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Capı́tulo 1

Equações diferenciais ordinárias

1.1 Equação diferencial ordinária de ordem n


Seja D ⊂ Rn+1 um domı́nio, ou seja, um conjunto não vazio, aberto e conecto do Rn+1 . Seja h uma
função real definida e contı́nua no domı́nio D do espaço real (t, y1 , . . . , yn ) ∈ Rn+1 . Assim,
 
y (n) = h t, y, y (1) , . . . , y (n−1) (1.1)

é uma equação diferencial ordinária de ordem n.

Definição 1.1.1. Uma função contı́nua f : D → R é denotada por f ∈ C(D, R). A função f : D → R
será continuamente diferenciável ou de classe C 1 (D, R), se f for diferenciável e, além disso, a sua
derivada for contı́nua. Se, para algum k ∈ N, a função f for k vezes diferenciável e, além disso, f (k)
for uma função contı́nua, diz-se que f é de classe C k .

Seja J = (a, b) um intervalo de tempo t. Então, a solução de (1.1) é uma função φ ∈ C n (J, R),
que satisfaz:

(t, φ(t), φ(1) (t), . . . , φ(n−1) (t)) ∈ D


 
φ(n) = h t, φ(t), φ(1) (t), . . . , φ(n−1) (t) , ∀t ∈ J

Assim, para um dado (t0 , x10 , . . . , xn0 ) ∈ D, o problema de valor inicial para (1.1) é
 
y (n) = h t, y, y (1) , . . . , y (n−1)
(1.2)
y(t0 ) = x10 , y (1) (t0 ) = x20 , ... y (n−1) (t0 ) = xn0

A função φ(t) será uma solução de (1.2) se φ(t) for uma solução de (1.1), em algum intervalo de tempo
contendo t0 , e se φ(t0 ) = x10 , . . . , φ(n−1) (t0 ) = xn0 .

1.2 Representação no espaço de estado


Uma equação diferencial ordinária de ordem n pode ser reduzida a um sistema de equações diferenciais
de primeira ordem. Para verificar esse fato, basta substituir em (1.2) a seguinte mudança de variável:

y = x1 , y (1) = x2 , ..., y (n−1) = xn

3
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que fornece

ẋ1 = x2
ẋ2 = x3
.. (1.3)
.
ẋn = h(t, x1 , . . . , xn )

O sistema de equação (1.3) pode equivalentemente ser escrito na forma vetorial

ẋ = f (t, x)

sendo x = (x1 , x2 , . . . , xn )T e a função f (t, x) obtida diretamente da expressão (1.3).


Assuma que φ = (φ1 , . . . , φn )T é uma solução de (1.3) em algum intervalo de tempo J. Dessa
forma, tem-se
(n−1)
φ2 = φ̇1 , φ3 = φ̇2 , ..., φn = φ1

e  
(n) (1) (n−1)
φ1 = h (t, φ1 (t), . . . , φn (t)) = h t, φ1 (t), φ1 (t), . . . , φ1 (t)

Portanto, conclui-se que a primeira componente φ1 , do vetor φ, é uma solução de (1.1) no intervalo
de tempo J. Conversamente, sendo φ1 uma solução de (1.1) em J, então o vetor
 T
φ, φ(1) , . . . , φ(n−1)

é claramente uma solução de (1.3). No mais, se a seguinte condição for satisfeita:


(n−1)
φ(t0 ) = x10 , ..., φ1 (t0 ) = xn0 ,

então o vetor φ satisfará


φ(t0 ) = x0 = (x10 , . . . , xn0 )T

Teorema 1.2.1 (Existência e unicidade de solução local). Seja f (t, x) uma função contı́nua por partes
em t, que satisfaz a condição de Lipschitz

kf (t, x) − f (t, y)k ≤ Lkx − yk

para qualquer x, y ∈ Br = {x ∈ Rn | kx − x0 k ≤ r}, para todo t ∈ [t0 , t1 ]. Então, existe uma constante
δ > 0 tal que a equação de estado

ẋ = f (t, x), x(t0 ) = x0

tem uma solução única no perı́odo [t0 , t0 + δ].

Note que o teorema acima não garante que a solução existirá para todo instante de tempo t ≥ t0 ,
como exemplificado abaixo.

