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R E V I S T A D O P A T R I M Ô N I O H I S T Ó R I C O E A R T Í S T I C O N A C I O N A L

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Márcia Chuva Po s s í ve i s n a r r at i va s s o b re d u a s d é c a d a s d e p at r i m ô n i o : d e 1 9 8 2 a 2 0 0 2
Márcia Chuva

A C I O N A L
P OSSÍVEIS NARRATIVAS SOBRE DUAS DÉCADAS DE

PATRIMÔNIO : DE 1982 2002

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Escrever para a revista do Iphan nos seus se de uma narrativa comprometida com
oitenta anos é um desafio. Incumbiram-me percepções, pontos de vista, reflexões a partir
de tratar do período de 1982 a 2002, vinte de um lugar de fala construído na vivência

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anos marcantes, registrados em diferentes desses anos.

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impressões, camadas de sensibilidade e Buscamos dar inteligibilidade a esse
inteligibilidade. Pensar sobre a instituição recorte temporal como contexto e, nesse

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é pensar sobre seus quadros, seus agentes e sentido, alguns momentos de inflexão nos
os sujeitos que nela se constituem, também pareceram significativos para explorar e
sobre seu multifacetado universo de ação arriscar uma compreensão mais ampla do
e sobre a amplitude de suas práticas. campo do patrimônio no período, a começar
Infelizmente, não teria condições de dar a pela morte de Aloisio Magalhães, em 1982,
devida dimensão a toda essa grandeza. Esses que dá início ao período recortado. Morte
vinte anos da ação institucional no campo vivida como trauma na instituição, em um 79
do patrimônio serão abordados aqui numa momento de grandes expectativas no Brasil.
perspectiva que inevitavelmente deixará A Fundação Nacional Pró-Memória estava
muitos aspectos de fora. Se não posso precisar dando uma nova feição ao setor cultural
a medida do que está ausente, posso apenas brasileiro, em especial às instituições a ela
me desculpar antecipadamente. Vale dizer vinculadas (Peregrino, 2012; Brito, 2014).
que as reflexões deste artigo são fruto de um Dava-se mais um importante passo para a
olhar afetivo sobre uma experiência1. Trata- retomada plena dos direitos civis, com a volta,
depois de suspensas por quase vinte anos, das
1. Ingressei na instituição em 1982, como estagiária da Fundação
Nacional Pró-Memória, no setor de Estudos de Tombamento eleições diretas para os governos dos estados e
coordenado pela arquiteta Dora Alcântara, na Diretoria de
Tombamento e Conservação – DTC, chefiada pelo arquiteto as prefeituras das capitais.
Augusto Carlos da Silva Telles, no oitavo andar do Palácio
Gustavo Capanema, no Rio de Janeiro. Ao longo da década de
A segunda inflexão no âmbito do recorte
1980, descobri e me formei no mundo do patrimônio. A partir temporal proposto pode ser verificada com
de 1992 e nos dez anos seguintes, até 2002, integrei a equipe de
inventários de bens imóveis, coordenada pela arquiteta Lia Motta, os novos rumos dados à política brasileira Capela do Engenho Una
no Departamento de Identificação e Documentação, o DID, Acervo: Copedoc/Iphan/
dirigido por Célia Corsino. no início dos anos 1990, após as primeiras Marcel Gautherot.
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eleições diretas para presidência da República, pareceram adequados para compreender a


que elegeram Fernando Collor de Mello. complexidade do campo do patrimônio como
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Os dois anos de seu governo trouxeram parte indissociável dos processos de formação
momentos difíceis para todo o setor cultural, do Estado, da esfera de poder público e do
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com traços violentos como perseguições a cenário político-social em que se insere.


