologia. Em cada estudo, a ação metodológica e a

compreensão da fenomenologia ocorrem de uma forma. Há casos em que servem como

referência teórica e metodológica; em outros, como orientação reflexiva-sistemática ou como

instrumento de pesquisa.

O Rorschach é um instrumento que possibilita retratar a experiência individual do sujeito,

sua singularidade, bem como compreender sua essência universal.

5.2. Procedimentos

Para a consecução deste trabalho, optou-se pelo estudo de caso realizado através do

psicodiagnóstico Rorschach, por constituir instrumento de pesquisa que permite uma

compreensão profunda do sujeito: seu modo de ser no mundo, constituição subjetiva e

singularidade.

Neste trabalho, o processo psicodiagnóstico adquiriu uma forma de investigação

quantitativa e qualitativa, desenvolvida em uma perspectiva fenomenológica.

A pesquisa foi realizada em atores de homicídios passionais, em regime fechado na

Agência Goiana do Sistema Prisional do Estado de Goiás.

Esta seleção justificou-se pelas diferentes conclusões jurídico-penais conferidas a esta

modalidade de crime ao longo dos tempos e também pelas peculiaridades dos homicídios
83

narrados, uma vez que cada um deles leva a uma solução diversa em tema de punibilidade,

permitindo, pois, um estudo comparado com a sistemática de imputabilidade adotada pelo

Código Penal.

A coleta de dados no estudo de caso foi feita mediante o concurso de diversos

procedimentos: psicodiagnóstico Rorschach, entrevista e análise de prontuário de sentenciado.

Os testes projetivos foram aplicados por profissionais habilitados em Psicologia.

A priori, foi estabelecido contato com os participantes, onde se buscou que se

sensibilizassem quanto aos objetivos e à natureza da pesquisa. Neste contato, os participantes se

propuseram espontaneamente a colaborar com a investigação, autorizando de forma verbalizada

a entrevista e a utilização dos dados coletados na pesquisa.

Primeiramente, os participantes foram submetidos ao teste projetivo e, depois, à

entrevista. No psicodiagnóstico, foram usadas dez pranchas padronizadas, compostas por

manchas de tinta, selecionadas de modo a cumprir os requisitos de composição e materiais

exigidos para a aplicação do teste. De início, foi feita a aplicação padrão e, depois, feito o

inquérito tradicional. Neste, as pranchas foram apresentadas novamente aos sujeitos para que

atribuíssem um título e manifestassem um sentimento causado por cada uma. Cada encontro teve

uma duração aproximada de duas horas. A entrevista se processou na forma não padronizada,

com duração de duas horas. Somente o sujeito do Caso A foi entrevistado. O sujeito do Caso B,

embora tenha se submetido ao teste projetivo e se disponibilizado para a entrevista, não chegou a

ser entrevistado porque nas diversas vezes em que foi proposta a aplicação do instrumento,

sempre alegava estar sem condições emocionais para fazê-lo; sendo a sua história de vida

construída a partir da análise do prontuário de sentenciado.

A análise de documentos se processou através de fontes primárias (documentos

jurídicos), em período anterior ao da entrevista e ao da construção da história de vida, com

duração média de vinte horas. Inicialmente, foram selecionados os documentos, com posterior
84

interpretação e comparação do material coletado.

5.3. Instrumentos

Os instrumentos de coleta de dados utilizados na pesquisa, como já salientado, foram a

entrevista, a análise de documentos e o psicodiagnóstico Rorschach.

A entrevista possibilitou a obtenção de dados sobre a história de vida interior do sujeito do

Caso A, sua percepção de si mesmo no mundo, intencionalidade, percepção dos fatos que se lhe

referem, de significado dos fatos, sua estrutura de juízo, sentimentos e conduta.

Na análise de documentos foi consultado o prontuário de sentenciado, composto de vasta

documentação sobre a vida dos sujeitos pesquisados no curso do processo de aprisionamento,

que permitiu uma avaliação geral dos casos em estudo (qualificação geral, denúncia, inquérito

policial, antecedente criminal, termo de qualificação e interrogatório, sentença, progressão de

regime, ficha de ocupação e freqüência, perícias).

A análise de documentos possibilitou, no estudo do Caso B, a construção da sua história

de vida interior, na perspectiva já delineada.

O psicodiagnóstico Rorschach será tratado de forma mais detalhada no item ulterior.

5.3.1. Psicodiagnóstico Rorschach

O psicodiagnóstico Rorschach é um instrumento que permite uma compreensão profunda

da personalidade.

Arzeno (1995) acentua que o Rorschach é uma prática bem delimitada com aplicação

tanto no âmbito clínico, como também em outras áreas do conhecimento, dentre elas a forense, a

trabalhista, a educacional.

Segundo Vaz (1997), o Rorschach, embora seja um instrumento projetivo, permite avaliar

a personalidade de forma bem mais abrangente e global, considerando as variáveis quantitativas


85

e qualitativas.

Vaz (1997, pp 6-7) considera o Rorschach como um instrumento capaz de fornecer

subsídios para avaliação da estrutura da personalidade do sujeito e o funcionamento de seus

psicodinamismos. Em suas considerações, diz Vaz:

Podemos através da técnica avaliar seus traços de personalidade, o funcionamento de suas

condições intelectuais, o nível de ansiedade básica e situacional, a depressão, suas

condições efetivas e emocionais; fornece-nos condições para vermos como está a pessoa

quanto ao controle geral, quanto à capacidade para suportar frustrações e conflitos,

quanto à adaptação ao trabalho e ao ajustamento e integração humanos; impulsos,

instintos, reações emocionais, nível de aspiração, são outros elementos psicodinâmicos

avaliáveis através do Rorschach. Além disso, é um instrumento capaz de auxiliar o

examinador no diagnóstico de paciente com problemas de interferência neurológica e

com perturbação ou desvio de conduta.