Exemplo 1.2.1. Considere o sistema

ẋ = x2 , x(0) = x0 > 0
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Note que f (x) = x2 é uma função localmente Lipschitz em x. Sua solução pode ser determinada
integrando-se o sistema como segue
Z x Z t
dx
2
= dt
x0 x 0

fornecendo
x0 1
x(t) = , 0 ≤ t < tf =
1 − x0 t x0
Perceba que essa solução só existe para t < 1/x0 , como apresentado no gráfico abaixo para a condição
inicial x0 = 1.

10
x(t) = 1/(1 − t)

1 t
0 1

Teorema 1.2.2 (Existência e unicidade de solução global). Suponha que f (t, x) seja uma função
contı́nua por partes em t e que satisfaça

kf (t, x) − f (t, y)k ≤ Lkx − yk


kf (t, x0 )k ≤ h

para qualquer x, y ∈ Rn e para todo t ∈ [t0 , t1 ]. Então, a equação de estado

ẋ = f (t, x), x(t0 ) = x0

tem uma solução única no perı́odo [t0 , t1 ].

Exemplo 1.2.2. Considere o sistema linear

.
ẋ = A(t)x + g(t) = f (t, x)

em que A(t) ∈ Rn×n e g(t) ∈ Rn são funções contı́nuas por parte e que, para qualquer intervalo finito
[t0 , t1 ], os elementos de A(t) e g(t) são limitados. Dessa forma,

kA(t)k ≤ α e kg(t)k ≤ β

Portanto, as condições do Teorema 1.2.2 estão satisfeitas, já que

kf (t, x) − f (t, y)k = kA(t)(x − y)k ≤ kA(t)kkx − yk ≤ αkx − yk, ∀x, y ∈ Rn , ∀t ∈ [t0 , t1 ]

e
kf (t, x0 )k = kA(t)x0 + g(t)k ≤ αkx0 k + β ≤ h, para cada x0 finito e todo t ∈ [t0 , t1 ]

Assim, o sistema linear possui uma solução única no intervalo [t0 , t1 ]. Como t1 pode ser escolhido ar-
bitrariamente grande, pode-se concluir que se A(t) e g(t) forem funções contı́nuas por parte e limitadas
para todo t ≥ t0 , então o sistema terá uma solução única para todo t ≥ t0 .
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1.3 Equação linear homogênea


Considere a equação linear homogênea

ẋ(t) = A(t)x(t) (1.4)

em que A(t) ∈ Rn×n é uma função contı́nua de t, cujos elementos são limitados.

Teorema 1.3.1. Dada uma condição inicial x0 = x(t0 ) ∈ Rn de (1.4), existe uma solução única
φ(t) := φ(t, t0 , x0 ) ∈ Rn tal que

φ̇(t) = A(t)φ(t), φ(t0 ) = x0

Teorema 1.3.2. O conjunto de todas as soluções de (1.4) forma um espaço vetorial n-dimensional
sobre o campo dos complexos (reais).

Prova. Se φ1 e φ2 forem duas soluções de (1.4) e c1 e c2 forem dois números complexos (reais), então
c1 φ1 + c2 φ2 também será uma solução de (1.4), formando assim um espaço vetorial. Falta apenas
provar que o espaço vetorial tem dimensão n.

Exercı́cio 1.3.1. Prove que o espaço vetorial tem dimensão n.

Suponha que os n vetores φ1 (t), . . . , φn (t), com φi (t) ∈ Rn , sejam n soluções linearmente indepen-
dentes de (1.4). Portanto, cada solução φ(t) ∈ Rn de (1.4) poderá ser unicamente expressa como

φ(t) = c1 φ1 (t) + c2 φ2 (t) + · · · + cn φn (t) (1.5)

Definição 1.3.1. Se as soluções φ1 , . . . , φn formam um conjunto de soluções linearmente indepen-


dentes de (1.4), então elas formam uma base ou um conjunto fundamental de soluções de (1.4).

1.3.1 Matriz fundamental


Definição 1.3.2. Se Ψ(t) é uma matriz cujas n colunas são soluções linearmente independentes de
(1.4), então Ψ(t) é denominada de matriz fundamental (matriz integral) de (1.4).

