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Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai

www.etnolinguistica.org
Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
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~
A1ehe!!*I~ RUTH M. F. MONSERRAT
LIVROS USADOS ABEL O. SILVA (KANAÚ)
R. Eduardo Monteiro, 1S l
Fone : 4438-4358
Santo André - SP

-
GRAMATICA DA
-
LINGUA KULINA
DIALETO DO IGARAPÉ DO ANJO
Capa : Betho Rocha
Motivo: Jeijei - Instrumento de sopro usado pelas lideranças
do povo Kulina
Colaboração : CIMI - ACRE

1986
COPYRIGHT BY RUTH M. F. MONSERRAT e ABEL O. SILVA (KANAÚ)

Todos os direitos reservados.


Fica expressamente proibida a reprodução desta obra, total ou parcialmente,
através de quaisquer meios, sem autorização dos autores.
,
INDICE

Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pg. 5
1ntrodução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pg. 7

INDICAÇÕES SOBRE A ORTOGRAFIA E A FONÉTICA . . . . pg. 9


1. PADRÕES SILÁBICOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pg. 11
A

2. ACENTO TONICO
, ................................ pg. 11
3. ACENTO ENFATICO OU AFETIVO . . . ................ pg. 12

MORFO-SINTAXE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pg. 12
1 . O NOME . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pg. 12
1.1 . Subclasses do Nome ........................... pg. 13
1.1.1. Pronomes Pessoais ............. . . ... ..... pg. 13
1.1.2. Possessivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pg . 13
1.1.3. Demonstrativos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pg. 14
1.1.4. Substantivos ............................ P.9· 15
1.2. Grau dos nomes • • • • • • • . . . . . . • . . . . . . . . . . . . . . . . pg. 20
1.3 . Casos dos Nomes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pg. 20
1.4 . Fo rmação dos Nomes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pg. 22
2. O ADJET I VO .. . ......... . ........ . .............. pg . 24
2.1. Funções dos Adjetivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pg. 25
2. 1.1. Adjetivos Qualificativos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pg. 25
2.1.2. Adjetivo s- Predicados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pg. 26
2.1.3. Adjetivos Predicativos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pg. 26
2.2. Numerais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pg . 27
2.3 . Formação dos Adjetivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pg. 27
2.4. Ordem dos Elementos na ' Locução Nominal . . . . . . . . . pg . 28
3. O VERBO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pg. 29
3.1. Flexão dos Verbos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pg . 31
3. 1.1. Pessoa ................................ pg. 31
3. 1.2. Número . . .. . ...... . ............ . ...... pg.32
3.1.3. Tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pg. 33

3
3.1.4. Aspecto . . ......... ... . ............. ... pg. 34
3.1 .5.Modo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pg . 35
3.1.6. Negação . ..... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. pg. 36
3.1 .7.Regência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pg. 36
3.1.8. Gênero . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pg. 37
3. 1.9 .
1nfinitivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pg. 38
3.2. Formação dos Verbos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pg . 38
3.3. Conjugação dos Verbos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pg. 40
3.4. Conjugação dos Verbos de Ligação . . . . . . . . . . . . . . . pg . 50
3 .5. Conjugação dos Verbos Auxiliares . . . . . . . . . . . . . . . . pg. 55
3.6. Conjugação dos Verbos que Começam com Vogal . . . . pg . 56
3.7 . Locuções Verbais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pg. 60
3 .8. Formas Compostas do Verbo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pg . 61
3.9. Formas Não-Verbais do Verbo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pg. 63
3 .10. Emprego das Diferentes Possibilidades de Conjugação pg . 64
3 .11 . Raízes Verbais Homônimas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pg. 65
3.12 . Concordância Verbal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pg. 65
4. O ADVÉRBIO_ .... . . .. .... 1 • • • • • • • • • • • • . • • . . • . • • • • pg. 66
5. A CONJUNÇ~O . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pg. 67
6. A INTER J EI ÇAO ...... . .. .. .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. pg. 68
7. PALAVRAS INTERROGATI VAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. pg . 68

SINTAXE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pg . 69 .
1. A ORA ÇA O . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pg . 69
2. O SUJEITO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pg. 70
3. O PREDICADO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pg. 71
4. TERMOS 1NTE GRANTES DA O RAÇA O . . . . . . . . . . . . . . . . pg. 73
4 .1. Complementos Nominais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pg. 73
4 .2. Complementos Verbais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pg. 73
5. TERMOS ACESSÓRIOS DA ORAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . pg. 74
5.1. Adjunto Adnominal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pg. 74
5.2. Adjunto Adverbial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pg . 74
6. VOCATIVO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pg . 74
7. ORDEM DOS TERMOS NA ORAÇAO . . . . . . . . . . . . . . . . . . pg . 74
8. O PERÍODO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pg. 76
8 .1. Orações Coordenadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pg. 77
8 .2. Orações Subordinadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pg. 78
8.2 .1. Oração Subordinada Substantiva Objetiva . . . . . pg. 78
8 .2.2 . Oração Subordinada Adverbial . . . . . . . . . . . . . . pg. 80
8 .2.3. Oração Subordinada Adjetiva . . . . . . . . . . . . . . . pg. 81

4
PREFÁCIO

O trabalho que realizamos não resultou nem numa gramática


descritiva, nem numa gramática pedagógica. Tem elernentos de uma e
de outra, mas tem, principalmente, uma orientação que se poderia di-
zer a de uma gramática "tradicional", na medida em que utilizamos,
sempre que relevantes para a estrutura da língua kulina, a organização
e seqüência de tópicos, bem como a definição de muitos termos, de
uma das gramáticas da língua portuguesa, a de Celso Ferreira da
Cunha (4~ edição, 1977). Intencionalmente o fizemos assim, como uma
primeira tentativa de elaborar uma gramática kulina que fosse, por um
· lado, incentivo e ponto de partida para o aprendizado da língua por
parte dos agentes que trabalham junto ao povo kulina, principalmente
na área de educação. Visamos, por outro lado, colocar à disposição .
deste povo indígena um estudo preliminar sobre · a língua kulina que
lhes facilitasse, com o auxílio do professor, o primeiro passo no senti-
do da auto-reflexão sobre a própria língua, passo necessário, a nosso
ver, para que eles possam formar uma visão mais clara das semelhan-
ças e diferenças estruturais entre o kulina e o português. Tal visão,
acreditamos, lhes pode trazer um duplo benefício: de uma parte, no
aprendizado do português escolar, formalizado no ensino da gramáti-
ca; de outra, e aí o mais importante, na apropriação integral da pró-
pria língua, em sua oralidade - que naturalmente já dominam-, mas
também em sua forma escrita e em sua teoria (gramática), poderoso
instrumento, no aqui e agora da hun1anidade, para a autodetermina-
ção e progresso de qualquer povo.
A realização deste trabalho foi possível graças ao CIMi (Conselho
1ndigenista Missionário), através de apoio material e logístico presta-
do aos autores durante toda a pesquisa, e ao CNPq (Conselho Nacio-
nal de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), pelo financiamento
parcial da viagem de campo e pela bolsa de pesquisa concedida a Ruth
Maria Fonini Monserrat.

Os Autores.

5

INTRODUÇAO

O Kulina é uma língua pertencente à família Arawá


,
(até recente-
mente considerada como membro do tronco Aruak). E falado por cerca
de 2 500 pessoas, distribuídas em vários grupos pelas bacias dos rios
Juruá e Purus, no Peru e no Brasil. O povo indígena que fala esta lín-
gua se autodesigna Madija. A referência lingüística para a elabo ração
desta gramática foi o dialeto do lgarapé do Anjo, aldeia Kulina situada
no rio Envira, margem esquerda, distante 700 km, por rio, da sede do
município de Feijó (Acre), ao qual pertence. Vivem nessa aldeia 60
pessoas: cinco fal am mais fluentem ente o português, mas entre si
usam exclusivamente a língua materna. Há 22 alfabetizados na língua
materna, sabendo igualmente ler e escrever em portugu ês. Não há es-
tudos no Brasil sobre essa língua indígena. A grafia foi baseada nos
estudos do Summer lnstitute of Lingüistics, que fez pesquisas lingüís-
ticas com uma parcela da população Kulina no Peru . Em 1982 Abel O.
Silva (Kanaú) publica a primeira cartilha Kulina (dialeto do lgarapé do
Anjo). Em 1984 é publicado um dicionário Kulina-Português e Portu-
guês-Kulina, de Abel O. Silva (Kanaú) e Ruth Monserrat, bem como um
livro de textos e mitos, organizado e traduzido por Abel O. Silva
(Kana ú) . Encontra-se no prelo um trabalho do mesmo autor sobre a
Cultura Material dos Madija.

'
7
'
-
INDICAÇOES SOBRE A ORTOGRAFIA
E A FONÉTICA(1)

São as segu intes as co rrespondências letra/som na ortografia vi-


gente:

letra som exemplo em línguas conhecidas

a a asa ( port.)
b b bola "
c k paca "
d d dedo "
e belo "
li
h ho r a
,,
1 milho
.
J X jefe (espanhol : 'c hefe')
m m -
mao (port.)
n n -
nao
li

li
o o/u gato
p p pato "
r r ca ra "
s ts pizza "
t t tudo "
cc kh cat (ingl.: 'gato')
ds dz azurro (ital.: 'azul')
hu w water (ingl.: 'água')
PP p party (ingl.: 'festa')
qu k quero ( port.)
qqu kh to ki li (ingl.: 'matar')
ss ths (não há esse som nas línguas eu ropéias conhecidas)
tt th t en (i ng l.: 'dez')

Como em português, c usa-se antes de a, o e qu ant es de e, i.


As letras duplas indicam sons aspirados . O símbo lo h, no dialeto
do lgarapé do Anjo, em geral não co rresponde a nenhum som, na pro-
núncia, mas às vezes pode representa r uma oclusão g lotal muito breve;
em outros dialetos ele representa sistematicamente a oclusão glotal.

(1) Nesta versão experimental da gramática não nos foi possível tratar em profundidade a estrutura
sonora da língua; pretendemos fazê-lo na próxima versão, revista, corrigida e ampliada pelo tra-
balho de mutirão (de professores, alunos e lingüista) que agora se iniciará.

9
O díg rafo ss r epresenta uma afri ca da aspirada (sem correspon-
dente em português) ao contrário de s, que apresenta um som africa-
do muito brando. O o em certas palavras chega a soar como umas em
geral é o bem fechado. O dígrafo hu, quando antes de i, por vezes é
pronunciado como»- (como o v no espa nhol evitar); com outras vogais
pronuncia-se w .

São escritos junto com a ra iz (principal ou secundá ria):


1. os morfemas de gênero e tópico: namini, ajicca jari, coridsa pi,
daccora hi, pohuapa, n·a jaro.
2. os morfemas de número, negação, o intensificador, o relati-
vo, o de uso exclusivo: maqquid ejedeni, tiadeni, ssissite ri, idsamari,
huittara, huadibote, pamehe, ojarihe.
3. os morfemas de caso: odsa cca, Binocca, amossini dsa, ajidsa,
coco rodsa, sahoma, pinassa, ohuadsa ra .
4 . os prefixos e sufi xos nominal izadores: tobiji cca, tonoccocca,
cacahua de, ssahua niji.
5. os morfemas do núcleo do predica do (pessoa, ten1po, gênero,
aspecto, modo, interroga çã o, imperativo, regência, número), exceto j i-
ne, tohui, padseje/padsaja: pemimanahi, idabaqquide, ojipa pode,
idabaqquimanade, cca rana, cca ma, iaquida cossemanahi, ti pemi qui, ba-
barodsa, ssehuaja, tid ajo, idenaja, qqui one raha, oba qquiri quena hi .
6. a reduplicação de uma ra iz inteira que resulte numa forma
não-verbal: jerejere, beo beo, huatahuata, hua hua, qqui qqui, nohi nohi.
7. a reduplica çã o de uma única sílaba da raiz: jojohue, mama ride,
huihu issi , bajaja, qquiqquide.
8. as expressões interrogativa s, com exceção daquelas em que há
os morfemas jine, tohui, huaji, noppine, tedseje, padseje/padsaja ni :
nejecojari, n ejecojaro, nejeco jarotte, nejecodsa, nejecojarona, nejeco-
mana dsa, nejecomanahissa.

São escritos separadamente da raiz:


1 . os morfemas de caso tohui, jine, noppine, huajine, huaji, os
morfemas de t empo jine, tohui, padseje/padsaja ; o morfema naco/
naqui: jidede jine, dsama tohui , madija noppine, huidsaja huaji, mimiji
huajine, mani ra tajaro jine, dsamassa padseje, otesse tedseje, pon i pi
tadsajani, t ia huaji, ohua naqui, dsoma j i naco.
Exceções: t ijine, titohui, tinoppine, ojine, inoppine, otohui (etc.).
2. o nome possu ído e o possuidor: icca ima, occa dsama, ponicca
odsa.

10
3. as formas com os verbos de ligação (na, ja, ta) e com verbos
auxiliares: bica onani, iba nahi, to inade, neneje najaro, ijipemanahi
nade, jica jarahi, dsode ojani, occaridsa jerani, jipa tahi , bica tade,
imadinissa tani jine, huissi jidsa onani, ppa tojidsa jerade, bacco ine
jerade, huatti ta jarahi, bicaqquiri inani onajaro, totoja najarode que-
nahi , tibarimana quena jeraji, jique jerani, jisside da one jerani, mari
ocanabaqquihi.
4. as reduplicações, quando atingem toda a raiz verbal. mesmo
que esta tenha uma só sílaba: mari mari onade, otati baja baja nani, beo
beo onade, Rijo hua hua nade, jerejere jere jere nahi.

1. PADROES SILÁBICOS

Em kulina as sílabas são sempre abertas, ou seja, só há sílabas do


tipo consoante+ vogal sozinha:
babo 'carrapato'
ette 'cachorro'
am1 'mãe'

As palavras podem ter duas ou mais sílabas:


• dissílabas: pohua 'ele'
aba 'peixe'
• trissílabas: ssissite 'arco'
madija 'gente'
• polissílabas: ejedeni 'criança'
jidapana 'agora, hoje'
maittaccadsama 'há muito tempo'

2. ACENTO TONICO

O elemento predominante, no kulina, é a intensidade, ou seja, a


força ex pi ratória maior de uma sílaba em relação a outras da mesma
palavra. Em geral as palavras são oxítonas, isto é o acento recai na úl-
tima sílaba da palavra.
Na escri ta, os verbos auxiliares e d e ligação, embora integrem
uma só unidade semântica com o verbo principal, são registrados co-
mo unidades lexicais distintas:

11
1. huissi onade 'cortei {estive cortando)'
huissi: verbo principal 'cortar'
onade: verbo auxiliar na 'estive'
2. oba inani 'estamos sujos'
oba: adjetivo 'sujo'
inani: verbo de ligação na: 'estamos'
3. huissi jidsa onani 'corto profundamente'
huissi: verbo principal 'cortar'
jidsa: verbo auxiliar 'profundamente'
onan1: verbo auxiliar na: 'estou'
Nos exemplos dados, todas as sílabas sublinhadas são tônicas.

,
3. ACENTO ENFATICO OU AFETIVO

Em geral, quando se quer enfatizar algum elemento do en uncia-


do, faz-se alongamento e/ou subida de tom (altura) de uma das . síla-
bas, mas por vezes vai-se subindo progressivamente a altura de toda s
as sílabas até o final da frase :
maittaccadsama 'há muito tempo'
(enfático) maittaccaadsama 'há muito tempo'.

MORFO-SINTAXE

Há em kulina quatro grandes classes lexicais: nome , adjetivo,


verbo e advérbio; uma classe fechada de vocábulos gramaticais: con-
junção; uma classe de vocábulos-frases: interjeição; e uma classe
especial: palavras interrogativas.

1. O NOME

O nome se distingue morfologicamente das outras classes de pa-


lavras:
a) por uma desinência específica de número plural;
b) por desinências de gênero;
c) por desinências casuais.

12
-

Sintaticamente, o nome desempenha várias funções: sujeito, ob-


jeto direto e indireto, complemento de outro nome, predicativo. São
subclasses do nome: os pronomes pessoais, os possessivos, os de-
monstrativos e os substantivos. Chama-se locução nominal à reunião
de duas ou mais palavras em função equivalente à de um nome. Os
pronomes pessoais, os demonstrativos e os substantivos podem ser
topicalizados, ou seja, aquilo que é comentado; aparecem, então, com
o sufixo de tópico: -pi/-pa, para o feminino e masculino, respectiva-
mente. \

1.1. SUBCLASSES DO NOME

1.1.1. PRONOMES PESSOAIS

Os pronomes pessoais expressam as ca tegorias gramaticais de


A I

pessoa, genero e numero:


ohua 'eu': primeira pessoa do singular
tia 'tu ou você': segu nda pessoa do singular
pohua 'ele': terceira pessoa do singular, masculino
pon1 'ela': terceira pessoa do singular, feminino
'nós': primeira pessoa do plural

tiadeni 'vós ou vocês': segunda pessoa do plural
pohuadeni 'eles': terceira pessoa do plural, masculino
ponideni 'elas': terceira pessoa do plural, feminino
Obs.: Quando tópicos, os pronomes acima assumirão as formas:
ohuapi, tiapi, pohuapa, ponipi, iapi, tiadenipi, pohuadenipa e ponide-
nipi. A primeira e segunda pessoas do singular e do plural são for-
malmente femininas, independentemente dos sexos referentes. Não se
deve confundir essa situação com a de pronomes na função de predi-
cados nominais, quando, independentemente do sexo ou do gênero
gramatical, ocorrem com o sufixo -pa: ohuapa 'sou ou fui eu', tiade-
nipa 'foram vocês', etc.

