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A língua do Bruxo

Agamenon Magalhães Júnior Ensaísta, gramático e educador

Machado de Assis expressou-se desse jeito ao falar sobre o estudo gramatical: “Sempre
achei que uma gramática é coisa muito séria. Uma boa gramática é alto serviço a uma língua e
a um país”. O Bruxo do Cosme Velho não raro confidenciava aos mais próximos que o fato de
ele poder se expressar da melhor forma nos romances era proporcional ao estudo gramatical
ao qual ele se dedicava. O mestre sabia das coisas.
Sou fã de Machado de Assis não só pelo que escreveu, mas também por outros dois
motivos: primeiro, ele considerava a língua portuguesa um verdadeiro instrumento cívico,
um símbolo de orgulho nacional; segundo (e não menos importante), sua consciência de que
o idioma é um organismo vivo, que se transforma ou se modifica, dependendo da época, das
pessoas e dos costumes.
Todos os dias, nascem e morrem palavras, expressões passam a ter outros significados
e neologismos pipocam em cada região. As palavras de Camões revelam características
próprias do Português do século XVI; o caminho idiomático escolhido por Machado de Assis
marca, apesar da universalidade do conteúdo, seu tempo.
A preservação do idioma como desígnio cultural é defendido pelos escritores mais
representativos – e sobre isso Machado de Assis assim escreveu em 1873: “Não há dúvida que
as línguas se aumentam e alteram com o tempo e as necessidades dos usos e costumes.
Querer que a nossa pare no século de quinhentos é um erro igual ao de afirmar que sua
transplantação para a América não lhe inseriu riquezas novas”. O autor de Dom Casmurro
completa seu raciocínio, esclarecendo o papel de quem é obrigado a defender o idioma. Ele
diz: “A influência popular tem um limite; e o escritor não está obrigado a receber e dar uso a
tudo o que o abuso, o capricho e a moda inventam e fazem correr. Pelo contrário, ele exerce
também uma grande parte de influência a este respeito, depurando a linguagem do povo
aperfeiçoando-lhe a razão”. A preocupação do mestre com o idioma já foi justa àquela época.
Continua sendo. E o caminho ao qual ele se dedicou para a preservação do idioma foi o do
arquétipo gramatical. A gramática é a mediadora entre a estrutura formal da língua
portuguesa e as transformações naturais por que passa o idioma. Ela se mantém como uma
garantia contra os excessos modernosos; uma verdadeira guardiã do idioma.
Vivemos uma época em que a lei do vale-tudo é a regra geral: escrever e falar como
quiser. E esses “especialistas” contemporâneos do idioma, cuja teoria “privilegia” a liberdade
em detrimento do costume gramatical, bradam em uníssono aos quatro ventos que
gramáticos estão ultrapassados e os tempos modernos exigem uma tolerância maior com os
usuários da língua portuguesa, principalmente na modalidade escrita. Pode-se escrever como
se fala. Nada mais simplista.
Que se olhe para o linguajar coloquial com respeito, isso é uma atitude que se mostra
necessária ao bom andamento do processo evolutivo do idioma; da mesma forma, sem
diminuição de importância, deve-se respeitar (e estimular) o uso culto – agregado a regras e
técnicas rígidas do português.

(Gazeta de Alagoas, terça-feira, 22 de outubro de 2019)

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