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PONTOS

Trazer informações responsáveis sobre o suicídio com cuidado e respeito;


Prevenção (prevenção diária, não é desfazer-se de sentimentos e pensamentos, mas o que fazer com
esses pensamentos e sentimentos), pos-venção (processo de luto, sobreviventes, enlutados),
acolhimento da vida (valorizar nossas existências);
O ato suicida é impulsivo. Resultado de um processo de morrencia, prevenível, ressignificando
nossas maneiras de enfrentar a vida, obstáculo que não tem solução e suicídio seria possibilidade,
(prevenção x previsão);
Sinais: isolamento (redes sociais e intepessoais), excessos, mudanças abruptas de comportamento
(desfazer de objetos, despedidas), encadeamento de sinais, falta de sentido de vida;
O que supostamente sua morte resolveria?
Ambivalência
Sofrimento e expectativa: andam juntos. A vida não é do jeito que a gente quer. Como toleramos as
nossas expectativas? Tolerância.
Como estou sendo generoso comigo mesmo?
A escuridão é sedutora, também é uma zona de conforto, viver não é fácil. Não deixar a escuridão
(nada há o que fazer, estar por estar, nada vale a pena) tomar conta.
Crise: significa separação. Separa-ação. Altos índices de suicídio entre adolescentes e idosos. Falta
de perspectiva e crises. A velhice não significa uma antecamara da morte, a falta de perscetiva
significa uma dificuldade de aproveitar a colheita, desfrutar daquilo que foi conquistado, olhar
retrospectivo, arte para legitimar a sua história. O adolescente não possui ainda repertórios para
lidar com situações de conflitos, falta de perspectiva anteriores. Se enquanto o idoso não possui
pespectiva de futuro o adolescente não tem repetório de passado.
Suicídio como ato de comunicação: comunicar-se em vida, “Eu deveria ter ouvido quando a pessoa
estava em vida” – relato de pessoas enlutadas.
Curar a dor é difente de Cuidar da dor.
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Vamos falar sobre suicídio nas universidades (e na vida), sem mistificações ou manipulações, mas
com cuidado e delicadeza?
"É urgente que haja uma conscientização de que precisamos lidar também com as causas e
determinantes sociais dos suicídios e não apenas silenciar os seus sintomas por meio de uma
reificação de doenças e de medicalizações", escreve Ileno Izídio da Costa, coordenador do Núcleo
de Estudos, Pesquisas e Atendimentos em Saúde Mental e Drogas (NESPAD) do Instituto de
Psicologia da Universidade de Brasília, em artigo publicado por EcoDebate, 19-09-2018.

Eis o artigo.
Em tempos de sofrimento exacerbado, o suicídio ocupa a cena do drama humano, como se moderno
fosse. Mas o termo suicídio – utilizado hoje para referir as mortes voluntárias – já foi tratado sob
várias perspectivas, em diversas épocas da história, como pecado, crime, mal, patologia e loucura.
Hoje, o suicídio é compreendido, pelos especialistas, como um fenômeno sócio-histórico, e não
apenas biológico, psicológico e/ou psiquiátrico. É um assunto de saúde pública, sendo a terceira
causa de morte mais comum entre as pessoas de 15 a 44 anos, segundo dados da Organização
Mundial de Saúde (OMS). Sendo um ato intencional de um sujeito para aniquilar sua própria vida,
o ato suicida abrange a ideação suicida, a tentativa de suicídio e o suicídio consumado.
