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Bem de família

1. Conceito

A instituição do bem de família é uma forma de afetação do imóvel residencial a um destino


especial, tornando-o o asilo da família e, assim, impenhorável por dívidas posteriores à sua
constituição, salvo as provenientes de impostos devidos pelo próprio prédio, enquanto forem vivos
os cônjuges e ate que os filhos completem sua maioridade.

2. Previsão legal

A matéria afeta a este tema encontra-se devidamente regulamentada nos artigos 1711 ao 1722, do
Código Civil/2002. Nesse sentindo é importante trazer a baila o que dispõe o art 1711:

Art. 1.711. Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou


testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que
não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição,
mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em
lei especial.

Do referido artigo é possível perceber dois requisitos: (i) a necessidade de que a instituição do bem
de família seja feita por escritura pública ou testamento e; (ii) a exigência de que essa afetação não
incida sobre mais de um terço do patrimônio líquido à época da instituição. Interessante observar
também o que expõe o art 1712 acerca do tema:

Art. 1.712. O bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com
suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar,
e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do
imóvel e no sustento da família.

Do exposto, pode-se observar a presença de mais um requisito: (i) é necessário que o bem tenha a
destinação de domicílio familiar, podendo abranger valores mobiliários (um carro, por exemplo)
desde que estes sirvam para conservação do imóvel ou sustento da família (motorista de Uber).
Importante ressaltar que a previsão legal flexibiliza a possibilidade de que o bem seja um imóvel rural
ou urbano. Outrossim, o art 1713 faz uma observação de que os bens móveis abrangidos pelo bem de
família não poderão exceder o valor deste.
O art. 1715 dispõe o seguinte:

Art. 1.715. O bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua
instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas de
condomínio.
Parágrafo único. No caso de execução pelas dívidas referidas neste artigo, o saldo
existente será aplicado em outro prédio, como bem de família, ou em títulos da dívida
pública, para sustento familiar, salvo se motivos relevantes aconselharem outra
solução, a critério do juiz.

Do apresentado, é possível mencionar que a instituição do bem de família o torna a salvo de


execuções posteriores à sua afetação. A exceção que a previsão legal apresenta é a de tributos relativos
ao prédio ou de despesas de condomínio que podem atingir o bem de família. O parágrafo único ainda
expõe que caso ocorra a execução e, em palavras mais simples, mesmo depois do bem de família
liquidado ainda sobre dinheiro, este recurso poderá ser aplicado em outro prédio, como bem de
família, ou em títulos da dívida pública (mais conhecido como Tesouro Direto) visando o sustento
familiar. No entanto, o juiz poderá decidir de forma diferente, devendo, para tanto, motivar sua
decisão.
O artigo 1716 traz que a isenção do bem de família de sofrer execuções por dividas posteriores à
sua afetação só durará enquanto viver os cônjuges, ou na falta destes, até que os filhos completem a
maioridade. Nesse mesmo sentido expressa o art. 1722, conforme se observa:

Art. 1.722. Extingue-se, igualmente, o bem de família com a morte de ambos os


cônjuges e a maioridade dos filhos, desde que não sujeitos a curatela.

Por fim, é importante destacar que o art. 1721, caput, salienta que a dissolução da sociedade
conjugal, ou seja, a separação ou morte de um dos cônjuges, não extingue o bem de família. No
entanto, traz o paragrafo único do referido artigo, que em caso de viuvez, o sobrevivente poderá pedir
a extinção do bem de família, se for o único bem do casal. Outrossim, não menos importante, é a
observação do parágrafo único do art. 1720 aduzindo que em caso de falecimento de ambos os
cônjuges, a administração do bem de família passa ao filho mais velho, se maior e ao tutor, se menor.

3. Espécies de bem de família

3.1 Bem de família voluntário


O artigo 1.711 do CC permite aos cônjuges ou à entidade familiar a constituição do bem de
família, mediante escritura pública ou testamento, não podendo seu valor, conforme mencionado
acima, ultrapassar um terço do patrimônio líquido do instituidor. Ao mesmo tempo, declara mantidas
as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial especial. Desse
modo, só haverá necessidade de sua instituição pelos meios supramencionados na hipótese do art. 5
da lei 8009/90, como se observa:

Art. 5º Para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta lei, considera-se


residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para
moradia permanente.
Parágrafo único. Na hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser possuidor de vários
imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor
valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis e na
forma do art. 70 do Código Civil.

Ou seja, quando o casal ou entidade familiar possuir vários imóveis utilizados como residência e
não desejar que a impenhorabilidade recaia sobre o de menor valor, deverá afetar o imóvel desejado,
por meio da escritura pública ou testamento. No entanto, é mister apresentar o exposto no art. 4 da lei
8009/90, conforme consta abaixo:

Art. 4º Não se beneficiará do disposto nesta lei aquele que, sabendo-se insolvente,
adquire de má-fé imóvel mais valioso para transferir a residência familiar,
desfazendo-se ou não da moradia antiga.

