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CARTUNS EM LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA:

CONTRIBUIÇÕES PARA A FORMAÇÃO DE ALUNOS LEITORES

Jéssica Máximo Garcia

Universidade Federal de São Paulo, Guarulhos, Brasil

RESUMO

Considerando que o cenário educacional está cada vez mais aberto para um currículo centrado nas
práticas sociais de linguagem e suas heterogeneidades, várias propostas curriculares, materiais
didáticos e pesquisas acadêmicas têm indicado de diferentes formas a necessidade de o ensino de
língua assumir as múltiplas linguagens como uma questão central, conforme Rojo (2012). Desse
modo, evidenciamos neste artigo, em um primeiro momento, a inserção de textos de divulgação
científica em gêneros discursivos dos quadrinhos, por exemplo, os cartuns, em Livros Didáticos (LD)
de Língua Portuguesa do segundo ciclo do Ensino Fundamental. Em um segundo momento,
observamos como as atividades de compreensão e interpretação propostas, a partir da leitura de
cartuns com abordagem científica do Livro Didático Vontade de Saber Português 8º ano, possibilita
ao aluno refletir criticamente em relação a assuntos de áreas e temas específicos. Segundo Kleiman
(1989), a leitura, além de ser um ato social, é considerada um processo interativo que envolve diversos
níveis de conhecimento, como o linguístico, textual e de mundo para que a compreensão do texto seja
possível. Acreditamos que esta pesquisa seja relevante, uma vez que, de acordo com Ramos (2010),
apesar da antiga desvalorização dos quadrinhos na escola, hoje existe incentivo governamental, por
exemplo, através das orientações oficiais, como o PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais, 1998), a
inserção em vestibulares, ENEM, dentre outros, o que viabiliza a existência de pesquisas nesse
âmbito, evidenciando a relevância dos gêneros quadrinhos no processo de ensino-aprendizagem.
Podemos dizer que, gradativamente, vivenciamos práticas escolares que apostam na
institucionalização das múltiplas linguagens como um dos objetos a ensinar em sala de aula.

PALAVRAS-CHAVE: Cartum; Leitura; Livro Didático.

ABSTRACT

Considering that the teaching environment is more and more open to a circle centered in the social
practices of language and its heterogeneities, several curricular proposals, teaching materials and
academic research have been indicating in different ways the need for language teaching to take on
the multiple languages as a central question, according to Rojo (2012). Therefore, we highlight in this
article, as a first stage, the insertion of texts for scientific dissemination in discourse genres of comics,
for instance, cartoons, in Textbooks of the Portuguese Language in the second cycle of Ensino
Fundamental. As a second stage, we have observed how the proposed comprehension and
interpretation activities, based on the reading of cartoons with scientific approaches, of the Textbook
Vontade de Saber Português of the 8th year, enable the student to reflect critically in relation to
subjects of specific areas and themes. According to Kleiman (1989), reading, besides being a social
act, is considered an interactive process which involves several levels of knowledge, such as the
linguistc, textual and world ones, so that comprehension of the text is possible. We believe this
research to be relevant, since, according to Ramos (2010), despite the old depreciation of comics at
school, nowadays there is governmental incentive, for example, through official orientation, such as
the PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais, 1998), its insertion in vestibulares, ENEM, among
others, which makes the existence of research in this scope possible, highlighting the relevance of
comics genres in the teaching-learning process. We can say that, gradually, we experience schooling
practices which invest in the institutionalization of the multiple languages as one of the objectives of
teaching in a classroom.