Exemplo 1.3.1. Considere o sistema  


0 0
ẋ =  x
t 0
Sua solução é dada por

x1 (t) = x1 (t0 )
x2 (t) = 0.5t2 x1 (t0 ) − 0.5t20 x1 (t0 ) + x2 (t0 )

Observe que as seguintes soluções linearmente independentes, Ψ1 e Ψ2 , dadas por


 
0
Ψ1 =  
1

obtida com a condição inicial

t0 = 0, x1 (t0 ) = 0, x2 (t0 ) = 1
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e  
2
Ψ2 =  
t2

obtida com a condição inicial

t0 = 0, x1 (t0 ) = 2, x2 (t0 ) = 0,

fornecem a matriz fundamental  


0 2
Ψ(t) =   (1.6)
1 t2

Definição 1.3.3. Define-se como equação diferencial matricial associada ao sistema (1.4) o problema
de se determinar uma matriz X(t) de dimensão n × n, cujas colunas sejam soluções de (1.4). Esse
problema é denotado por
Ẋ(t) = A(t)X(t) (1.7)

Teorema 1.3.3. Um condição necessária e suficiente para que a solução matricial X(t) de (1.7) seja
uma matriz fundamental é que det X(t) 6= 0, para todo t.

Corolário 1.3.1. Toda matriz fundamental Ψ(t) é não singular para todo t.

Exemplo 1.3.2. O determinante da solução Ψ(t), obtida em (1.6), é dado por det Ψ(t) = −2. Por-
tanto, essa solução matricial é de fato uma matriz fundamental.

Teorema 1.3.4 (Abel-Jacobi-Liouville). Se A(t) ∈ Rn×n for uma função matricial contı́nua de t e a
matriz Ψ(t) ∈ Rn×n satisfizer
Ψ̇(t) = A(t)Ψ(t)

então
d
det Ψ = tr (A) det(Ψ)
dt
ou, na forma integral
Z t
det Ψ(t) = det Ψ(τ ) exp tr (A(τ )) dτ
τ
P
para qualquer τ e t. Nas fórmulas acima, tr (A) denota o traço da matriz A, dado por tr (A) = i Aii .

Teorema 1.3.5. Se Ψ(t) for uma matriz fundamental de (1.4) e C uma matriz (complexa) não
singular, então Ψ(t)C será uma matriz fundamental de (1.4).

Corolário 1.3.2. Toda matriz fundamental de (1.4) tem a forma Ψ(t)C para alguma matriz C não
singular. Assim, duas matrizes fundamentais X(t) e Y (t) estão relacionadas por Y (t) = X(t)C.

Note que a matriz fundamental Ψ(t) ∈ Rn×n , dada por


h i
Ψ(t) = φ1 · · · φn ,

claramente satisfaz
Ψ̇(t) = A(t)Ψ(t)
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Assim, de acordo com (1.5), tem-se


 
c1
 
 c2 
φ(t) = Ψ(t)c, em que c=.
 
 .. 
 
cn

Usando a condição inicial x(t0 ) = x0 , tem-se

φ(t0 ) = Ψ(t0 )c = x0 ⇒ c = Ψ−1 (t0 )x0

Portanto, a solução x(t) de (1.4) é dada por

x(t) = Ψ(t)Ψ−1 (t0 )x0

A partir do Teorema 1.3.2, é evidente que o conhecimento completo do conjunto de soluções de


(1.4) pode ser obtido se for conhecida uma matriz fundamental de (1.4), que nada mais é do que uma
solução particular de (1.7).

Exercı́cio 1.3.2. Usando o Teorema 1.3.4, mostre que se det Ψ(t) 6= 0 para algum t, então det Ψ(t) 6=
0 para todo t.

Exercı́cio 1.3.3. Prove o Teorema 1.3.5.

Exercı́cio 1.3.4. Mostre, através de um exemplo com uma matriz A(t) de dimensão 2 × 2, que CΨ(t)
não é necessariamente uma matriz fundamental. Mostre um caso afirmativo e outro contrário.