Santiago (1998), ao avaliar a prática do Rorschach, acentua que o instrumento não deve

ser utilizado somente como uma conclusão diagnóstica, mas também como uma intervenção que

possibilite a pessoa, uma vez dimensionada suas dificuldades, compreender como se relaciona

consigo, com o mundo e os objetos, bem como de se perceber como campo de possibilidades.

Segundo Augras (1998, p.10), diagnosticar significa “identificar e explicitar o modo de

existência do sujeito, no seu relacionamento com o ambiente, em determinado momento”.

Por esse prisma, o diagnóstico é processual, busca a maneira de ser do sujeito no contexto

em que vive, em um dado momento. Desse modo, nem sempre será detectada uma patologia, a

personalidade pode ser normal, não exigindo intervenção ou terapia. O diagnóstico permite

identificar em que ponto desse processo se encontra o sujeito, detectando áreas de bloqueio ou de

desordem e avaliar as suas possibilidades de expansão e criação.

O Rorschach é um teste projetivo de conteúdos inconscientes da personalidade e um teste


86

avaliativo de estruturas e dinâmicas da personalidade.

No campo penal, o psicodiagnóstico Rorschach se apresenta como um instrumento

válido para o sistema jurídico, na medida em que permite diagnosticar o criminoso em seus

aspectos positivos e/ou traços psicopatológicos de personalidade, de modo a se poder definir a

responsabilidade de seus atos, o reconhecimento das normas e das regras sociais, para um

julgamento e uma profilaxia mais adequados ao delito.

Petrelli (2003), ao especificar o campo de atuação do Rorschach no âmbito penal,

considera tratar-se de um instrumento valioso e com vasta aplicação, assim sintetizado:

a. Simulação de doença mental;

b. Configurações que desestruturam e deterioram a personalidade fugindo dos

paradigmas convencionais da psicopatologia;

c. Análise (Anatomia) da agressividade, auto ou eterodestrutiva, canalizada,

simbolizada ou impulsiva primária avaliando-se os riscos para a incolumidade da

comunidade e indicando-se com segurança a natureza episódica ou permanente da

mesma;

d. Seqüelas psicológicas da condição de vítima (s) por violências físicas sexuais

psicológicas e morais;

e. Estudo detalhado da personalidade do detento, a fim de classificação e orientação para

tratamento e encaminhamento para medidas alternativas. Neste estudo, suma

importância assume a avaliação das “motivações” e das intenções do detendo ante as

reais e verdadeiras condições de “regeneração” incluindo-se, também, nesta

avaliação, os limites dados por estados de doença mental;

f. Estabelecimento, com justificações científicas da impropriedade do regime carcerário

para portadores de doenças mentais e outros distúrbios psíquicos;

g. Avaliação da “credibilidade” das “testemunhas” quando “verdadeiras”, mesmo no

estado de menor idade; quando intencionalmente falsas, e quando incapazes de


87

distinguir imaginação e realidade dos mitômanos que confabulam acometidos por

delírios;

h. Estudo dos lados ocultos, complexivos e conflitivos da personalidade na origem de

condutas reprováveis e criminosas, incluindo a “omissão” e a “desatenção seletiva”;

i. Determinação como “objetividade” de indicadores “quantitativos”, de estruturas e

dinâmicas de personalidade que ofereçam ao juiz com clareza os elementos

psicológicos para a imputabilidade, a não imputabilidade e a semi-imputabilidade.

Segundo Petrelli (2003), diagnosticando o indivíduo imediatamente, paralelamente se

desvela o sistema em que ele convive. O diagnóstico do sujeito produz o diagnóstico da

sociedade, do sistema. Em causa não está apenas a história antecedente do sujeito, a sua razão, as

representações de si e do mundo, mas a história presente, o impacto dele como sujeito com a

impiedosa estrutura penal e carcerária. No diagnóstico, as variáveis da agressividade não se

referem apenas à personalidade do sujeito, mas ao presente interativo, extremamente

significativo e significador com o sistema penal e carcerário.

Para Petrelli (2003), a desvantagem dos testes que detectam níveis e modalidades de

agressividade é deixar tudo a cargo do sujeito, agravando a sua posição e isentando o sistema

indutor. A agressividade não é percebida no tempo e no espaço. O sujeito não é percebido num

presente interativo com uma instituição violenta.

Nesta perspectiva, o psicodiagnóstico Rorschach não colhe o sujeito na sua história

passada, mas nas suas interações presentes com um sistema penal e carcerário violento,

impiedoso, em que os níveis de agressividade tendem a aumentar.

Logo, não se pode defender o Rorschach como um instrumento absoluto de diagnóstico

do sujeito, mas Rorschach com o sistema jurídico penal. O sujeito reage a situações presentes e

não antecedentes, sendo necessário, portanto, integrar os dados Rorschach com os dados da

história de vida interior, para a obtenção de um núcleo profundo de personalidade. Quando se


88

constrói um diagnóstico em um homicida em situação de encarceramento, não se está colhendo

uma personalidade livre de contextos presentes, mas dentro de um contexto violento, frio e

impiedoso.

Isso impõe ao psicólogo um enfrentamento ao desafio, ao dilema de uma personalidade

“pura”, na essência, se for possível, da sua intencionalidade e de seu projeto de vida.

Sugere que como referência para o processo de imputação penal do sujeito, o

psicodiagnóstico Rorschach seja aplicado antes do processo de encarceramento ou incontinenti

a ocorrência do fato delitivo

Os testes psicológicos aplicados em situação de encarceramento servem mais para um

processo de acompanhamento psicológico e terapêutico do sujeito e de enfrentamento da sua

nova, delicada e arriscada situação de vida como reeducando do que para um serviço com

produção de informações para o sistema penal.

