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DESTAQUE

RODRIGO VAZ
“ACHO QUE AS PESSOAS
SE INTERESSAM PELA POLÍTICA.
PODEM É NÃO ENCONTRAR VOZ
NAS SOLUÇÕES QUE LHES SÃO
APRESENTADAS.”
10 OUTUBRO|2019
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Aos 27 anos de idade, Rodrigo


Vaz já conta com uma enorme
bagagem sociopolítica e cultural.
Cresceu na ilha de São Miguel, onde morou
até frequentar o ensino superior. Especializou-se
na área da política internacional, o que fez com que
tivesse oportunidade de viver em várias cidades europeias
e também em Nairobi, capital do Quénia. Em entrevista à
Açorianíssima, fala-nos sobre o seu percurso académico e
profissional, bem como a sua opinião sobre a conjuntura
actual política que se vive em diversas áreas.

Quem é o Rodrigo Vaz? pela política? que se tornou, a par de Barcelona e Lisboa,
Apesar de me considerar – e ser - aço- Bem, na verdade não sei. Talvez a edu- numa das minhas cidades preferidas.
riano, nasci em Leiria e vim para São Mi- cação que recebi me tenha tornado natu- Em Londres, fiz o meu primeiro mes-
guel aos 4 anos. Vivi entre Vila Franca do ralmente curioso e crítico, o que prova- trado, em Política Africana, na Universida-
Campo e Ponta Delgada até aos 18 anos, velmente terá ajudado. Mas sempre me de de Londres, na SOAS - School of Orien-
quando me mudei para Lisboa para conti- interessei por certas áreas um tanto ou tal and African Studies. Também gostei
nuar os estudos. Actualmente, estou a tra- quanto aleatórias – a evolução política no bastante de Londres, uma cidade fascinan-
balhar na Representação Permanente de leste de África e na Somália, por exemplo – te, mas na conjuntura actual, viver lá está
Portugal junto da União Europeia. sem razão lógica, tirando o facto de achar fora de questão.
interessante. Mudei-me para Barcelona porque a
Em que se especializou? E porquê minha namorada estava lá a estudar na
essa área? Já teve oportunidade de viver em altura. Ainda lá vivia, se pudesse, mas
Estudei Relações Internacionais na diversas cidades europeias como Ber- na minha área profissional não há muita
Universidade Católica. Desde muito novo lim, Londres, Barcelona e Bruxelas. oferta e, então, mudei-me para Bruxelas.
que sempre gostei de seguir as notícias Conte um pouco sobre a experiência Já estou na Bélgica há dois anos e meio.
em geral e as de política internacional, em em cada uma delas. Claro que não tem a vibração de Berlim, a
particular, pelo que esta me pareceu uma Já tive a sorte de viver em algumas alegria de Barcelona e a luz de Lisboa. Mas
decisão natural e óbvia. Depois, seguindo cidades, de facto. Em Berlim, fiz um está- tem um grupo de gente de toda a Europa
o meu próprio interesse, fiz uma especia- gio de Verão na Embaixada Portuguesa na – e do resto do Mundo – que torna a cida-
lização em Política Africana em Londres e Alemanha, em 2012. Para além de poder de muito interessante. Gosto bastante de
uma outra em Política Internacional e Eu- acompanhar de perto o trabalho de um cá estar e pretendo continuar pelo menos
ropeia em Bruges, no Colégio da Europa. diplomata, vivi em Berlim durante o Ve- mais um par de anos.
rão. Adorei a mentalidade das pessoas, a
O que despoletou o gosto que tem liberdade da cidade e a vibração de Berlim, E sobre Nairobi? Porque decidiu ir