1.3.2 Matriz de transição de estado

Definição 1.3.4. Seja Ψ(t) uma matriz fundamental qualquer de (1.4). Então

Φ(t, t0 ) = Ψ(t)Ψ−1 (t0 ), para qualquer t, t0

é conhecida como matriz de transição de estado de (1.4). Portanto, a solução de (1.4), para a condição
inicial x(t0 ), é dada por
x(t) = Φ(t, t0 )x(t0 )

Teorema 1.3.6. A matriz de transição de estado Φ(t, t0 ) é unicamente determinada por A(t) e é
independente da escolha particular de Ψ(t). No mais, a matriz Φ(t, t0 ) é a solução única da equação
matricial
d
Φ(t, t0 ) = A(t)Φ(t, t0 ), Φ(t0 , t0 ) = I (1.8)
dt
Teorema 1.3.7. A matriz de transição de estado Φ(t, t0 ) pode ser descrita pela série de Peano-Baker,
dada por
Z t Z t Z τ1 Z t Z τ1 Z τ2
Φ(t, t0 ) = I + A(τ1 ) dτ1 + A(τ1 ) A(τ2 ) dτ2 dτ1 + A(τ1 ) A(τ2 ) A(τ3 ) dτ3 dτ2 dτ1 +· · ·
t0 t0 t0 t0 t0 t0
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Teorema 1.3.8. Sejam os vetores e1 , e2 , . . . , en , que formam a base natural (canônica) do Rn , dados
por
     
1 0 0
     
0 1 0
e1 =  .  , e2 =  .  , ... en =  . 
     
 ..   ..   .. 
     
0 0 1
e sejam x1 (t), . . . , xn (t) as soluções do sistema satisfazendo as condições iniciais x1 (t0 ) = e1 , . . . ,
xn (t0 ) = en . Então, x1 (t), . . . , xn (t) constituem um conjunto fundamental de soluções de (1.4) e a
matriz fundamental Ψ(t) formada com essas soluções (conhecida como matrizante) satisfaz
 
1 0 0 ··· 0
 
0 1 0 0
 
 
0 0 1
Ψ(t0 ) =  0 =I
. .. .. 
 .. . .
 
0 0 0 ··· 1

Portanto, como Ψ−1 (t0 ) = I, a matriz de transição de estado Φ(t, t0 ) fica sendo

Φ(t, t0 ) = Ψ(t)

Como uma aplicação direta do Teorema 1.3.4 em termos da matriz de transição de estado Φ(t, t0 ),
obtém-se o seguinte corolário.

Corolário 1.3.3 (Abel-Jacobi-Liouville). Se Φ(t, t0 ) é a matriz de transição de estado de (1.4), então


Z t 
det Φ(t, t0 ) = exp tr (A(τ )) dτ
t0
Rt
e portanto det Φ(t, t0 ) 6= 0 se t0 tr (A(τ )) dτ for finito.

Corolário 1.3.4. A matriz de transição de estado Φ(t, t0 ) satisfaz as seguintes propriedades:

1. Φ(t, t) = I;

2. Φ−1 (t, t0 ) = Φ(t0 , t);

3. Φ(t, t0 ) = Φ(t, t1 )Φ(t1 , t0 ).

Corolário 1.3.5. O cômputo da solução de forma fechada (analı́tica) da matriz de transição de estado
Φ(t, t0 ) é em geral difı́cil, se não impossı́vel, exceto em alguns poucos casos especiais:

1. Se A(t) for uma matriz triangular, então o problema pode ser reduzido a um conjunto recursivo
de equações diferenciais escalares, cujas soluções analı́ticas podem ser diretamente calculadas.

2. Se A(t) tem a seguinte propriedade comutativa:


Z t  Z t 
A(t) A(τ ) dτ = A(τ ) dτ A(t)
t0 t0
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para todos t e t0 , então a solução única de (1.8) é dada por


Z t 
Φ(t, t0 ) = exp A(τ ) dτ
t0

Note que a propriedade comutativa acima é satisfeita se A(t) for diagonal ou se A(t) for tal que
A(t1 )A(t2 ) = A(t2 )A(t1 ). Em particular, para o caso constante A(t) = A, a matriz de transição
de estado tem a seguinte representação em forma fechada

Φ(t, t0 ) = eA(t−t0 )