Deixa-se, neste momento, de fazer uma descrição do processo psicodiagnóstico

Rorschach, por exigir a aplicação e exame do teste, o conhecimento de estruturas e dinâmicas

psíquicas específicas, próprias do domínio de profissional qualificado.

5.4. Sujeitos do Estudo

Participaram deste estudo dois (2) atores de crime de homicídio passional, em situação de

encarceramento na Agência Goiana do Sistema Prisional do Estado de Goiás - Centro

Penitenciário, do sexo masculino, com 39 e 47 anos, de classe social baixa.

5.5. Análise e Interpretação dos Dados

Os casos selecionados para compor este estudo foram definidos a partir de conclusões

jurídico-penais conferidas ao homicídio, compreendido a priori nos casos estudados como

passional.
89

Esta seleção justificou-se, conforme antes salientado, pelas diferentes conclusões

atribuídas ao homicídio passional pelo sistema jurídico penal brasileiro e também pelas

peculiaridades dos crimes narrados, uma vez que cada um deles leva a uma solução penal

“curativa” diversa em dois atores distintos, permitindo, pois, um estudo comparado claro e direto

com a sistemática de imputabilidade adotada pelo Código Penal.

Assim, por meio do estudo dos casos tratados a seguir, pretende-se ilustrar as várias

facetas da personalidade dos sujeitos pesquisados, deixando entrever como não há conexão

lógica entre distúrbios de personalidade e incapacidade de autodeterminação e como estes

aspectos, no mais das vezes, podem estar na raiz da criminogênese e na criminodinâmica dos

fatos considerados como socialmente desviantes. E, certamente, evidenciam a imensa

complexidade que envolve a tarefa de definir o grau de consciência e de autodeterminação de um

ser humano em um momento tão extremo e, de conseqüência, de um sistema penal reeducativo

capaz de abranger estas especificidades.

5.5.1. Caso A

Em 27 de dezembro de 1996, A.C.C., aos 40 anos de idade, matou sua ex-esposa, movido

pelo ciúme e pela impossibilidade de obter seu objeto de desejo. Foi processado, julgado e

condenado por homicídio qualificado.

A.C.C. nasceu em 01.05.1956, neste Estado, comerciante, religião católica, separado

judicialmente da primeira esposa, pai de três filhos do primeiro relacionamento e de dois, o

segundo.

Em entrevista disse que seus pais são casados há 65 anos, que sempre manteve um

relacionamento melhor com a mãe, em razão de o pai ser muito fechado. Afirma que a família é

muito unida, apontando como único problema o ciúme que sente pela irmã, a ponto de segui-la

quando está com o namorado.


90

O relacionamento com as pessoas fora descrito como normal, sempre foi uma criança

com muitos amigos, assim como as formas de divertimento e de uso do tempo livre. Na escola,

não apresentou dificuldades em aprender. Concluiu o segundo grau, chegando a prestar o

vestibular para o curso de Odontologia por duas vezes.

Casou-se com a vítima aos 19 anos, em razão de a mesma ter ficado grávida. Argumenta

que, por vários anos, o matrimônio transcorreu em boa harmonia. Entretanto, quando a vítima

passou a trabalhar fora do lar, as brigas começaram, em razão das suas companhias que, em geral,

eram formadas por amigas solteiras ou separadas. Quanto aos filhos, alegou que o

relacionamento foi bom antes do homicídio e que nunca mais os viu depois do fato.

Segundo o que consta das peças processuais do prontuário de sentenciado, A.C. C. e a

vítima foram casados por quase vinte anos, sendo a sua vida conjugal bastante tumultuada e

marcada por constantes desentendimentos e discussões, por ser A.C.C. muito ciumento e

possessivo. Essa situação perdurou até o mês de março de 1996, quando a vítima saiu do

apartamento em que moravam, levando consigo os filhos do casal, passando a residir na casa de

seus pais. A.C.C., inconformado pelo abandono da esposa, passou a visitá-la diariamente,

assediando-a e pressionando-a para que retornasse para a residência de ambos. Não suportando a

insistência de A.C.C., a vítima voltou a morar na mesma residência com ele, por causa dos filhos,

mas sob a condição de promoverem a separação judicial e de não manterem relacionamento

sexual. No início, A.C.C. aceitou as condições impostas pela vítima, tanto que vieram a se separar

judicialmente em maio de 1996.

Entretanto, passado algum tempo passou a exigir que a vítima mantivesse relações

sexuais com ele, tentando retomar o relacionamento conjugal, o que foi terminantemente

recusado por ela. O fato despertou a sua ira, e ele, a partir de então, começou a acusar a vitima de

manter relacionamento amoroso com outros homens, a ponto de contratar um detetive particular

para segui-la, mas sem nada provar. Mais tarde, a vítima iniciou um relacionamento amoroso
91

com seu instrutor de auto-escola, mantendo relações sexuais esporádicas. A.C.C., desconfiado

que a vítima estava mantendo relacionamento amoroso com outro homem, adquiriu um revólver

e começou a intimidá-la com ameaças, tendo-a, inclusive, obrigado a o acompanhar até um

cemitério, onde lhe disse que preferia matá-la a ter que se separar dela e que, em breve, ela iria

morar no cemitério de vez, ocasião em que ainda a agrediu fisicamente, demonstrando clara

intenção de vingar a rejeição da vítima.

Na data do crime, a vítima solicitou a seu filho que a levasse ao Flamboyant Shopping

Center. A.C.C., que acabava de chegar a sua casa de táxi, passou a seguir a vítima, a certa

distância. A vítima se dirigiu até o estacionamento daquele centro de compras, onde era

aguardada por P.J.F., saindo juntos para um motel.