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funcionários e o desmonte da Fundação Diferentes escalas de aproximação foram


Nacional Pró-Memória. Foram tempos de acionadas nessa abordagem, considerando
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perdas, inclusive por meio do Programa camadas de leitura que se sobrepõem, como
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estratégia discursiva na construção de uma


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De Demissão Voluntária – PDV. Aqueles


que permaneceram na instituição foram leitura possível do campo do patrimônio
posteriormente integrados ao Regime Jurídico associado ao recorte temporal sobre o qual se
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Único – RJU como servidores públicos constrói a narrativa. Desse modo, a aparente
federais. Nos anos subsequentes, houve um perspectiva panorâmica da narrativa aqui
esvaziamento de recursos materiais e humanos desenvolvida deve ser desde já desmascarada,
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no setor, sem qualquer ajuste salarial durante tendo em vista ser ela fruto de camadas
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toda a década . A vaga neoliberal iniciada sobrepostas, escalas que ora aproximam, ora
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drasticamente com Fernando Collor teve afastam focos e visadas aqui intencionalmente
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continuidade de forma mais estável ao longo operadas.


dos anos 1990, com efeitos diretos sobre
o campo do patrimônio. Nosso recorte NOVOS P R O B L E M A S , N O VA S
temporal se encerra em 2002, contando que, ABORDAGENS, NOVOS
em 2003, uma nova e significativa inflexão se OBJETOS
deu, com o início do governo de Luiz Inácio
Lula da Silva, a reestruturação do Ministério A famosa coleção organizada por Jacques
80
da Cultura, na gestão de Gilberto Gil3, e a Le Goff e Pierre Nora, publicada em 1974,
nova estrutura regimental do Iphan. na França, intitulada Faire L’Histoire, com
Para percorrer esses vinte anos, foram três volumes (Nouveaux problèmes; Nouveaux
selecionados assuntos e eventos que, da Aproches; Nouveaux Objets), inspira a
minha visada, julguei relevantes para narrativa que construímos para tratar do
uma compreensão de mudanças que campo do patrimônio no Brasil, nas décadas
tiveram efeitos de longo prazo na história de 1980 e 19904. Essa coleção inaugurava
institucional, inserida em contextos mais
4. A coleção organizada por Pierre Nora em comemoração aos
amplos da história do Brasil. Eles me duzentos anos da Revolução Francesa, Les Lieux de mémoire.
Tomo 1. La République (1 volume, 1984); Tomo 2. La Nation
(3 volumes, 1987); Tomo 3. Les France (1992), pela Gallimard,
2. Em 2005 ocorreu o primeiro concurso público na instituição, especialmente seu artigo Entre memória e história: a problemática
após as novas regras de acesso ao serviço público instituídas pela dos lugares, publicado na revista Projeto História, São Paulo, v.10,
Constituição Federal de 1988. 1993, também deve figurar entre as referências emblemáticas do
3. O Ministério da Cultura foi criado em 1985. Em 1990, foi período, no âmbito da formação em História, em particular. Jani-
transformado em Secretaria da Cultura, diretamente vinculada ce Gonçalves (2012) analisa a contribuição do historiador Pierre
à Presidência da República, situação que foi revertida em 1992. Nora para os estudos relacionados ao campo do patrimônio
Em 2003, foi feita nova reestruturação do Ministério. Ver http:// cultural, em especial a partir da noção de “lugares de memória”,
www.cultura.gov.br/historico. Acesso em 22/6/17. apresentada na referida obra).
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na França a autodenominada Nova História, ocorreu uma virada cultural, que incorporava
cujos integrantes foram formados na esteira uma concepção da história como narrativa,

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da École des Annales e dela sentiam-se tendo surgido estudos sobre uma diversidade
continuadores, herdeiros em terceira geração. de temas (abordagens, objetos e problemas),

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Publicada no Brasil logo em seguida, pela como gênero, minorias étnicas e religiosas,

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Livraria Francisco Alves Editora, em 1976, hábitos e costumes. Para o campo do
com segunda edição em 1979, História: novos patrimônio, esse contexto historiográfico

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problemas; novas abordagens; novos objetos foi expressivo, pois compartilhou a quebra

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de paradigmas acerca de verdades históricas,

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atingiu boa parte dos jovens que se formaram
nos anos 1970 e 80 nos cursos de História rupturas com uma história política tradicional
e de Ciências Sociais no Brasil que tinham ou com uma visão de cultura restrita às artes,

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contato com a escola francesa, em anos de música ou literatura, para a uma definição
ditadura militar e abertura política, ávidos mais ampla, como práticas, processos e
por revolucionar o pensamento, o Estado, a cotidiano (Burke, 1992).