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para lá? topo e uma experiência que eu só posso re- existirem, quanto mais serem eleitas: nos
Nairobi não estava exactamente nos comendar. Aprende-se muito sobre a for- EUA, no Brasil, nas Filipinas e em tantos
meus planos. Mas quando estudava em mação da União Europeia, o seu propósito outros países há uma tendência angus-
Londres, um dos meus Professores – o Phil e como funciona - tudo isto num cenário tiante para as respostas fáceis, sempre
Clark, talvez quem mais me marcou a nível irrepetível: vivi em Bruges, com mais 350 acompanhadas por uma onda de violên-
académico – falou-me de uma bolsa de in- colegas. A experiência de imersão num cia crescente, por muitos conflitos, muita
vestigação no British Institute in Eastern grupo tão diverso e interessante é verda- hostilidade. Mas é preciso ter também pre-
Africa (BIEA), um instituto britânico de deiramente única. Aconselho vivamente sente que nem tudo é mau. Há um reverter
investigação académica em Nairobi. Can- que estudantes açorianos que estejam a da qualidade da política e da democracia
didatei-me com uma recomendação dele considerar prosseguir estudos nesta área em alguns sítios, é verdade, mas há outros
e fui aceite. Estive cerca de quatro meses façam bom uso desta Bolsa que se dedica países onde a situação é inversa. A Etiópia
em Nairobi com liberdade quase total para exclusivamente a estudantes açorianos e e a Arménia, por exemplo, estão a ensaiar
escrever e estudar o que quisesse. Decidi que cobre o valor das propinas e uma via- transições políticas interessantes. Por se-
focar-me na transição política na Somali- gem de ida e volta para Bruges. rem países geograficamente mais distan-
lândia (uma parte do noroeste da Somália tes da nossa realidade, quis mencioná-los
que se declarou independente, mas não é Pretende apostar mais ainda na só para mostrar que há sempre exemplos
reconhecida por nenhum país). formação? Qual o objectivo? que servem de contraste a uma realidade.
Em Nairobi preparei a parte teórica Para já, estou focado no desafio profis- E mesmo nos países onde vemos tendên-
da pesquisa e, depois, já em Hargeisa, a sional que tenho pela frente e que me pre- cias preocupantes, há uma onda de resis-
capital da Somalilândia, fiz entrevistas e enche. Mas não ponho de parte a hipótese tência crescente e que, espero, possa vir a
trabalho de campo durante duas semanas. de voltar à academia. servir de contraponto.
Enquanto estive em Nairobi, ainda tive
oportunidade de acompanhar o Diretor A Europa tem vivido tempos atri- Sobre o nosso país, acha que algu-
do BIEA como assistente de investigação, bulados a nível económico, social e ma vez conseguiremos ter estabilida-
numa viagem de campo à Tanzânia, du- político, principalmente. Qual a sua de?
rante outras duas semanas. Adorei a expe- opinião sobre isto? Pelo menos, segundo a nossa própria
riência, adorei Nairobi e fiz bons amigos. Sim, é indesmentível. Há já uma déca- bitola, os últimos anos têm sido de relativa
Volto assim que a oportunidade se propor- da que a Europa – e o resto do Mundo - se estabilidade e crescimento. Politicamente,
cionar e sem pensar duas vezes. vê a braços com uma instabilidade cres- a situação também podia estar mais negra.
cente. Isso é verdade e de resto evidentes, Há dias, em conversa com um dos meus co-
De todas as cidades onde já viveu, mas as razões são múltiplas e muito com- legas de casa, um holandês, ele queixava-se
incluindo Lisboa, em qual gostou mais plexas. Em parte, é a falta de uma resposta que a Holanda tinha eleito há meses para
de estar? Certamente não dá para cabal da Europa e dos países que a formam o Senado mais um partido de extrema-
comparar… às várias crises que a atormentam. Por ou- direita. Não é que Portugal seja um oásis
Não dá para comparar, de facto, não tro, é o resultado de anos, senão décadas, de estabilidade: há várias questões por re-
só porque o espaço muda, mas o tempo em que os governos nacionais atribuíam a solver e este novo Parlamento certamente
também. Em Berlim, tinha 20 anos. Hoje culpa do que não corria bem a “Bruxelas” tratará de imensas. Mas os últimos anos
em Bruxelas, tenho 27 e mesmo que essa e chamavam a si os louros de reformas têm sido particularmente estáveis e temos
não seja uma distância gigante, isso mol- discutidas em seio europeu. É uma tácti- vindo a trilhar um caminho positivo.
da a experiência e, consequentemente, a ca que resulta a curto prazo, mas que vai
impressão com que se fica da cidade. Mas criando erosão e desconfiança nas institui- Mas os portugueses estão cada vez
estar fora dos Açores há 9 anos e fora de ções que nos governam. Esse perigo – o de mais desanimados com a política…
Portugal há 6, faz-me ter saudades de casa não acreditar na boa-fé de quem nos go- Acho que as pessoas se interessam pela
e, quando lá estou, aprecio tudo muito verna – é muito maior do que possa pare- política. Podem é não encontrar voz nas
mais. Em qualquer caso, gostei imenso de cer à primeira vista e reflete-se no quadro soluções que lhes são apresentadas. Mas
todos os sítios por onde passei, cada um à de instabilidade que temos hoje. nem é verdade que haja menor participação
sua maneira. política. Nas últimas eleições europeias,
E a nível mundial? apesar da taxa de abstenção ter subido, a
Candidatou-se à Bolsa “José Me- Essa corrosão da confiança, fomenta- verdade é que o número de votos também
deiros Ferreira” que veio a ser atribu- da por falsas promessas, manipulação de subiu. Às vezes os números enganam, mas
ída para o ano letivo 20 17/20 18. Como informação e desigualdades económicas objectivamente, houve mais pessoas a vo-
foi esta experiência de frequentar o crescentes também se manifesta no resto tar, não menos. Nesse sentido, acho que
Colégio da Europa? do Mundo. É por isso que aparecem perso- as reformas que se fizeram de modo a per-
O Colégio da Europa é uma escola de nalidades que nunca acharíamos possível mitir e facilitar o voto antecipado a quem

