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Larissa Tomazoni
Mestra, Uninter
RESUMO
Possui o objetivo de identificar vulnerabilidades sociais sobre a epidemia ZIKAV ocorrida no Brasil
em 2015. Busca perceber os principais focos de vulnerabilidade social e possíveis impactos da
doença nas políticas de promoção da saúde reprodutiva das mulheres. Desenvolve-se por meio de
análise dos relatórios oficiais do Ministério da Saúde do Brasil e dos dados apresentados pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Conclui apontando a situação de pobreza e a
ausência de serviços de infraestrutura básicos adequados para a moradia principal fator que causou
a epidemia brasileira. Descreve como a doença afetou majoritariamente as mulheres nordestinas
pobres. E tece considerações sobre o racismo ambiental e o relatório da Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADIN nº 5.581/2016), notadamente sobre a proteção e defesa dos direitos
reprodutivos, especialmente o direito ao aborto.
PALAVRAS-CHAVE: vulnerabilidade social, ZIKAV; direitos da mulher; racismo ambiental;
aborto.
INTRODUÇÃO
A microcefalia causada pelo Zika vírus tornou-se centro das atenções em 2015,
especialmente a televisiva. Mas jornais, revistas, sites, fóruns na internet, blogs e facebook
enfatizavam essa condição de saúde que afetava constantemente os recém-nascidos de mulheres
grávidas doentes. Aparentemente, o responsável era o ZIKAV, um arbovírus desconhecido no
Brasil até então. No entanto, a cobertura da mídia enfocou uma perspectiva biomédica que
negligenciou outros aspectos relevantes como o processo de transmissão e a parcela que seria
afetada da população. A falta de infraestrutura adequada afeta consideravelmente as mulheres
pobres que não possui acesso à educação sexual e métodos contraceptivos. A vulnerabilidade social
dessas mulheres aliada aos problemas trazidos pela epidemia, fez com que inicia-se um litígio no
STF em 2016, por meio da ADIN n° 5581, que discute a possibilidade de interrupção da gestação
por parte das mulheres afetadas pela epidemia. Deste modo, a investigação tem como objetivo
realizar uma perspectiva socioeconômica sobre o fenômeno. Ampara-se nos relatórios do Ministério
da Saúde mediante análise geográfica. A bibliografia selecionada estuda as disparidades qualitativas
entre as regiões brasileiras. Ao mesmo tempo, apresenta um resumo das consequências biológicas e
médicas, embora reconheça que essa descrição é insuficiente para compreender adequadamente o
vírus e seus impactos.
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que o cérebro não se desenvolve de maneira adequada, para idade e sexo. As microcefalias podem
ser causadas por fatores biológicos, genéticos, ambientais, químicos ou físicos” (BRASIL, 2018b).
Na microcefalia o perímetro cefálico pode ter dois ou mais desvios padrão abaixo da média, e pode
estar presente no nascimento ou se desenvolver nos primeiros anos de vida (DREZETT; GOLLOP,
2018). O Ministério da Saúde estava acompanhando desde o dia 22 de outubro de 2015 a
notificação e investigação de casos de microcefalia em Pernambuco. No primeiro comunicado
foram identificados 26 casos de microcefalia, em diferentes regiões do estado. Até 17 de novembro
de 2015 foram notificados 399 casos provenientes de sete estados da região Nordeste, sendo 67,2%
dos casos em Pernambuco, 11,0% em Sergipe e 9,8% em Rio Grande do Norte (BRASIL, 2018b).
Até 21 de novembro de 2015 foram notificados 739 casos suspeitos de microcefalia, sendo 65,9%
em Pernambuco, 13,0% na Paraíba e 7,3% em Sergipe. (BRASIL, 2018c). A 19 de dezembro de
2015 foi notificado ao Ministério da Saúde 2.782 casos suspeitos de microcefalia relacionados à
infecção pelo vírus. Entre o total de casos foram notificados 40 óbitos suspeitos (BRASIL, 2018d).
Até 26 de dezembro de 2015 o Ministério da Saúde foi notificado sobre 2.975 casos suspeitos de
microcefalia, sendo 38,76% provenientes de Pernambuco, 16% da Paraíba e 9,11% da Bahia. Entre
o total de casos foram notificados 37 óbitos suspeitos (BRASIL, 2018e). Em junho de 2016, foi
descoberto que à medida que as crianças cresciam, embora não tivessem mostrado nenhum sinal de
microcefalia enquanto recém-nascidas, começaram a ter convulsões e dificuldades visuais, auditivas
e motoras (CARVALHO, 2018).