3. Se A(t) tem a seguinte propriedade comutativa:


N
X
A(t) = Mi fi (t), Mi Mj = Mj Mi
i=1

então a matriz de transição de estado Φ(t, t0 ) é dada por


N
Y  Z t 
Φ(t, t0 ) = exp Mi fi (τ ) dτ
i=1 t0

4. Se A(t) for uma matriz 2 × 2 dada por


 
α(t) β(t)
A(t) =  
−β(t) α(t)

então a matriz de transição de estado Φ(t, t0 ) é dada por


 
f1 f2 f1 f3
Φ(t, t0 ) =  
−f1 f3 f1 f2
em que
Z t  Z t  Z t 
f1 = exp α(τ ) dτ , f2 = cos β(τ ) dτ , f3 = sin β(τ ) dτ
t0 t0 t0

Exercı́cio 1.3.5. Usando os itens 2, 3 e 4 do corolário acima, calcule a matriz de transição de estado
Φ(t, t0 ) do sistema  
sin t cos t
ẋ =  x
− cos t sin t
Exemplo 1.3.3. Considere o sistema linear homogêneo periódico
 
1 cos ωt
ẋ = A(t)x, A(t) =   (1.9)
0 0

em que ω > 0 e A(t) = A(t + T ) é periódica de perı́odo T = 2π/ω.


Para determinar sua matriz de transição de estado Φ(t, t0 ), basta determinar a matriz fundamental,
normalizada, usando como condição inicial a base natural do R2 , como segue:
       
1 e t 0 t 2
(e − cos ωt + ω sin ωt)/(1 + ω )
x(0) =   ⇒ x(t) =   , x(0) =   ⇒ x(t) =  
0 0 1 1
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Assim, a matriz fundamental Ψ(t) é dada por


 
t t 2
e (e − cos ωt + ω sin ωt)/(1 + ω )
Ψ(t) =   (1.10)
0 1

Note que essa matriz satisfaz o sistema (1.9), já que


  
1 cos ωt et (et − cos ωt + ω sin ωt)/(1 + ω2 )
A(t)Ψ(t) =   
0 0 0 1
 
et (et + ω 2 cos ωt + ω sin ωt)/(1 + ω 2 ) .
= = Ψ̇(t)
0 0

Usando a matriz fundamental (1.10), a matriz de transição de estado Φ(t, t0 ) fica sendo
 
(t−t ) (t−t ) 2

e 0 e 0 (cos ωt0 − ω sin ωt0 ) + ω sin ωωt − cos ωt /(1 + ω )
Φ(t, t0 ) = Ψ(t)Ψ−1 (t0 ) =  
0 1
(1.11)
Em particular, para t0 = 0, tem-se
 
et et + ω sin ωt − cos ωt /(1 + ω 2 )

Φ(t, 0) =  
0 1

Usando a matriz de transição de estado (1.11), a solução do sistema (1.9), para uma condição
inicial x(t0 ) = x0 = [x10 x20 ]T , fica sendo
 
et (1 + ω 2 )x10 + x20 + x20 (ω sin ωt − cos ωt) /(1 + ω 2 )
 
x(t) = Φ(t, t0 )x0 =  
x20

Note que essa solução x(t) pode ser escrita como


2
X
x(t) = rℓ (t)eλℓ t = r1 (t)eλ1 t + r2 (t)eλ2 t (1.12)
ℓ=1

em que λ1 = 1 e λ2 = 0 e r1 (t) e r2 (t) são dados por


   
x10 + x20 /(1 + ω 2 ) x20 (ω sin ωt − cos ωt)/(1 + ω 2 )
r1 (t) =  , r2 (t) =   (1.13)
0 x20

Exercı́cio 1.3.6. Calcule a matriz de transição de estado Φ(t, t0 ) do sistema ẋ = A(t)x para as
seguintes matrizes:
       
1
0 0 −1 0 −1 1+t 0 ω(t)
A(t) =  , A(t) =  , A(t) =  , A(t) =  
t 0 t −1 0 −1 −ω(t) 0

Exercı́cio 1.3.7. Mostre que a equação


4 2
ÿ(t) + ẏ(t) + 2 y(t) = u(t)
t t
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possui a realização no espaço de estado dada por


   
−4/t −2/t 2 1 h i
A(t) =  , B(t) =   , C(t) = 0 1
1 0 0

Em seguida, mostre que duas soluções linearmente independentes do sistema homogêneo ẋ = A(t)x
são    
−1/t 2 2/t 3
x1 (t) =   e x2 (t) =  
1/t −1/t2

Usando essas soluções, determine a matriz de transição de estado Φ(t, t0 ).