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vida cultural, as práticas sociais – o país. Os Teve também entrada no Brasil, o livro

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efeitos no campo do patrimônio produzidos de Eric Hobsbawm e Terence Ranger The

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por essa historiografia francesa não serão invention of tradition, lançado originalmente

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analisados neste artigo , mas situar essa em 1983 e aqui publicado, em 1984, pela
obra no mesmo contexto pode iluminar em editora Paz e Terra. Os dois historiadores
certa medida as mudanças conceituais que ingleses de base teórica marxista também
verificamos no período aqui recortado. Pode incorporavam a perspectiva cultural em seus
também deixar pistas para aprofundamento estudos de história social, desconstruindo
e produção de novos estudos que percebam ícones e emblemas, dessacralizando
conexões entre as reflexões teóricas sobre o costumes e patrimônios. Era, sem dúvida,
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campo do patrimônio no Brasil e o debate um contexto de viradas epistemológicas.
Essa virada cultural que atingia em cheio a
acadêmico no da história naquele momento,
história produzia os primeiros passos de uma
tal como se verificou na França (cf. Roiz e
aproximação da disciplina com a temática do
Santos, 2012).
patrimônio no Brasil.
Como apontou Peter Burke (2005),
Em obra posterior, tratando da história
nos anos 1970, aspectos culturais do
do capitalismo, Hobsbawm ([1993]1995)
comportamento humano se tornaram
fez uma leitura panorâmica do século XX
foco em estudos históricos na Europa (não
e apresentou os anos 1970 e 1980 como
somente na França) e foram estabelecidas
as “décadas de crise” do sistema, com
conexões entre história, antropologia e
predomínio da recessão e da estagnação da
literatura. Para o autor, nesse momento
economia mundial. Décadas marcadas por

5. O estudo dessas relações está por ser feito. Sobre a influência


um novo tipo de concorrência em termos
da historiografia francesa na formação de historiadores no Brasil, globais que a tecnologia promoveu, com a
em especial da Escola dos Annales, ver ROIZ e SANTOS, 2012
e ROIZ, 2008. expansão do poder transnacional do capital,
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a ignorar as fronteiras nacionais. É possível as primeiras eleições para a Presidência da


afirmar que esse contexto deu margem República, depois de vinte e quatro anos de
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ao fortalecimento de recortes identitários ditadura militar no Brasil6.


multifacetados, de clivagem religiosa, étnica, Os efeitos da conquista dos valores
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ideológica, de gênero, reconfigurando as fundamentais da liberdade, dos direitos


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perspectivas sobre uma identidade nacional. humanos e da tolerância, expressões que não
Essas identidades emergentes também podem ser esquecidas, nem cair no vazio,
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trouxeram questões para os debates sobre serão sentidos a longo prazo, no campo do
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o patrimônio cultural, que acompanharam


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patrimônio. É o que buscaremos apontar


a virada epistemológica aqui referida e o a seguir.
predomínio de uma perspectiva processual
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da cultura, que tomava a vida cotidiana E O CAMPO DO


como objeto de investigação. Bens e práticas PAT R I M Ô N I O : 1982-2002
culturais até então alheios a esse universo
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passaram a concorrer legitimamente para Os anos 1980 foram de luta, de mudanças


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serem incluídos na categoria de patrimônio e, principalmente, de esperança no Brasil


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cultural (cf. Canclini, 2007). e também no Iphan. Nesse contexto,


