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NA FUNDAGCAO UNIVERSIDADE DE BRASILIA Reitor ANTONIO IBANEZ RUIZ Vice-Reitor EDUARDO FLAVIO OLIVEIRA QUEIROZ | | | | | EDITORA UNIVERSIDADE DE BRASILIA Conselho Editorial CRISTOVAM BUARQUE ‘ELLIOT WATANABE KITAIIMA EMANUEL ARAUJO (PRESIDENTE) EVERARDO DE ALMEIDA MACIEL Jost DE LIMA ACIOLI ODILON PEREIRA DA SILVA ORLANDO AYRTON DE TOLEDO ROBERTO BOCCACIO PISCITELLT ROQUE DE BARROS LARAIA 1 ‘VENICIO ARTHUR DE LIMA A Bditora Universidade de de 15 de dezembro de 1961, cientifics, téenicas eeu a, insttuida pela Lei n? 3.998, como objetivo “editar obras is de nivel universititio™. MARCEL DETIENNE AINVENCAO MITOLOGIA CoAot Auguilo Putrivo Madhads ALIA® Tradugdo de ANDRE TELLES GILZA MARTINS SALDANHA DA GAMA Revisio técnica JUNITO BRANDAO. ROBERTO LACERDA. JOSE OLYMPIO EDITORA Edtinb cencantada faz ouvir uma Unica ¢ mesma voz, a0 longo de sua existéncia, da crianga ao velho, cuja cumplicidade, que raia a identidade, parece abolir 0 intetvalo entre a boca e 0 ouvido, Na figura unitéria que Ihe descobrem a palavra ¢ a escrita de Platiio, no momento em que, na cidade doente, se transforma no inerivel, a mitologia ocupa inteiramente o campo do politico. Nao haverd cidade nova sem que se invente uma politica inédita da mitologia, politica que vise menos retidio da cidade interior, resetvada a0 fildsofo de A Republica, do que o saber compar: tithado pela comunidade de pensamento, indispensivel 20 fun- cionamento harmonioso da cidade das Leis. A mitologia nio é0 ‘império mudo do qual um certo pensar filoséfico, de acordo com osaber histotico, pretendesse demarcar as fronteirassob pretexto de ali encontrar os deménios de seu proprio discurso. E¢ ilusStio buscd-la na epopéia de Homero ou surpreendé-la nas aventuras dos deuscs ¢ das herdis. Pois ela pettence & tradigio silenciosa que ressca entre os provérbios € os ditos anénimos, por fora da ‘escritura incapaz. de traduzi-la, ¢ além de toda pesquisa volunti- tia do pasado. A busca de uma tradigio que deve permanecer oral, ¢ onde se aloja a *palavrinha’ impronuneiavel, imagem muda da autoridade, é empreendida pot Plato como uma viagem 4 extremidade da meméria cujo tltimo eireulo se fecha sobre a imobilidade de uma crianga de cabelos brancos que vem engolir acidade intcira, com todas assuas vozes confundidas, num rumor sem idade, De maneira paradoxal, caberd a um fildsofo, mais licido do ‘que outros, revelat que o mundo da ilusio era habitado pela meméria e pela tradigao € assim inventar, na mais completa solidio, uma mitologia sem medida comum com a imagem adversa de uma argumentago racional que durante muito tempo dominaria 0 pensamento dos mitélogos modemes. “8 4 Repiblica, IX, $91 ¢ 1-2. 184 GREGO DE DUAS CABECAS Na abertura anual do curso “Instrugdes de etnografia deseriti- va’, destinado a administradores ou a colonos desprovidos de formagéo profissional,! Marcel Mauss, 0 sobrinho de Emile Durkheim, nao deixava de lembrar que “‘o jovem etndgrafo que sai em campo deve saber 0 que jd sabe, a fim de trazer & tona 0 {que ainda ndo se sabe"? E em conformidade ao saber jé sabido, sem 0 qual ninguém poderia manter um ditio de viagem nem preencher, uma apés outra, as ‘fichas descritivas’, o novo eleito da Sociedade dos Observadores do Homem era convidado afazer uma ampla coleta de ‘representaydes religiosts’, classificadas, social, de acordo com a estética, mas acima do econdmico ¢ dos fend- ‘menos juridicos e motais que a tegem. O ideal, dizia Mauss, seria ue uma missio nao pattisse sem 0 seu geélogo nem sem 0 seu Botanico — peritos indispensaveis. Todo etndgrafo, felizmente, nasceu mitdlogo. Sendo assim, nio the bastaria apelar para a & — intuicdo cultural? Claro esté que (.) nossa maneira de conecbet a mitologia, bem ilustrada em Onphée aux enfers, & apenas uma das formas possiveis, no a tinica; trata-se-de saber como pensam os indigenas.