Poucos minutos depois, A.C.C. pulou o muro do motel e, encontrando o quarto da vítima,

interpelou sobre o que estava acontecendo. Em seguida, calmamente, pediu que P.J.F. se retirasse

do local, para que pudesse resolver sua situação com a vítima. Ali permaneceram tempo razoável,

conversando civilizadamente sobre a hipótese de se separarem definitivamente. Durante aquele

período tomaram cerveja, A.C.C. fumou alguns cigarros e, em momento algum, discutiu ou fez

ameaças à vítima, dissimulando sua real intenção de matá-la, logo após deixarem o quarto de

motel. A.C.C. e a vítima se dirigiram à portaria, para acertar a conta, ocasião em que ambos se

mostravam aparentemente calmos. Saíram do motel a pé, caminhando pela rua e, minutos depois,

distanciando-se cerca de um metro da vítima, que caminhava à sua frente, sem nada dizer sacou o

revólver que trazia consigo e, sem lhe dar qualquer chance de defesa, alvejou-a covardemente

pelas costas, desferindo-lhe um tiro na parte posterior da cabeça, matando-a instantaneamente,

como já havia premeditado, evadindo-se, em seguida, do local do crime.

Interrogado em juízo acerca dos acontecimentos no dia do crime, A.C.C. recordou-se com

detalhes das circunstâncias do fato e de tempos pretéritos do relacionamento do casal, deixando

claro que o fato delitivo decorreu da rejeição da vítima em manter com ele um relacionamento
92

conjugal, o que o levou a sentir-se ofendido em sua honra íntima.

Segundo A.C.C., ao saírem do motel, a vítima começou a agredi-lo chamando-o de

“palhaço”, “veado”, dizendo que nunca foi homem, que não gostava mais dele, solicitando que se

afastasse de sua vida, que seu amante “era mais gostoso”, momento em que foi empurrado e

agredido pela vítima com um tapa no rosto; a partir de então não viu mais nada, perdeu a cabeça e

a matou.

A defesa sustentou como teses a de semi-imputabilidade fundamentada em

psicodiagnóstico que atribuiu como causa do homicídio surto psicótico isolado e a de homicídio

privilegiado por perturbação mental, provocada por violenta paixão, seguida de injusta

provocação da vítima.

O laudo apresentado por A.C.C foi contraposto por perícia judicial que afastou o

diagnóstico de distúrbio da personalidade.

A acusação repeliu a tese de homicídio privilegiado, aduzindo que o criminoso agiu com

frieza e premeditação para executar a vítima de forma covarde e com recursos que

impossibilitaram a sua defesa e a descoberta do crime. Pediu a sua condenação nos termos do art.

121, parágrafos 2º, I e IV, do Código Penal.

O Conselho de Sentença, por unanimidade de votos, reconheceu a autoria e a

materialidade do delito e, por maioria de votos, rejeitou a tese de semi-imputabilidade e o

privilégio. O réu foi condenado nas sanções do art. 121, parágrafo 2º, IV, a 14 (quatorze) anos e

seis meses de reclusão, em regime fechado.

Interposto recurso ao Tribunal de Justiça de Goiás, a sentença foi mantida por seus

fundamentos.

No Centro Penitenciário, foi submetido ao psicodiagnóstico Rorschach. Durante a

aplicação do teste, apresentou baixa produtividade, porém suas respostas foram de boa qualidade,

dentro dos parâmetros de normalidade exigidos pelo teste. A.C.C. se desvelou em Rorschach
93

com uma descrição pormenorizada de detalhes, do que emerge, entre outras coisas, uma

estrutura cognitiva íntegra, capaz de identificar, elaborar e sintetizar fatos e eventos da realidade,

podendo exercer julgamento e tomar decisões.

O teste revela também uma pessoa extremamente rígida, formal, a ponto de perder a

espontaneidade, com valorização do controle intelectual em detrimento do contato espontâneo,

afetivo.

Não apresenta indicativos de ter sofrido traumas que resultassem em marcas profundas,

também não há indícios significativos de patologias.

Em relação ao outro, demonstra capacidade de reconhecimento como diferente de si.

Possui energia de vida, intencionalidade em pôr em prática seus projetos. Boas estruturas

cognitivas para lidar com auto-imagem, mas sua construção afetiva é carregada de valores

destrutivos, depreciativos, críticos e disforias, sugerindo culpa, arrependimento, de consciência

do mal que fez. Tem medo de enfrentar um juízo sobre si mesmo. Existem setores da experiência

inexplorados, que não quer explorar e que, se explorados, impediriam o crime passional.

Também apresenta uma certa dificuldade em enfrentar frente a frente e integralmente a

figura masculina e a figura de autoridade. Esta situação de enfrentamento causa-lhe mal-estar.

Nota-se, então, uma inversão de valores, bem como uma dificuldade de lidar com

aspectos de sua afetividade, com suas emoções. Consegue se manter bem, desde que esteja sob

um controle racional, porém, quando é solicitado emocionalmente e afetivamente, ele não

mantém um controle satisfatório, não apresenta um equilíbrio entre racionalidade e

emocionalidade. Apresenta sentimentos de morbidez, desvitalização, depreciação, mal-estar,

diante das solicitações do mundo.

Apresenta uma visão não integral da sexualidade. Não integra de forma satisfatória a

sexualidade feminina com a masculina, tem dificuldade no relacionamento de intimidade,

autêntico. Apresenta uma dimensão libidinosa racionalizada, determinada, o que revela controle,
94

posse sobre o objeto de desejo, o corpo da mulher, sua genitalidade, a sua sensualidade. Não

valoriza a mulher pela sua inteligência e qualidades. A mulher é para ele um objeto da libido.