1.1.2. PRONOMES POSSESSIVOS

Os possessivos apresentam as categorias de pessoa, gênero e


número. Para o gênero, só na terceira pessoa há distinção entre mas-
culino e feminino:

13
occa 'de mim, meu'
ticca 'de você, teu'
pocca 'dele'
pon1cca 'dela'
.
ICCa 'de nós, nosso'
ticcadeni 'de vocês, vosso'
poccadeni 'deles'
ponidenicca 'delas'
O gênero, na terceira pessoa, refere-se ao possuidor; nem nessa,
nem nas outras pessoas, há referência ao gênero da coisa possuída.
O elemento -cca é marca de caso genitivo, em outras subclasses
do nome, mas aqui ele faz parte do possessivo como tal.

1.1.3. PRONOMES DEMONSTRATIVOS

Os demonstrativos apontam para algum objeto, tempo ou lugar.


Apresentam as categorias de gênero e número. Os sufixos -jaro/-jari
para o feminino e masculino, respectivamente, marcam o gênero. O
sufixo -deni indica o número plural, tanto nos demonstrativos como
nos pronomes pessoais e nos possessivos. Há um elemento constante
nos demonstrativos: a ou na inicial, que constitui sua marca específica .
O elemento ji (ou ja) indica localização, e cca indica afastamento . Os
pronomes demonstrativos são os seguintes:
a) singular: aji 'isto, aqui'
aJa 'isto, aqui'
aJan 'este'
naJari 'este'
aJaro 'esta'
.
naJaro 'esta'
aJICCa 'aquilo, lá'
'aquele'
.. .
aJ1ccaJaro 'aquela'
b) plural: ajariden i 'estes'
aja rodeni 'estas'
naja rideni 'estes'
naja rodeni . 'estas'
ajiccajarideni 'aquele.s'
ajiccajarodeni 'aquelas'

14

L
1.1.4. SUBSTANTIVOS

Os substantivos designam ou nomeiam os seres em geral. Do


ponto de vista formal pode-se distinguir em kulina: substantivos inde-
pendentes (próprios, comuns e coletivos), substantivos extrinsecamen-
te possuídos e substantivos intrinsecamente possuídos.
São independentes os substantivos não-possuídos ou que não es-
tão em relação de atribuição com outros substantivos. Entre os que
são sempre independentes estão os chamados nomes próprios e os
coletivos, além de substantivos que designam elementos da natureza,
animais etc.
São extrinsecamente possuídos os substantivos que designam
objetos culturais.
São intrinsecamente possuíllos os substantivos que só se emore-
gam em relação de posse ou atribuição com outros. São aqueles que
designam partes do co rpo humano ou animal, partes do vegetal, rela-
~ões de parentesco ou setores localizados de Objetos ou seres (como
por exemplo a parte superior, o lado, a parte inte rior de algum ser ou
objeto).
Os su bstantivos ap resentam flexão de número, gên ero e pessoa,
que mostram diferenças segundo as subclasses acima mencionadas.

Número dos substantivos. Com exceção dos nomes próprios e


coletivos, e dos substantivos intrinsecamente possuídos, os substanti-
vos formam o plural por meto do sufixo -deni . O número singular não
tem marca fonológica:
maqquideje 'homem'
maqquidejedeni 'homens'
sibore 'tracajá'
siboredeni 'tracajás'
paJo 'cu ia'
pajodeni 'cu ias'

Gênero e pessoa dos substantivos.

a) Nos substantivos independentes. Quando, numa frase, um


substantivo é indepe ndente, ele não aprese nta desinências de gênero e
pessoa, embo ra tenha um gênero próprio, masculino ou feminino, só
revelado através de outros elementos da oração que concordam com

15
ele, ou então quando ele é tópico, caso em que terá o sufixo -pi/-pa,
respectivamente para feminino e masculino:
(m) huajara 'pernilongo'
huajarapa 'pernilongo (tópico)'
(m) poho 'mandioca'
pohopa 'mandioca (tópico)'
(f) quiqui 'cesto'
. . . •
qu1qu1p1 'cesto (tópico)'
(f) coridsa 'lagoa'
coridsapi 'lagoa (tópico)'

b) Nos substantivos extrinsecamente possuídos. Também nesse


caso o substantivo possuído, embora tendo seu gênero próprio, mas-
culino ou feminino, não apresenta desinências de gênero e pessoa. O
possuidor pode ser expresso por um possessivo ou por um substanti-
vo em forma genitiva (possessiva), com o sufixo -cca, e vem anteposto
à coisa possuída:
(f) occa quiqui 'meu cesto'
(f) pocca ssissite 'arco dele'
(m) Naodsacca ppohui 'rede de Naodsa'

e) Nos substantivos intrinsecamente possuídos. Nessa situação


os substantivos apresentam desinência de pessoa e de gênero, que
indicam a pessoa e o gênero '90 possuidor, quer este esteja ou não
expresso na oração . O gênero feminino é indicado pelo sufixo -ni, o
masculino não tem marca fonológica. Quanto às pessoas, são as mes-
mas usadas nos possessivos. A primeira e a segunda pessoas do sin-
gular e do plural são formalmente masculinas, independentemente do
gênero do possuidor:
onocco 'meu olho' I o-nocco-<Z> (1)/
1 sg-ol ho-masc.
ti nocco 'teu olho' /ti-nocco-(])/
2-ol ho-masc.
nocco 'olho de alguém' l<Z>-nocco-<Z>I
masculino 3-olho-masc.
noccon1 'olho de alguém' l <Z>-nocco-nil
feminino 3-ol ho-fem i nino

(1) O sfmbolo CD representa ausência significativa de marca fonológica e lê-se "zero".

16
. ' nosso olho' /i-nocco-(JJ/
1nocco
1 pl-ol ho-masc.
tinoccodeni 'vossos olhos' /ti-nocco-(/J-den i/
2-olho-masc.-pl.
noccodeni 'olho dele(s)': /(/J-nocco-(/J-de n i/
de alguém masc. 3-ol ho-masc.-pl.
nocconideni 'olho dela(s): /(/J-nocco-n i-den i/
de alguém fem. 3-olho-fem .-pl.

Obs. 1: No caso da 3~ pessoa, quando se quer especificar o pos-


suidor, basta colocá-lo antes do possuído. Mas é importante saber
que, mesmo quando não especificado, está implícito que se trata de
um possuidor de 3~ pessoa; assim, nocco não quer dizer 'olho' generi-
camente, como em português, e sim "olho de alguém do sexo masculi-
no'; da mesma forma, nocconi é "olho de alguém do sexo feminino'.
Exemplo com possuidor expresso:
(m) huama nocco 'olho do jacaré'
(f)
(f)
ahui nocconi
sibore nocconideni
- 'olho de anta'
'olhos da tracajá'
(f) siboredeni nocconideni 'olhos das tracajás'

Obs. 2: Havendo mais de uma relação atributiva na frase, a locu-


ção inteira segue este esquema:
(f) cohuero amorini nocossif!i 'a unha do pé do papagaio'
/cohuero (/J-amori- ni (/J-nocossi-ni/
papagaio 3-pé- fem . 3-unha-fem.
(m) huaja amori noccossi 'a unha do pé da arara'
/h uaja (/)-amor i-(/J-nocossi-(/J/
arara 3-pé-masc. 3-unha-masc.

Obs. 3: Os substantivos que indicam a localização de um ser em


relação a outros em geral são usados com referente s de terceira pes-
soa, mas também podem ocorrer com a primeira e a segunda pessoas.
Deve-se lembrar que a primeira e a segunda pessoas são formalmente
masculinas:
. .
(f) qu1qu1 nam1n1 'a parte inferior do cesto'
/quiqui (/J-nami-ni/
cesto (fem.) 3-inferior-fem.

17
(m) jahui arobe 'o meio do caminho'
/jahui (])-arobe-(])/
caminho {masc.) 3-meio-masc.
(m) tibacco 'teu peito, ou parte anterior de você'
/ti-bacco-(])/
2-frente-masc.

Obs. 4: Uma mesma raiz pode ser usada ou como substantivo in-
dependente ou como possuído intrinseca mente, mas o sentido não é
exatamente o mesmo; o substantivo independente terá seu gênero
próprio, como qualquer substantivo independente:
(intrinsecamente possuído): nami (m) 'a parte inferior dele'
/ClJ- nami-ClJ/
3-p. inf .-masc.
namini (f) 'a parte inferior dela'
/<7>- nami-n i/
3-p. i nf .-tem.
(independente): nami {m) 'o chão'

Obs. 5: Alguns substantivos, ao lado do sufixo 0-/ni- de gênero,


ainda ap resentam uma variação das vogais de sua raiz: e no masculi-
no, a no feminino.
cone/conani 'cabelo dele/dela'
dsepe/ d sapani 'mão dele/ dela'
neppe/nappani 'ovo dele/ de 1a'
nassope/nassopani 's a 1i v a de 1e/de 1a'

Outros apresentam uma alternância e/i para o masculino e femi-


nino respectivamente:
emene ou ama/amani 'sangue dei e/dela'
oqu ine/oq ui n i 'g o r d u r a de 1e/de1 a'
idsone/idson i 'barriga del e/de la'
ajibone/ajiboni 'gosto, sabor dele/ de 1a'

Obs. 6: As designações de parentesco apresentam, por vezes, ba-


ses diferentes para o masculino e o feminino, e além disso uma forma
distinta para a 3 ~ .pessoa. Vamos exemplificar:
, abi 'pai' {vocativo)
occa abi 'meu pai '

18
ticca abi 'teu pai'
imehi 'pai (dele ou dela)'
am1 'mãe' (vocativo)
occa ami 'minha mãe'
ticca ami 'tua mãe'
. .
1men1 'mãe (dele ou dela)'
bedi 'filho (dele ou dela)'
bedeni 'filha (dele ou dela)'

Obs. 7: Certos substantivos não marcados para sexo acrescentam


maqqui/amoneje, palavras independentes, quando é preciso especificá-
Jos:
ejedeni 'criança'
ejedeni maqqui 'menino' (criança macho)
ejedeni amoneje 'menina' (criança fêmea}
JlnO 'neto ou neta'
.. .
Jtno maqqu1 'neto'
jino amoneje 'neta'

Obs. 8: Alguns substantivos extrínsecamente possuídos ou inde-


pendentes podem tornar-se intrinsecamente possuídos por meio do
sufixo -ri, passando então a apresentar desinências de gênero e de
pessoa como os substantivos que são normalmente possuídos:
(f) ssissite 'arco' (independente)
pocca ssissite 'arco dele' (extrinsecamente possuído)
ossissiteri 'meu arco': 'de meu uso exclusivo'
(intrinsecamente possuído)
(m) camati 'piolho' (independente)
ticcamati 'teu piolho' (extrinsecamente possuído)
poni camatirini 'piolho dela' (intrinsecamente possuído)
(m) dsama 'mato' (independente)
idsamari 'nossa aldeia': 'mato que utilizamos'
poni dsamarini 'aldeia dela': 'mato que ela utiliza'
(i ntrinsecamente possuído)

Substantivos que começam pelas vogais a, e. Esses substantivos


apresentam paradigma pessoal irregular. Consideramos como forma
básica da raiz aquela que Ócorre na 3~ pessoa:

19
amori (forma básica da rai z de 'pé'):
,
ohuamori / ohu-amori-0/ m eu pe
temo ri /te-mo ri -0/ teu pé
amo ri / 0-amori -0 / pé (dele )
amo rin1 / 0-amo ri - ni/ pé (dela)
,
emori /e-mori-0/ nosso pe
,
temorideni / te-mor i-0 -den i/ vossos pes
amorideni /0-amori-0-den i/ pés (dele ou deles)
amorinideni /0-am o ri-n i-den i/ pés (dela ou delas)

ene (forma básica da raiz de 'n ariz '):


ohuene / ohu-ene-0 / meu na riz
tene / t e-n e-0 /1 t eu nariz
ene / 0 -e ne-0/ nariz dele
eneni /0-ene-ni/ nariz de la
/
ene /e-ne- 0 / nosso nariz
tenedeni / te-ne-0-den i/ vossos nariz es
enedeni / 0 -e ne-0-den i/ narizes (del e ou deles)
en enid eni /0-ene-ni-deni/ narizes (dela ou delas).

1.2. GRAUS DOS NOMES

Em kulina não há flexões de g rau. Qu ando se quer transm1t1r a


noção de um objeto maior ou menor que seu tamanho normal, acres-
cen ta-s e ao substantivo o s adjet ivos imehi/imeni 'grande', ou bedi/be-
deni 'pequ eno' ; ou então as palavras: potajari / potajaro 'grande (m/f)';
ou birijari/ birijaro 'pequeno (m/f)' .
(m) pajo bedi 'cuia pequena'
(f) panera bedeni 'panela pequena'
(m) hu ama potajari 'jacaré g ran de'
(f) sibore potajaro 'tracajá grande'
(f) sibore imeni 'tracajá grande'
(m) nocco birijari ' co quinho, coco pequeno'

1. 3. CASOS DOS NOMES

Chamam -s e ca sos às form as do no me qu e exprimem as vár ias


relações em que ele pode estar com out ras palavras em uma f rase.

20
Em português não existe essa categoria morfológica, e tais relações
em geral são expressas por meio de preposições. Em kulina os casos
são expressos por sufixos (na escrita vigente, alguns são escritos se-
parados dos nomes a que estão presos) . Ocorrem com os pronomes
pessoais e os substantivos. São os seguintes:

a) -cca 'genitivo'
Hua i nojocca quiqui 'o cesto de Huainojo'
odsa amossinicca huihuittari 'o banco de fora (dela)'
(que é para ficar fora de casa)
odsacca bani 'bicho de casa'

Obs.: Os possessivos também apresentam em sua formação o sufi-


xo -cca, mas atualmente, como as marcas de pessoa são prefixos, apa-
rentemente a palavra não tem raiz (só tem prefixo + sufixo); por isso,
é preferível dizer que os possessivos formam um todo indissociável.

b) -dsa ' locativo'


odsa amossinidsa ' no lado de fora da casa'
quiquidsa 'no cesto'
ajidsa 'aqui, neste lugar'
coridsa nocconidsa 'no meio (no olho da lagoa)'

c) huaji 'movimento para' ou 'movimento desde'


huidsaja huaji 'para a roça, ou da roça'
hueni huaji 'para o rio, ou do rio'

d) -dsa 'i nstrumentivo'


cocorodsa 'com anzol'
ttittittidsa 'de bicicleta'

e) -~sa 'objeto indireto'


ohuadsa da tajo 'dê para mim'
maccadsa occapi nade 'eu estava com medo da cobra'
ssiquidsa 'com areia, de areia (estar cheio)'

f) tohui 'alvo (por, em busca de)'


passo tohui 'por água, em busca de água'
dsama tohui 'por caça, em busca de caça (mato)'

21
g) jine 'por causa de'
pohua jine 'por causa dele'
jidepe jine 'por causa do uru cum'

h) noppine 'contrário, aversivo'


ti noppine 'contra você'
madija noppine 'contra gente, aversivo a gente'

i ) -ma 'aditivo'
sahoma 'com sal'
huapima 'todos juntos, todos com'

j ) -ssa 'semelhante'
dsamassa 'como mato, igual a mato'
pon1ssa 'como ela'
pajissa 'assim, como isso ou esse'

1) huajine 'específicó'
mimiji huajine 'específico para diarréia'
bajaja huajine 'para dor de cabeça (lit.: para latejo;
do verbo bajade 'latejar')

m)-ra 'exclusivo' .
Tamacora 'só Tamacô'
ohuadsara 'só para mim'

-
1.4. FORMAÇAO DOS NOMES

Há nomes primitivos, quando não são formados a partir de outras


palavras, e nomes derivados. Pode-se derivar um nome:

a) a partir de um nome, em geral referente a alguma parte do


corpo, por meio do prefixo to- e do sufixo -cca; o nome derivado de-
signa um objeto referente àquela parte do corpo que serviu de base
para a derivação:
tobi ji cca 'relógio, pulseira', a partir de biji, raiz de 'braço'
tom atto·cca 'colar', a partir de matto, raiz de 'pescoço'
tod sepecca 'anel', a partir de dsepe, raiz de 'mão'
tonoccocca 'óculos', a partir de nocco, raiz de 'olho'

22
b) a parti r de u m verbo, po r meio da red u p licação da prime ira sí-
laba da raiz; em ge ral o nom e derivado desig na o instrumento da ação,
o objeto da ação, ou a p rópria ação:
hu issi 'cortar' huih uissi 'serrote'
joh ue 'varr er' jojohue 'vassou ra'
tom i 'fum ar' totomi 'cachimbo'
ma ri 'ajudar' mamar1 'al uno'
coro ' pescar' cocoro 'anzol'
J1ri 'ca ntar'
... . . 'a ca nção'
Jlj lrt

m 111 'defecar' m1m 1J1 'dia rr éia'

c) a partir dé u m verbo, po r meio de red u pl icação da pri m eira


sílaba da raiz e do sufixo -de; o nome derivado é um nome de agente:
cahua 'cuida r' cacahua de 'o cu idador'
to mi 'chupa r' totomi de 'a sanguessuga'
ttoro 't rovej ar' ttottoro de 'o t rovão'
coro 'pesca r' cocoro de 'o pescador'

Obs.: de meme 'céu, o alto', deriva-se memede 'avião' (ou se1a,


aqu ele que anda no céu ).

d) a partir de alguns poucos adjetivos, por meio dos su fixos de


gênero -hi/-ni, alte r and o-se se u sentido orig i nal:
1me 'gra nde' imehi I ime ni 'pai/ mãe'
bedi 'pequ eno' bedi / bede ni 'fi lho I fil ha'
jada ' m aduro' jada hi I jada ni 'o ve lho Ia velh a'

e) a partir de uma r aiz verbal, por meio do sufixo -niji, de r iva-se


um nome de objeto:
ssahua ' lavar'
ssahua niji 'aquele que se ajuda a lavar, q uando nasce'
coro tacossa 'est á la nçado a esmo'
coro tacossa niji 'aquele que se ajuda a fecundar'

Observação sobre os morfemas de caso. Uma outra ma neira de


tratar os morfemas que chamamos de sufixos de caso (-cca, -dsa,
-huaji, etc.) seria a de d izer que eles são preposições (ou melhor ai n-
da, posposições, um a vez q ue ocorrem depois do nom e e não antes), e
não sufixos de caso.