* 2, 3 185 Portanto, nada de precipitagdo e, sobretudo, nada de se remeter, ara um inventitia desse tipo, a lista das categorias que circula nas classes de filosofia, Os ‘seres individuais’ que formam a Populago da mitologia distribuem-se em ‘espiritos": existe a alma dupla, o espirito do outro mundo que esta entre os vives, 0 espitito protetor, a alma da voz, a figuragio do duplo, a alma dos olhos. Uma vez.na posse desses repert6rios de seres individuais, apresentados de todas as maneitas possiveis, “poder-se-é escre- ver a mitologia de cada deus”, pois o mito, como sabemos, & uma histéria do deus. Fébula, apslogo, moralidade, com certeza, ‘mas diversamente ca lenda — acredita-se nela sem que issotenha necessariamente conseqiiéncia — ou da fébula — ninguém & obrigado a nela acreditar —, 0 mito faz parte do sistema obriga- t6rio das representagses religiosas. ““Tem-se a obrigagao de se acreditar no mito." Objetos de crenga, as mitos se passam no temo. Negligenciar sua coleta e, por eonseguinte, seu registro escrito, actescentava Mauss, ¢ grave, muito grave: pode levar a deformat a fécies de uma religiio. ‘Tio claras instragées, cnunciadas com autoridade, sem diivida tomavam urgentes a coleta ¢ a esctita da mitologia. Nenhum obsetvador, digno desse nome, admitiria a hipdtese de voltar de seu campo ou de abandonar o tertitério a ele confiado, sem ter Preenchido ‘cuidadasamente* a sego ‘mito’ do capitulo TX das Instructions, sub 5 a cada ano, as bi mento da etnografia, registravam as no- vas ‘mitologias’ que, classificadas ao lado das antigas, vinham confirmar o saber que todos jd sabiam, mas cuja natureza espe- cifica continuava a ser objeto de disputas, mais ou menos corte- ‘es, entre peritos, enire aqueles que o século XVIII chamaria de ‘mitologistas’, para distingui-los dos “antiquirios", dedicados a0 °M. Mauss, op. eit. p. 202, °M. Maus, op, cit, p:203, 186 Hei oe inventitio dos documentos exumados.’ Concomitantemente, pa- i cita dos mitos, ainda que fasse praticada wet & superficie © que recia evidente quea de maneita intensiva, no permit ainda no sc sabe”. Os etndlogos se impacientavam e, em 1929, Mauss declarava, confidencialmente, 4 Sociedade Prancesa de Filosofia: “Nao nos basta deserever 0 mito. Seguindo os prinei- pios de Schelling e dos filésofos, queremos saber que ser ele traduz."* Em outras palavras, sendo a questio de natureza filo- ciéncia da mitologia. E a empreitada de Cassirer (em La philo- sophie des formes symboliques, publicada na década de 1920)" homenageia as intuigdes de L’'introduction d la philosophie de la mitologia uma ori rc necessditio da consciéncia, estranho a qualquer invengio. Era ndrio devia ser aquele que supSe Deus por sua natureza, € 0 rocesso mitolégico, o tinico caminho consciente pelo qual Deus sse manifesta progressivamente como o verdadeito Deus. A esta teogomia do Absoluto, construida e recitada por Schelling, a filosofia critica de Cassirer op6e, respeitosamente, a necessidade informagdes arquivados pela mitologia comparada e pela histéria das religides a partir da metade do século XIX." Os iniimeros symbotiques (vol 1, ‘La pensée 187 coletores de mitos sio recompensados por seu trabalho © a filosofia neokantiana pe termo aos tormentos de Mauss: cla se encarrega de enunciar a ‘esséncia pura’ da fungio