Desvela uma atenção seletiva e uma desatenção sobre a integralidade da mulher. Aspectos

estruturais importantes de uma situação são omitidos. Este apego a determinadas dimensões

pode explicar, em parte, o delito. O crime passional ocorre quando o indivíduo desconsidera

conseqüências éticas e situações da realidade. Quando A.C.C. cometeu o crime, desconsiderou

situações que poderiam ser percebidas. É característica humana o mecanismo de centramento da

atenção e, também contemporaneamente, uma desatenção sobre aspectos da realidade; daí a

prática do crime passional. Se A.C.C. tivesse pensado em todas as conseqüências, talvez não

tivesse praticado o crime. É característico do homicida passional uma estrutura de personalidade

cega, seletiva, exclusiva, em determinados acontecimentos de contexto; apenas se apega a

determinadas dimensões e desconsidera o todo.

A.C.C. reduziu a mulher à sua genitalidade. Ele não a via como um ser humano, que tem

necessidades e aspirações. Apropriou-se de uma relação de posse doentia da genitalidade da

mulher, desrespeitando suas outras exigências. Transformou a mulher em objeto sexual. Não

valorizava a mulher por outras características e qualidades. E, ao lhe ser negado o objeto de

desejo, vingou-se, destruindo-a.

5.5.1.1. Conclusões

O comportamento de A.C.C. pretérito e no dia em que se concretizaram os fatos pelos

quais responde não apresenta características que legitime o diagnóstico de personalidade

psicopática ou de homicídio privilegiado fundamentado na violenta emoção, logo em seguida à

injusta provocação da vítima.

O diagnóstico de personalidade de A.C.C. não desvela a existência de distúrbio de

personalidade de nível psicopático, esquizofrênico ou paranóico. Embora A.C.C. apresente traços


95

psicopatas, o crime foi um evento esporádico em sua vida. O psicopata caracteriza-se em um

projeto, um plano de vida, uma ordem técnica perversa, que aqui não se vê. O crime passional se

insere em uma personalidade normal, como um episódio. É característico de um rapto da razão,

da emoção, dentro de uma configuração normal de personalidade.

No caso, a capacidade de entender e de dirigir suas ações no momento dos fatos, não

estava comprometida. A.C.C. agiu com racionalidade intencional, controle, deliberação, frieza e

premeditação. Evocando seus próprios motivos, arvorou-se em juiz e executor. Deliberou,

decidiu e executou a vítima, com emprego de recurso que impossibilitou sua defesa. Portanto,

não praticou o crime sob o domínio de violenta emoção. A paixão que moveu o crime decorreu do

sentimento de ódio, vingança, possessividade, ciúme e frustração pela perda do seu objeto de

desejo. Ao reagir a sangue frio, como se estivesse praticando uma ação normal, demonstrou que

não sentiu a provocação da vítima, que não houve mácula à sua honra interior. Mesmo porque os

motivos que levam ao crime passional não guardam relação com o sentimento de honra. A

violenta emoção somente configura o privilégio se a reação do agente ocorrer logo em seguida à

injusta provocação da vítima. O comparecimento ao local do crime armado, demonstrando estar

preparado para matar, afasta o privilégio. Por outro lado, o desejo de rompimento do

relacionamento ou eventuais críticas ao comportamento do ex-companheiro não podem ser

considerados suficientes para causar violenta emoção e sentimento de injustiça e, por

conseqüência, a destruição da vítima.


96

5.5.2. Caso B

Consoante o prontuário de sentenciado, J.P.G. é natural de Ouvidor, interior de Goiás,

nascido em 15.10.1961, viúvo, católico e lavrador.

Segundo consta da peça acusatória, J.P.G., na madrugada de 8 de maio de 1997, avistou a

vítima, C.S.L., em um bar na Av. T- 63, Setor Nova Suíça, Goiânia - GO, foi ao seu encontro,

assustou-a e, em seguida, passou a desferir-lhe vários golpes de faca, provocando-lhe lesões que

causaram a sua morte.

J.P.G e C.S.L. eram amasiados e estavam separados por ele haver agredido fisicamente a

sobrinha da vítima que morava com eles. Após a agressão, a vítima teria falado a J.P.G. que ele não

amava os seus filhos, dizendo que não era o pai biológico, solicitando que fosse embora de sua

casa, o que foi feito.

Após a separação, encontrou com a vítima e se ofereceu para voltar a morar com ela,

mesmo sabendo que o traía. A vítima não aceitou a proposta. Ante a rejeição, e a partir de então,

passou a andar armado com uma faca do tipo peixeira, com o escopo de vingar-se da vítima.

No dia do delito, J.P.G. passava perto de um bar quando avistou a vítima e foi ao seu

encontro para uma nova tentativa de reconciliação, mas foi humilhado por ela. A vítima teria dito

que não queria se reconciliar, que tinha nojo dele, solicitando que se afastasse de sua vida. Houve

uma calorosa discussão e, em seguida , J.P.G. passou a desferir-lhe golpes de faca e, vendo-a

desfalecida, fugiu do local.

J.P.G. foi condenado nas sanções do art. 121, “caput”, do Código Penal, a dez anos e dois

meses de reclusão, em regime fechado.

O Conselho de Sentença, por maioria de votos, rejeitou as teses de legítima defesa da

honra e do homicídio privilegiado, sustentadas pela defesa.

No episódio de 2 de dezembro de 1989, J.P.G., nas proximidades da Fazenda Paraíso do

Baixo, Município de Ouvidor-GO, utilizando uma corda, asfixiou a sua primeira esposa
97

G.M.A.P., causando a sua morte.

Consta, na denúncia, que J.P.G. e a vítima saíram juntos da fazenda onde moravam,

montados em um cavalo e que ao retornarem cometeu o delito. Logo após, foi visto sozinho se

comportando de maneira estranha, próximo ao local onde havia deixado o corpo da vítima.