Lema 1.3.1. Se Ψ(t) for uma matriz fundamental de (1.4), então a matriz Ψ−T (t) será uma matriz
fundamental do sistema adjunto de (1.4) dado por

ż(t) = −AT (t)z(t) (1.14)

Exercı́cio 1.3.8. Mostre que a matriz de transição de estado para o sistema adjunto (1.14) é dada
por ΦT (t0 , t), em que Φ(t, t0 ) é a matriz de transição de estado de (1.4). Portanto, para uma condição
inicial qualquer z(t0 ), a solução é dada por

z(t) = ΦT (t0 , t)z(t0 )

Exercı́cio 1.3.9. Considerando que x(t) e z(t) são, respectivamente, soluções do sistema linear ho-
mogêneo e sua adjunta, com condições iniciais x(t0 ) = x0 e z(t0 ) = z0 , derive a fórmula para z T (t)x(t).

1.4 Equação linear não homogênea


Considere o sistema linear não homogêneo

ẋ(t) = A(t)x(t) + f (t) (1.15)

em que x(t) ∈ Rn , f (t) ∈ Rn e A(t) ∈ Rn×n . Para determinar a solução desse sistema, será oportuno
derivar primeiro a solução do seguinte caso particular:

ẏ(t) = g(t) (1.16)

Integrando diretamente esse sistema, obtém-se


Z t
y(t) = y(t0 ) + g(τ ) dτ (1.17)
t0

Agora, aplicando em (1.15) a mudança de coordenada

z(t) = Φ(t0 , t)x(t)

em que Φ(t, t0 ) é a matriz de transição de estado do sistema homogêneo, e usando a expressão para a
derivada da inversa de uma matriz inversı́vel X(t) dada por
d −1
X = −X −1 ẊX −1
dt
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chega-se ao sistema
.
ż(t) = Φ−1 (t, t0 )f (t) = Φ(t0 , t)f (t) = g(t)

Note que esse sistema encontra-se na forma similar do sistema (1.16), cuja solução é descrita por
(1.17). Portanto,
Z t
z(t) = z(t0 ) + Φ(t0 , τ )f (τ ) dτ
t0

que, na coordenada original x(t), fica sendo


 Z t  Z t
x(t) = Φ(t, t0 ) x(t0 ) + Φ(t0 , τ )f (τ ) dτ = Φ(t, t0 )x0 + Φ(t, τ )f (τ ) dτ
t0 t0

Essa equação é denominada, em inglês, de variation of constants formula. Um resumo desse resultado
está apresentado no próximo teorema.

Teorema 1.4.1 (Variation of Constants Formula). Se Φ(t, t0 ) for a matriz de transição do sistema

ẋ(t) = A(t)x(t),

então a solução única de


ẋ(t) = A(t)x(t) + f (t),

que passa em x(t0 ) = x0 , é dada por


Z t
x(t) = Φ(t, t0 )x0 + Φ(t, τ )f (τ ) dτ
t0

Exercı́cio 1.4.1. Dada uma matriz X(t) não singular para todo t, mostre que

d −1
X (t) = −X −1 (t)Ẋ(t)X −1 (t)
dt

Corolário 1.4.1. Considere o sistema linear não homogêneo

ẋ(t) = A(t)x(t) + B(t)u(t), x(t0 ) = x0

Sua solução fica sendo


Z t
x(t) = Φ(t, t0 )x(t0 ) + Φ(t, τ )B(τ )u(τ ) dτ
t0

Corolário 1.4.2. Considere o sistema linear constante não homogêneo

ẋ(t) = Ax(t) + f (t), x(t0 ) = x0

Sua solução é dada por


Z t
A(t−t0 )
x(t) = e x0 + eA(t−τ ) f (τ ) dτ
t0
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1.5 Transformação de Lyapunov


Considere o sistema

ẋ(t) = A(t)x(t) + B(t)u(t)


(1.18)
y(t) = C(t)x(t) + D(t)u(t)