mitica. Sc a unidade das produgdes miticas no suscita dividas entre 0s etnélogos em goral, ela deve permanecer um enigma, escreve Cassirer, enquanto a consciéncia mitica nfo for reconhecida ‘como uma ordem de conhecimento auténomo, um modo particu- lar de formagao espiritual da espécie humana, um pensamento soberano com suas categorias de tempo, de espago e de mimero. Forma original do espitito, o mito é um pensamento da “coneres- céncia’, cujas intuigdes temporais © os; io concretas, qualitativas: um pensamento que amalgama e retine os membros da relagdo que cle propde. Seduzido pela intuigao, é um pensa- mento fascinado pelo universo da presenga sensivel imediata, Fascinio por deseobrir que o grego ¢ duplo, ¢ que 0 mitélogo hesiddico € 0 gémeo, verdadeiro, homorigoto, do fildsofo arcai- 7" Paris, 1966, pp. 407-8. 2 co, pensando o seco e 0 timido, 0 alto € © baixo, bem como o ser trasse sua consumagio nesse outro pensamento cuja emergéncia, antes de preparar o futuro da ciéncia, vinha lhe oferecer a imagem tefletida de seu saber imemorial. A presenga de um pensamento centa, com uma impertinéncia lige, contar as mesmas tolices que os pretensos filésofos, aos quais damos tanta impor- tincia, Mas a Razio das Luzes subordinava o fabuloso a igno- Fincia, ao passo que, a partir de Cassircr, 0 mitico, devolvido a sua qualidade de pensamento auténomo com sua Idgica © sci. ‘modo de experineia, tomou-se a tera natal onde afilosofia toma Superagao, desisténcia, absiragéo, emergéncia, metamorfose, reconhecimento, metiforas que se esquivam a questio da mudan- ‘9a, inevitével para outros espititos, mais historiadotes, que criti- ‘cam a escola sociolégica francesa e sua andlise conceitual dos conjunto das combinagies © em suas estruturas particulares; 0 vocabulirio € menos um Iéxico do que um sistema conecitual; ele se organiza em tomo de nogdes que remetem os modos de vida, as relagdes sociais, os processos de linguagem e de pensa- mento™ a instituigdes, ou scja, a esquemas direlores presentes * Fontenele, De Vorigem des fables, J.R, Carré (ed.), pp. 31-2, "°Ct. Benveniste, Le vocabulaire des institutions indo-européenn | Patis, 1969, p.9, nas ienicas. Eo trago dominante dessas instituigGes 6 que se mantém vivas malgrado os séculos ¢ as mudangas de vida, constituindo uma espécie de inconsciente Historiado- calegorias fundamentais, Granet ¢ Geme! teomodo de pensamento que chamam de: ‘monumentos textuais, mas através dos tos, dos vestigios e das ruinas freqiientemente reutilizadas em outras construgées. Trabalho de arqueologia, de proto-histéria, atento aos meios sociais onde se enraizam “temas mitic formados em lendas e que, pot sua vez, na Chi pensamento esclarecido mas unititio, global antes de ser disse- minado, dispersado mais do que verdadeiramente arruinado. No que tange a China, Granet encontra seus pontos de ancoramento na fabulagio de dramas rituais e de dangas religiosas, em tomo dc longinquos dominios que tecem os esquemas diretotes, forjam as articulagdes I6gicase inventam as grandes imagen de pensamento € de ago, advindos de séculos de dis Grécia, as festas dos camponeses ¢ os antigos reinos: dos no centro da ‘leitura atenta’ de Gemet, voltada para temas miticos ligados a enredos de festas: de um lado, toda uma base terrena de crengas e priticas sobre qual as pessoas festejam, consomem alimentos, unem-se em matriménios, enfrentam-se em competiges; do outro, as tradigdes de soberania ¢ de poder real com imagens de dom, de desafio, de tesouros, provas © sactificios.” Dados miticos onde se encontra depositada uma “boa parte do