KEYWORDS: Cartoon; Reading; Textbook.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Se considerarmos que “todos os diversos campos da atividade humana estão ligados


ao uso da linguagem” (Bakhtin, [1953]2003, p 261), as práticas de fala, escrita e leitura
estabelecem relações sociais através dos gêneros do dicurso.
Bakhtin ([1953] 2003) evidencia que o procedimento de apropriação dos gêneros
acontece como a aquisição da língua materna, isto é, aprendemos e utilizamos sem notar,
apreendemos os gêneros pela interação com as pessoas. Podemos dizer que a comunicação
verbal de fato só existe através dos gêneros do discurso.
Segundo os PCN de língua portuguesa, do segundo ciclo do ensino fundamental, cabe
a escola se comprometer com o exercício da cidadania e proporcionar aos alunos o
desenvolvimento de capacidades discursivas:

Um dos aspectos da competência discursiva é o sujeito ser capaz de utilizar


a língua de modo variado, para produzir diferentes efeitos de sentido e
adequar o texto a diferentes situações de interlocução oral e escrita. É o que
aqui se chama de competência lingüística7 e estilística8 . Isso, por um lado,
coloca em evidência as virtualidades das línguas humanas: o fato de que são
instrumentos flexíveis que permitem referir o mundo de diferentes formas
e perspectivas; por outro lado, adverte contra uma concepção de língua
como sistema homogêneo, dominado ativa e passivamente por toda a
comunidade que o utiliza. Sobre o desenvolvimento da competência
discursiva, deve a escola organizar as atividades curriculares relativas ao
ensino-aprendizagem da língua e da linguagem. (BRASIL, 1998, p. 23)

Sendo assim, não é possível utilizar frases fora de contextos, que muitas vezes tem a
finalidade para o ensino gramatical e pouco faz relação com o desenvolvimento discursivo,
tornando-se necessário o trabalho com os diversos gêneros que circulam em sociedade, sem
levar em conta apenas a relevância social, mas também considerar que os diferentes gêneros
são organizados de diferentes formas, capazes, consequentemente, de desenvolverem
diferentes competências nos alunos.
Portanto, o uso dos gêneros discursivos no processo de ensino-aprendizagem
possibilita ao autor do livro didático e/ou ao professor a elaboração de atividades que
circundam os diferentes eixos de ensino: leitura, escrita, oralidade, análise linguística.
O trabalho com os gêneros discursivos exerce papel primordial no cotidiano escolar
dos alunos, pelo fato de reforçar aos estudantes práticas sociais de linguagem que circulam
em sociedade.
Se pensarmos também nos avanços tecnológicos, midiáticos e sociais que estamos
vivenciando, existe uma diversidade de linguagem que exige também novas práticas de
leitura, contemplando além da linguagem escrita, recursos como cores, imagens, sons, gestos,
dentre outros, colaborando para a organização do texto.
Assim sendo, fundamenta-se a necessidade de o ensino de língua assumir as múltiplas
linguagens como uma questão central, pois:

Se houve e se há essa mudança, as tecnologias e os textos contemporâneos,


deve haver também uma mudança na maneira como a escola aborda os
letramentos requeridos por essas mudanças. (ROJO, 2012, p. 99)

É função da escola se preparar e preparar os alunos para as demandas presentes e


futuras da sociedade, proporcionando o uso de diferentes mecanismos de linguagens, através
dos diversos gêneros do discurso.

1. LIVRO DIDÁTICO E LEITURA

Os livros didáticos tornam-se relevantes no processo de ensino-aprendizagem no


Brasil a partir da década de 70 e 80. No entanto, junto surgiram as inquietações sobre a
didática e os conteúdos que eram abordados.
A partir da década de 90 foram criados programas educacionais e documentos oficiais,
como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e o Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD), que buscavam orientar e organizar mudanças pertinentes para a educação básica.
Segundo Rojo (2005), os principais objetivos do PNLD são
a aquisição e a distribuição, universal e gratuita, de livros didáticos para os
alunos das escolas públicas do Ensino Fundamental brasileiro. Realiza-se
por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE),
autarquia federal vinculada ao MEC e responsável pela captação de
recursos para o financiamento de programas voltados para o Ensino
Fundamental. (ROJO, 2005, p. 6)

Os PCN, publicados em 1998 já apresentavam o uso dos gêneros discursivos em sala


de aula, pois se trata de uma demanda indispensável para o trabalho escolar com jovens que
vivem em uma sociedade cada vez influenciada por mídias e culturas híbridas.
No que concerne o ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa no 3º e 4º ciclos do
Ensino Fundamental (EF), segundo o PNLD 2014 “o EF deve garantir a seus egressos um
domínio da escrita e da oralidade suficiente para as demandas básicas do mundo do trabalho
e do pleno exercício da cidadania.” (BRASIL, 2013, p.15). Portanto, segundo as prescrições
do próprio PNLD-2014, compete à escola sustentar as exigências presentes e futuras da
sociedade.