Incontinenti, dirigiu-se até a sua residência, apanhou algumas roupas e fugiu.

No interrogatório judicial, disse que a vítima morreu acidentalmente na queda provocada

pelo cavalo que os transportava e que a asfixia teria sido provocada por uma “gravata” para evitar

a queda.

A perícia técnica afastou a hipótese de acidente em razão das escoriações no pescoço da

vítima, que evidenciaram tratar-se de asfixia mecânica. Ainda as testemunhas que estiveram no

local, logo após o crime, confirmaram a existência de sinais de luta nas imediações de uma grota

onde a vítima foi enforcada. Somam-se aos fatos as brigas anteriores do casal, a suspeita de

traição por parte da vítima, o medo que a mesma tinha do criminoso nos dias antes do crime,

expressado para a sua mãe.

A tese de homicídio culposo defendida pela defesa foi afastada. J.P.G. foi condenado pelo

crime a treze anos, sete meses e treze dias de reclusão, em regime fechado, nos termos do art. 121,

parágrafo 2º, III (4ª figura), c/c o art. 61, II, “e” (última figura) e art. 64, do Código Penal.

J.P.G. foi preso em 8 de maio de 1997 na Casa de Prisão Provisória e transferido para o

CEPAIGO, atual Agência Goiana de Sistema Prisional do Estado de Goiás, em 1 de setembro de

1999, onde ficou recolhido até 10 de agosto de 2001, quando foi deferido o pedido de progressão

do regime fechado para o semi-aberto.

Submetido a exames periciais no Centro Penitenciário, para o procedimento de

progressão de regime, mostrou-se, em todos os colóquios, perfeitamente lúcido, coerente,

participante, bastante disponível, com condições de compreender e expressar o seu pensamento

de maneira ordenada. Demonstrou ser dotado de memória precisa sobre fatos passados e
98

presentes. Foi capaz de lembrar todo o acontecido nos dois eventos criminosos, não apenas como

uma sucessão de fatos, mas também fornecendo uma descrição de suas motivações, esforçando-

se em esclarecer os estados de ânimo que o haviam levado aos delitos. Desde o primeiro encontro,

admitiu ter matado as vítimas. Na prática, a versão dos fatos, coincide com aquela que forneceu

nos interrogatórios judiciais, peças acusatórias e sentenças condenatórias.

Em ambos os colóquios, recordou-se de uma infância associada ao trabalho no campo,

junto com os pais e os irmãos. De uma família de nove irmãos, era o mais novo. Enfatizava

sempre a importância da instituição familiar, concluindo por um ótimo relacionamento com os

seus familiares. Iniciou seus estudos aos dez anos, concluiu apenas até a 3ª série do primário,

alegando dificuldades de aprendizagem. Não menciona precedente psicopatológico próprio ou

em família.

Aos 22 anos de idade, conheceu G.M.A.P (a primeira esposa), com quem se casou e teve 2

filhos. Por ser apegado aos seus pais continuou a residir próximo deles. Três anos após, seu pai

vendeu a fazenda e o reeducando resolveu continuar vivendo ali com a sua família por três anos.

Constatando que a esposa o estava traindo com o gerente da fazenda, mudaram-se para outra

cidade.

Em 1989, após ter cometido o crime, foi morar com seus pais, quando, então, conheceu

C.S.L (sua amásia), com quem namorou dois meses e, logo em seguida, passaram a viver juntos.

Ela era divorciada e tinha dois filhos que moravam com a avó.

J.P.G. e C.S.L. mudaram-se para Goiânia, em busca de uma vida melhor. Alega que

durante seis meses viveram em harmonia, depois a vítima começou a traí-lo com um primo. Em

um momento em que se sentiu humilhado matou a vítima.

Na primeira perícia, J.P.G. foi submetido a uma avaliação psicológica individual,

consistente em observação clínica e teste gráfico: H.T.P e Teste das Cores de Lüscher, da qual

emergiram algumas considerações. Durante os testes, J.P.G. mostrou causar impressão favorável
99

para ser considerado como personalidade especial. Constantemente alerta, comportou-se de

modo a poder verificar se estava obtendo o êxito esperado e como os outros estavam reagindo;

isto o fazia sentir que estava controlando a situação. Para esse fim, utilizou tática inteligente.

Demonstrou estar preso a uma situação desagradável, sentindo-se impotente para

remediá-la; irado e descontente, em razão de pôr em dúvida sua capacidade de alcançar suas

metas, mostra-se frustrado quase a ponto de chegar à depressão nervosa. Quer escapar, sentir-se

menos inibido e livre para tomar suas próprias decisões.

Com a vitalidade esgotada, apresenta intolerância a qualquer estímulo ou a exigências

feitas aos seus próprios recursos. Esta sensação de incapacidade leva-o à agitação e intensa

angústia, fazendo-o fugir para um mundo ilusório, onde as coisas estejam mais ao seu gosto. Isso

evidencia uma vontade criminosa, onipotência.

No curso dos testes não apresentou alterações de natureza psicótica.

O parecer da Comissão Técnica de Classificação foi favorável à concessão da progressão

do regime fechado para o semi-aberto.

No segundo momento de avaliação psicológica, J.P.G. evidencia necessidade de

reconhecimento. É ambicioso, quer impressionar e ser respeitado, ser popular e admirado,

procura transpor a lacuna que o separa das outras pessoas. É impulsivo e irritável. Seus desejos e

as ações a ele relacionadas são de suma importância, dando pouca atenção às suas conseqüências.

Isto leva a tensão ou conflito, ou é originário de conflito e tensão.

Egocêntrico, ofende-se com facilidade, o que o deixa bastante isolado em suas ligações.