inconsciente social”, e onde 0 socidlogo se vé tentado a ler uma sociedade teal, cujo mito refletiria a imagem em tu ‘enquanto. historiador dos ‘comportamentos pré- histéricos’, voltado para uma meméria social transmissora dos simbolos ¢ seu valor emocional, inquieta-se ao descobrit ai 0 _germe de nogSes religiosas e juridicas que proliferam na cidade. Em 1948, Gemnet reconhece na mitologia uma espécie de lingua- ‘gem onde existem conexdes entre os elementos, onde cada ima- gem evoca uma série similar.” Linguagem em ato, pois a imagi- nagdo mitica se insere dirctamente nas condutas humanas e até sucessio dos eventos, a conjuntura favordvel para vir & tona e para desvelar progressivamente os mods de pensamenio laici- zado, 0 ditcito, a filosofia, a histéria on a politica, fundamentos’ vindos das profundezas e despettados de um sono profundo por ‘uma mudanga acidental: a ‘cidade’ ou 0 “direito’. No interior mesmo do helenismo, a paisagem modificou-se estranhamente, sob 0s efeitos do sismo provocado por Durkheim. E d imagem mais legivel dessa reviravolta aparece, hoje em dia, na obra de Hesfodo, que muda, radicalmente, de posigao © de a velha mitologia, que mereceu do pridente Homero o siléncio, € uma construgdo predestinada 4 ruina.”” E uma visdo primitiva do mundo, feita de pegas © pedagos e “pronta para desabar a0 ‘menor sopto da brisa fresca de uma exporiéncia mais ampla e de uma cutiosidade mais afoita’”." Paradoxalmente, ¢ Hesiodo, cosmologistas da Jénia, aos homens de ciéneia de Mileto que cessam de ser ‘maoris’, decidindo, uma bela manhi, que no © Early Greek philosophy (1892), tradugio de A. Reymond, Paris, 1919 (2eeigio 1952) Sid 6 Mia, p.7. * Bid, p. 2. "Wid, p. 4. * hid, pp. 7:8. 210 esereveria mais contos sobre o que era quando ainda nada cra, mas doravante trataria do que todas as coisas so na realidade, agora.” O realismo da ciéncia comega com a decisio de desfa- zer-se do fabuloso ¢ do sonho. Para Comford, ao contririo, a construgao teogénica de Hesfodo, amplamente apoiada nas teo- logias do Oriente Prdximo e, por isso, enraizada em gratides rituais, designa o lugar nodal de um pensamento mitico, homo- g6neo, rigoroso, coerente. A sua maneita, o mitdlogo Hesiodo & to racional quanto 0s filésofos de Mileto.” Em fungio disso, Comford foi citicado por dar a impressio de que 0s filsofos da direito civico no pais ‘grego onde, no final das contas, ele estaria em casa,a se acreditar nos filésofos e socidlogos. Desde entao, longe de permanecerem. como espectadores mudos de uma reviravolta tio grande, por que os historiadores ndo buscaram os modelos scio-histGricos capa- es de explicé-la? Para George Thompson, fiel a um marxismo de estrita obediéncia, 0 fator determinante da mutagao intelectual do mito em diregdo a razio c a filosofia ¢ a invengao da moeda, a pritica do comércio e a descoberta do econémico. A mocda introduziu a abstrago da qual a filosofia vai fazer uso, tanto para, so as testemunhas de uma teologia 4 enquanto houver homens sobre & um Saplen- hilosophicat thought, Cambridge 1952, , Mito e pensamento entre os gregos, Rio de Janciro, Pax e origens do pensamento grego, 3, Sio Paulo, Difel, 1981. 