A importância e o valor dos usos da linguagem são determinados


historicamente segundo as demandas sociais de cada momento.
Atualmente, exigem-se níveis de leitura e de escrita diferentes dos que
satisfizeram as demandas sociais até há bem pouco tempo e tudo indica que
essa exigência tende a ser crescente. A necessidade de atender a essa
demanda, obriga à revisão substantiva dos métodos de ensino e à
constituição de práticas que possibilitem ao aluno ampliar sua competência
discursiva na interlocução. (BRASIL, 1998, p. 23)

No que diz respeito a leitura, por exemplo, é preciso abordar a heterogeneidade dos
gêneros discursivos, evitando uso de roteiros únicos para abordagens de diferentes textos:
uma notícia; uma reportagem; um texto de divulgação científica; um poema; um conto etc.
Essa heterogeneidade se estende, além do texto em si, para as práticas sociais de cada gênero.
Os PCN (1998) afirmam que:

O tratamento didático, portanto, precisa orientar-se de maneira heterogênea:


a leitura de um artigo de divulgação científica, pressupõe, para muitos
leitores, em função de sua finalidade, a realização de anotações à margem,
a elaboração de esquemas e de sínteses, práticas ausentes, de modo geral,
na leitura de uma notícia ou de um conto. (BRASIL, 1998, p. 26)
Segundo os PCN (1998), a leitura também ocorre de formas diferentes em ciclos
diferentes, mesmo que de um mesmo texto, por exemplo uma charge política, exige um
conhecimento de mundo e percepção política que, talvez, uma criança de 11 anos não possua,
enquanto pode ser lida de uma forma com um aluno de 14 anos e forma diferente com um
aluno de 17 anos, conforme o grau de aprofundamento dado, tanto pelo Livro Didático,
quanto pelo professor.
Para Kleiman (2001), ensinar a ler é:

Ensinar ao aluno a se auto avaliar constantemente durante o processo para


detectar quando perdeu o fio; é ensinar a utilização de múltiplas fontes de
conhecimento – linguísticas, discursivas, enciclopédicas – para resolver
falhas momentâneas no processo; é ensinar antes de tudo, que o texto é
significativo [...]. Isso implica ensinar não apenas um conjunto de
estratégias, mas criar uma atitude que faz da leitura a procura da coerência.
(KLEIMAN, 2001, p. 152)

Levando em conta essas considerações, acreditamos que propor atividades de leitura


significativas e, mais do que isso, reconhecer a leitura como um ato social, e não apenas como
mera atividade reducionista para fins gramaticais, desenvolve competências e habilidades,
que proporcionam ao aluno o desenvolvimento de um sujeito leitor crítico-reflexivo,
preparado para agir com autonomia conforme as exigências em sociedade.

2. BREVE PANORAMA DOS QUADRINHOS

Os quadrinhos no Brasil receberam influências de diversos lugares do mundo.


Segundo Vergueiro (2017a), “No século XIX o humor gráfico foi significativamente cultuado
em diversos jornais brasileiros, com grandes artistas se destacando no campo da charge e da
caricatura” (VERGUEIRO, 2017a, p.15)
O autor afirma que as criações eram voltadas, principalmente, para críticas políticas
ou de costumes, ou seja, até o momento possuíam pouca relação com o que conhecemos hoje
por história em quadrinhos. No entanto, o Brasil também recebeu influências de revistas
humorísticas infantis europeias e revistas em quadrinhos norte-americanas.
Vergueiro (2017a) evidencia que já no início do século XX, surgiu a primeira revista
de história em quadrinhos, criada pelo italiano Angelo Agostini, intitulada O tico-tico:
A revista foi publicada de 1905 a 1962, permanecendo, durante décadas,
como o título de periódico de mais larga duração no País (em 2008, foi
suplantada pela revista O Pato Donald, da Editora Abril, de São Paulo, que
iniciou sua publicação em 1950 e ainda continua a editá-la).
(VERGUEIRO, 2017a, p. 27)