Para esse sistema, defina a mudança de coordenada dada por

P (t)x(t) = z(t) ou x(t) = P −1 (t)z(t), (1.19)

em que P (t) é uma matriz não singular para todo t e continuamente diferenciável em t. Derivando
z(t), obtém-se

ż(t) = Ṗ (t)x(t) + P (t)ẋ(t) = Ṗ (t)P −1 (t)z(t) + P (t) (A(t)x(t) + B(t)u(t))


h i
= P (t)A(t)P −1 (t) + Ṗ (t)P −1 (t) z(t) + P (t)B(t)u(t)

Portanto, o sistema acima, na nova coordenada, fica sendo

ż(t) = Â(t)z(t) + B̂(t)u(t)


(1.20)
y(t) = Ĉ(t)z(t) + D̂(t)u(t)

em que Â(t), B̂(t), Ĉ(t) e D̂(t) são dados por

Â(t) = P (t)A(t)P −1 (t) + Ṗ (t)P −1 (t), B̂(t) = P (t)B(t), Ĉ(t) = C(t)P −1 (t), D̂(t) = D(t)

Definição 1.5.1 (Equivalência algébrica). Duas representações de estado (1.18) e (1.20) são ditas
algebricamente equivalentes se existir uma matriz P (t) com a propriedade (1.19).

Exercı́cio 1.5.1. Mostre que a escolha

P −1 (t)x(t) = z(t)

fornece a representação de estado

Â(t) = P −1 (t)A(t)P (t) − P −1 (t)Ṗ (t), B̂(t) = P −1 (t)B(t), Ĉ(t) = C(t)P (t), D̂(t) = D(t),

que também é algebricamente equivalente ao sistema (1.18).

Teorema 1.5.1. Assuma que P (t) é diferenciável. Se P −1 (t) existir, então

ΦA (t, t0 ) = P −1 (t)ΦÂ (t, t0 )P (t0 )

em que ΦA (t, t0 ) é a matriz de transição de estado do sistema

ẋ(t) = A(t)x(t) (1.21)

e ΦÂ (t, t0 ) é a matriz de transição de estado do sistema

ż(t) = Â(t)z(t), com Â(t) = P (t)A(t)P −1 (t) + Ṗ (t)P −1 (t),

obtida do sistema (1.21) através da mudança de coordenada z(t) = P (t)x(t).


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Exercı́cio 1.5.2. Prove o Teorema 1.5.1.

Exercı́cio 1.5.3. Considere a representação de estado dada por

ẋ(t) = a(t)x(t) + b(t)u(t)


y(t) = c(t)x(t)
Mostre que os três sistemas, apresentados na Tabela 1.1, são algebricamente equivalentes.

Tabela 1.1: Sistemas algebricamente equivalentes.

Sistema 1 Sistema 2 Sistema 3

a(t) 0 −1 1

b(t) e−2|t| e−2|t|−t e−2|t|+t

c(t) e−2|t| e−2|t|+t e−2|t|−t

Em geral, a equivalência algébrica não necessariamente preserva as propriedades de estabilidade


de um sistema dinâmico. Assim, é possı́vel que o sistema seja estável numa representação de estado
e seja instável numa outra (algebricamente equivalente). Esse é o caso, por exemplo, dos sistemas do
Exercı́cio 1.5.3, em que o Sistema 1 é estável, o Sistema 2 é assintoticamente estável e o Sistema 3 é
instável.
Para manter as propriedades de estabilidade é necessário uma equivalência topológica, ou seja, uma
equivalência algébrica mais a condição

kP (t)k ≤ c1 e kP −1 (t)k ≤ c2

em que c1 e c2 são constantes positivas.

Exercı́cio 1.5.4. Mostre que os sistemas do Exercı́cio 1.5.3, embora algebricamente equivalentes, não
são topologicamente equivalentes.

Definição 1.5.2 (Transformação de Lyapunov). Uma transformação de coordenada z(t) = P (t)x(t)


é dita transformação de Lyapunov se, para todo t, as seguintes condições forem satisfeitas:
1. P (t) é continuamente diferenciável;
2. P (t) e Ṗ (t) são limitadas;
3. existe uma constante m tal que 0 < m ≤ | det P (t)|.