Detenho-me aqui ao suicídio como uma das emergências do sofrimento psíquico atual – entendendo
o psíquico não apenas como a dimensão psicológica do indivíduo, mas como Edmund Husserl o
propugna: o correspondente à subjetividade humana, onde o psicológico, o corporal, o relacional, o
valorativo e o espiritual são indissociáveis e se manifestam pela consciência intencional (Husserl,
2001). Entretanto, é importante mencionar que o sofrimento psíquico que pode desencadear este
ato não tem, necessariamente, o mesmo significado que transtorno mental, embora a ele também
possa estar associado. Conforme Berenchtein Netto (2007), “o sofrimento psíquico é algo da
ordem da vivência, algo da ordem da existência, todos nós mais hora ou menos hora, em maior ou
em menor intensidade, desenvolvemos sofrimentos psíquicos, o que não é exatamente a mesma
coisa no que se refere aos transtornos psiquiátricos”.
Estratégias discursivas sobre o suicídio e o sofrimento psíquico que perpetram uma tentativa de
normatização, regulação e disciplinarização dos sujeitos, excluem a dimensão psico-sócio-histórica
desses processos e as suas singularidades, concorrendo para uma espécie de “anulação ou
desqualificação de sua existência”. Berenchtein Netto ainda alerta que, a fim da defesa da não
ocorrência do suicídio, o sujeito paga com a sua “não” existência, através de uma medicalização
excessiva e correspondente patologização de questões sociais.
Não se trata aqui de uma oposição absoluta à utilização de medicamentos – esses, quando
corretamente administrados, cumprem um papel importante em nossa sociedade. Contudo, é
importante alertar que esse uso ideologizante e mistificador do medicamento apenas encobre os
sintomas que se manifestam nos indivíduos, sem tocar em suas profundas raízes sociais e
existenciais. A via medicamentosa incide sobre as pessoas, individualmente, desconsiderando que se
trata também de um problema social.
É urgente que haja uma conscientização de que precisamos lidar também com as causas e
determinantes sociais dos suicídios e não apenas silenciar os seus sintomas por meio de uma
reificação de doenças e de medicalizações.
O fenômeno do suicídio é complexo, multifacetado, multifatorial e multicausal. Não existe uma
única explicação e vários são os fatores associados a ele: psicológicos, sociais, ambientais,
familiares, culturais, genéticos, de saúde, de sentidos sobre a vida e até mesmo espirituais.
Na sociedade pós-moderna, diante do mal-estar presente em nosso tempo, carregado de
características como a incerteza frente às coisas, a falta de controle de um tempo que passa depressa
demais, do consumismo, da sociedade narcisista, da necessidade de que o homem busque saída para
o seu sentimento de desamparo, das “relações líquidas” e outras mais, Cassorla (2004) nos diz que
o suicídio constitui-se como o máximo da manifestação autodestrutiva do sujeito, que confirma o
nosso fracasso na vida pós-moderna, onde não conseguimos aceitar o nosso lugar na sociedade,
desistindo literalmente de viver.
Birman (2003) acredita ser o suicídio uma saída possível para o sentimento de desamparo,
considerado como o mal-estar típico da pós-modernidade. Este comportamento tem grande impacto
e é, sem dúvida, uma solução definitiva para problemas temporários. O que tem se observado é que
cada vez mais as pessoas têm buscado no suicídio uma alternativa para dar um fim à sua dor
(Fensterseifer & Werlang, 2006).
Assim, em toda e qualquer resposta simplista sobre suicídios, há uma grande possibilidade de erro.
Por outro lado, não falar sobre suicídio não diminuiu seus índices, pelo contrário, eles têm
aumentado, o que nos leva a uma mudança na mentalidade de que o suicídio precisa ser ocultado.
Por si sós, os dados epidemiológicos servem como alerta e fomentam programas de intervenção,
porém os índices de suicídio nos convocam a prestar atenção às pessoas ao nosso redor. Junto com
programas de prevenção, temos que desenvolver, em nosso meio, também programas de posvenção
(termo ainda pouco conhecido no Brasil), que têm como objetivo principal cuidar do sofrimento de
pessoas com ideação e tentativa de suicídio e familiares enlutados, oferecendo acolhimento, cuidado
e psicoterapia. Essas pessoas necessitam de escuta, apoio, acolhimento e cuidados em longo prazo,
não querem saber de números, estatísticas ou porcentagens. Precisam falar de seu sofrimento
existencial.