A restrição ou limitação desagradável leva-o à tensão.

Existe uma megalomania, um sentimento incoerente de plus valia. Em razão disso, quer

se defender, o que justifica qualquer ato criminoso, que, depois, é interpretado como legítima

defesa. Cria um imaginário, uma honorabilidade de perfectibilidade, que, uma vez desfeitos pela

própria inconsistência, paranoicamente procura o agressor, elimina-o, apelando para o crime de


100

honra.

Segundo Petrelli (2003), a única atenuante neste caso poderia ser um resíduo de uma

epilepsia, que justificaria, em parte, a irritabilidade e a impulsividade ou a ação explosiva. Mas,

por outro lado, na execução dos dois homicídios, houve um planejamento, que manifesta

mecanismos psíquicos em longo prazo (como carregar uma peixeira, planejar uma saída a

cavalo), que, em princípio,descaracteriza a incidência de epilepsia. O fato de serem as vítimas

do sexo feminino denuncia ser acometido por uma fobia genital feminina primária, provocada

por complexos de inferioridade e de impotência masculina, como tramas profundas e

inconscientes da personalidade.

Necessita de liberdade para reafirmar as suas próprias convicções e princípios e para

obter o respeito inerente a qualquer cidadão. Deseja aproveitar-se de toda oportunidade possível,

sem ter que se sujeitar a limitações ou restrições. Desejo de controlar o próprio destino.

Não apresentou alterações de natureza psicótica.

Conclusão do laudo pericial, novamente favorável à progressão de regime.

Solicitado novo exame criminológico, J.P.G. foi submetido ao Psicodiagnóstico

Rorschach, do qual emergiu uma potencialidade muito baixa, que indica patologias. E, embora

apresente uma estrutura cognitiva preservada, tem uma visão desvitalizada, fragmentada do ser

humano. Para ele não existem pessoas, mas segmentos, órgãos, partes e se gratifica com isso. Há

perda de humanidade, pobreza filogenética, cultural, ética. É um ser primitivo, destruidor, com

permanente periculosidade. Portanto, não poderia ser agraciado com a medida de progressão do

regime fechado para o semi-aberto.

J.P.G. não reconhece a alteridade, o outro, a si mesmo, o que dificulta estabelecer uma

relação de intimidade, verdadeira e autêntica. Isso reforça a tese de periculosidade. Não

desenvolveu satisfatoriamente a sua afetividade. Não percebe o outro, não o reconhece como

humano, não vê as suas necessidades, seus sofrimentos.


101

Apresenta uma indisponibilidade de energia de vida necessária para colocar em prática

os seus projetos, falta de motivação, sentimento de inferioridade, um bloqueio vital. Isso pode

ser em conseqüência de problemas orgânicos, traumas, choque emocional, depressão ou tensão

forte.

Não apresenta uma sexualidade bem integrada e estruturada. Tem dificuldades para

estabelecer relacionamentos sociais e em grupo.

Tem boa noção das normas e das regras sociais, mas as transgride a serviço de suas

satisfações pessoais. É uma pessoa que aplica a inteligência para realizar as suas fantasias

perversas, imaturas.

5.5.2.1. Conclusões

As investigações periciais, em específico, o diagnóstico Rorschach desvelaram uma

estrutura carateropática. A disponibilidade e a aplicação da inteligência para análise da

realidade, da discricionariedade do bem e do mal são utilizadas a serviço das suas paixões, dos

seus sentimentos de inferioridade, de impotência, a serviço de suas fantasias megalômanas.

J.P.G. não matou ambas as vítimas em estado emocional e passional, tampouco por acidente.

Matou suas mulheres por ser um perverso, um degradado ético. É um criminoso sujeito a

cometer crime não somente em função de paixões, mas por qualquer provocação. É um assassino

que mata por matar. Uma vez posta em jogo a vingança, a cupidez insaciável, a vaidade ferida, os

seus instintos cruéis de homem primitivo afloram e o despojam do pudor e da compaixão. Matar

torna-se uma imperiosa necessidade que não mais pode dominar. É um primitivo ético e cultural.

É um sujeito que tem controle sobre a realidade, mas dispõe de mecanismos a médio e a longo

prazo, aplicados para a execução do crime. Dispõe de uma discricionariedade em nível

cognitivo do bem e do mal, mas que não detém, não contém, não inibe o primitivismo ético. Tais

condições não configuram enfermidade orgânica, mas ética, justificando a afirmação de Kurt

Schneider (1954) de que a psicopatia se torna o grande escândalo para a Psiquiatria, definindo-a
102

como síndrome da ausência ética, administrada por sua própria lógica. Portanto, é imputável, do

ponto de vista psicológico e jurídico-penal, por ter suficientemente íntegra a capacidade de

entender e de querer.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
103

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A história do homem desde os primórdios da humanidade é repleta de violências

manifestadas pelos mais variáveis fundamentos, todas, entretanto, mutatis mutandi, calcadas no

primitivismo, na sua vulnerabilidade à degradação ética.

Basta uma alteração no psiquismo, provida por estados afetivos, distúrbios psicóticos,

conflitos intersubjetivos, dentre outros, para que os conteúdos agressivos predominem e o

instinto de morte (thanatos), de destrutividade e de crueldade se manifeste, subjugando seu

componente ético, inteligência e racionalidade.