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está em deslocação são exemplos positivos res. Resta saber quando e em que circuns- ta.
e que trarão as pessoas mais perto da polí- tâncias. É verdade que o emprego jovem
tica. E vice-versa, espero. é uma questão que merece atenção, mas E sobre o futuro do arquipélago em
o perfil económico da Região tem vindo a geral?
Mantem-se a par do que se passa mudar bastante nestes últimos anos. Os Açores têm imenso potencial tan-
nos Açores? E como é sempre que re- to a nível económico como geopolítico. A
gressas a São Miguel? Que acha que deveria ser feito no caminhada para nos apercebermos desse
Claro que sim. Sempre. Encontro-me arquipélago em relação ao emprego potencial e, posteriormente, decidirmos o
várias vezes com amigos açorianos cá em visto que muitos jovens optam por que fazer com ele é que precisa ainda de
Bruxelas e o que se passa nos Açores é emigrar ou então trabalham em áreas ser feita – ou, rigorosamente, continuar
sempre o prato forte da conversa. Quando que pouco ou nada têm a ver com a sua a ser feito. Mas em relação a isso, não há
volto a casa, divido rigorosamente o meu formação? milagres nem panaceias. O caminho faz-
tempo entre a família e os amigos. Há problemas que são estruturais, mas se caminhando.
como referi, a Região tem vindo a mudar
Relativamente ao emprego jovem: muito ao longo desta última década. Essas Considera-se um cidadão do mun-
é um dos sectores com maior défice na mudanças vão necessariamente trazer al- do?
região. Viver nos Açores está fora de terações de ordem económica e – algo que Açoriano, português, europeu e cida-
questão? não é de somenos – ao nível das mentali- dão do Mundo, sim...Sem conflito de inte-
Fora de questão não está. Mais cedo ou dades. Espero que essa mudança sirva de resses entre nenhuma das asserções.
mais tarde, quero voltar a viver nos Aço- catapulta para alterações de maior mon- RITA FRIAS

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