Pessoas afetadas pelo suicídio precisam de particularização, singularidade, respeito pela sua história
que tem um início e que ainda não foi finalizada, porém sem tirá-las de seus contextos e
historicidade. Pessoas com ideação, tentativa de suicídio e familiares enlutados demandam
atendimento de qualidade com profissionais de saúde e da área psicossocial capacitados que possam
acolher o sofrimento humano, cujo objetivo principal não deve ser apenas evitar o suicídio a todo
custo. A atenção voltada unicamente a impedir o suicídio, por exemplo, pode apenas restringir o
sujeito, restringindo sua autonomia e liberdade.
Mas por que culpabilizar as universidades? Ou como as universidades contribuem com este
sofrimento? Como espero ter demonstrado, o tema ou o fenômeno não pode – e nem deve – ser
atribuído a apenas um ator ou uma causa, pois, se assim o fazemos, estamos ou mistificando ou
manipulando ou, pior ainda, minimizando a complexidade do fenômeno e as dores inerentes a esta
vivência genuinamente dolorosa e humana. Então, como podemos localizar apenas um culpado pela
manifestação de querer deixar de existir? E por que as universidades têm sido elegidas como esses
bode-expiatórios potenciais?
Infelizmente, as opções de cuidados contínuos em hospitais, Centros de Atenção Psicossocial e
nas Unidades Básicas de Saúde ainda são precárias se considerarmos que o fenômeno tem
dimensões e potenciais epidêmicos (podemos afirmar que o suicídio é uma “epidemia silenciosa”
que, nos tempos atuais, tem deixado de ser invisível). Não esqueçamos que a responsabilidade
primeira e essencial sobre os agravos de nossa saúde (a mental aqui incluída) é do Estado, conforme
preceitua o art. 196 da Constituição Federal: “A saúde é um direito de todos e um dever do
Estado”.
Cabe aqui destacar o Centro de Valorização da Vida (CVV) que realiza de maneira exemplar o
trabalho de atendimento em crise e o acolhimento. Porém, é preciso diferenciar acolhimento em
crise, realizado pelo Centro de Valorização da Vida, que é muito importante, por ser, em muitos
casos, o primeiro passo para o atendimento de pessoas com ideação ou tentativa de suicídio, de um
atendimento especializado como, por exemplo, o atendimento psicoterápico, medicamentoso ou
psicossocial. Em muitos casos é necessário o atendimento psicossocial especializado (aqui
incluindo a assistência social, a psicoterapia e a terapia medicamentosa, entre outras) para lidar com
a difícil tarefa de compreender emoções intensas, a ambivalência entre o desejo de viver e morrer,
ampliar a visão estreita que considera a morte como única solução para o sofrimento, em seus
contextos e desafios.
É preciso alertar que os sinais que figuram tão claros nas cartilhas, que tanto se tornam profusas
neste mês de setembro, não se revelam tão claros na realidade. Assim, além da prevenção do
suicídio, precisamos também falar daqueles que buscam consumar o ato suicida, de forma
impulsiva ou planejada, e que não morreram e dos familiares que os acompanham, também
desesperados, sem saber o que fazer – a quem, na maioria das vezes, a saga midiática sobre o
suicídio desrespeita, machuca ou mesmo continua violentando. Observamos poucas referências
sobre a questão dos cuidados nos documentos da OMS, nas políticas públicas do Ministério da
Saúde e nas cartilhas apresentadas.