23 ·
O argumento mais forte para tratar esses morfemas como pospo-
sições, ou seja, vocábulos gramaticais, é o fato de que, quando há uma
locução nominal (nome + adjetivo) o morfema de "caso" se coloca
' depois da locução toda e não no final do nome:
jahui + onihi + dsa 'no outro caminho'
Ou seja, dsa se comporta como as preposições do português, que mo-
dificam toda a locução nominal:
no + outro + caminho
Se ele fosse mesmo um sufixo do nome, deveria ficar:
jahuidsa onihi'
Por outro lado, se esses morfemas fossen1 considerados posposi-
ções e escritos separadamente do nome, também o morfema de tópico
-pai-pi teria de ser escrito sempre separadamente:
huada + onihi + dsa + pa 'no outro dia (tópico)',
já que tópico é toda a locução, e se dsa é um vocábulo, pa também o
deverá ser. Quanto à escrita, mais adequado seria, portanto, escrever:
huada onihi dsa pa 'no outro dia'
Já existe, porém, uma tradição ortográfica, que de ce rto modo
expressa a solução de considerar esses morfemas "casuais" como su-
fixos, solução indefensável, a não ser que se diga que a locução nomi-
nal (por exemplo, jahui onihi 'outro caminho') é na verdade uma pala-
vra composta (jahui-onihi). Ortograficamente, no entanto, não ficaria
muito cômodo escrever todas as locuções como palavras compostas
(jahui-onidsa 'no outro caminho' huada-onihidsapa 'no outro dia' (tó-
pico), etc.). A escrita existente mostra esses morfemas como sufixos
da última palavra de uma locução, mas deve-se ter em mente sempre
que na verdade eles estão modificando o todo, seja esse todo conside-
rado uma locução ou uma palavra composta.

2. O ADJETIVO

O adjetivo se distingun das outras classes de palavras porque:

a) apresenta uma desinência específica de número plural: -qquiri;


b) tem comportamento sintático característico;
c) pode apresentar flexões de gênero, mas não de pessoa;
d) não pode ser tópico de uma oração .

24
-
2 . 1. FUNÇOES DOS ADJETIVOS

Os adjetivos desempenham três funções sintáti cas: qualificativo


de um nome, predicado-adjetivo e predicativo de um verbo de ligação.

2. 1. 1. ADJETIVOS QUALIFICATIVOS

Ocorrem numa locução nominal como adjuntos do nome, atri-


buindo-lhe uma qualidade. Concordam em gênero com o nome qualifi-
cado. O gêne ro é exp resso geralmente pelo sufixo -CD/-ni, para o mas-
cul ino e feminino, re spectivamente:
boroco 'reto' boroco ni 'reta'
ss1r1 'errado' ssiri ni 'err ada'
ppoco 'quente' ppoconi 'quente'
jada 'maduro' jada ni 'madura'
1me 'grande' ime ni 'grande'

Casos especiais:

a) alguns adjetivos apresentam também uma alteração da sua úl -


tima vogal, na forma feminina:
bed i 'pequeno' bedeni 'peq uena '
b) dsati tem uma única forma para os dois gêneros:
dsati 'novo' dsati 'nova'

Daremos agora alg uns exemplos de adjetivos integrando uma lo-


cução nominal:
(m) pajo bedi 'cuia pequena'
(f) quiqui bedeni 'cesto pequeno'
(m) pajo pocco 'cu ia quente'
(f) quiqui dsati 'cesto novo'
Não há pl ural específi co para os adjetivos qualificativos : a locu-
ção toda é que fica no plural nominal, com -deni (o plu r al para nomes),
mostrando mais uma vez que, a rigor, o adjetivo qualificativo forma
/
um composto com o nome qualificado:
pajo bedeni 'cuias pequenas'
pajo dsatideni 'cuias novas'

25
2.1.2. ADJETIVOS-PREDICADOS

Funcionam como predicados não-verbais. Apresentam sempre


desinência de gênero -hi/-ni, respectivamente, para o masculino e o
feminino( 1). O adjetivo concorda em gênero com o sujeito .
Exemplos de adjetivos em função de predicado:
maccohi 'é vermelho'
macconi 'é vermelha'
huessehi 'é amarelo'
huesseni 'é amarela'
bicahi 'é bom, bonito'
bicani 'é boa, bonita'

Obs.: Não dispomos de exemplos de adjetivos com essa função,


no plural, que não estejam acompanhados por verbo de ligação.

2.1.3. ADJETIVOS PREDICATIVOS


,.
Exercem a função de predicativos dos verbos de ligação na e ta;
no plural apresentam o sufixo -qquiri; não têm desinências de gênero
(o gênero fica no verbo de ligação). Todos os adjetivos, mesmo os que
ocorrem na função de predicados, podem ocorrer com os verbos de li-
gação. Sobre significados e características dos verbos de ligação, ver
mais adiante.
Exemplos:
oba onani '·estou sujo (ou suja)'
oqui tani 'está gorda'
bica tah i 'está bom, bonito'
obaqquiri inani 'estamos sujos (ou sujas)'
joneqquiri tiquenani 'vocês estão mansos'
bicaqquiri quenahi 'estão bon s'
. . . ..
oqu1qqu1r1 nan1 'estão gordas'

Obs.: Em geral, uma raiz que é adjetivo primitivo não será usada
como verbo, e vice-versa. Mas algumas raízes são tratadas na língua
ora como adjetivos, ora como verbos; é o caso de huadi 'brabo' ou

( 1) No dialeto do rio Juruá, a marca de gênero masculino é - hui, não - hi.

26
'
'embrabecer', 'enraivecer-se'. As vezes só no plural é que se pode per-
ceber se o falante está considerando-a adjetivo ou verbo:
huadi tahi '(ele) está brabo'
'(ele) está enraivecendo'
huadiqquiri quenahi '(eles) estão brabos'
huadimana quenahi '(eles) estão enraivecendo'

2.2. NUMERAIS

Em kulina só há designação direta para dois números: ojari e pa-


ma 'um' e 'dois', respectivamente. A língua os trata como:
a) adjetivo qualificativo: jabo pama 'duas raízes'
b) adjetivo predicado: ori pamahi 'os chifres (são dois)'
c) adjetivo relativo: tocodso pamehe 'jacarés (que são dois)'
Da mesma forma:
tocodso ojari ' um jacaré'
dsomaji ojarihe 'onça (que é) uma' .
(Sobre adjetivo relativo ver ainda a seção das orações subordina-
das adjetivas).

2.3. FORMAÇAO DOS ADJETIVOS

Há adjetivos primitivos, que não se originam de outras palavras,


e adjetivos derivados:

a) a partir de um adjetivo, por meio de sufixo negativo -ra, se


deriva um adjetivo de significação contrária:
huitta 'baixo' huittara ' alto, comprido'
biri 'oeaueno' birira 'grande'
pahua leve pahuara 'pesado'
dacco mole daccora 'forte, duro'
? --- pocora 'quente'

Para o último exemplo, não temos a forma primitiva: pode ser que
exista (poco) ou que a lfngua só tenha conservado a forma derivada.

27
b) a partir dos numerais, por meio do prefixo causativo ca- (que
ocorre também nos verbos), deriva-se um adjetivo com o significado
de algo causado, feito, provocado:
pama 'dois' capam a 'tornados dois'
. .
Ojarl 'um' ca1a ri 'tornado um'

c) qualquer raiz nominal, quando usada com verbos de ligação,


tran sfo rma-se em adjetivo:
siba 'pedra' siba nahi 'está pedra (duro)'

Intensificação dos adjetivos:


Faz-se por meio do sufixo -bote, que pode ser traduzido como
'muito' ou 'bem':
jadabote 'muito, (bem) velho ou maduro'
jadanibote 'muito, (bem) velha ou madura'

2.4. ORDEM DOS ELEMENTOS NA LOCUÇAO NOMINAL


-
Nome + adjetivo:
bonojada 'fruta madura'
bono pama 'duas frutas'

Nome possuidor + nome possuído:


passo bodidsa 'dentro da água'
(água inte rior - em)
. .
occa qu1qu1 'meu cesto'
dsippo esseni odsa bodidsa ' fumaça dentro de casa' (fogo
• fumaça casa dentro - em)

Demonstrativo + nome:
aja ro bononi 'esta fruta'
Também é possível a ordem inversa: bononi ajaropi 'a fruta es-
ta', quando se topicaliza o demonstrativo.

Lembrete: Como algumas raízes têm formas derivadas, e isso


pode causar certa confusão entre o que é adjetivo e o que é nome

28
derivado dele, vamos exemplificar todas as situações possíveis com
jada, raiz do adjetivo primitivo que significa 'velho ou maduro':
a) (m) bano jada ojipade 'comi a fruta madura'
(de algo masculino)
(f) bononi jadani ojipade 'comi a fruta madura'
(de algo feminino)
temos aí o adjetivo qualificativo, numa locução nominal.

b) (m) bano jadahi 'a fruta é madura' (m)


(f) bononi jadani 'a fruta é madura' (f)
temos ar o adjetivo em função de predicado.

c) bano jada tahi 'a fruta está madura'


bononi jada tani 'a fruta está madura'
temos aí o adjetivo em função de predicativo do verbo de liga-
ção ta.
d) jadahi tojahi 'é um velho'
jadahi ojani 'sou um velho'
jadani tojani 'é uma velha'
jadani ojani 'sou uma velha'
temos ai um nome derivado do adjetivo.

3. O VERBO

O verbo se distingue morfologicamente das outras classes de


palavras pelas seguintes características:
a) tem desinências pessoais específicas;
b) tem desinências de plural para sujeito e objeto;
c) apresenta variações de pessoa, número, tempo, gênero, modo,
aspecto e regência;
d) pode ocorrer com o sufixo negativo ra;
e) concorda em gênero com o sujeito, mas em certas circunstân-
cias pode concordar com o objeto.
Sintaticamente, a única função do verbo é a de predicado de uma
oração.
O verbo apresenta formas simples e compostas. Nas formas sim-
ples todas as desinências verbais estão numa única raiz, a do verbo
principal. Nas formas compostas alguns elementos morfológicos estão

29
numa raiz-veículo diferente da principal, enquanto as desinências pes-
soais estão no verbo principal. Como raiz-veículo funcionam as raízes
dos verbos de ligação e dos auxiliares.
Os verbos são classificados em principais, auxiliares e de ligação.
O verbo principal tem a significação plena, nuclear, na oração.
Verbo auxiliar é aquele que, desprovido total ou parcialmente de
significado independente na oração, se junta a um verbo principal não
conjugado pessoalmente, formando com ele uma locução verbal, com
um matiz significativo particular (os auxiliares mais comuns são: da,
raiz de 'dar', com o significado de possibilidade; dsa, raiz de 'fazer'; ji-
ca, raiz de 'terminar'; indicando o término de uma ação; jidsa, raiz do
adjetivo 'invisível', indicando a ação realizada em profundidade ou em
intensidade; cana, com o sentido de 'causar', e alguns outros).
Verbos de ligação são verbos que funcionam como elo entre pa-
lavras ou expressões não-verbais, o sujeito e seu predicativo. O predi-
cativo é uma forma não-verbal (nome ou adjetivo). Há três verbos de
ligação: ja, na e ta. O verbo ja, nas orações afirmativas, só ocorre com
nomes; nas negativas, ocorre tarrbém com adjetivos. Indica que o su-
jeito é identificado ao predicativo, ou tem suas características, ou está
no papel ou atribuição do predicativo. Os verbos de ligação na e ta só
ocorrem com adjetivos; na indica que o sujeito está no estado repre-
sentado pelo predicativo; ta também indica que o sujeito está no esta-
do apresentado pelo predicativo, mas como resultado de um processo.
Os verbos de ligação podem funcionar como verbos auxiliares
quando se ligam a um verbo principal, formando com eles uma locu-
ção verba 1.
Eles conservam, com algumas nuances, o mesmo sentido aspec-
tual que têm como verbos de ligação: ja indica que o sujeito está no
exercício da ação representada pelo verbo principal. A tradução mais
literal, em português, é com o infinitivo: estar a cantar, estar a bater
em alguém, etc.; na indica que a ação é encarada em seu aspecto de
duração ou continuidade. Em português, a tradução mais literal dessa
forma seria com o extinto particípio presente, que tem como vestígio
os adjetivos em -ante, -ente: ser ou estar cantante, dançante, rouban-
te de algo, etc.; ta indica que o sujeito está no estado resultante da
ação do verbo principal. Em português não há uma correspondência
direta para essa forma verbal, pois o resultado de uma ação só tem
expressão no particípio passado e ainda assim em referência ao obje-
to, não ao sujeito; ·por exemplo, para a frase ele ralou a mandioca, o
resultado só pode ser expresso em relação à mandioca: a mandioca está

30
ralada; da mesma forma, eu paguei a conta tem como resultado a conta
está paga; com verbos intransitivos se pode usar, em tom de brincadei-
ra, um tipo de expressão que corresponde ao estado resultativo de su-
jeito: em vez de dizer eu jantei, djz-se estou jantado . Há uma expres-
são grosseira, muito usada, que traduz o mesmo tipo de categoria,
desta vez com verbos transitivos: estou fodido e mal pago .
Algumas línguas indo-européias (o francês, por , exemplo) podem
expressar também o estado resultativo do objeto. E o que acontece
igualmente no kulina: em vez de dizer, como no português, fiz as com-
pras, pode-se dizer tenho feitas as compras, à semelhança do francês.
Por outro lado, o kulina pode expressar o estado resultativo do objeto
como no português, transformando-o em sujeito, como em a mandioca
está ralada. Por isso, deve-se estar atento à possibilidade de traduzir
uma frase kulina com o verbo auxiliar ta por meio das formas do por-
tuguês estar ou resultar no estado X, ou ter + particípio passado
(com variações de gênero).

-
3. 1. FLEXAO DOS VERBOS

3. 1. 1. PESSOA

O verbo possui três pessoas, relacionadas diretamente com a


pessoa gramatical que lhe serve de sujeito.
A primeira é aquela que fala e corresponde aos pronomes pessoais
ohua 'eu' (singular) e ia 'nós' (plural); é representada pelos prefixos

o- e 1-:
opemini 'estou com fome'
.1pem1 n1 'estamos com fome'
A segunda é aquela a quem se fala e corresponde aos pronomes
pessoais tia 'tu ou você' (singular) e tiadeni 'vós ou vocês' (plural);
tem como marca o prefixo ti-:
tipemiqui? '(você) está com fome?'
tipemimanaqui? '(vocês) estão com fome?'
A terceira é aquela de quem se fala e corresponde aos pronomes
pessoais pohua, poni 'ele, ela' (singular), e pohuadeni, ponideni 'eles,
elas' (plural):
pem1n1 '(ela) está com fome'
pemimanahi '(ele) está com fome'

31
3.1.2. NÚMERO

Como as outras palavras variáveis (nome e adjetivo), o verbo


admite dois números: o singular e o plural. Dizemos que um verbo
está no singular quando se refere a uma só coisa ou pessoa, e no plu-
ral, quando tem por sujeito mais de uma pessoa ou coisa. O verbo,
no singular ou no plural, pode por sua vez ter um objeto singular ou
plural:

sujeito singular: oda de 'bati'


sujeito singular/objeto plural: odabaqquide 'bati-os (as)'
sujeito plural: ' tidemanade 'vocês bateram'
sujeito plural/objeto plural: idabaqquimanade 'bateram neles (as)'

Os paradigmas número/pessoais dos verbos são os seguintes:

a) verbos intransitivos

o- primeira pessoa do singular


t i- segunda pessoa do singular
0- ou to- terceira pessoa do singular
.
1- primeira pessoa do plural
t i-... -mana segunda pessoa do plural
to- ... -mana ou 0-... -mana terceira pessoa do plural

Obs. 1: Ainda não está muito claro quando se usa to- ou 0- na


terceira pessoa; uma hipótese é a de que to- representa o sujeito co-
mo agente voluntário, enquanto 0- o representa como agente invo-
luntário (algo como a diferença entre, por exemplo, estar escutando
porque se tem vontade de escutar e estar escutando sem querer, por-
que a fala entra pelos ouvidos) .