2 ‘0 melhor quanto para o pior. Para Jean-Pierre Vernant, socislogo © historiador, mais atento is mediagSes, a politica é o elemento ‘grega inventa as regras de um jogo intelectual do qual a raciona- lidade nova recebe seus principios fundamentais. Mas ambas as hipéteses, sualeut 4 ‘que seja a distincia que as separe, tentam osinal de que caeclugden mo as eee esto restritas 0s limites de um mesmo campo fechado e que, se parecom fazer intervir do exterior uma histétia social ¢ econémica, permane- cem, na tealidade, ptisioneiras da clausura erguida pelo diseurso da racionalidade filoséfica, fora da qual todo "pensamento miti- co", divoreiado de principio unitdtio, estaria privado de qualquer forma de existéncia? ; A essa via tautegérica que se esgota ao soletrar os tipos de logica, opetados pelo pensamento mitico, em seus diferentes nniveis, ¢ segundo seus registros, responde, na mesma altemativa do sentido, o caminho escolhido pelo simbolismo. De Frobenius, em 1904, a Griaule, confidente do cego Ogotemmeéli em outubro de 1946, as expedigdes que se langaram nas profundezas do continente negro colhem em suas redes figuras fabulosas das mitologias em pirimides edificadas pela sociedade do Niger e do atone de Socloloio, 1982, p. 8 26- 212 | Tact pec edo Jogos de corresponddéncias por etapas, maravilhados polas gale- rias de espelhos dos palicios interminaveis que Jhes revelam iniciagSes em pedestais ¢ em portas secretas. Périplos sem fim dos mundos labirinticos, por onde o etnélogo, voltado para a descoberta de uma sabedoria outra e mais antiga, se deixa guiar © conduzir pelos sdbios indigenas em direydo mitologia, onde se abre, vertiginosamente, o pogo interior do pensamento negro.”* Mas, em contrapartida, também do pensamento branco, a partir da década de 1920, a fenomenologia designa nos grandes, mitologemas o lugar de percepgao de uma realidade originaria; ‘© que cla chama simbolos sfo as figuras da imaginagdo transcen- dental, revelando a Presenga. Revelagio de uma linguagem sim- bélica que faz pensar scm se dar conta, pois € habitada pela hicrofania, mitologema, sinal da Presenga, transforma-se no verbo notumo onde se enuneia uma metafisica primeira, anterior «¢ fundadora do que o Ocidente chama, desde Aristételes, “o que ‘vem depois da » Sabedoria, ‘sofia’, diz Griaule, a mito- logia é, na realidade, a fabulago voluntaria de idéias mestras que niio podem ser colocadas a disposigéo de todos, a qualquer ‘momento, Primeira metafisica, tao fascinante para o pensamento existencial que este acabaria considerundo sua prépria metafisica como uma mitologia segunda. A ‘superagao’, evocada por Cas- sirer a partir da razéo kantiana, desaparece ¢ a filosofia se humitha diante da expetiéncia mitica, da plenitude de sua vitéria © de seu privilégio infinito de revelar uma realidade que penetra cada ser a ponto de a cla conformar todo o seu comportamento. + © etndlogo, embora cothedor de uma rice safra, nada sociedade dagon, além do que os préprios dagons smith, “Lanature des mytbes', em Diogéne, n# 82, ‘pp. 284-306; P. Riceer, “Le sym! PP. 60-76. Comeca uma longa subida em abismo que parece escapar inexoravelmente a antiga razio dos fildsofos © & sua fixagio sobre uma mitalogia morta,” mas que revela melhor a impossi- bilidade de escapar aos pressupostos do mesmo discurso sobre 0 pensamento mitico quando, em um de seus percursos extremos, © simbolisma leva a buscar a esséncia do mito no ponto mais central do pensamento claro: na maturidade onde se equilibram, inseparavelmente, 0 conccito racional ¢ a imagem do mito. Por volta da década de 1970, sem renegar as experiéncias teofénicas, consciéncia de sua natureza especifica. Retomo deliberado em diregdo ao pais de origem da tinica problemitica pensivel: a Grécia, onde a mitologia nunca dei confrontar com o a outros, é querer questionar filosofia na mesma cultura, longe dos modelos da superagio ou do perecimento. Partir da incoeréncia, a mais antiga tatuagem da mitologia, ainda que se recusando, manera de Lévy-Bruhl, a vernela