Neste particular, espero que neste Setembro Amarelo possamos também enfocar os cuidados a
pessoas em situação de sofrimento e dor. No caso da UnB (e de outras universidades), para não
sucumbirmos às responsabilizações manipulatórias de pessoas e ações midiáticas (jornais, mídias
sociais etc.), que não contribuem para a solução, mas tão somente para uma exposição perversa de
todas as colorações, precisamos abrir um debate (com base em estudos, pesquisas, levantamentos,
fóruns e socialização de conhecimentos) sobre as nossas relações rigidificadas, verticalizadas,
endurecidas, eivadas de assédio moral e sexual, violências verbais e psicológicas (incluindo
bullying, trotes violentos, discriminação das diferenças, competitividades, vaidades e
excelências, padrões produtivistas, falta de cuidado nas relações e convivências, exclusivismo
do império do conhecimento versus a vida que flui etc.), que, não sendo a causa, contribuem para
o caldo existencial do sofrimento de muitos.
Para finalizar, sendo propositivo, sugiro à UnB e demais universidades:
1. Desenvolver estratégias de promoção de qualidade de vida, de educação, de proteção e de
recuperação da saúde e prevenção de danos, em todas os ambientes e instituições;
2. Desenvolver estratégias de informação, de comunicação e sensibilização da sociedade de que o
suicídio é um problema de saúde pública que pode ser prevenido;
3. Organizar linha de cuidados integrais (promoção, prevenção, tratamento e recuperação) em todos
os níveis de atenção, garantindo o acesso às diferentes modalidades terapêuticas (papel primordial
do Estado de Atenção à Saúde);
4. Identificar a prevalência dos determinantes e condicionantes do suicídio e tentativas, assim como
os fatores protetores e o desenvolvimento de ações intersetoriais de responsabilidade pública, sem
excluir a responsabilidade de toda a sociedade;
5. Fomentar e executar projetos estratégicos fundamentados em estudos de custo-efetividade,
eficácia e qualidade, bem como em processos de organização da rede de atenção e intervenções nos
casos de tentativas de suicídio;
6. Contribuir para o desenvolvimento de métodos de coleta e análise de dados, permitindo a
qualificação da gestão, a disseminação das informações e dos conhecimentos;
7. Promover intercâmbio entre os Sistema de Informações do SUS e outros sistemas de informações
setoriais afins, implementando e aperfeiçoando permanentemente a produção de dados e garantindo
a democratização das informações;
8. Promover a Educação Permanente dos profissionais de saúde das unidades de atenção básica,
inclusive do PSF, dos serviços de Saúde Mental, das unidades de urgência e emergência, de acordo
com os princípios da integralidade e humanização.

Por fim, fica o pedido e a provocação: vamos falar de suicídio (e saúde mental) sem mistificações
ou manipulações, não só nas universidades, mas na vida, e com cuidado e delicadeza?
Referências
Berenchtein Netto, N. (2007). Suicídio: uma análise psicossocial a partir do materialismo histórico
dialético. Dissertação de mestrado. Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia social da
PUC/SP, São Paulo.
Birman, J. (2003). Mal-estar na atualidade: A psicanálise e as novas formas de subjetivação. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira.
Cassorla, R. M. S. (2004). Comportamento suicida. In B. G. Werlang, & N. J. Botega. Suicídio e
autodestruição humana. (pp. 21-33). Porto Alegre: Artmed.
Fensterseifer, L., & Werlang, B. S. G. (2006). Comportamentos autodestrutivos, subprodutos da
pós-modernidade? Psicol. Argum., outubro/dezembro, Curitiba 24 (47), 35-44.
Husserl, E. (2001). Meditações cartesianas: introdução à fenomenologia. Porto: Rés.

"É de senso comum o alto nível de complexidade e responsabilidade que envolve o dia-a-dia de
um médico. Porém medidas precisam ser estudadas e aplicadas em prol do bem-estar físico e
mental dos graduandos. Precisa-se tratar o assunto desde o início para evitar o surgimento
do burnout", escreve Lucas Penchel, médico nutrólogo e diretor da Clínica Penchel, em artigo
publicado por EcoDebate, 16-04-2018.

Eis o artigo.