Obs. 2: -mana é marca de sujeito plural da 2 ~ e 3~ pessoas, tanto


nos verbos intransitivos como transitivos; -baqqui é a marca de objeto
plural de 1~ , 2 ~ ou 3~ pessoa; por vezes apresenta a variação -qqui .

b) verbos transitivos: o paradigma é o mesmo que o dos verbos


intransitivos, exceto na 3~ pessoa do singular e do plural, que é i- ou
0-: é i quando a concordância em gênero é com o objeto; é 0- quan-
do a concordância em gênero é com o sujeito.

32
c) verbos de ligação: os verbos ja e na têm um paradigma próprio:

Jª na
o- 1 ~ p . sg . o- 1~ p. sg .
ti- 2~ p. sg. ti- 2 ~ p. sg .
to- 3~ p. sg. (/)- ou i- 3 ~ p. sg.
.1- 1 ~ p. pi. 1- 1~ p. pi.
tique- 2~ p. pi. tique- 2 ~ p. pi.
toque- 3~ p. pi. (/)que- ou ique- 3 ~ p. pi.

Obs.: O prefixo que- é a marca do plural para a 2~ e 3~ pessoas,


com os verbos de ligação .

d) verbo de ligação ta: esse verbo é defectivo: nunca é usado na


primeira pessoa ; na 2~ e 3~ pessoas tem desinência pessoa 1 CD (zero);
não t em desinências de número .

3.1 .3. TEMPO

Tempo é a variação que indi ca o momento em que se dá o fato


expresso pelo verbo. Os dois tempos marcados, em kulina, são o pas-
sado e o futuro, que designam, respectivamente, um fato ocorrido an-
tes do momento em que se fala, e um fato ocorrido após o momento
em que se fala . Tanto o passado como o futuro se subdividem: há duas
form as de passado, duas de futuro não-aspectual e duas de futuro-as-
pectual. Há uma forma temporal não-marcada, expr essa por -CD (ou
ausência de marca), que pode ser usada em substitui ção a outros tem-
pos, segundo o contexto; em geral a forma não-marcada designa o
presente, um fato ocorrente no momento em que se fala, ou uma ação
habitual. As marcas de tempo são as segui ntes:
- (/) (tempo não-marcado ) ' presente' ou 'habitual'
- pa 'passado imediato'
- de ' passado não-imediato'
- na 'futuro imediato'
padseje/ padsaja 'futuro não-imediato'
jine 'futuro d e intenção'
tohui 'futuro d e obrigatoriedade ou des-
tinação'
Obs.: As três últimas formas são escritas separadamente.

33
3.1.4. ASPECTO

Ao lado da indicação do tempo da ocorrência, pode haver tam-


bém a expressão facultativa de certos aspectos ou características da
ação em si mesma; tais morfemas são chamados de aspectos. São os
seguintes:
-cossa expressa a idéia de dispersão da ação, ou movimento
exercido em mais de uma direção; é bem traduzido
geralmente por 'para todos os lados' ou 'em todas as
direções': eco inacossade 'ele o empurrou'.
-n1 expressa a idéia de uma ação retroativa ou de retor-
no no tempo, no espaço ou a uma situação anterior;
em geral pode ser traduzido como 'de novo', 'nova-
mente', 'outra vez': toccanini jine 'ela pretende ir de
novo'.
-po expressa a idéia de anterioridade temporal da ação
especificada em relação ao sujeito, ·ao objeto ou à
ação; pode ser traduzida como 'antes', 'primeiro':
ojipapode 'eu comi primeiro'.
-ri expressa a idéia de movimento ascendente; usa-se
com verbos de movimento, com o sentido literal de
'subir' e figurado de 'reviver', 'voltar a si', 'melho-
rar': occaricossanini 'subo' (nesse exemplo estão
presentes três sufixos de aspecto: -ri, -cossa, e -ni;
o segundo, -ni, é marca de gênero).
-ro expressa a idéia de movimento, com o sentido básico
de 'descer' ou 'vir para baixo': ticcaro naniji 'desça'.
-cca expressa a idéia de uma ação ainda não iniciada ou
prestes a iniciar-se; em geral traduz-se bem como
'quase' ou 'ainda': ttomi onaccana 'eu ainda vou fu-
mar' .

-n1ssa expr'essa a idéia de semelhança; traduz-se bem por
'assim', 'dessa maneira': huatti tanissa 'fala assim'.
Há também um prefixo com o sentido aspectual de 'ação realiza-
da contra a vontade, à força, à revelia, do objeto: aqui-. Ex.: iaquiboni
'ele a deixa, à sua revelia', iaquidacossemanahi 'eles os jogaram para

34
todos os lados, à força' {divisão morfêmica: i-aqui-da-cossa-mana-hi,
onde cossa passa a cosse antes de mana) .

3.1.5. MODO

Chamam-se modos às diferentes formas que toma o verbo para


indicar a atitude {de certeza, de modo, de dúvida, de suposição, etc.) da ·
pessoa que fala em relação ao fato que enuncia . Há seis modos em ku-
lina: indicativo, imperativo, interrogativo, potencial, preventivo e frus-
trativo.

Indicativo. Com o modo indicativo exprime-se em geral uma ação


ou estado considerado na sua realidade ou na sua , certeza, quer em re-
ferência ao passado, ao presente ou ao futuro . E o modo fundamental
da oração principal; não tem marcas específicas.

Imperativo. Esse modo serve para enunciar uma ordem ou pedi-


do; só há imperativo na segunda pessoa do singular e do plural; tem
como marca o sufixo -ji/-jo, para o feminino e masculino, respectiva-
mente; ocupa a última posição .na ordem dos elementos no verbo.

Interrogativo. Esse modo serve para formular uma pergunta;


normalmente é usado para a segunda e terceira pessoas; tem como
marca o sufixo -qui/-co, feminino/masculino; ocupa a última posição
no verbo.

Obs.: A interrogação pode ser feita de outra forma, por meio de


palavras interrogativas; essas palavras têm como elemento obrigatório
o morfema nejeco ou co, sem distinção de gênero, que não deve ser
confundido com o par -qui/-co dos verbos; também nomes podem ser
interrogados com o mesmo co das palavras interrogativas .

Potencial. Esse modo serve:


a) para expressar uma hipótese;
b) para indicar que uma ação, ainda não realizada, é concebida
como dependente de outra, expressa ou subentendida;
c) para i ndicar que um fato teria ocorrido, mediante certa condi-
-
çao;
d) para exprimir a possibilidade de um fato passado;
e) para indicar a incerteza sobre fatos passados, com certas fra-
ses interrogativas (nejecojarinaja7 'quem seria esse?' nejeco-

35
huajineje 'para onde (ela) teria ido?); é, em suma, o modo da
não-realidade, o modo potencial, em oposição ao modo da
realidad e, o indicativo; é expresso pelo prefixo -neje/-naja,
feminino/masculino, respectivamente.

Preventivo . Esse modo serve para prevenir, acautelar ou impedir


algo de acontecer; não apresenta variação de gênero; é marcado pelo
sufixo -rana, na posição final do verbo (ex.: ette tia cca rana 'cuidado
que o cachorro te morde').

Frustrativo. Com o modo frustrativo expressa-se a tentativa,


frustrada, de realização de uma ação; tem como marca o sufixo -raha,
sem distinção de gênero, ocupando a posição final do verbo (ex.: qqui
oneraha 'tento ver e não consigo, olho em vão').

3.1.6 . NEGAÇAO

A catego ria da negação é expressa pelo sufixo -ra, que não é, po-
rém, exclusivo do verbo, pois pode ser usado também para negar um
adjetivo; na verdade o sufixo -ra deriva um tema negativo a partir de
uma raiz positiva verbal ou adjetiva.

3. 1. 7. REGÊNCIA

Alguns verbos podem manifestar uma catego ria especial, a de re-


gência, para mostrar a ligação que têm com um complemento, expres-
so ou não. Os sufixos que marcam regência são os seguintes:
-dsa relação de loca 1ização:
ssoquedsa 'amarrar em, com', huittidsa 'sentar em',
ssipodsa 'espremer', babarodsa 'sacudi r'.
-huaja relação de separação:
ssehuaja 'rasgar-se', jai huaja 'quebrar',
ajahuaja 'copular (fora)'.
-ma relação de acompanhamento, adição:
ccama 'ir (com outro)'.

36
3. 1. 8. GÊNERO

O gênero, nos verbos, expressa a concordância com o sujeito ou


com o objeto; há dois pares de sufixos ocorrendo no verbo, com for-
mas distintas para o feminino e o masculino, respectivamente:
-ni/-hi(1) e -jaro/-jari. Não estão ainda bem claros o sentido e a ocor-
rência de um e outro par; aparentemente eles podem aparecer nas
mesmas situações; o essencial é que, seja qual f or a diferença de signi-
ficado entre os dois pares, isso em geral não afeta a conj ugação e a
concordância; por i sso, quando for indiferente o uso de um ou outro
par, exemplificaremos somente com um deles, a sabe r, -ni/-hi.
O sufi xo de gênero usado na primeira e segunda pessoas, nos
verbos intransit ivos, bem como nos verbos de ligação (e nos adjetivos-
p red icados), é o do feminino, -ni ou -jaro, independenteme nte do se-
xo do sujeito.
Nos verbos transitivos, nas mesmas pessoa s, o uso do feminino é
ambígüo: ele pode expressar concordância com o sujeito, indepe nden-
te do sexo, ou com um objeto feminino . O uso do masculino (-hi ou
-jari) , nas mesmas condi ções, não é ambígüo : ele só pode esta r ex-
pressando um objeto mascu li no.
Quanto à terceira pessoa, nos verbos intransitivos não há ambi-
güidade: é -ni ou -jaro quando o sujeito é feminino, é -hi ou -jari
quando ele é masculi no; igualmente nos verbos transitivos não existe
ambigüidade: se a marca de terceira pessoa é 0 , os sufixos -ni e -jaro
expressam a concordância com sujeito feminino, e os sufixos -hi,
-jari, a concordâ ncia com sujeito mascu 1i no; se a · ma rca de terceira
pessoa é i-, os mesmos morfemas expressam concordância com o ob-
jeto feminino e masculino, respectivamente .
Ex emp lificando:
a) Verbos transitivos:
oda ni 'bato' (suje ito masculino o u feminino )
oda ni 'bato-a' (objeto feminino)
oda hi 'bat o-o' (objeto mascu 1i no)
tida ni 'bates' (sujeito mascu lino ou feminino)
tidani 'a bates' (objeto feminino)
tidahi 'o bates' (objeto mascu 1i no)
da ni '(ela) bate' (sujeito feminino)

( 1) No dialeto do rio Juruá o masculino é -hui, não -hi.

37
dahi '(ele) bate' (sujeito masculino)
idani 'a bate' (objeto feminino)
idahi 'o bate' (objeto masculino)
Para o plural o esquema é o mesmo.
b) Verbos intransitivos:
otaboni 'flutuo' (sujeito masculino ou feminino)
titaboni ' flutuas' (sujeito .masculino ou feminino)
totaboni 'flutua' (sujeito feminino)
totabohi 'flutua' (sujeito masculino)
itaboni 'flutuamos' (sujeito masculino ou feminino)
titabomanani 'flutuas' (sujeito masculino ou feminino)
titabomanani 'flutuam' (sujeito feminino)
totabomana hi 'flutuam' (sujeito masculino)
Na primeira pessoa do plural, tanto nos intransitivos como nos
transitivos, ocorre muito freqüentemente -jaro em vez de -ni.

3. 1. 9. INFINITIVO
,
E a form a nominal do verbo, que tem como marca o sufixo -de.

-
3.2. FORMAÇAO DOS VERBOS

Como ocorre com os nomes e os adjetivos, os temas verbais tam-


bém podem ser primitivos e derivados.

a) por meio dos prefixos ca- e na-, causativos, deriva-se um te-


ma, que acrescenta à raiz primitiva a idéia de uma ação causada ou
provocada pelo sujeito: jica 'terminar-se, acabar-se', cajica 'fazer ter-
minar-se, ou terminar'; na (raiz do verbo de ligação ou auxiliar na) 'es-
tar no processo', nana 'fazer estar no processo'.

b) por meio do sufixo -bote obtém-se um tema que intensifica o


tema primitivo:
nahatobote 'saber muito, profundamente'
jicabote 'acabar mesmo, estar quase acabando'
huadabote 'dormir muito'

38
1 1 1
Obs.: 0uase' e muito' ou bem' são nuances do mesmo processo
de intensificação: quase desloca o enfoque para o término do proces-
so, muito e bem para o correr do processo: quase acabado - muito
acabado - bem acabado;
c) por meio da reduplicação da última sílaba ou das duas últimas
sílabas de uma raiz verbal, obtém-se temas derivados, que indicam
uma ação freqüente, repetida, ou intensificada.
- reduplicação da última sílaba:
huadidi 'brigar muito, freqüente ou repetidamente'
qquiqqui 'olhar bem, procurar'
robaba 'roubar muito' (empréstimo do português)
babaroro 'bater, sacudir muitas vezes'
bajaja 'latejar intensamente'
- reduplicação de duas sílabas:
ccapiccapi 'vomitar muito'
ahajaahajaahaja 'copular repetidas vezes'
johuajohuajohua 'chorar muito'
Obs. 1: também adjetivos em função predicativa ou em função de
predicados podem ser derivados por reduplicação de uma ou mais sí-
labas da raiz:
huajiji 'muito distante'
jahojaho 'muito cansado'
Obs. 2: as onomatopéias, ou imitação de ruídos ou barulhos, em
geral se apresentam em kulina como formas verbais com verbos auxi-
liares; toda a base costuma ser reduplicada uma ou mais vezes:
quessequesse 'fazer o barulho nas folhas'
saisaisai 'fazer o barulho de pisar'
ppoppo 'fazer o barulho de voar'
ppeppe 'fazer o barulho de abanar'
jajaja 'fazer o barulho jajaja'
d) Casos especiais:
1) a partir de na deriva-se jona, empregado como verbo auxiliar
com verbos de movimento, indicando aproximação em relação ao su-
jeito:
ohuacca rijonani 'melhoro, revivo' (aproximo-me de subir,
melhorar)
(ohua-acca-ri-jona-ni)
1 ~ p.-me 1ho rar-aspecto-auxi 1ia r-fem.
2) a partir de dsoqque 'morrer', deriva-se o tema idiossincrático
nanadsoqque 'matar': inanadsoqquede 'matou-o'.

39
3.3. CONJUGAÇÃO DOS VERBOS

Conjugar um verbo é dizê-lo em todos os modos, tempos, pes-


soas e números. O agrupamento de todas essas flexões, segundo uma
ordem determinada, chama-se conjugação.
Há variações na conjugação entre temas iniciados por consoantes
e por vogal, entre verbos transitivos e intransitivos, entre os verbos de
ligação (mesmo quando auxiliares) e todos os demais.
A ordem de colocação dos morfemas constitutivos nos verbos
(exceto nos de ligação) é a seguinte:
12 lu.g ar - pessoa
22 lugar - raiz
32 lugar - (negação)
42 lugar - (aspecto: um ou mai~)
52 lugar - número plural de objeto
62 lugar - número plural de sujeito
72 lugar - gênero
82 lugar - tempo
92 lugar - modo
Os parênteses, nos itens 32 e 42, indicam que esses elementos
são facultativos.
Obs.: Não está muito claro, por falta de exemplos, o lugar exato
do morfema de regência; só sabemos que é posposto à raiz.

Uma vez que algumas das categorias verba.is em certas formas


têm marca 0 (ou seja, ausência de marca fonológica), como por
exemplo: 3 ~ pessoa em certos casos, o número singular, o tempo pre-
sente, o modo indicativo, a afirmação em oposição à negação, e, por
outro lado, como aspecto e regência não são obrigatórios, resulta que
a forma mínima fonológica superficial do verbo pode ser simplesmente:

raiz + gênero, ou raiz +tempo:


dsoqquehi 'morreu, está morto'
({7)-dsoqq ue-h i-{7))
3-morrer-masc.-pres.
pemide 'estava com fome'
({7)-pemi-de)
3-fome-pass. não-imediato)

40
1 1
Conjugação do verbo intransitivo jipade comer

Modo indicativo:

a) afirmativo:
Presente
.. .
011 pan1 como
tijipani comes
ji pahi come (e le)
.. .
11pan1 come (ela)
1J1pan1 comemos
tijipemanani comeis
jipemanahi comem (eles)
.. .
11pemanan1 comem (elas)
Obs . 1: jipade, quando usado como transitivo, pode ter i- na 3~
pessoa.
Obs . 2: Antes de -mana, a vogal a sempre se transforma em e.