3.2 Bem de família involuntário


A lei 8.009/90 veio ampliar o conceito de bem de família, que não depende mais de instituição
voluntária, mediante as formalidades previstas no Código Civil. Agora, resulta ele diretamente de lei,
de ordem pública, que tornou impenhorável o imóvel residencial, próprio do casal, ou da entidade
familiar, que não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de
outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam proprietários e neles
residam, conforme consta no art 1º da Lei 8009/90:
Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é
impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal,
previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos
que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.
Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se
assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os
equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa,
desde que quitados.

4. Exceções à impenhorabilidade do bem de família

Traz os art. 2º e 3º, da Lei 8009/90 as seguintes exceções a impenhorabilidade:

Art. 2º Excluem-se da impenhorabilidade os veículos de transporte,


obras de arte e adornos suntuosos.
Parágrafo único. No caso de imóvel locado, a impenhorabilidade aplica-
se aos bens móveis quitados que guarneçam a residência e que sejam de
propriedade do locatário, observado o disposto neste artigo.
Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de
execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza,
salvo se movido:
I - em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das
respectivas contribuições previdenciárias; (Revogado
pela Lei Complementar nº 150, de 2015)
II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à
construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e
acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;
III -- pelo credor de pensão alimentícia;
III – pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre
o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável
ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela
dívida; (Redação dada pela Lei nº 13.144 de 2015)
IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e
contribuições devidas em função do imóvel familiar;
V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia
real pelo casal ou pela entidade familiar;
VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de
sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou
perdimento de bens.
VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de
locação. (Incluído pela Lei nº 8.245, de 1991)
VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de
locação; e (Redação dada pela Medida Provisória nº 871,
de 2019)
VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de
locação. (Incluído pela Lei nº 8.245, de 1991)

O mais importante é que a lei não socorre aqueles que fazem dívidas fora da sua capacidade
de quitá-las, mas que se deleitam em luxos cotidianos. Nesse sentido, como mencionado
acima, a impenhorabilidade é excluída no caso de “veículos de transporte, obras de arte e
adornos suntuosos”. Outro ponto controverso, é com relação a fiança que já houve vários
posicionamentos judiciais acerca do tema, no entanto, hoje, o que prevalece na lei, é que a
impenhorabilidade do bem de família é excluída neste caso.

5. Jurisprudência
5.1 Súmula 364, do STJ: “O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange
também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas ou viúvas”.
5.2 Súmula 486, do STJ: “É impenhorável o único imóvel residencial do devedor que esteja
locado a terceiros, desde que a renda obtida com a locação seja revertida para a subsistência
ou moradia da sua família”.
5.3 Súmula 449, do STJ: “A vaga de garagem que possui matrícula própria no registro de
imóveis não constitui bem de família para efeito de penhora”.
5.4 Resp 1417629: o fato do terreno encontrar-se desocupado ou não edificado são
circunstâncias que sozinhas não obstam a qualificação do imóvel como bem de família,
devendo ser perquirida, caso a caso, a finalidade a este atribuída.
5.5 AgRg no AResp 689609/PR: afasta-se a proteção conferida pela Lei 8.009/90 ao bem de
família, quando caracterizado abuso do direito de propriedade, violação da boa-fé objetiva e
fraude à execução.
5.6 AgRg nos EDcl no REsp 1463694/MS: a impenhorabilidade do bem de família hipotecado
não pode ser oposta nos casos em que a dívida garantida se reverteu em proveito da entidade
familiar.
5.7 Súmula 549/STJ: É legítima a penhora de apontado bem de família pertencente a fiador
de contrato de locação, ante o que dispõe o art. 3º, inciso VII, da Lei n. 8.009/1990.
5.8 AgRg nos EDcl no AgRg nos EDcl no REsp 771700/RJ: É possível a penhora do bem de
família de fiador de contrato de locação, mesmo quando pactuado antes da vigência da Lei n.
8.245/91, que acrescentou o inciso VII ao art. 3º da Lei n. 8009/90.
5.9 AgRg nos EDcl no REsp 1463694/MS: a impenhorabilidade do bem de família é questão
de ordem pública, razão pela qual não se admite renúncia pelo titular.
5.10 Súmula 205/STJ: A lei 8.009/90 aplica-se à penhora antes de sua vigência.

6. Referências

BRASIL. Lei Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002. Código Civil, Brasília,DF. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 31 ago. 2019.

BRASIL. Lei Nº 8.009, DE 29 DE MARÇO DE 1990. Impenhorabilidade do bem de família,


Brasília,DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8009.htm. Acesso em: 31
ago. 2019.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Do bem de família. In:________. (Org.). Direito Civil: direito de
família. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 178 e 179.

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