Note que a transformação de Lyapunov fornece uma equivalência topológica, já que as condições
da Definição 1.5.2 acima asseguram que P (t) e sua inversa P −1 (t) são funções limitadas.

Teorema 1.5.2. Se z(t) = P (t)x(t) define uma transformação de Lyapunov, então o sistema

ẋ(t) = A(t)x(t)

será uniformemente estável (exponencialmente estável) se e somente se o sistema


h i
−1 −1
ż(t) = P (t)A(t)P (t) + Ṗ (t)P (t) z(t)

for uniformemente estável (exponencialmente estável).


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Definição 1.5.3 (Sistemas redutı́veis). Sistemas que podem ser transformados em equações dife-
renciais com coeficientes constantes, através de uma transformação de Lyapunov, são chamados de
redutı́veis. Sistemas periódicos homogêneos são exemplos clássicos de sistemas redutı́veis.

Exemplo 1.5.1. Considere o sistema periódico


 
ω cos(ωt) β
ẋ = α − x+ u
2 + sin(ωt) 2 + sin(ωt)
y = γ(2 + sin(ωt))x

em que α, β, γ e ω são constantes reais. Aplicando a transformação de Lyapunov dada por

z = P (t)x, em que P (t) = 2 + sin(ωt),

obtém-se o sistema constante

ż = αz + βu
y = γz

Exercı́cio 1.5.5. Forneça um exemplo de dois sistemas lineares invariantes no tempo

ẋ = A1 x, ẏ = A2 y, em que A1 , A2 ∈ R2×2 ,

algebricamente equivalentes, em que o primeiro é assintoticamente estável e o segundo instável.

Exercı́cio 1.5.6. Mostre que existe uma transformação de Lyapunov que transforma o sistema cons-
tante, representado na coordenada x, num outro sistema constante diagonal, representado na coorde-
nada z, dados respectivamente por
   
σ ω σ 0
ẋ =   x, ż =  z
−ω σ 0 σ

Exercı́cio 1.5.7. Sejam A(t) e X(t) matrizes de dimensão n×n. Para a equação diferencial matricial

Ẋ(t) = X(t)A(t), X(t0 ) = X0 ,

expresse a solução única X(t) em termos de uma matriz de transição de estado apropriada.

Exercı́cio 1.5.8. Se Φ1 (t, t0 ) for a matriz de transição de estado de ẋ = A1 (t)x e Φ2 (t, t0 ) for a
matriz transição de estado de ẋ = AT2 (t)x, mostre que a solução da equação matricial

Ẋ(t) = A1 (t)X(t) + X(t)A2 (t) + F (t)

com condição inicial X(t0 ) será dada por


Z t
X(t) = Φ1 (t, t0 )X(t0 )ΦT2 (t, t0 ) + Φ1 (t, τ )F (τ )ΦT2 (t, τ ) dτ
t0

Dicas: derive a solução X(t), em relação ao tempo t, e mostre que ela satisfaz a equação diferencial
e a condição inicial.
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Exercı́cio 1.5.9. Para a matriz A(t) tendo a seguinte partição


 
A11 (t) A12 (t)
A(t) =  
0 A22 (t)

em que A11 e A22 são matrizes quadradas, mostre que a matriz de transição de estado tem uma
estrutura análoga, dada por
 
Φ11 (t, t0 ) Φ12 (t, t0 ) d
Φ(t, t0 ) =  , Φii (t, t0 ) = Aii Φii (t, t0 ), i = 1, 2
0 Φ22 (t, t0 ) dt

Usando o Exercı́cio 1.5.8, tente encontrar uma expressão para Φ12 (t, t0 ) em função de Φ11 (t, t0 ) e
Φ22 (t, t0 ).

Exercı́cio 1.5.10. Calcule a matriz de transição de estado do sistema


 
αeωt γ t
ẋ =  x
0 βe ωt

em que α, β, γ e ω são números reais.

Exercı́cio 1.5.11. Usando o resultado do Exercı́cio 1.5.9, calcule a matriz de transição de estado do
sistema ẋ(t) = A(t)x(t), em que a matriz A(t) é dada por
 
1 0 0 0 cos(t)
 
0 −1 1 − cos(t) 0 
 
 
0 −e−2t −1 0 1 
 
2
 
0 0 0 −4/t −2/t 
 
0 0 0 1 0

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