Passado imediato
Ojtpa comi (agora)
tijipapa comeste
..
11papa comeu
111 papa comemos
tiji pemanapa comestes
ppemanapa comeram

Passado não-imediato
ojipade comi
tijipade comeste
jipade comeu
ijipade comemos
tiji pemanade comestes
jipemanade comeram

Futuro imediato
011pana vou comer (agora)
tijipana vais com er
..
J1pana vai comer
111pana vamos comer
111pemanana voces vao comer
A -

jipemanana vão comer

41
,
Futuro não-imediato
ojipa padseje comerei
tijipa padseje comerás
jipa padseje comerá (ela)
jipa padsaja comerá (ele)
iji pa padseje comeremos
ijipemana padseje vocês comerão
jipemana padseje elas comerão
jipemana padsaja eles comerão

Futuro de intenção
ojipani jine pretendo comer
tijipani jine pretendes comer
11pan1 11ne .pretende (ela) comer
ji pahi ji ne pretende (ele) comer
111pan1 11ne pretendemos comer
tijipemanani jine pretendeis comer
11pemanan1 11ne pretendem (elas) comer
jipemanahi jine pretendem (eles) comer

Futuro de destinação
ojipani tohui comerei (fatalmente)
tijipani tohui comerás
jipani tohui comerá (ela)
jipahi tohui comerá (ele)
ijipani tohui comeremos
tijipemanani tohui comereis
ji pemanani tohu i comerão (elas)
jipemanahi tohui comerão (eles)
Obs. 1: Nos dois últimos tempos, nesse como em todos os
demais verbos, há normalmente expressão de gênero, ao contrário
dos demais tempos marcados; gênero, no entanto, às vezes pode ser
omitido; e por outro lado, se necessário, ele pode ser expresso igual-
mente nos demais tempos; isso parece mais comum no caso da
primeira pessoa do plural e a forma preferida é -jaro, não -ni: ijipaja-
rode 'comemos', ao lado de ijipade, com a mesma referência pes-
soal.

42
b) negativo

Presente

ojipa jerani não como


#

tijipa jerani nao com es


jipa jerani (ela) não come
ji pa jerahi (ele) não com e
.. . . . #

nao comemos
111pa 1eran1
tijipemana jerani não comei s
ji pemana jerani (elas) não comem
jipemana jarahi (eles) não comem

Obs. 1: A conjunção negativa, em todos os tempos, faz-se nor-


malmente com o auxílio da raiz ja (que alterna com je, no feminino);
nessa situação ja não funciona como verbo auxiliar e sim como veícu-
lo-vazio, mero portador da negação -ra e dos demais sufixos que de-
vem ocorrer após a negação (esse tema será abordado mais adiante) ;
essa situação é semelhante à que ocorre no inglês com o verbo to do
' fazer'; nas orações interrogativas usa-se do como mero indicador de
interrogação; you sing 'você canta', face a do you sing? 'você canta?'
Outra maneira, menos comum, de fazer a negação é com o tema
negativo d erivado do afirmativo por meio de sufixo -ra:
ppera 'não-comer, a partir de' jipa 'comer'; assim
ojiperahi 'eu não como: não sou comedor'
oparadigma de conjugação é igual aos dos verbos com temas
afirmativos, por isso não é necessário conjugá-lo aqui.

Passado imediato
.. . não comi (agora)
011pa 1erapa
tiji pa jerapa não comeste
.. . (ela) não comeu
11pa 1erapa
.. .
11pa 1arapa (ele) não comeu
... . #

nao comemos
111pa 1erapa
tipipemana jerapa não comestes
.. . (elas) não comeram
11pemana 1erapa
.. . (eles) não comeram
Jlpemana 1arapa
O passado não-imediato e o futuro imediato seguem o mesmo
esquema, com -de e -na.

Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai 43


www.etnolinguistica.org
Futuro não-imediato
ojipa jera padseje não comerei
tijipa jera padseje não comerás
ji pa jera padseje (ela) não comerá
ji pa jera padsaja (ele) não comerá
iji pa jera padseje -
nao comeremos
tijipemana jera padseje não comereis
jipemana jera padseje (elas) não comerão
jipemana jera padsaja (eles) não comerão
O futuro de intenção e o futuro de destinação ou fatalidade se-
guem o mesmo esquema: ojipa jerani jine 'não pretendo comer etc.',
e ojipa jerani tohui 'não comerei fatalmente etc.'.

Modo interrogativo. Pelos dados de que dispomos, parece que o


modo interrogativo, em geral, dispensa marcas de tempo, sendo esse
subentendido como presente, passado ou futuro somente pelo contex-
to. Mas nada impede, se há nisso interesse, que se fa ça uma interroga-
ção com tempo expresso; nesse caso o tempo vem antes do modo: ti-
jipani jinequi? 'você pretende comer?'

a) afirmativo
.. .
011paqu1 como? comi ? (etc.)
tijipaqui comeste?
.. .
11paqu1 (ela) comeu?
11paco (ele) comeu?
... .
111paqu1 comemos?
tijipemanaqui vocês comeram?
.. .
11pemanaqu1 (elas) comeram?
ppemanaco (eles) comeram ?

b) negativo:
.. . . não como?
OJIPª 1eraqu1
tijipa jeraqui não comes?
.. . .
Jlpa 1eraqu1 (ela) não come?
.. .
JIPª 1araco (ele) não come?
.. . . .
111pa 1eraqu1 não comemos?
tijipemana jeraqui não comeis?
.. . .
11pemana 1eraqu1 (elas) não comem?
.. .
Jlpemana 1araco (eles) não comem?

44
Modo imperativo. Nesse modo só se conjugam a segunda pessoa
do singular e a segunda do plural, sem variação de tempo:

a) afirmativo

tijipaji coma!
tijipemanaji comam!

b) negativo

tijipa jeraji não coma!


tijipemana quena jeraji não comam!

Obs.: no imperativo negativo plural, a raiz na ocorre como veí-


culo portador do plural do sujeito (ver mais adiante a conjugação do
verbo ja), não estando na função de auxiliar.
Os modos potencial, preventivo e frustrativo também não apre-
sentam variações de tempo.

Modo potencial:

a) afirmativo

ojipaneje comeria
tijipaneje comerias
.. .
JrpaneJe comeria (ela)
.. .
Jrpana1a comeria .( ele)
rJrpaneJe comeríamos
, .
tijipemananeje comerrers
.. .
JI pemananeJe (elas) comeriam
.. .
JI pemananaJa (eles) comeriam

b) negativo
.. . .
OJ 1pa JeraneJe não comeria
tijipa jeraneje não comerias
.. . .
11 pa JeraneJe não comeria
.. . .
Jlpa JeranaJa não comeria
. .
1J1pa JeraneJe não comeríamos
tijipemana jeraneje
-
nao
, .
comer1e1s
jipemana jeraneje não comeriam
.. . .
J1pema JeranaJa não comeriam

45
Modo preventivo afirmativo:
OJ1perana 'olha que como'
tijiperana 'olha que comes'
..
JI perana 'olha que come'
1J1perana 'olha que comemos'
tijipemanerana 'olha que comeis'
jipemanerana 'olha que comem'

Modo frustrativo afirmativo:


ojipei:aha 'tentei comer em vão'
tijiperaha 'tentaste comer em vão'
ijiperaha 'tentou comer em vão'
ijiperaha 'tentamos comer em vão'
tijipemaneraha 'tentastes comer em vão'
ijipemaneraha 'tentaram comer em vão'
Obs.: Não há conjugação negativa nos modos preventivo e frus-
trativo.
O infinitivo é considerado, em português, como modo. Parece-
nos impróprio considerá-lo assim em kulina, já que ele não se conjuga;
diremos, então, que o morfema do infinitivo é o sufixo -de.

Conjugação do verbo transitivo dade 'bater, golpear'

Modo indicativo:

a) afirmativo:

Presente
odani bato, bato-a
odahi bato-o
tidani bates, a bates
tidahi o bates
idani a bate
idahi o bate
idani batemos, a batemos
tidemanani bateis, a bateis
tidemanahi o bateis
idemanani a batem
idemanahi o batem

46
Passado imediato
odapa bati
tidapa bateste
idapa ola bateu
idapa batemos
tidemanapa batestes
idemanapa ola bateram
Obs. 1: na pessoa, em vez de -i pode-se ter 0; nesse caso a concordân-
cia de gênero é com o sujeito, não com o objeto; se nossa hipótese quanto
ao uso da concordância com um ou outro estiver correta, ou seja, de
que 0- caracteriza uma ação involuntária, enquanto -i caracteriza uma
ação voluntária, é compreensível que com o verbo dade use-se preferen-
temente i- na 3~ pessoa (não é usual bater em alguém involuntariamente).
Obs. 2: O paradigma apresentou somente objeto singular; se o ob-
jeto for plural, coloca-se o sufixo -baqqui antes das marcas de gênero
e tempo, e antes de -mana, se além disso o sujeito for plural:
odabaqquini 'bato-os, ou bato em vocês'
idabaqquide 'bate-os, ou bateu-nos, ou bateu-vos'
idabaqquija rode 'batemos em vocês, ou neles'
tidabaqquimanani '(vocês) batem neles, ou em vós'
Quando se quer especificar o objeto , é preciso expressá-lo por
meio de um nome ou pronome, antes do verbo:
tiadeni odabaqquini 'bato em vocês'
ponipi ettedeni idabaqquimanahi 'ela bate nos cachorros'
ia tidabaqquimanapa . '(vocês) nos bateram agora'
Obs. 3: Os demais tempos seguem o mesmo esquema (ver con-
jugação do verbo jipade), com as diferenças acima apontadas a respei-
to da concordância de gênero e do objeto plural; por isso, não é ne-
cessário explicitar toda a conjugação .
b) negativo:
Presente
oda jerani não bato
tida jerani não bates
ida jerani não o bato
ida jarahi não o bato
ida jerani não batemos
tidemana jerani não bateis
idemana jerani não a batem
idabaqquimana jerani não as batem

47
Passado imediato
oda jerapa não a bati
tida jerapa não a bateste
ida jerapa não a bateu
ida jarapa não o bateu
ida jerapa não a batemos
tidemana jerapa não a batestes
idema na jerapa não a bateram
idemana jarapa não o bateram
idabClqqui jerapa não as batem
idabaqqui jarapa não os batem
Obs. 1: Os de ma is tempos seguem o mesmo esquema.
Obs. 2: quando o sujeito ou objeto é feminino, ª · raiz-veículo ja
se transforma em je.
Obs. 3: foram dadas, a título de exemplo, algumas formas com
objeto plural; pelo mesmo princípio se fazem as demais (ver obs . 2,
sobre -baqqui, acima).

Modo interrogativo:

a) afirmativo
odaqui bato? bato-a?
odaco bato-o?
tidaqui bates? a bates?
tidaco o bates?
idaqui bate-a?
idaco bate-o?
tidema naqui (a) bateis?
tidemanaco o bateis?
idemanaqui a batem?
idemanaco o batem?

b) negativo
oda jeraqui não (a) bato?
oda jaraco não o bato?
tida jeraqui não (a) bates?
tida jaraco não o bates?
ida jeraqu i não a bate?
ida jaraco não o bate?

48
tidemana jeraqui não (a) bateis?
tidemana jaraco não o bateis?
idemana jeraqui não a batem?
idemana jaraco não o batem?
Obs.: embora a tradução, no caso de haver na 3~ pessoa concor-
dância com o gênero do objeto, neste modo e em todos os outros dos
verbos transitivos, tenha sido dada até aqui como se ele fosse de 3~
pessoa (o bato, não a bateis, etc.) singular, isso não quer dizer que não
pode ser traduzido como sendo de segunda ou primeira pessoa; o con-
texto e, melhor ainda, a expressão material do objeto é que indica se
ele é de 1 ~, 2~ ou 3~ pessoa, tanto no singular como no plural; assim:
tia idaco batem em vocês?
ette idaco batem no cachorro?
ohua idaqui batem em mim? (eu sendo do sexo feminino)
ohuaidaco batem em mim? (eu sendo do sexo masculino)

Modo imperativo:

a) afirmativo
tidaji (a) bata!
tidajo (o) bata!
tidemanaji (a) batam!
tidemanajo (o) batam!
b) negativo
tida jeraji não bata; ou não (a) bata!
tida jarajo não (o) bata!
tidemana quena jeraji não (a) batam!
tidemana quena jarajo não (o) batam!

Modo potencial:

a) afirmativo
odaneje (eu) bateria
tidaneje baterias
idaneje a bateria
idanaja o bateria
idaneje bateríamos
tidemananeje bateríeis
idemananeje a bateriam
idemananaja o bateriam

49
b) negativo
oda jeraneje (eu) não bateria
tida jeraneje não baterias
ida jeraneje não a bateria
ida ja ranaja não o bateria
ida jeraneje não bateríamos
tidemana jeraneje não bateríeis
idemana jeraneje não a bateriam
idemana jaranaja não o bateriam
Obs.: não há muitos exemplos, nos dados, do modo potencial;
não sabemos se na 1 ~ e 2~ pessoas há variação -neje/-naja, ou seja,
se há concordância também com o objeto; se houver, seg uirá o mesmo
esquema das demais formas com o gênero; também não há nenhum
exemplo do modo potencial no negativo, mas se houver essa forma, o
paradigma deverá ser como foi registrado acima.

Modo preventivo afirmativo:


oderana 'olha que bato'
tiderana 'o lha que bates'
iderana 'olha que bate'
iderana 'olha que batemos'
tidemanerana 'olha que bateis'
idemanerana 'olha que batem'

Modo frustrativo afirmativo:


oderaha 'tentei bater em vão'
tideraha 'tentaste bater em vão'
ideraha 'tentou bater em vão'
ideraha 'tentamos bater em vão'
tidemaneraha 'tentastes bater em vão'
idemaneraha 'tentaram bater em vão'

3.4. CONJUGAÇÃO DOS VERBOS DE LIGAÇÃO

Como já foi dito atrás, os verbos de ligação são o elo ent re duas
formas não verbais, o sujeito e o seu predicativo.
O verbo de ligação ja tem como predicativo um nome (ou uma lo-
cução nominal):

50
~~---------------------~ -----------------~--------------------------------------------

jadahi tojahi 'é um velho'


ticca ami tojani 'é tua mãe'
ajidsa tijaqui 'estás aí?
(Nessa última frase, o elo que ja estabelece entre o sujeito e o
predicativo é o de situá-lo espacialmente; deve-se lembrar que formas
como ajidsa em kulina são nomes, não advérbios como em português).
O verbo de ligação na tem como predicativo um adjetivo,

aba tinani 'estás sujo (ou suja)'


aqui inani 'estamos gordos (ou gordas)'
O verbo de 1igação ta também tem como predicativo um adjetivo,
e não ocorre na 1 ~ pessoa:
oba tani 'está suja'
huaji tahi 'está distante (longe)'

Verbo de ligação na 'ser ou estar num estado durativo'.

N ão é preciso dar a conjugação completa; exemplificaremos com


algumas formas apenas:

Modo indicativo:

a) afirmativo
Presente
onan1 'sou, estou'
tinani 'és, estás'
. '(ela) é, está'
nan1
nahi '(ele ) é, está'
. .
1nan1 'somos, estamos'
tiquenani 'so is, estais'
quenan1 '(e las) são, estão'
quenahi '(eles) são, estão'

Passado não-imediato
o nade 'era, fui, estava, estive'
ti nade 'eras (etc.)'
nade 'era (etc.)'
inade 'éramos (etc.)'
tiquenade 'éreis (etc.)'
quenade 'eram (etc.)'

51
b) negativo - a conjugação negativa se faz, como no caso de to-
dos os demais verbos, com auxílio da raiz-veículo ja; não é preciso,
pois, dar a conjugação em todos os tempos:

Presente
. .
one Jeran1 'não estou'
tine jerani 'não estás'
. .
ne Jeran1 'não está (fem.)'
na jarahi 'não está (masc.)'
. . .
1ne Jeran1 'não estamos'
'
tiquene jerani 'não estais'
. .
quene Jeran1 'não estão (fem.)'
quena jarahi 'não estão (masc.)'

Futuro imediato
one Jerana 'não estarei (agora)'
tine jerana 'não estarás'
ne 1erana 'não estará (fem.)'
na Jarana ' não estará (masc.)'
. .
1ne Jerana 'não estaremos'
tiquene jerana 'não estareis'
quene Jerana ' não estarão (fem.)'
quena Jarana 'não estarão (masc.)'

Modo imperativo:

a) afirmativo
tinaji 'seja!'
tiquenaji 'sejam!'
b) negativo
tina jeraji 'não seja! '
tiquena jeraji ' não sejam!'
Obs.: Quando o verbo de ligação na é usado como auxiliar, em
locução com um verbo principal, ele mantém o mesmo significado as-
pectual de processo durativo, mas apresenta outras características
formais:
a) a 3~ pessoa será 0- ou i- conforme a concordância seja com
o sujeito ou com o objeto da oração:

52
(m) ete ro baro nahi 'ele lava a roupa '
(f) etero baro nan i ' ela lava a ro u pa'
(m ) ete ror i ba ro inahi ' (ele) l ava a roupa dele'
(f) eterori n i baro inan i ' (e la) lava a roupa dela'
(A forma reg u la r eteroni t em o signifi cado de 'casco de jaboti, ár-
vo re, etc') .
b) toda s as formas q ue apresentam varia ção de gênero vão ter o .
mesmo comportamento, no verbo auxiliar de um verbo transitivo, de
qualque r v erbo t ransit ivo: assim - ji/-jo, - hi/-ni, -padseje/ -padsaja,
-qui/-co terão a co nco rd ância o r a com o sujeito, o ra com o o bjet o.