O Boletim Epidemiológico n° 41 de 2017, que apresenta a situação epidemiológica dos
casos e óbitos suspeitos de alterações no crescimento e desenvolvimento possivelmente
relacionados à infecção congênita, registrou 14.916 casos suspeitos até 14 de novembro de 2017.
Do total de casos 3.014 (20,2%) foram confirmados, e 287 (1,9%) foram classificados como
prováveis. A maioria dos casos concentra-se na região Nordeste, os cinco estados com o maior
número de casos notificados são: Pernambuco com 17%, Bahia 16,2%, São Paulo 8,9%, Paraíba
7,5% e Rio de Janeiro 7,4%. No que se refere as notificações de recém-nascidos e crianças em
monitoramento, dos 4.918 casos suspeitos, 533 foram confirmados (BRASIL; 2018f). O Boletim 49
n° 2-2018, apresenta dados de janeiro a dezembro de 2017, em relação às gestantes foram
registrados 2.160 casos prováveis, sendo 949 confirmados (BRASIL, 2018g). “O combate ao Aedes
aegypti é tão necessário quanto complexo, envolvendo a mobilização da população e as
providências das autoridades públicas. Não bastasse, o Aedes aegypti, tem mostrado capacidade
extraordinária de adaptação biológica, o que torna desafiador o seu controle e, principalmente, sua
erradicação” (DREZETT; GOLLOP, 2018. OLIVEIRA, 2018).
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padrão recorrente das políticas de saneamento, na medida em que é frequente que os mesmos
grupos populacionais sofram com falta de acesso a esses serviços, o que tende a aumentar o risco à
saúde dessa população, que são os principais expostos aos mais diversos vetores que utilizam a falta
de saneamento como mecanismo de reprodução (VELETA; SOUZA; CORREIO, 2018). O racismo
ambiental é uma das razões para as desigualdades de acesso ao saneamento básico e está na base do
adoecimento de grupos sociais vulneráveis, e acaba reiterando o ciclo de pobreza e marginalização
da população negra. O adoecimento de mulheres negras grávidas em decorrência da epidemia do
vírus, é um indicativo de continuidade da situação de vulnerabilidade enfrentada por essas
mulheres. “A problematização das doenças em relação aos movimentos populacionais e ao espaço
geográfico, não pode ser separada de dinâmicas que são, na sua gênese, de âmbito político e social”
(NUNES; PIMENTA, 2018).
Outro aspecto fundamental é o gênero, pelo fato de a Zika ter sido enquadrada como um
problema de mulheres, especialmente em idade fértil ou grávidas e por ser uma doença sexualmente
transmissível. A epidemia suscita o debate sobre o controle que as mulheres têm sobre a própria
vida sexual, a liberdade de gerenciar uma gravidez, o direito ao aborto e a opinião/intervenção sobre
as políticas que tem efeito sobre o corpo feminino (NUNES; PIMENTA, 2018). Primordialmente,
dirigido às mulheres, inclusive, as autoridades de saúde recomendam que as mulheres não
engravidem por um período, mas ignoram o papel dos homens na transmissão (LESSER; KITRON,
2018). Aproximadamente 20 milhões de mulheres na América Latina e no Caribe têm necessidades
não satisfeitas de planejamento reprodutivo, mas estão submetidas à legislações penais restritivas
em relação ao aborto. “A intercessão desses fatores resulta em taxas elevadas de abortamento
induzido clandestinamente, com 95% das interrupções da gravidez praticadas em condições de
risco, com consequências que recaem, principalmente, sobre as mulheres pobres” (DREZETT;
GOLLOP, 2018). São essas mesmas mulheres em situação de vulnerabilidade que apresentam
maior risco de infecção com o vírus Zika, em decorrência da precariedade no fornecimento de
serviços de saneamento básico e saúde, do menor acesso à escolaridade formal e educação sexual.