uma experiéncia mfstica ou alguma forma de pensamento pré-légico, ho traz nenhuma inovagio de imediato. Buscara coeréncia atts mundo fisico, uma realidade psiquica, uma atividade biol6gica e ‘uma relagao social. A estranheza da solugo explorada por Rud- hhardt esti’ em querer reconhecer no mito grego uma forma de tazio, privilegiando a subjetividade, tinica capaz de reencontrar ‘sentido religioso da experiéneia do mundo através das imagens simbélicas: uma razSo afirmando-se outra e mais ampla que a inteligéncia conceitual, o Jégas habil para distinguir, procedet por divisées, mas amnésico ei rclagdo a totalidade significante. ‘Trata-se de fazer dialogar a cocréncia e a incoeréncia numa | grecidade de ter elaborado as primeiros esbogos da ciéncia 215 ocidental ectescenta-se entdo outro, mais singular, de ter com- preendido e aceitado a vocagio propria ao pensamento mitico. ‘Nao, como aereditava Cassiter, destinando a0 mito 0 mundo fluente do futuro, mas afirmando a total paridade, em uma mesma cultura, da inteligéncia racional ¢ da sabedoria i do que munca, o grego etgue suas duas cabesa: ‘ovidente supetioridade sobte a turba dos mon vez, 0 eleito percorre com seu olhar duplo toda a extensfio do ‘campo visual, desprezando o horizonte truncado de um Hermes de duas faces que se ignoram eteramente. A antropologia estru- tural se apraz em contemplar seu reflexo no espelho do filésofo heleno que discorre sobre a mitologia: dividida entre a surpresa de sua descoberta e o prazer natcisista que sente nisso, mas convencida de que este espeticulo anunciava o advento de uma auténtiea gramética do mito. Por sua vez, um historiador de Genebra, fiel a inspiragio simbolista, convida todos 4 conversio: para entender, atualmente, o sentido ¢ a mensagem do mito, para tomar consciéncia de nossa natureza bicéfala, nao basta escutar ‘a mitologia a fim de vivé-la, jf que, a despeito do cristianismo, que nunca deixou dé trabalhar para sua perda, a experiéneia fundamental onde ela se enrafza seri sempre a nossa? “Trata-se de saber como pensam os i 7 ‘a questo prejudicial’a toda tentat de anflise de gabinete. Seria preciso, cé-la aos autéctones, perguntar como a mitologia é pensivel e pensada por que falam dela, do alto de suas citedras, a partir de it (0 ocidental tado pelos greg: (0 vivo de conhecer a essén- a pura da fungao mitica ou de saber que ser é traduzido pelo mito s6 péde ser procedido por Mauss seus sociedade intimamente convencida da evidé: mitologia. As pessoas tomam-se botinicas ou gedlogas, mas 216 ‘emogio que provoca’’. Leenhardt deplora isso: 0s etnslogos no esto pre- ‘ascemmitdlogas.® Isso nao deveria ser ignorado pelo jovem ccindgrafo que sai em campo, pois se ele “deve saber aquilo que Jé sabe”, no podemos mais Ihe esconder que a Ciéneia dos mitos, desde que grassa, modela-se de acordo com as formas gtegas. Sio os grandes homens do panteso filossfico que garan- tem 0 confronto necessério com um pensamento mitico, figura contritia d racionalidade instada a provar seu dominio pelas vias da abstragdo. Do mesmo modo, sio os primeiros pensadores, Obrigados a explicar a si mesmos crengas tio obscenas, que autorizam o movimento de escandalo de onde nasce a exigéncia deum saber sobteomito, Falar de mitologia é sempre falar grego oua partir da Grécia, & sua revelia talvez, mas com o risco de set dos modemos sobre a mitologia redobram os fantasmas © as. fiegées produzidas pelos primeiros ‘mitdlogos’. ainda pelo acontecimont ‘parados para observar as formas mitices que encontram (Do Kamo: [a

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