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No Brasil, essas mudanças conceituais transformou-se o perfil dos quadros


ocorreram no contexto de abertura política da instituição, com a incorporação de
vivida no país associada à crise econômica profissionais de áreas diversificadas, como
da qual o Brasil não escapava. Os anos 1980 sociólogos e educadores do Centro Nacional
ficaram apelidados de a “década perdida” por de Referência Cultural – CNRC, arquitetos
economistas, devido ao péssimo desempenho e economistas do Programa das Cidades
da economia brasileira e aos altos índices Históricas – PCH e historiadores e arquitetos
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inflacionários. Esse apelido, no entanto, contratados pela Fundação Nacional Pró-
desmerece as grandes conquistas políticas Memória. Os tipos de bens passíveis de
e sociais daquele momento memorável. A patrimonialização e as perspectivas sobre eles
Campanha das Diretas Já, em 1984 – ainda também se transformavam. O paradigma da
que derrotada –, e a promulgação da nova excepcionalidade do patrimônio nacional
Constituição Federal Brasileira, em 1988, que marcou a ação institucional passava
são eventos inesquecíveis, que estruturaram a conviver com a compreensão do bem
a vida democrática brasileira. José Sarney, como peça do cotidiano, do mundo do
último presidente da República eleito trabalho, de religiosidades não dominantes,
indiretamente por um colégio eleitoral,
terminou seu mandato, segundo Ana Cristina 6. O pleito de 1989 foi a primeira e única eleição que reuniu
tantos personagens marcantes da história brasileira. Estavam dis-
Teodoro da Silva (2003), com a imagem de putando a Presidência da República Ulysses Guimarães, Leonel
um presidente fraco, “impotente diante dos Brizola, Mário Covas, Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Collor
de Mello e Guilherme Afif Domingos, entre muitos outros.
eternos três dígitos nos índices anuais de Ainda fazia parte da disputa Paulo Maluf, candidato derrotado na
disputa presidencial de 1985, que elegeu Tancredo Neves e José
inflação”, no ano de 1989, em que ocorreram Sarney pelo colégio eleitoral, em uma eleição indireta.
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dos subalternos e das minorias e, nem por e tradicional (1984) ou o dos Vestígios do Renda Irlandesa de
Divina Pastora,SE
Acervo: Iphan/
isso, menos significativo como referência de Quilombo dos Palmares, tombado no ano de Fabrícia de Oliveira Santos.

identidades e como fonte para a produção de 1986, em Alagoas, integrando novos sujeitos
conhecimento sobre a história do Brasil. à cena do patrimônio nacional. Também
O tombamento do Terreiro da Casa pode ser incluído nesse grupo o tombamento,
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Branca, Ilê Axé Iyá Nassô Oká, de Salvador , em 1990, de 48 edificações na zona central
em 1984, tem sido recorrentemente apontado de Antônio Prado, no Rio Grande do Sul,
(Velho, 2006; Fonseca, 1997, entre outros) que, por sua vez, incorporou ao patrimônio
como emblemático das lutas para inclusão nacional uma expressão da colonização
de representações de grupos de identidade italiana. Essa proteção decorreu de demanda
diversificados na categoria de patrimônio advinda de técnicos, especialistas e setores
cultural brasileiro, por meio da demanda sociais, em busca de uma representação mais
de movimentos sociais que se apropriaram ampla e diversa da nação7.
dos instrumentos disponíveis, como o Em todos esses casos, os debates no
tombamento, em favor dos interesses das Conselho Consultivo, verificados por meio
minorias. Podem ser somados a esse contexto
tombamentos inovadores, como o da Fábrica 7. Esse tombamento não foi aceito de imediato pela população
de Vinho de Caju em João Pessoa, que incluiu local e foram realizados projetos de “educação patrimonial”, vista
então como meio para reduzir as tensões geradas pela ação insti-
as técnicas industriais utilizadas e, portanto, tucional. Sobre o assunto hoje, ver clipping do Ministério Público,
em 14/7/2009, em que foi instituído o tombamento voluntário:
uma expressão de modos de fazer popular https://www.mprs.mp.br/memorial/noticias/id18399.htm
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das atas das reuniões, podem ser reveladores integrava um projeto mais amplo de
das posições dominantes e das visões de democratização da sociedade brasileira como
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mundo em disputa naquele momento, bem um todo.