No Brasil, uma pesquisa feita pela sede brasileira da International Stress Magagement
Association (Isma), em 2016, com mil profissionais, mostrou que 72% dos entrevistados sofriam
com estresse, sendo que 30% deles apresentavam síndrome de burnout. Definida por Herbert J.
Freudenberger como “(…) um estado de esgotamento físico e mental cuja causa está intimamente
ligada à vida profissional", o distúrbio envolve, principalmente a busca pelo reconhecimento e o
foco no trabalho como fonte exclusiva de prazer e sucesso.
Apesar de estar presente em várias áreas profissionais, o esgotamento profissional parece
assombrar mais àqueles que escolheram medicina como profissão, como pude observar por
natureza própria. Segundo relatório feito pelo Medscape Physician Lifestyle Report, em 2015,
46% dos médicos entrevistados nos Estados Unidos possuem a síndrome burnout. Embora
alarmante, a pesquisa não é uma surpresa. A cobrança por resultados e a pressão para conseguir
entrar na universidade de medicina são pontos que mereciam uma atenção maior por parte das
autoridades relacionadas ao assunto; seja Governo ou instituição.
Na primeira edição de 2017 do Sistema de Seleção Unificada (SISU) na Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG), o curso de medicina foi o mais disputado, alcançando a marca de 13.084
inscrições para 320 vagas; ou seja, cerca de 654 candidatos para cada vaga disponibilizada. Por
conta da alta procura pela vaga, a nota de corte para ampla concorrência, por exemplo, foi de
811,70. Além da concorrência acirrada por vaga em uma universidade pública, aqueles que optam
por faculdade privada têm que enfrentar o valor altíssimo das mensalidades e dos gastos com
materiais e livros. Ambos os casos, a abdicação da vida social é inevitável, devido ao alto número
de trabalhos, provas e residência.
Muitos não aguentam o elevado nível de cobrança e apresentam quadros de ansiedade, depressão,
vícios ou, até mesmo, suicídio. Somente neste primeiro trimestre, uma faculdade privada de
Minas Gerais perdeu dois estudantes de medicina – um do nono período e o outro do quarto –
vítimas de suicídio. Sendo que no ano passado, 2017, mais dois alunos da mesma faculdade tiraram
a própria vida.
É de senso comum o alto nível de complexidade e responsabilidade que envolve o dia-a-dia de um
médico. Porém medidas precisam ser estudadas e aplicadas em prol do bem-estar físico e mental
dos graduandos. Precisa-se tratar o assunto desde o início para evitar o surgimento do burnout,
visto que é o sintoma mais frequente e a porta de entrada para consequências, muitas vezes,
irrevogáveis.
Em suma, trabalhar melhor o quadro de horários e das provas, propor carga horária justa, instituir
atividades paralelas que promovam “relaxamento” e oferecer ajuda psicológica já será um grande
avanço em relação ao caso. As taxas alarmantes burnout nas faculdades de medicina certamente
diminuiriam e os alunos se sentiriam acolhidos e apoiados de certa forma.
A euforia sentida por Evair Canella, de 25 anos, ao entrar em Medicina na Universidade de São
Paulo (USP) se transformou em angústia e tristeza. Ao encarar a pressão por boas notas, a
extenuante carga horária de aulas, as dificuldades financeiras para se manter no curso e os
comentários preconceituosos por ser gay, ele foi definhando. “Tinha muitas responsabilidades, com
muitas horas de estudo.” Em maio, no 4.º ano do curso, foi internado no Instituto de Psiquiatria da
USP, com depressão grave. Ficou lá durante um mês e segue com antidepressivos e
acompanhamento psicológico.
A reportagem é de Fabiana Cambricoli e Luiz Fernando Toledo, publicada por O Estado de S.
Paulo, 17-09-2017.