O autor também destaca que O tico-tico não foi a única revista com quadrinhos a ser
criada no começo do século XX no Brasil. Assim, nas décadas de 40 a 60 surgiram as
primeiras editoras de quadrinhos no país.
Na década de 60 também houve o ingresso das histórias em quadrinhos nas
universidades, segundo Vergueiro (2017b), quando também surgiram as primeiras pesquisas
formais sobre o tema.
Em relação às escolas básicas, houve um período de resistência do uso de história em
quadrinhos em sala de aula, segundo Carvalho (2006):

Aqui no Brasil, já em 1928, surgiram as primeiras críticas formais contra as


historinhas: a Associação Brasileira de Educadores (ABE) fez um protesto
contra os quadrinhos, porque eles “incutiam hábitos estrangeiros nas
crianças”. Na dé- cada seguinte, em 1939, diversos bispos reunidos na
cidade de São Carlos (SP) deram continuidade à xenofobia, propondo até
mesmo a censura aos quadrinhos, porque eles traziam “temas estrangeiros
prejudiciais às crianças. (CARVALHO, 2006, p. 32)

Apesar de os quadrinhos serem inseridos na educação básica décadas antes disso,


somente em 1996 com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB), que deu início ao processo de aceitação das HQs em sala de aula, pois a LDB “[…]
já apontava para a necessidade de inserção de outras linguagens e manifestações artísticas
nos ensinos fundamental e básico” (VERGUEIRO; RAMOS, 2009, p. 10).
De acordo com Ramos (2010), também existe incentivo governamental através das
orientações oficiais, como o PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais, 1998), a inserção dos
gêneros dos quadrinhos em vestibulares, ENEM, dentre outros. No entanto, mesmo com os
esforços e incentivos através dos PCN, do PNLD, dos autores de livros didáticos, professores,
etc, o uso dos gêneros dos quadrinhos em sala de aula exige atenção, planejamento e reflexão
para que as atividades tenham um resultado concreto e significativo no processo de ensino-
aprendizagem.
3. CARTUNS: HIPERGÊNERO OU GÊNERO DE DISCURSO?

Nas palavras de Maingueneau (2002) “os gêneros de discurso pertencem a diversos


tipos de discurso associados a vastos setores de atividade social. ” (p. 67). Assim, o autor
exemplifica que o Talk-Show constitui um gênero de discurso na esfera discursiva televisiva,
por exemplo.
Maingueneau (2006) distinguiu os gêneros entre conversacionais e instituídos. Os
conversacionais são instáveis e dependem da relação entre os interlocutores. Os instituídos
podem ser de duas ordens: os rotineiros e ou autorais. O autor reconhece os rotineiros como
aquelas que apresentam situações comunicativas relativamente constantes, ele exemplifica
como um debate televisivo ou uma entrevista radiofônica.
Os gêneros autorais ocorrem com a indicação do autor ou editor. Ramos (2011)
exemplifica que “se dissermos que um texto de cinco páginas é um ensaio, ele tende a ser
visto assim pelo leitor. Mas o mesmo texto pode ser rotulado de artigo ou resenha. O leitor é
influenciado pela forma que o texto é rotulado.” (RAMOS, 2011, p. 5)
Posteriormente, Maingueneau (2010) traz o conceito de Hipergênero:

Trata-se de categorizações como “diálogo”, “carta”, “ensaio”, diário” etc.


que permitem “formatar” o texto. Não se trata, diferentemente do gênero do
discurso, de um dispositivo de comunicação historicamente definido, mas
um modo de organização com fracas coerções que encontramos nos mais
diversos lugares e épocas e no âmbito do qual podem desenvolver-se as
mais variadas encenações da fala. (MAINGUENAU, 2006, p. 244)