Após a associação do vírus com a microcefalia, configurou-se também a epidemia como um
problema de gênero, que trouxe a tona questões de saúde materna e direitos reprodutivos no Brasil e
na América Latina. “Autoridades públicas têm advogado em prol do gerenciamento de gravidez,
contracepção e até abstinência sexual durante a gravidez – trazendo de volta um discurso ideológico
sobre a liberdade e sexualidade femininas” (NUNES; PIMENTA, 2018; TOMAZONI; BARBOZA,
2018).
A ADI n° 5581 que tramita no STF, foi proposta pela Associação Nacional dos Defensores
Públicos (ANADEP) em 24 de agosto de 2016 e é de relatoria da Ministra Carmen Lúcia. A ADI
está cumulada com a ADPF, na qual se discute a omissão do Estado brasileiro em dispor sobre a
possibilidade de interrupção da gestação por parte das mulheres afetadas pela epidemia. No tópico
sobre a omissão na garantia de acesso a métodos contraceptivos e repelente contra o mosquito vetor,
o argumento é de que o Estado brasileiro foi omisso ao não conceber e executar políticas públicas
focadas no planejamento familiar e saúde reprodutiva das mulheres em risco de infecção pelo Zika
vírus, com a distribuição de métodos contraceptivos e acesso à repelentes contra o mosquito
(BRASIL, 2018j). O direito ao planejamento familiar, que encontra fundamento no artigo 226, §7º
da Constituição, pressupõe o acesso à esses métodos, e no caso da epidemia, “é fundamental uma
política pública de acesso a meios contraceptivos extensiva, a qual foque em especial nas mulheres
em idade reprodutiva e na população em maior vulnerabilidade, com ampla distribuição dos meios
contraceptivos” (BRASIL, 2018j). No Plano Nacional de Enfrentamento à Microcefalia o uso de
repelentes é frequentemente citado como estratégia de prevenção, porém não ocorreu a distribuição
gratuita do produto. “Em tempos de crise de saúde pública provocada pelo vírus, o repelente é
requisito básico de uma gestação saudável, e, portanto deve ser entendido como parte dos “métodos
de concepção” que, segundo o art. 9º da Lei Federal nº. 9.263/1996, compõem o direito ao
planejamento familiar” (BRASIL, 2018j). Em relação a omissão sobre a possibilidade de
interrupção da gravidez nas políticas públicas do Estado brasileiro para a mulher grávida infectada
pelo Zika a ANADEP requer que os artigos 124, 126 e 128, I e II do Código Penal sejam
interpretados conforme a Constituição de 1988. O parecer do Global Health Justice Partnership
(GHJP), que integra a ADI, ressalta a omissão do Brasil em implementar políticas públicas voltadas
à saúde reprodutiva. No contexto das mulheres grávidas contaminadas pelo Zika, a possibilidade de
interrupção lícita da gravidez conta com respaldo na jurisprudência do STF e por interpretação
conforme a Constituição dos artigos 23, I, 24 e 128 I, II do CP.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os dados oficiais compilados do Ministério da Saúde e a pesquisa demonstram que a
questão no Brasil sobre a microcefalia é fator de vulnerabilidades sociais. Fica evidente que trata-se
de uma “doença dos pobres”, o tipo de doença que afeta desproporcionalmente as classes mais
empobrecidas das regiões mais pobres. Também é possível aplicar o conceito de “racismo
ambiental”, já que a população negra está entre as mais empobrecidas do Brasil. Em síntese: a
população negra sofre com as consequências do vírus. Destaca-se, o ZIKAV tende a ser um fator de
dificuldade para as mulheres. Depois de dar à luz, resta para a mulher cuidar de bebês afetados por
microcefalia e assumir uma série de responsabilidade com a criança. Não raro, essas mães não têm
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REFERÊNCIAS
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<http://portalms.saude.gov.br/boletins-epidemiologicos> Acesso em: 06 fev. 2018a.
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<http://www.geografiatotal.com.br/2017/09/IDH-BRASIL.html> Acesso em: 06 fev. 2018i.
______. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 5581. Relatora Min.
Carmen Lúcia. Disponível em:
8
<http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoPeca.asp?id=310227487&tipoApp=.pdf.>
Acesso em: 01 fev. 2018j.
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DREZETT, J.; GOLLOP, T. R. O vírus Zika: uma nova e grave ameaça para a saúde reprodutiva
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SCOTT, R. P.; et al. A Epidemia de Zika e as Articulações das Mães num Campo Tensionado
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