Verbo de ligação ja

Modo indicativo:
a) afirmativo

Presente Passado não-imediato


.
OJan 1 'sou ' o j ade 'fu i I

t ij an i ' és' t i jade ' fo st e'


to ja n i '(ela ) é'
to jade 'f 0 i I

t o j ah i ' (e le) é'


..
lj an 1 'somos' ijade ' fomos'
ti q uej e nan i 'so i s' tiq ueje nad e 'fostes '
toqu ej e nani '{elas) são'
toqueje nade 'foram'
toqu ej e nahi '{e les) são'
Obs .: N a 2 ~ e 3 ~ pessoas do plural exig e-se a raiz-veícu lo na, que
nessa sit uação não é nem au xi liar nem ligação.

b) negativo
Presente
OJe 1eran 1 ' não sou '
t ije je ran i ' não és'
to je je ran i ' {el a) não é'
toja jarahi ' {el e) não é'
.. .
IJe 1eran 1 'não somos'
tiqueje ne jera n i 'não soi s'
t oqu eje ne j erani '{elas) não são'
t oq ueje na j ara hi ' (eles) não são'

53
Passado não-imediato
oje jerade 'não fui'
tije jerade 'não foste'
toje jerade '(ela) não foi'
toja jarade '(ele) não foi'
ije jerade 'não fomos'
tiqueje ne jerade 'não fostes'
toqueje ne jerade '(elas) não foram'
toqueje na jarade '(eles) não foram'
Obs. 1: Na 2 ~ e 3~ pessoas do plural a raiz-veículo na, obrigató-
ria, não tem nenhum morfema afixado, porque as marcas de gênero e
tempo ficam sempre na última raiz do verbo, e no negativo a última
raiz é sempre ja, raiz-veículo da negação -ra .
Obs. 2: em toda a conjugação negativa do verbo ja, a raiz 1a
ocorre duas vezes: a primeira como verbo de ligação e a segunda
como raiz-veículo da negação.
Obs. 3: o verbo ja, quando usado como auxiliar, exige o verbo
principal no infinitivo (com -de) . Ex.: dsodode ojani 'sou escritor,
aquele que escreve'.

Verbo de ligação ta:

Este verbo, como dissemos antes, é defectivo: nunca ocorre na 1 ~


pessoa; a desinência de 2~ e 3 ~ pessoas é 0-; não tem marca de plu-
ral; no modo indicativo expressa sempre a 3 ~ pessoa do singular; no
modo imperativo, a 2 ~ pessoa ; no interrogativo, a 2 ~ ou 3 ~ pessoa,
dependendo do contexto .

Modo indicativo:

a) afirmativo
Presente
tahi '(ele) está!'
tani '(ela) está!'
Futuro de intenção

tahi jine '(m) pretende ficar'
tani jine '(f) pretende ficar'

54
b) negativo
Presente
ta jarahi '(ele) não está!'
ta jerani '(ela) não está! '
Futuro de intenção
ta jarahi jine '(m) não pretende ficar'
ta jerani jine '(f) não pretende ficar'
Modo interrogativo:
a) afirmativo
taco '(m) está, ficou?'
taqui '(f) está, ficou?'
b) negativo
ta jaraco '(m) não está, não ficou?'
ta jeraqu i '(f) não está, não ficou?'
Obs. 1: Quando usado como auxiliar, o imperativo terá variações
de gênero, concordando, ora com o gênero do objeto, como ocorre
com os outros verbos transitivos:
catabo taji 'abra-a! (tenha-a aberta!)'
catabo tajo 'abta-o ! (tenha-o aberto!)'
ora com o gênero do sujeito:
ti pito jai taqui 'quebraste teu joelho? (tens o
joelho quebrado?)'
Nessa última frase a concordância de -qui (feminino) é com o
sujeito de 2 ~ pessoa, e não com o objeto tipito, que é masculino.

-
3.5. CONJUGAÇAO DOS VERBOS AUXILIARES

Os demais verbos auxiliares têm a mesma conjugação dos verbos


regulares, transitivos ou intransitivos. Os verbos de ligação, quando
usados como auxiliares, mantêm, como vimos, as mesmas idiossincra-
sias formais que apresentam como verbos de ligação; mas quando se
formam, a partir deles, temas derivados, esses temas perdem aquelas
características e são tratados como um verbo comum.
Exemplificando:
baro quenani '(elas) lavam'
sso canemanade 'derrubaram (fizeram cair)'

55
Na primeira frase, temos o verbo auxiliar na, portanto no plural
aparece que- (marca de plural dos verbos de ligação).
Na segunda frase, temos o verbo auxiliar cana (derivado de na
pelo prefixo causativo ca-); portanto no plural aparece -mana (marca
de plural dos verbos regulares, tanto principais como auxiliares).

-
3.6. CONJUGAÇAO DOS VERBOS QUE COMEÇAM COM VOGAL

Esses verbos são em número reduzido e apresentam diferenças


em relação aos iniciado's por consoantes . Veremos alguns deles, usan ..
do apenas o tempo presente como exemplo, visto que as modificações
ocorrem só na primeira sílaba do verbo .

1 . odade 'dormir'
ohuadani 'durmo'
tedani 'dormes'
huadani '(ela) dorme'
huadahi '(ele) dorme'
edani 'dormimos'
tedemanani 'dormis'
huademanani '(elas) dormem'
huademanahi '(eles) dormem'

2. edade 'voltar'
ohuedani 'volto'
tedani 'voltas'
tohuedani '(ela) volta'
tohuedahi '(ele) volta'
edani 'voltamos'
tedemanani 'voltai s'
tohuedemanani '(elas) voltam'
tohuedemanahi '(eles) voltam '

3. attade 'aprender'
ohuattani 'aprendo'
tiattani 'aprendes'
tóhuattani '(ela) aprende'
tohuattahi '(ele) aprende'

56
iattani 'aprendemos'
tiattemanan i 'aprendeis'
tohuattemanan i '(elas) aprendem'
tohuattemanahi '(eles) aprendem '

4. accaride 'melhorar'
ohuaccarini 'melhoro'
teccarini 'melhoras'
ccacca nn1 '(ela) melhora'
ccaccarihi '(ele) melhora'
ecca nn1 'melhoramos'
teccarimanani 'melhorais'
. .
ccaccanmanan1 '(elas) m elhoram '
ccaccarimanahi '(eles) melhoram'

5. ati huatode ' lem brar'


ohuati huaton i ' lemb ro-me'
t eti huatoni 'te lembras'
huati huatoni '(f) se lembra'
huati huatoh i '(m) se lembra'
eti huatoni 'nos lemb ramos'
, tetideni huatoni 'vos lembrais'
huatideni huatomanan i '(f) se lembram'
huatideni huatomanahi '(m) se lembram '

6. ati ajimade/ati ajamade 'esquecer'


ohuati ajimani 'esqueço-me'
teti ajimani 'te esqueces'
huati ajimani '(f) se esquece'
huati ajama hi '(m) se esquece'
eti ajima ni 'nos esq uecemos'
te t i ajimani 'vos esqueceis'
huat ideni ajimemanani '(f) se esquecem'
huatideni aja m emana h i '(m) se esquecem'

7. ahajade 'copular'
. .
OJan1 'copulo'
tijani 'copulas'
.. .
11an1 'copula-a'
ija h i 'copula-o'

57
.. .
11an1 'copu lamas'
tijemanani 'copulais'
.. .
11emanan1 'copulam-nas'
ijemanahi 'copulam-nos'

Observações sobre esses verbos:


a) dentre todos esses verbos, o que tem paradigma mais irregu-
lar é ahaja, que nos tempos simples apresenta a variante ja de sua raiz,
confundindo-se na 1~ pessoa do singular e do plural, e na segunda do
singular, com as mesmas formas do verbo de ligação ja (a diferença
entre os dois se percebe na 3 ~ pessoa do singular e na 2 ~ do plural,
pois ahaja é um verbo transitivo, e ja é intransitivo). A variante ahaja da
raiz só aparece na conjugação com auxiliares ou nas formas com raiz-
veículo .
ahajade tojahi 'está a copular (na cópula)'
ahaja tejeraji 'não copule'
b) todos o s v erbos apresentam duas variantes da raiz, uma com
vogal inicial, outra sem: ada/da 'dormir', eda/da 'voltar' , accari/ccari
'melhorar', ati huato/ti huato 'lembrar', ati ajima/ti ajima (no mascu li-
no é ati ajama/ti ajama) 'esquecer'; exceção: atta "aprender', que man-
tém a vogal inicial em todas as formas.
c) as marcas de pessoas em todos os verbos (com exceção de ahaja,
que só apresenta a variante ja), distintas das dos verbos que começam
por consoantes, são as seguintes:
ohu-
te-
tohu- ou hu-
e-
te-
tohu- ou hu-
Com atta, a 2 ~ pessoa é regular: ti-, ma s a 1 ~ e 3 ~ seguem o pa-
drão das outras.
Oue conclusão se pode tirar disso? Observe-se que todas as for-
mas que têm hu (1 ~ pessoa do singular e 3 ~ pessoa do singular e do
plural), vêm depois de o ou então no começo; isso quer dizer que hu
(que foneticamente é w) está representando simplemente um som de
transição entre um o e a vogal seguinte:

58
ohuada: oWada
tohueda: toWeda
huada: Wada
tohuatta: toWatta
ohuaccari: oWaccari
huati huato: Wati huato
(etc.)

Observe-se, por outro lado, que as formas que têm e (2~ pessoa
do singular e 1 ~ pessoa do plural) são as que vêm antes da variante da
raiz sem vogal inicial; isso mostra que há uma regra de pronúncia na
língua que leva, nos verbos que começam por a ou e, a transformar o
encontro (regular nos outros verbos) dei+ a ou i +e em e:
ti + ada = teda
i +ada = eda
ti + eda = teda
i + eda = eda
ti + ati = teti
i + ati = eti
(A exceção é atta, que mantém o i e o a: ti + atta = tiatta; i + atta
= iatta).
Assim, se quiséssemos, em vez de escrever esses verbos da for-
ma consagrada pela ortografia existente, poderíamos regularizar sua
escrita pelo sistema geral:

sistema:
.
,
pronuncia: ortografia existente:
oada oWada ohuada
tia da teda te da
ada Wada huada
ia da eda eda
tidemana tedemana tedemana
ademana Wademana huademana

o e da oWeda ohueda
tieda teda teda
toeda toWeda tohueda
ieda eda eda
tiedemana tedemana tedemana
toedemana toWedemana tohuedemana

59
, .
sistema: pronuncia: ortografia existente:

oatta oWatta ohuatta


tiatta tiatta tiatta
toatta toWatta tohuatta
iatta iatta iatta
tiattemana tiattemana tiattemana
toattemana toWattemana tohuattemana
E assim por diante, com os demais verbos. Ou seja, como se pode
ver, a ortografia existerite está mais próxima da pronúncia real, e faz
esses verbos parecerem mais irregulares do que realmente são; mas,
por outro lado, se fôssemos privilegiar, na escrita, o sistema, seria ne-
cessário detalhar as regras de pronúncia específicas. Há vantagens e
desvantagens com as duas soluções. Nas ortografias de muitas lín-
guas, em geral não se representa na escrita as mudanças que ocorrem
na transição de uma palavra para outra, enquanto que as mudanças
sonoras que ocorrem dentro das fronteiras de uma palavra são repre-
sentadas (por exemplo, em português, a palavra nenhuma tem um nh
que corresponde a um som que existe também quando se escreve nem
uma, mas que nesse caso não é representado porque se trata de dois
vocábulos; para que um estrangeiro aprenda a ler em português, ele
tem que saber essa regra de pronúncia, que faz aparecer um nh de
transição entre uma palavra que termina por nasal e outra que começa
por vogal). Devido a isso, talvez a melhor solução para os verbos Kuli-
na analisados seja mesmo o da ortografia existente. Mas é importante
estar consciente de que as irregularidades que então aparecem são de
natureza fonética, de pronúncia, e não irregulari,dades de nível mor-
fológico ou irregularidades inexplicáveis (como seriam, por exemplo,
as irregularidades de alguns verbos em português: o verbo ser, no
presente, tem sou, somos, sois, são em oposição a és, é; ou seja, há
duas variantes da raiz totalmente diferentes; no passado aparece mais
outra variante: era; no perfeito, outra: fui).

-
3. 7. LOCUÇOES VERBAIS

As locuções verbais são constituídas por um verbo principal e um


ou mais auxiliares. Há dois tipos de locução verbal:
a) com os verbos ja, na, ta (os verbos de ligação usados como
auxiliares);
b) com os demais auxiliares (jidsa, jica, da, dsa, cana, nana).

60


Quando a conjugação pessoal está nos auxiliares ja, ta, na, e há
outro auxiliar na mesma locução verbal, na verdade tem-se duas locu-
ções: uma, do verbo principal com o auxiliar regular; outra, do auxiliar
na, ta, ja mais a primeira locução. Exemplo:
huissi jidsa onani 'corto totalmente, profundamente'
Nessa frase temos:
na verbo auxiliar com desinência de pessoa,
aspecto du rativo
jidsa verbo auxiliar não conjugado, aspecto de
profundidade
huissi verbo principal não conjugado, significa-
ção lexical: 'cortar'
huissi jidsa locução verbal
huissi jidsa onani locução verbal
Quando há só um auxiliar conjugado pessoalmente, hã só uma
locução verbal:
huissi ojidsade 'cortei profundamente= arranquei'
huisside ojani 'estou cortado'
huissi onade 'cortei'
Assim só há locução verbal quando um dos auxiliares está conju-
gado pessoalmente.

3.8. FORMAS COMPOSTAS DO VERBO

Não se deve confundir as locuções verbais com as formas com-


postas dos verbos.
Há seis casos de formas verbais compostas:
1. quando a conjugação pessoal se faz no verbo principal, as raí-
zes auxiliares são raízes-veículo de significados aspectuais e portado-
res mecânicos dos morfemas que devem ficar sempre no último ele-
mento-raiz do verbo; essas· raízes não são verbos nem formam locu-
ções verbais com o verbo principal; constituem, junto com a raiz prin-
cipal, formas compostas do verbo, embora sejam escritas separada-
mente; por exemplo:
icca dani jine: 'pretendemos poder ir'
da é: a) veículo do aspecto de possibilidade
b) portador do morfema de gênero -ni e do
morfema de tempo jine
cca é o verbo principal conjugado pessoalmente.

61
Nessa frase, temos uma só forma verbal composta e não uma lo-
cução verbal.
2. a segunda e a terceira pessoas do plural do verbo ja (tanto
quando usado como ligação, como quando é auxiliar) exigem como
raiz-veículo na depois de ja, carregando as marcas que sempre ocor-
rem no elemento-raiz final do verbo; também aqui temos uma forma
composta de verbo e não uma locução verbal. Exemplo:
jappode tiqueje nahi 'vocês estão a soprar'
Nessa frase há uma locução verbal, formada pelo verbo principal
mais o auxiliar ja numa forma composta (na é parte do verbo auxiliar
ja e não verbo auxiliar).
3. a negação de qualquer verbo, seja principal, auxiliar ou de li-
gação, é feita com a raiz-veículo ja, que portanto não funciona como
auxiliar e sim como integrante de uma forma composta de verbo.
Exemplo:
(verbo): toccapi jarahi 'ele não vomita'
(locução verbal): ppa tojidsa jerade 'elas não enterraram pro-
fundamenfe'
(locução verbal): bacco ine jerade 'não encontramos'
(locução verbal): jahui tija jerani 'você não está a caminho'
(locução verbal): huatti ta jarahi 'ele não disse (= não tem
dito)'
Nas quatro últimas frases temos sempre uma locuçã.o verbal for-
mada pelo verbo principal mais o verbo auxiliar em forma composta.
Vejamos mais um exemplo:
otabo ne jerade 'não estive, ou não estava flutuando'
Nessa frase temos uma única forma verbal composta: o verbo
principal conjugado mais a raiz-veículo de aspecto durativo na mais a
raiz-veículo da negação ja (a marca de tempo, automaticamente, fica
na última raiz, seja qual for sua função).
4. o imperativo negativo exige a raiz-veículo da negação ja, inte-
grando com ela uma forma composta; como vimos na conjugação dos
verbos, a marca de pessoa fica no verbo (tijipe jeraji 'não coma'; tide
jeraji 'não bata'), mas ela pode ocorrer também na raiz-veículo ja; pa-
rece mesmo que esta é a forma mais comum de fazer o imperativo ne-
gativo:
bari tejeraji 'não guarde!' ao lado de:
tibari jeraji 'não guarde!'