Situação parecida viveu a estudante de Engenharia da Universidade Federal de São Carlos
(UFSCar) Bárbara (nome fictício), de 21 anos, que trancou a matrícula após desenvolver um
quadro de ansiedade e depressão que a levou à automutilação e a uma tentativa de suicídio no fim
de 2016. Ela passou por tratamento, mudou de cidade e de faculdade, e retomou em agosto os
estudos.
Relatos como esses se tornaram cada vez mais frequentes e mobilizam universidades e movimentos
estudantis a estruturar grupos de prevenção e combate aos transtornos mentais. As ações, para
oferecer ajuda ou prevenir problemas como depressão e suicídio, incluem a criação de núcleos de
atendimento mental, palestras e até o acompanhamento de páginas dos alunos nas redes sociais.
Dados obtidos pelo Estado por meio da Lei de Acesso à Informação dão uma ideia da gravidade
do problema. Apenas na UFSCar, foram 22 tentativas de suicídio nos últimos cinco anos. Nas
universidades federais de São Paulo (Unifesp) e do ABC (UFABC), cinco estudantes concretizaram
o ato no mesmo período. Mapeamento feito pela UFABC mostrou que 11% de seus alunos que
trancaram a matrícula em 2016 o fizeram por problemas psicológicos.
A falta de compreensão de parte dos docentes é uma das principais queixas. “Alguns parecem ter
orgulho em pressionar, reprovar”, conta Bárbara.
O psicólogo André Luís Masieiro, do Departamento de Atenção à Saúde da UFSCar, diz que a
busca por auxílio psicológico está frequentemente ligada à exigência constante que se faz dos
jovens. “Sem dúvidas há um aumento do fenômeno da depressão em universitários. A ameaça do
desemprego e do fracasso profissional são fatores desencadeantes de depressão.”
A UFSCar informou ainda que, entre outras iniciativas, distribuiu cartilha de práticas de
acolhimento em saúde mental para docentes e funcionários que recebem alunos em situação de
sofrimento psicológico.

Aproximação
Para combater o problema, instituições tentam, aos poucos, se aproximar dos alunos. Na Medicina
da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu, são estratégias a indicação de professor
mentor para quem teve mudança repentina no rendimento acadêmico e a participação de grupos
estudantis nas redes sociais.
Na Federal de Minas Gerais (UFMG), foram criados neste ano dois núcleos de saúde mental, após
dois suicídios entre alunos. Até então, só a Medicina tinha atendimento do tipo. “Se um fato já
aconteceu, é sinal de que falhamos no processo”, diz a vice-reitora Sandra Almeida.
Já a Federal da Bahia (UFBA) criou, também em 2017, programa para prevenir e ajudar alunos,
principalmente os de baixa renda. “Os cotistas sofreram rejeição, até mesmo de alguns professores”,
diz o psicanalista e assessor da UFBA Marcelo Veras.

Mobilização
Alunos também têm criado grupos para auxiliar colegas e sensibilizar as instituições. A principal
iniciativa do tipo foi a Frente Universitária de Saúde Mental, criada em abril por alunos de
instituições públicas e privadas de São Paulo.
O movimento surgiu após tentativas de suicídio na Medicina da USP. “Eram muitos alunos com
esgotamento, sem acompanhamento adequado, e percebemos que isso não era particularidade da
Medicina”, conta a aluna do curso Karen Maria Terra, de 23 anos, integrante da Frente. Eles
organizaram, em junho, uma semana de palestras para abordar questões sobre a saúde mental. A
página do grupo no Facebook tem 27 mil seguidores.
"Eu vejo meus colegas surtando, e a gente fala pouco sobre isso. A criação da Frente nos mostra
que não estamos sozinhos”, comenta Anna Campos Teotonio, aluna de Medicina da Santa Casa.
Alunos da Veterinária da USP também criaram uma página no Facebook para desabafar. “Com o
tempo, começaram a aparecer relatos de problemas de saúde e, este ano, o que mais tem é depressão
e ansiedade”, diz Bianca Cestaro, de 30 anos.

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