O linguista afirma, por exemplo, que um blog não é um gênero, mas sim um
hipergênero, caracterizado pela ausência de coerções sócio-históricas, que reúnem uma
diversidade de textos, ou seja, o blog enquanto hipergênero traz uma variedade de gêneros
em seu interior.
Portanto, podemos considerar nessa pesquisa os Quadrinhos como hipergênero que
abrigam os gêneros tiras cômicas, cartuns, charges e os vários modos da produção de histórias
em quadrinhos.
4. A DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA EM GÊNEROS DOS QUADRINHOS

A divulgação científica é tão abrangente que, além dos textos e artigos em revistas,
ela também está presente em programas de televisão, páginas da web, jogos, quadrinhos, etc.
Desse modo, entendemos por divulgação científica

A transmissão do que é produzido pela ciência em qualquer meio ou


suporte. Adotamos a compreensão de que falar sobre ciência para uma
público leigo, melhor dizendo, não só transpor a linguagem especializada
para a comum, mas, de alguma maneira, transpor um universo cultural a
outro, é fazer divulgação científica. (ORRICO, 2012, p. 120)

A presença da ciência no nosso dia a dia é inegável, por isso, a importância de abordá-
la através de diversas formas e instâncias. Quando existe a possibilidade de associar algo do
nosso cotidiano, presente nas nossas vivências com uma teoria científica, compreendemos
com mais naturalidade o significado.

A influência social da ciência propagou-se às maneiras de pensar, às


disposições cognitivas e as orientações da ação. O mundo contemporâneo,
globalizado, fala a linguagem da ciência em aspectos diversos, que vão
desde o manipular de um simples eletrodoméstico, passando pelos
múltiplos recursos proporcionados pela informática, até demais questões
importantes como saúde, qualidade de vida, preservação do meio ambiente
etc. (PORTO, 2011, p. 104).

Dessa forma, tornar a ciência em uma linguagem simples e, consequentemente, mais


próxima da sociedade em geral, é torna-la mais acessível a todas pessoas. É o que acontece
quando histórias em quadrinhos tratam temas científicos ou de conscientização, por exemplo,
cartazes em posto de saúde com explicação de prevenção e cuidados sobre alguma doença,
através de uma história em quadrinhos.
Vergueiro (2004), observa que a temática científica nas histórias em quadrinhos
aconteceu, eventualmente, devido ao surgimento, no final da década de 1920, das histórias
de ficção científica, bem como das histórias de super-heróis.
No entanto, o autor ressalta que não devemos reduzir a temática científica nas HQs
apenas em histórias de super-heróis, um exemplo disso é o que trazemos no presente artigo,
com um cartum que aborda um problema ambiental, consequentemente, uma temática
científica, e que discutiremos mais adiante.

5. O CARTUM NO LIVRO DIDÁTICO

Tendo como principal contribuição oferecer aos professores um panorama geral das
coleções aprovadas no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD-2011 e PNLD-2014), o
Guia procura destacar os pontos fortes e os pontos fracos dos livros didáticos selecionados,
tendo em vista, principalmente, os eixos de ensino (oralidade, leitura, produção de textos e
análise linguística) e os gêneros do discurso.
A partir de 1998, as coleções passaram a ser utilizadas, durante três anos nas escolas,
havendo apenas um atendimento universal a cada intervalo de vida útil dos livros. Dessa
maneira, os livros são encaminhados pelas escolas e durante os três anos devem ser
conservados e reutilizados pelos alunos.
Dessa maneira, tendo como base o Guia do Livro Didático de 2014, e as informações
relativas aos gêneros dos quadrinhos, selecionamos seis coleções de língua portuguesa do
ensino fundamental II. Como critério de seleção das coleções, optamos pelas de 1ª edição,
apresentadas no PNLD-2014, ou seja, aquelas que apareciam pela primeira vez no Programa,
a fim de registrarmos quais coleções e quais livros, dentro desse recorte, apresentam o cartum
como objeto de ensino-aprendizagem, são elas:

Livro Didático Série/ano Autores Editora


Português uma 8º ano Regina Figueiredo Horta; Lígia Menna; Graça Editora Leya
língua brasileira Proença (2012)
Projeto Teláris 7º ano; 8º ano Vera Lúcia de Carvalho Marchezi; Terezinha Costa H. Editora Ática
Português e 9º ano Bertin; Ana Maria Trinconi Borgatto (2012)
Singular & Plural 8º ano e 9º Laura de Figueiredo; Marisa Balthasar; Shirley Editora Moderna
ano Goulart (2012)
Vontade de saber 7º ano e 8º Tatiane Brugnerotto; Rosemeire Alves Editora FTD
português ano (2012)
Quadro 1: Corpus de seis coleções de língua portuguesa do PNLD-2014
Fonte: Autora deste artigo
Dessas seis coleções, encontramos 19 cartuns distribuídos entre o 7º e o 9º ano, como
mostra a tabela acima, nenhuma coleção apresenta o cartum no 6º ano. A análise, que
apresentamos no tópico seguinte, é referente a coleção Vontade de saber português 8º ano.
O volume foi selecionado, por trazer um cartum que apresenta uma abordagem científica de
um problema ambiental presente na história da sociedade.

5.1 VONTADE DE SABER PORTUGUÊS 8º ANO

A coleção Vontade de saber português, das autoras Tatiane Brugnerotto; Rosemeire


Alves (2012), é destinada aos alunos do 6º ao 9º ano do ensino fundamental. Essa coletânea
apresenta-se pela primeira vez no PNLD de 2014, foi a 3ª coleção mais distribuída, com
1.887.984 exemplares, conforme dados estatísticos do FNDE 1.
Os livros possuem divisão por unidades e capítulos e o cartum a ser analisado
encontra-se no volume de 8º a]no, no capítulo 1 Humor: da reflexão à crítica, dentro da
unidade 6 A alegria do fazer rir.
O cartum é apresentado na seção leitura, como o segundo texto para leitura do
capítulo, sendo o primeiro uma crônica intitulada Um idoso na fila do Detran, do autor Zuenir
Ventura.
Conforme a imagem a seguir, antes da leitura do cartum, o livro didático destaca que
o humor pode despertar a reflexão sobre diversos problemas da sociedade e os alunos devem
refletir qual problema o cartum trata.

1
Os dados estatísticos das coleções podem ser acessados através do portal http://www.fnde.gov.br
Figura 1 – Cartum 1 - Vontade de saber português 8º ano
Fonte: TAVARES, Rosemeire; BRUGNEROTTO, Tatiane. Vontade de saber português 8º ano. 1ª
ed. São Paulo: FTD, 2012, p.219.

Após a leitura, os alunos são apresentados a uma breve biografia do cartunista Biratan,
onde nasceu, qual a formação e algumas obras publicadas. Em seguida são apresentadas
algumas questões para serem respondidas oralmente, numa seção intitulada “Estudo do
texto”, seguida de uma seção “Escrevendo sobre o texto”, cujo objetivo é anotar as respostas
de novas perguntas no caderno.
Na seção que os alunos precisam responder oralmente, as questões propõem que os
alunos reflitam sobre o que chama a atenção no cartum e se o cartunista faz referência a fatos
reais ou imaginários.
Na seção que os alunos precisam responder no caderno, as questões giram em torno,
principalmente, da estrutura do gênero e do conteúdo temático abordado no cartum, como:
qual a crítica do cartum; o que se espera do leitor a partir dessa denúncia; qual lugar os fatos
ocorreram; a formação do cartum por uma sequência de quadros que apresentam uma
situação; quais as consequências dessa situação; quais outras consequências o problema
poderia gerar; haveria sentido caso a sequência de quadros fosse invertida; humor como
recurso importante utilizado no cartum; quais elementos sugerem o humor e qual a situação
irônica do último quadro.
A partir dessas questões, podemos dizer que, a leitura desse cartum, especificamente,
cumpre uma função social na prática escolar, pois as características do gênero ou tipo em
estudo são explicitadas, incentivando a percepção dos alunos sobre os recursos escolhidos
para a elaboração desse gênero.
Dessa forma, a atividade não se reduz a aspectos meramente gramaticais, de forma a
não limitar a leitura dos textos e a realização das atividades como fim avaliativo,
principalmente porque fazem o aluno refletir para além da estruturação do gênero, com uma
realidade ambiental que possuímos em nosso país.
O livro apresenta a seção Interação entre os textos, que se destina em apresentar um
texto que faça diálogo com o anterior:

Figura 2 – Cartum 2 Vontade de saber português 8º ano


Fonte: TAVARES, Rosemeire; BRUGNEROTTO, Tatiane. Vontade de saber português 8º ano. 1ª
ed. São Paulo: FTD, 2012, p.221.

Segundo o PNLD-2014, essa seção Interação entre os textos:

Visa a explorar a relação entre as leituras já feitas e outras atinentes aos


temas tratados. Nesta seção estimula-se a leitura da obra da qual o texto faz
parte, ou de outras obras a ele relacionadas. Observa-se ainda, na coletânea,
que os textos exploram diferentes universos de uso social da leitura e põem
em relevo temas e questões urbanas e regionais. (BRASIL, 2013, p. 118)

Assim sendo, o segundo cartum faz diálogo com o primeiro, pois também faz uma
crítica sobre a poluição do mar. A atividade propõe que o aluno identifique os elementos em
comum e a diferença de poluição entre eles. Além disso, a última questão observa que o
cartum faz uma relação com o filme Titanic e solicita-se que o aluno relacione essa tragédia
com a crítica transmitida no cartum.
Segundo Kleiman (2002) quando o aluno faz diferentes leituras, ele desenvolve a
“capacidade de avaliar criticamente o uso da linguagem, e mediante essa análise, atribuir
intencionalidade ao autor” (KLEIMAN, 2002, p. 100).
Portanto, quando o Livro Didático propõe uma leitura e faz uma relação de interação
entre um e outro texto, entre um e outro gênero discursivo, incentiva a reflexão mais profunda
sobre o mesmo tema, ou o desencadeamento de um tema novo a partir da discussão realizada
inicialmente na primeira leitura.
Segundo Ferrarezi e Carvalho (2017):

O trabalho com a leitura na escola deve abranger desde atividades como a


localização de informações explícitas em um texto, passando pela
identificação do tema, até atividades inferenciais globais ou de sentido de
palavras e expressões no contexto em que estão. (FERRAREZI &
CARVALHO, 2017, p. 101)

Os autores afirmam que a compreensão do texto começa desde a reprodução da


informação lida, como acontece na atividade que apresentamos com o cartum, pois percorre
a identificação do tema, até a capacidade de fazer reflexões, críticas e conclusões que não
estão presentes na superfície textual, mas que são possíveis de se estabelecer a partir das
relações feitas durante a leitura, somadas com o conhecimento do leitor.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho com a leitura pode oferecer ao aluno experiências significativas de acesso


a diferentes gêneros do discurso, como os cartuns, promovendo o desenvolvimento de
habilidades de leitura autônoma. Desse modo, as capacidades discursivas, assim como a
formação de leitores críticos, são desenvolvidas em maior ou menor grau conforme se dá o
tratamento do objeto de ensino.
Nesse sentido, as revistas em quadrinhos, como fonte de disseminação científica,
possuem potencial para apresentar e familiarizar o público com termos e inovações científicas
que seriam inacessíveis se divulgadas apenas por meios especializados.
A leitura do cartum, apresentado na análise, cuja temática gira em torno da poluição
do mar, incentiva a reflexão sobre esse problema ambiental sem a necessidade da leitura de
algum artigo científico sobre o tema, os alunos são capazes de desenvolver o pensamento
crítico a partir da proposta apresentada.

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VERGUEIRO, Waldomiro. Ciência e histórias em quadrinhos: uma relação sem limites. Publicado
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VERGUEIRO, Waldomiro; RAMOS, Paulo (Org.). Quadrinhos na educação: da rejeição à


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