62

No entanto, mesmo quando a marca de pessoa está em ja, não se


trata do verbo auxiliar ja, e sim da raiz-veículo ja numa forma compos-
ta do verbo.
5. o imperativo negativo, no plural, apresenta duas formas alter-
nativas: ele exige, além da raiz-veículo da negação ja, também a raiz-
veículo na, portadora do plural (o morfema que-). Temos então uma
forma composta, com três raízes:
tibarimana quena jeraji
ou barimana que na tejeraji 'não guardem!'
No plural é que se percebe bem que ja e na são só raízes-veícu-
los, numa forma composta de verbo, e não verbos auxiliares, pois no
exemplo no plural o verbo tem a marca -mana, que é verbal; se se tra-
tasse de uma locução verbal, o verbo principal não estaria em forma
verbal e portanto não poderia ter -mana; por outro lado, pode-se omi-
tir a expressão do plural no verbo principal, qu erendo, mas mesmo as-
sim o todo continua forma composta do verbo :
bari quena tejeraji 'não guardem! '
6 . a negação de um predicado nominal exige ja como raiz-veícu-
lo, e ainda a raiz na com marcas de pessoa; não se trata do verbo au-
xiliar e sim de uma raiz-veículo da marca de pessoa do verbo de liga-
ção ja (que nesse caso é verbo, além de ser veículo da negação, pois o
predicativo é um nome). Trata-se, então, de uma locução verbal com o
verbo em forma composta:
pohua imehi one jerani 'não sou pai dele'
Compare-se com a frase afirmativa correspondente:
pohua imehi ojani 'sou pai dele'

-
3.9 . FORMAS NAO-VERBAIS DO VERBO

Os verbos (com exceção dos de ligação) podem se apresentar sob


três formas distintas:
a) verbal - apresenta desinências de pessoa e número;
b) nominal - apresenta o sufixo infinitivo -de;
c) adjetiva - não apresenta desinências.
As formas não-verbais do verbo, portanto, se distinguem das
verbais pelo fato de não poderem exprimir por si mesmas nem a pes-
soa, nem o número, nem o modo, tempo, ou gênero; esses valores vão

63
sempre estar na dependência de outros elementos.
A forma nominal do verbo é o infinitivo. Ele apresenta o processo
verbal em potência. Exprime a idéia da ação, aproximando-se, assim,
do substantivo. O infinitivo é empregado:
a) quando integra uma locução verbal com o verbo auxiliar ja:
jajade tojani 'ela está a rir'
eterorini barode 'está a lavar a roupa dela'
b) em orações subordinadas reduzidas de infinitivo (ver mais
adiante, na parte de sintaxe):
jisside da one jerani 'não dá para eu respirar'
{não posso respirar)
aba corode jipa timanaqui 'você gosta de pescar?'
Cada uma das duas frases acima têm duas orações, e a subordi-
nada está no infinitivo, portanto não se trata de uma locução verbal,
pois os dois verbos podem vir intercalados por outro elemento:
aba corode cocorodsa jipa tinaqui?
'você gosta de pescar com anzol?'
A forma adjetiva do verbo é aquela que ocorre com os auxiliares
na e ta, podendo ser traduzida em português pelo particípio presente
e pelo particípio passado, respectivamente:
bata ba onani 'teço rede ( = sou tecente de rede)'
bari taqui 'guardou?{= tem guardado(a)?)'
O particípio presente apresenta o processo verbal em curso pelo
sujeito; o particípio passado apresenta o resultado do processo, do
ponto de vista do sujeito.

3.10. EMPREGO DAS DIFERENTES POSSIBILIDADES


DE CONJUGAÇAO
-
a) A conjugação na raiz principal é utilizada quando o interesse
do falante está centrado na ação em si mesma;
b) a conjugação num verbo auxiliar se dá quando há interesse em
enfatizar um determinado aspecto da ação (da: possibilidade; jica:
término, etc.);
c) a conjugação no auxiliar na ocorre quando se quer salientar o
caráter durativo do processo;

64
d) a conjugação no auxiliar ja ocorre quando se quer salientar a
ação co mo atribuição, momentânea ou não, do sujeito;
e) a conjugação no auxiliar ta ocorre quando se quer salientar o
estado resultativo do sujeito, em conseqüência da ação.

3. 11. RAÍZES VERBAIS HOMÔNIMAS

Há um número reduzido de raízes verbais homônimas, isto é, que


significam duas coisas diferentes:
j i pade 'comer' jipade 'gostar, querer'
da de 'bater' da de 'dar'
ta bode 'flutuar' ta bode 'coivarar'
Nesses casos, parece ter ocorrido uma especialização da conjuga-
ção, para evitar ambigüidades. Assim, com um dos significados usa-se
semp re a conjugação pessoal na raiz, com o outro a conjugação no
verbo auxiliar na:
.. . .. .
011pan1 'como' JIPª onan1 'quero; gosto'
odani 'bato' da onani 'dou' (ou ·posso' se o
verbo está emprega-
do como auxiliar)
otaboni 'flutuo' tabo onani 'coivaro'
occan1 'vou' cca onan1 'co rto'

3.12. CONCORDANCIA VERBAL

A concordância é a variabilidade do verbo para conformar-se ao


número, gênero e pessoa do sujeito, ou ao número e pessoa do sujei-
to, e ao gênero do objeto. Já se mencionou antes a concordância
quando se tratava de um único sujeito gramatical. Veremos agora co-
mo se faz a concordâ ncia quando há mais de um sujeito:
a) o verbo vai para a 1 ~ pessoa do plural se entre os sujeitos fi-
gurar um de 1 ~ pessoa:
tia ohua tedseje etero baro inana 'você e eu lava remos (ago-
ra) a roupa dele'
b) o verbo vai para a segunda pessoa do plural se, não existindo
nenhum sujeito de 1 ~ pessoa, houver um de 2~:
tia pohua tedseje baro tiquenade 'você e ele brigastes'

65
Caso especial: quando o sujeito é madija 'gente', o verbo pode fi-
car no singular ou no plural, no masculino ou no feminino:
madija jidapana badsira tahi idsamaridsa
gente hoje pouco ficou-masc.-1 ~ pi. aldeia em
'hoje está (ficou) pouca gente na nossa aldeia'
Nesse exemplo, o verbo está no masculino singular.
madija tojapimanani 'as mulheres se banham'
gente 3~ pl.-banhar-pl.-fem.
Nesse caso, o verbo japi está no feminino (-ni) plural (-mana).

4. ADVéRBIO

Os advérbios se distinguem das outras classes de palavras por


serem invariáveis.
Eles podem modificar um verbo ou uma oração. A maior parte
dos advérbios Kulina são de tempo.
Os advérbios mais comuns são os seguintes:
maitta 'há tempo'
maittadsama 'ontem'
maittaccadsama 'há tempo'
dsamassa 'amanhã'
jidapa 'hoje'
jidapana 'agora, hoje'
dsotode 'depois, atrás'
tahide 'antes, à frente'
pohui 'prirneiramente'
ma naco 'em troca, por sua vez'
motta ' só, sozinho'
ponima/pohuama (fim) 'à toa, sem razão'
nitide 'talvez'
nadsa 'então'
ptna 'como, igual'
Obs. 1: Há muitas palavras que em português são consideradas
advérbios, mas em Kulina são nomes intrinsecamente possuídos, por-
tanto declináveis:
nam i dsa/ nam i n i dsa 'em baixo dele/ dela'

66
tetepidsa 'em cima dele'
inorinidsa 'ao lado dela'
bodidsa 'dentro dele'
ajidsa 'aqui'
jadsirema 'com raiva'
ojidsama 'com vagar'
hu itta ridsa 'sentado'
totehemadsa 'em pé'
Da mesma forma, huaji e huajira geralmente não são advérbios e
sim adjetivos:
huaji tahi 'está distante(= está longe)'
huajira tade 'estava próximo ou próxima (= estava perto)'
Obs. 2: o adjetivo badsira 'poucos' pode ser usado em função de
advérbio, como por exemplo na frase abaixo:
ejedeni amori badsira tocca nahi 'pé de criança anda pouco'
criança pé dele pouco 3~ p.-1 r-aux.-masc.
mas normalmente é adjetivo:
badsira tani 'ficou pouca, pequena'
Obs. 3: os advérbios podem ser topicalizados, por meio do mor-
fema -pa/-pi; parece que a tendência, quando não se sabe o gênero da
palavra, é usar -pi, a forma do feminino:
jidapanapi 'hoje'
ma ittadsamapi 'ontem'
jidapapi 'agora'
dsotodepa 'depois'

5. A CONJUNÇAO

As conjunções são vocábulos gramaticais e não palavras com


conteúdo significativo; elas servem para ligar elementos da mesma na-
tureza ou de natureza diversa, subordinando um ao outro. Há apenas
quatro conjunções em Kulina:
.
neraha conjunção coordenativa adversativa,
significando 'mas, porém'
naqui/naco (fim) conjunção coordenativa aditiva, com
o significado de 'também'

67
tedseje/tadsajani (m/f) conjunção coordenativa aditiva; signi-
fica 'e, junto'
nadsapi/nadsapa (fim) conjunção coordenativa explicativa,
'pois, por isso'

6. A INTERJEIÇAO
-
As interjeições são vocábulos-frases com que se traduzem de um
modo vivo as emoções~ têm entoação exclamativa. As mais comuns
são:
nija ! 'vem! vamos! dê!' (incitamento)
'oi ! que tal?' (saudação)
ja ri! 'vamos!' (incitamento)
jehe ! 'sim!' (assentimento)
jaho ! 'pô! que droga!' (contrariedade)
na! 'puxa!' (contrariedade)
pohua !/ poni ! 'deixa! não!' (advertência, proibição)
apaja! 'cuidado!' (advertência, proibição)
epejia ! 'chega! basta!' (advertência, proibição)
j i na! 'eia!' (incitamento)
.. 1 .... 1
Jl . Jlll. 'oh! ah!' (surpresa)

7. PALAVRAS INTERROGATIVAS

Essas palavras (ou locuções) indicam circunstâncias de causa, de


lugar, de modo e de tempo, ou o sujeito, o objeto ou o adjunto da ora-
ção interrogativa. Englobam-se nessa categoria palavras ou locuções
que no português são chamadas de advérbios e pronomes interrogati-
vos; caracterizam-se, formalmente, pelo morfema coou nejeco no iní-
cio; constituem um tipo sui-generis de predicado não-verbal (sem o
sufixo de predicado -pa):
ne1eco 'o quê?'
(m) nejecojari 'quem?'
(f) nejecoja ro 'quem?'
nejecodsa 'onde?'
ne1ecora 'só o quê?'
ne1ecoma 'como?'

68
nejecomanadsa 'quando?'
nejeco tohui 'com que fim?'
nejeconaja 'o que seria?'
nejeco huaji 'pa ra onde?'
Como predicados sui-generis que são, podem mesmo admitir au-
xiliares em sua composição:
nejecoma inahi jine 'como faremos?'

SINTAXE

A frase. A frase é uma enunciação de sentido completo, a verda-


deira unidade da fala. A frase pode ser formada: a) de uma só palavra:
ami 'mãe!', nohuerani 'não, não tem'; b) de uma ou mais orações.

1) a frase co ntém uma oração:


a) quando apresenta uma só f0rma verbal, clara ou oculta:
. .
opem1n1 'estou com fome'
bata ba jarahi 'não tece rede'
b) quando apresenta uma locução verbal (com duas ou mais raí-
zes verbais):
bata ba onani 'teço rede'
huissi tojidsa nahi 'está cortando fundo'

2) a frase contém mais de uma oração quando há nela mais de


um verbo (estejam eles em forma simples, composta, ou de locução),
claros ou ocultos:

tocodso qqui one jerade dsoqquehi 'não vi que o jacaré mor-
reu'
pohua aba dama, ibana, jipajaride 'ele pegou peixe, assou-o
e comeu'

1. A ORAÇAO
-
Termos essenciais. Os termos essenciais da oração são o sujeito e
o predicado. O sujeito é o termo sobre o qual se faz uma declaração;

69
o predicado é tudo aquilo que se diz do sujeito. Assim, na oração:
ajaro bononi jadani 'esta fruta está madura', temos:

oração

sujeito predicado
[sintagma nominal] [ sintagma predicativo J
ajaro bononi jadani
'esta fruta-dela' 'madura'-fem.
Nem sempre o sujeito está claramente expresso. Assim, em:
opemini 'estou com fome', o sujeito do verbo é ohua 'eu', e está indi-
cado somente pela desinência pessoal do verbo o.

2. O SUJEITO

Os sujeitos de 1~ e 2 ~ pessoas são, respectivamente, os pronomes


pessoais ohua e tia, no singular; ia e tiadeni (ou combinações equiva-
lentes: ohua tia tedseje 'eu e você', tia pohua ' você e ele') no plural.
Os sujeitos podem ter um só núcleo (sujeito simples) ou mais de
um núcleo (sujeito composto).

Sujeito simples. O núcleo pode ser:


a) um substantivo ou locução nominal:
cosiro jadsira tani 'a faca está afiada'
ejedeni toccapi jarahi 'a criança não está a vomitar'
ssissite ajaropi Atatacca jerani 'esse arco não é de Atata'
aba aja quiquidsa poccapa 'o peixe nesse cesto é dele'
b) um pronome pessoal de 1~ . 2 ~ ou 3 ~ pessoa :
ohuapi occapide 'eu vomitei'
pohuapa jipana 'ele vai comer'
tiadeni oba tiquenani 'vocês est ão sujos '

Sujeito composto. Os núcleos podem ser:


a) mais de um substantivo:
Huainojo ejedeni tedseje canohuadsapa 'Huainojo e a criança
estão na canoa'

70
b) mais de um pronome:
1
ohua tia naco baro inade eu também você brigamos'

c) substantivos e pronomes:
1
ponipi ejedeni tedseje japimanade ela e a criança se banham'
,
Sujeito oculto. E aquele que não está materialmente expresso na
oração, mas pode ser identificado pela desinência verbal:
pohua tinasso nahi '(tu} o estás derrubando'
pri quenan1 '(elas) cantam'
Na 1 ~ oração o sujeito é tia, indicado pela desinência ti- do ver-
bo; na 2~ oração o sujeito é ponideni ou um substantivo feminino plu-
ral, indicado pelas desinências de pessoa e número, respectivamente
0- e que- no verbo auxilia r .

Oração sem sujeito. Aparentemente existe só uma, com o ve rbo


nohuera, impessoal:
nohuera 'não é nada'
(m) nohuerahi 'não tem'
(f) nohuerani 'não tem'

3. O PREDICADO

Há dois tipos de predicados em Kulina: verbal e não-verbal.

Predicado não-verbal. Pode ser formado por :

1) um nome ou locução nominal mais um sufixo marcador de


predicado nominal -pa:
aba canohuadsapa 'o peixe (está) na canoa'
huihuittari odsa amossinidsapa 'o banco (está) fora da
casa'
pohua occa atopa 'ele (é) meu irmão'
. . . . 'esse cesto (é) dela'
a1aro qu1qu1 pon1ccapa
pohua poni bedipa 'ele (é) filho dela'
ohuapa 'sou, fui eu'
tiad eni pa 'foram vocês'

71

·.- •
2) um adjetivo em função de predicado, com desinências de gê-
nero, tanto em oração afirmativa como negativa:
ajaro bononi jadani 'essa fruta está madura'
ajaro bononi jada jerani 'essa fruta não está madura'

3) um verbo de ligação mais o seu predicativo; o predicativo po-


de ser representado:
a) por um nome ou locução nominal:
ia jahui ijani 'nós estamos a caminho'
ticca abi tojahi 'é teu pai'
b) por um adjetivo:
obaqquiri tiquenani 'vocês estão sujos'
bica tade 'ficou bom'
Obs.: O que distingue o predicado nomina 1 do predicado adjeti-
vo, quando se tem uma seqüência de nome mais adjetivo, é a presença
ou não de -pa:
tapa biri dsatipa '(é) milho pequeno novo'
tapa huessehi 'o milho é amarelo'
Na primeira frase, com tapa, a locução toda é predicado nominal;
na segunda, o adjetivo é o predicado e tapa o sujeito .

Predicado verbal. O ~redicado verbal é formado por um verbo


significativo ou uma locução verbal (verbo principal + verbo auxiliar).
Verbos significativos são aqueles que trazem uma idéia nova ao sujei-
to; auxiliares são verbos que perdem total ou parcialmente seu sentido
lexical básico e formam um todo com o verbo principal, conferindo-lhe
nuances aspectuais; os verbos significativos podem ser transitivos ou
intransitivos:

1) Verbos intransitivos. Nesses verbos a ação não vai além da


representada por eles; ela está contida integralmente na forma verbal:
ejedeni toccapide 'a criança vomitou'
iapi jiri inani 'nós cantamos'

2) Verbos transitivos. Exigem outros termos para que fique


completo seu significado:
ssissite obaride 'guardei o arco'
boba tiadsa da inade 'deu flecha a você'

72
Considerado isoladamente, um verbo não é transitivo nem in-
transitivo: o mesmo verbo pode ser empregado ora como transitivo,
ora como intransitivo.