Essa tendência revela que a agressão destrutiva é um potencial humano enraizado nas

vivências humanas, indicando como ponto fundamental do estudo da violência a compreensão

de como os seres humanos desenvolvem a percepção do eu e do outro, bem como do que sentem

por eles mesmos e pelos outros. Adentrar as suas razões explicativas, correlações, situações

estruturais, contingências que a incitam configura pressuposto para a compreensão da violência

humana. Por esse prisma, o crime deve ser enfocado como fenômeno real, humano. E, como tal,

pode ter uma motivação etiológica, causal e fatorial diversa, que deve ser apreendida e avaliada

criteriosamente no processo de imputação e de penalização do sujeito. Cada crime é um caso

único, como cada pessoa, com sua história, é particular; portanto, não pode ser avaliado de forma

sistemática, esquemática, despida da sua relação com a realidade. Como bem asseverou Thoreau

(1986, p. 175), “o mais sábio dos homens não se dedica a pregar doutrinas; ele não tem uma visão

esquematizada; ao olhar para o céu não vê as vigas do telhado nem as teias das aranhas. Ele

enxerga o céu limpo.”

O estudo do crime de homicídio passional desvela que o estado emocional e a paixão

não podem ser usados como componentes para aplicação do privilégio disposto no art. 121,
104

parágrafo 1º do Código Penal ou como atenuante genérica (art. 65, III, c) ou como circunstância

especial de diminuição da pena (art. 28, I), senão para explicar o delito.

O homicida passional não mata por amor, por honra ou por acometimento de um estado

de violenta emoção. Mata por degrado ético e cultural.

Não se mata por amor. O homicídio passional é sempre expressão de um demoníaco-

destrutivo, de um agressivo-destrutivo; resquício de um direito primitivo e arcaico, que legitima e

justifica a violência. O homicida passional considera o objeto de amor como objeto de posse,

retirando do outro, a priori, o direito à liberdade, o exercício da livre escolha na relação de

intimidade amorosa; é sempre expressivo de um desprezo aos direitos da pessoa. Também

expressivo de relações que não atingiram a maturidade do eu e tu, mas que ficaram nos níveis

primários do eu isso (Martin Buber, 1957), nos quais o parceiro potencialmente tu é reificado,

despiritualizado, desumanizado, reduzido à pura matéria.

A violenta emoção, do ponto de vista jurídico, é caracterizada por um estado emocional,

de ânimo e de sentimento excitado, que impede a capacidade de entender e querer do homicida.

Pressupõe, ainda que temporariamente, um prejuízo integral da consciência.

Considerados esses pressupostos, os conexos afetivos que levam ao homicídio passional

não guardam relação adequada à previsão legal. No homicídio passional, o sujeito mantém

íntegros os aspectos afetivo e cognitivo da consciência no momento do crime. Eis que na

operacionalização do crime mantém-se vigil e atento, dá-se conta da situação, tem noção do

injusto e determinação de vontade.

A condição psíquica do homicida passional permite a ele estruturar a sua consciência e

vontade de acordo com o direito (imputabilidade), compreender a ilicitude de sua conduta e agir

de forma diversa; portanto, sujeito às conseqüências jurídicas decorrentes do delito.

Nos dois casos estudados, houve sempre uma motivação, uma debilidade, mas que não se

enquadram ao privilégio, às circunstâncias especiais ou genéricas de atenuação ou de diminuição


105

de pena; revelaram a uma análise mais atenta mentes homicidas, sem comprometimento da

capacidade de entender e querer no cometimento do delito.

Essa constatação evidencia a importância de aprofundar a compreensão da experiência e

dos fatos homicidas considerados passionais. A teoria da violenta emoção como fator de

diminuição ou de atenuação da pena no crime de homicídio deve ser aplicada in extremis, a fim

de se evitar que sua utilização legitime o homicídio passional, dando cobertura a uma

intencionalidade homicida.

Nesse processo, relevante é aprofundar o diagnóstico do sujeito criminoso, em termos

médicos, psiquiátricos, psicológicos, cujas informações não sejam utilizadas apenas para

determinar o nível de imputabilidade, de punição e de progressão de regime, mas para conhecê-lo

enquanto homem, para caminhos recuperativos, por meio de penas alternativas, finalizadas, não

para a punição simplesmente, mas para a sua reintegração à vida, à sociedade. Aplicando aos

criminosos projetos desburocratizantes, que realmente criem situações reeducativas, para que o

homicida, a partir de experiências dirigidas e assistidas por profissionais habilitados, se

reconcilie com a vida.

A tarefa do penalista não pode se limitar ao pragmatismo dogmático das normas,

exclusivamente. O mergulho ao pluralismo humano, às causas delitivas, à personalidade

desviante, como processo de conhecimento e superação da violência humana, é pressuposto às

propostas político-criminais que se convergem em leis.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
106

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son., color.; 16 mm.

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16mm.
115

ANEXOS
116

ANEXO 1 - DOCUMENTOS OFICIAIS DO CASO A

1. Ficha de Qualidade e Matrícula de Sentenciado


2. Denúncia
3. Sentença de Pronúncia
4. Termo de Qualificação e Interrogatório
5. Sentença Condenatória
6. Recurso de Apelação Criminal e Acórdão
7. Entrevista
8. Teste Projetivo
116

ANEXO 2 - DOCUMENTOS OFICIAIS DO CASO B

1. Ficha de Qualidade e Matrícula de Sentenciado


2. Denúncia - 2º Homicídio
3. Auto de Prisão em Flagrante - 2º Homicídio
4. Termo de Qualificação e Interrogatório - 2º Homicídio
5. Sentença Condenatória - 2º Homicídio
6. Recurso de Apelação Criminal e Acórdão
7. Parecer Psiquiátrico e Psicológico
8. Denúncia - 1º Homicídio
9. Sentença de Pronúncia
10. Sentença Condenatória -1º Homicídio
11. Ata do Tribunal do Juri - 1º Homicídio
12. Recurso de Apelação Criminal
13. Parecer Psiquiátrico e Psicológico
14. Parecer Psiquiátrico
15. Parecer Psicológico
16. Decisão
17. Teste Projetivo

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