4. TERMOS INTEGRANTES DA ORAÇAO


-

4. 1. COMPLEMENTOS NOMINAIS

São palavras que completam o sentido de substantivos e adjeti-


vos; representam o alvo para o qual tende um sentimento, disposição
ou movimento; desempenham, em relação ao nome, o mesmo papel
que o complemento verbal em relação ao verbo:
tiadsa biccaqquiri inani 'somos bons com vocês, para vocês'

4.2. COMPLEMENTOS VERBAIS (

São palavras que completam o sentido de um verbo :

a) Objeto direto - Complemento de um verbo transitivo que in-


dica o ser para o qual se dirige a ação verbal ; normalmente não tem
marca de caso:
ssissite obaride 'guardei o arco'
Obs.: Com o verbo jipade no sentido de 'comer', o seu objeto di-
reto tem a marca -cca, se o verbo está com um verbo auxiliar conju-
gado:
aba ojipani 'como peixe'
mas: abacca ji pa tani 'ela passou a comer peixe'
(= ficou comedora de peixe)
b) Objeto indireto - É o complemento verbal que tem a marca de
caso indireto -dsa:
pohuadsa ssissite da inade 'deu o arco a ele'
sibadsa huacacarana 'cuidado que bate na pedra'
canohuadsa ssoqquedsa nade 'amarrou na canoa'

73
5. TERMOS ACESSÓRIOS DA ORAÇÃO

5. 1. ADJUNTO ADNOMINAL

Termo de valor adj et ivo que serve para delimitar ou especifi ca r o


substan t ivo, qua lq uer que sej a a fu nção deste:
pajo imehi j i rahi 'a cu ia grande está seca'
ajaro ssissi te ba rar ide 'esse arco quebr ou'
occa ato aji dsa 'meu irmão está aí'
quiqu i inahatohe bica t ade 'a cesta que ela fez ficou bo n ita '

5.2. ADJUNTO ADVERBIAL

Termo de valor adverbial que denota alguma circu nstância do fa-


to expresso pelo verbo:
(dúvida): t occanide nitide 'talvez e le te n ha ido'
(direção): huidsajahuaji occana 'vou para a roça '
(inst r umento): cocorodsa coro tinaqui? 'pescas com anzol?'
(meio): ttittittidsa occa n i 'vou de bicicleta'
(tempo): jidapana hu i onana 'agora vou cava r'
(lugar): occa ato ajidsa 'meu irmão es t á a í'

6 . VOCATIVO

São termos q u e não estão subordinados a nenhum outro termo


da frase; servem apenas para invocar, chamar ou nomear, com ênfase
maior, uma pessoa ou coisa personificada. Em geral têm entoação ex-
clamativa:
Tamaco, nocco t ijaj i ! 'Tamaco, esteja de olho!'
huabo, nejeco h uaj i ticcaqui? ' irmão, para onde vais?'
ami ! 'mãe !'

7. ORDEM DOS TERMOS NA ORAÇAO -


Em Ku l ina, p r edom ina a seguinte co locação dos te r mos na ora-
-
çao:

74
a) com predicado verbal:

sujeito + adjunto de tempo + adjunto de lugar + obje-


to indireto + objeto direto + verbo + outros adjuntos
adverbiais.

Antes da oração pode haver certas palavras introdutórias, ou in-


terjeições, como: jari! 'vamos', nija 'como é?', nadsapi/nadsapa 'então,
nisso', paji! 'cuidado!' etc.
Exemplos de orações com predicados verbais:
ejedeni toccapide
1
a criança vomitou'
SUJ. verbo
1
iapi dsomaji baco inade n6s onça vimos'
suj . obj. direto verbo
1
ponideni huenidsa etero ssahua quenani elas no rio roupa lavam'
SUJ. adj. lugar obj. dir. verbo
1
ia maittadsama huidsaja huaji icca dade nós ontem ã roça pude-
suj . adj. tempo ad. lugar verbo mos ir'
ohuapi tiadsa ssissite da onana 'eu a você flecha vou dar'
SUJ . obj. ind . obj. dir . verbo
pohuadeni dsomaji qqui quenade ojarihe 'eles onça viram uma'
SUJ. obj. dir . verbo adj . adnominal do obj.

b) com predicado não-verbal:

1) sujeito + complemento do adj . predicativo + adje-


tivo predicativo + verbo de ligação

iapi tiadsa bicaqquiri inani 'nós com vocês bons somos'


suj. compl. adj. predic . verbo de ligação

2) 1 sujeito + adjetivo + predicado

1
ajari ahua huittarahi essa árvore (é) alta'
SUJ. adj.-predicado

' 75
3) sujeito + nome predicativo + verbo de ligação

1
ohuapi ticca ami ojani eu tua mãe sou 1
SU J. nome pred. verbo de lig .

Inversão da ordem habitual. Há vários exemplos de uso de outras


ordens dos termos na oração; isso se dá quando se quer colocar em
realce um ou outro termo:
maittaccadsama pohuadeni tocodso pamehe inanadsoqquemanade
adj. de tempo sujeito obj. direto verbo
1
ontem eles jacaré dois mataram'
tiapi boba dade jipa tinaqui pohuadenidsa
suj. obj. direto verbo obj. indireto.
1
você flecha dar quer a eles?'
1
boba iadsa da tajo flecha a nós dê!'
1
aja mohue ticcatoma tajo odsepedsa 'essa flor olhe na minha mão'

8. O PERÍODO

O período pode ser:


a) simples, se constituído de uma só oração, chamada absoluta;
b) composto por coordenação, se constituído por uma ou mais
orações coordenadas;
c) composto por subordinação, se constituído de oração principal
e uma ou mais orações subordinadas;
d) composto por coordenação e subordinação, se constituído de
orações coordenadas e uma ou mais subordinadas.
Obs.: O período composto por subordinação é equivalente a um
período simples (com uma oração só); a diferença é que no período
composto os termos da oração (essenciais, integ rantes ou acessórios)
são representados por orações.
A oração é:
a) principal, quando não exerce n enhuma função sintática em ou-
tra oração do período composto por subordinação;
b) coordenada, quando se justapõe, ou quando se liga por meio
de uma conjunção, a outra oração coordenada com a qual se relaciona,

76
mantendo ambas seu sentido próprio; ou seja, as orações coordenadas
são autônomas, independentes e pertencem a um mesmo período
composto.
c) subordinada, quando funciona como termo ou parte de um
termo essencial, integrante ou acessório de outra oração, a principal;
ou seja, as orações subordinadas não têm autonomia gramatical.

8. 1. ORAÇQES COORDENADAS

Há somente quatro conjunções coordenativas: neraha, com senti-


do adversativo; nadsapa/nadsapi, com sentido explicativo; naco/naqui
e tedseje/tadsajani, com sentido aditivo. Outros sentidos são percebi-
dos pelo con texto, a coordenação se dando pela simples justaposição
das orações.
As conjunções neraha e nadsapa/nadsapi (as únicas que ligam
orações, porque as outras duas só ligam dois nomes) são oriundas de
uma forma verbal com o auxiliar na; é preciso saber distinguir bem
quando se trata do verbo e quando se trata da conjunção .
Trata-se da co njunção neraha/naraha somente quando o verbo
que vem imediatamente antes, no caso de haver um, está completo, is-
to é, com marcas de gênero e/ou tempo; caso contrário, trata-se de
uma forma verbal com o sufixo -raha, expressão do modo frustrativo,
como nas três frase s abaixo:
ijeraha amorinira 'fodeu sem êxito só o pé dela'
caca to ssiraha bijinidsa 'meteu em vão no braço dela'
huahua oneraha mitta jarahi 'chamei em vão, (ele) não ouviu'
Na frase seguinte, por outro lado, temos a conjunção neraha:
coma tahi, neraha ssamo tahi 'está doente, mas não sabe'
Com nadsapa/nadsapi ocorre o mesmo: trata-se de conjunção
quando está iniciando oração ou quando não é dependente do verbo
que vem antes (que está completo, com marcas de gênero e/ou tem-
po); trata-se de forma verbal quando se tem: auxiliar na + subordina-
dor -dsa + tópico -pa/-pi; o verbo principal pode ser qualquer um;
exemplo:
a) conjunção:
ejedeni jaho nade, nadsapa huadajaride 'a criança estava cansada,
então dormiu'

77
b) verbo:
japi nadsapa, obera tahi 'tendo-se banhado, ficou limpo'
cca inadsapa, idanaja 'se ele o mordesse, o bateria'
quiqui icohua nadsapi, da inani jine 'quando trançar o cesto, preten-
de dá-lo'
Outros exemplos de orações coordenadas, sem conjunção:
pohuapa dsippodsa huajira tahi, huittarahi
ele fogo-em próximo-está (está) abaixado
'está sentado perto do fogo'
tahide najari odi hui nada, dsotode tiapi bacco tajarode
antes este buraco cavou depois você chegou
'antes ele cavou este buraco, depois você chegou'
pohuapa pemijari, jipa jarahi, tapar.i marajari
ele está com fome, não come, comida não tem
'ele está com fome, (mas) não come, (pois) comida não tem'
ohuapi tabaco da oneraha, tomi ne jerapa
eu tabaco dei em vão, não fumou
'dei tabaco em vão, ele não fumou'
pohuapa aba dama, ibana, jipajaride
ele peixe pega, assa-o, comeu
'ele pegou o peixe, assou e comeu'
pohuapa qqui jarahi, nocco siri najari
ele ver-não, olho-dele errado-é
'ele não vê, é cego'

-
8.2. ORAÇOES SUBORDINADAS

As orações subordinadas funcionam como termos da oração prin-


cipal; podem ser substantivas, adverbiais ou adjetivas.

8.2.1. Oração subordinada substantiva objetiva - Desempenha


em relação à oração principal o papel de um substantivo em função de
objeto direto ou indireto; compare-se:
ppohui ojicapa 'terminei a rede'
ppohui jicade ssamo onani 'não sei terminar a rede'
O objeto da segunda frase (que é um período composto) é ppohui

78


jicade, uma oração; o objeto direto da primeira frase (período simples)
é ppohui, um substantivo.
A subordinada, sendo uma oração, tem por sua vez o seu sujei-
to, predicado, etc.; no exemplo acima o sujeito é ohuapi e o prec. 1cado,
ppohui jicade.

Características da oração objetiva :

a) Quando a subordinada vem antes da principal, o verbo fica


sempre na forma infinitiva, com o sufixo -de; os sujeitos da principal e
da subordinada são iguais:

ohuapi pohuadsa boba dade jipera onani


eu a ele flexa dar não- quero
'não quero dar flexa a ele'
madija passo bodidsa jisside da ne jerani
gente água dentro respirar não pode
'gente não pode respirar dentro d'água'
ejedeni badsi tahipa, conade nahato tahi
criança grande-fica nadar sabe r- fica
'menino fica grande, sabe nadar'
tiapi ócca camati qquiede jipa tinaqui
você m eu piolho catar quer?
'você quer catar meu piolho?'
maqquideje aba corode toccajaride
homem peixe pegar foi
'o homem foi pescar'

Nessa última frase poderia haver dúvida sobre a função da ora-


ção subordinada, pois ela não parece se r objeto de ir; mas na verdade
ela é seu objeto indireto, pois está substituindo um substantivo; por
exemplo, em vez de: aba corode toccajaride, se poderia colocar: hueni
huaji toccajaride, isto é, um substantivo num caso indireto.
Obs.: Nos dados há uma frase que, se estiver correta, revela um
fato interessante: a existência, no kulina, do infinitivo pessoal, coisa
extremamente rara nas línguas em geral:
ejedeni bedi dsama huaji toccade pohua motta ssamo tahi
criança pequena mato ao ela-ir- ela sozinha não-sabe
'criança pequena não sabe ir ao mato sozinha'

79
b) quando a oração principal vem antes da subordinada, há sim-
ples justaposição das orações, sem marca expressa de subordinação;
os sujeitos das duas orações são diferentes:
pohuapa ssamo tahi ponipi coma tani
ele não-sa be ela está-doente
' ele não sabe (que) ela está doente'
pohuapa huatti tajari ponipi dsoqqueni
ele falou ela morreu
'el e disse (que) ela morreu'
qqui tajari dsoqquehi
viu morreu
'e le vi u (que) ele morreu'

8.2.2. Oração subordinada adverbial - Desempenha o papel d e


adjunto adverbial de outra oraçã o; o sufixo -dsa, subordinador, no
predica do de uma oração indica que ela é subord in ada adverbia l;
como não há co nju nções subordinativas, o sentido das orações adver-
b iais é dado pelo contexto; a forma do português que mais se aproxi -
ma dessa forma verbal do kulina é a do gerúndi o, quando usado em
orações adverbiais. Pelo sent ido, a oração adve rbial pod e se r casual,
condicional, temporal, de lug ar, proporcional, etc. Exemplos:
pohuapa jemeds i dse i nan i, coma tadsa
ele remédio toma ficando doente
'ele toma r eméd io porque está doente'
pohuapa oba tadsa, japi nadsapa, obera tahi.
ele ficando sujo (e) banhando-se fi cou limpo
'e le está lim po porque se banhou, porque estava sujo'
ohuapi nana dside ojidsadsa, jero onade .
eu abacaxi arrancando comi
'tendo arrancado o abacaxi, comi-o'
pohuapa quiqui icohua nadsapi pohuadsa da in ani jine
ele cesto trançando-o a ele pretende dá-l o
'quando trançar o cesto, ele pretende dá-lo a ele'
oqque jerani aba corode, passoccadsama
eu vou não peixe pega r ág ua indo com
'não vou pescar se chover'

80
cca inadsapa, idanaja
morder sendo bateria-o
'se ele o mordesse, ele o bateria'
dsama huaji ticcani jinedsapi, tiadsa occani jine
mato para (2~ p. ir-gen-fut. i nt-su bor-tópico) você-com preten-
do ir
'se você pretende ir caçar, eu pretendo ir com você'
najari hua inabaqquide, madija bacco quenadsa
esse falar-3~ p.-aux .-obj.-pl.-pass. gente chegando
'ele contou-os, à medida que os homens chegavam'
Obs.: nessa última frase, madija 'gente, homens', é sujeito da su-
bordinada e não objeto da principal, porque o lugar do objeto é antes
do verbo e não depois, e nessa frase ele está depois do verbo da prin-
cipal, que é hua inabaqquide 'contou-os'.
hueni huajira tahidsa, dsomaji cajihi.
rio próximo-ficando onça ele tem.
'o rio ficando próximo, tem onça' (tem onça perto do rio )
huaji tanidsa, dsomaji bacco i napa
longe-ficando, onça encontramos
'ficando longe encontramos onça' (lá longe encontramos onça)
Em certas frases é difícil perceber qual o sentido que o falante ti-
nha em vista:
passo ccani, ssiqui joco tadsa
água vem terra seca ficando
' a terra estando seca, vem chuva (porque, se, quando, a terra
está seca)
Obs . 1: nas orações subordinadas adverbiais, como se observa
em vários dos exemplos, pode aparecer o sufixo de tópico -pa/-pi; is-
so é demonstração independente de que as orações adverbiais equi-
va lem a nomes (em função adverbial) e não a verbos, pois tópico pode
ser somente um nome ou advérbio, nunca um adjetivo ou verbo.

8.2 .3. Oração subordinada adjetiva - Exerce a função de adjunto


adnominal de um substantivo ou pronome antecedente; esse substan-
tivo pode ter qualquer função na oração: sujeito, objeto, etc.; compa-
re- se:

81
quiqui dsati bica tade
o cesto novo bonito-ficou
'o cesto novo ficou bonito'
quiqui inahatohe bica tade
o cesto que ela fez bonito-ficou
'o cesto que ela fez ficou bonito'
Há duas maneiras de fazer uma oração adjetiva:
a) com o sufixo relativizador -he no verbo da oração subordina-
da (chama-se relativizador porque corresponde ao relativo que:
Huainojo maittadsamapi quiqui inahatohe bica tade
Huainojo ontem cesto que ela o fez bonito ficou
'o cesto que Huainojo fez ontem ficou bonito'
tiadeni odsa ticanahatomanehe _ jicaqui?
tia-deni odsa ti-ca-nahato-mane-he jica-qui?
você-plu r. casa 2~ p.-caus.-fazer-pl.-relat. acabar-i nterrog.
'vocês a casa que fizeram acabou?'
(vocês acabaram de fazer a casa?)
Nessa última frase o sujeito da oração subordinada, tiadeni, se
desloca para o começo da oração.
Obs.: as orações com numerais em geral apresentam-no em forma
adjetiva com o sufixo -he; o numeral pode vir antes ou d epois do verbo:
pohuadeni dsomaji qqui quenade ojarihe
eles onça viram que é uma
'eles viram uma onça'
pohuapa dsomaji pamehe to inade
ele onça que são duas matou
'ele matou duas onças'
Os numerais também podem ser empregados em forma não-rela-
tiva:
jabo pama tojari 'são duas raízes'

b) a outra forma de fazer uma oração adjetiva é sem o sufixo


-he, quando o termo que contém a subordinada está topicalizado:
maqquideje,huima cacahuadepa coma tahi
homem história cuidador-top. doente-ficou
'o homem que cuida história está doente'

82
macca ohua cca najaripa, macca imehipa
cobra eu mordeu-top. cobra grande é
'a cobra que me mordeu era grande'
maqquideje aba corode toccajaripa, occa atopa
homem peixe pegar foi-top. meu irmão é
'o homem que foi pescar é meu irmão'
huihuittari amossiniccapi, cabariripa
banco do lado de fora-top. quebrou
'o banco que é de fora quebrou'

No segundo e terceiro exemplos há duas ocorrências de -pa; o


primeiro -pa é tópico, o segundo marca de predicado nominal. Na úl-
tima frase, a segunda ocorrência de -pa indica tempo passado.

Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai 83


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