como da força dos movimentos sociais, Até 1980, o Iphan dispunha de duas
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trazendo à luz sujeitos que por diferentes linhas editoriais, as séries Revista do
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estratégias foram colocados na invisibilidade, Patrimônio e Publicações. Na gestão de


inclusive em função da censura feita à Renato Soeiro à frente do Iphan (1967-
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imprensa pelo regime ditatorial. 1979) saíram apenas os números 16, 17 e


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O antropólogo Gilberto Velho foi 18 da revista, referentes aos anos de 1968,


membro do Conselho Consultivo da Sphan 1969 e 1978 (Thompson, Leal, Sorgine
enquanto diretor do Museu Nacional e e Teixeira, 2012). Desde sua criação, a
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participou, em diversas situações, desses Fundação Nacional Pró-Memória investiu


debates. Em artigo na Revista do Patrimônio significativamente numa ação editorial,
o
Histórico e Artístico Nacional n 20, de 1984, começando por lançar em 1980 o livro
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Proteção e revitalização do patrimônio histórico


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ele assinalava que democratizar a política


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e artístico no Brasil – uma trajetória8. Como


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cultural no Brasil era, de fato, questão central


naquele momento e afirmava que tratado anteriormente (Chuva, 2009 e
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2014), entendo que esse livro inaugurou uma


(...) a ampliação do próprio conceito de
perspectiva historiográfica sobre a preservação
patrimônio cultural e o enriquecimento e
do patrimônio cultural no Brasil, construindo
flexibilização dos meios e instrumentos de que
dispomos fazem parte de um projeto mais amplo,
uma narrativa que se consagrou e, ainda hoje,
de longo prazo, de democratização da sociedade tem lugar dominante.
brasileira (Velho, 1984:39). Essa publicação produziu uma narrativa
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sobre a trajetória das políticas de proteção
Dizia ele que era preciso “levar em conta desenvolvidas pelo Iphan. Nela, as origens
com o devido peso a questão da diversidade”, da nação foram identificadas no período
bem como colonial, a autoridade de Rodrigo Melo
(...) discutir e levar em conta os costumes Franco de Andrade foi consagrada, bem
e valores dos grupos e segmentos sociais que como ficou estabelecida a tese de que a
ocupam posições subordinadas e hierarquicamente prática da preservação cultural deveria
inferiores na sociedade (idem:38). ser desempenhada pelo poder público. A
periodização das políticas de patrimônio
Se observarmos o conjunto de publicações
colocava as gestões de Rodrigo Melo
da instituição, do qual esse número da revista
Franco de Andrade e Aloisio Magalhães
faz parte, podemos nos surpreender com a
como responsáveis por sua fundação e
intensidade do investimento feito no sentido
da criação de canais de comunicação com a
8. Publicado pela então Secretaria do Patrimônio Histórico e
sociedade, nos quais se expunham diferentes Artístico Nacional – Sphan e Fundação Nacional Pró-Memória
– FNPM, como número 31 da série Publicações, interrompida
posições. Parece-nos que tal investimento em 1945.
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modernização, respectivamente. Foram apresentava sua ideia do bem cultural como
denominadas de “fase heroica” e “fase algo

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moderna” e, por meio dessa estratégia
(...) múltiplo como as manifestações culturais
discursiva, os doze anos de gestão de Renato
que emergem das estruturas sociais formadoras do

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Soeiro, de 1967 a 1979, foram colocados povo brasileiro, em que as suas produções culturais

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na sombra. Nessa versão, o Iphan estaria seriam tão valorizadas quanto o espaço em que elas
esvaziado e enfraquecido no momento ocorrem10.

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em que Aloisio Magalhães o assumiu. Há

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Por sua vez, a seção de cartas do Boletim

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algumas evidências, contudo, que mostram
o importante papel de Renato Soeiro à permitia o conhecimento de demandas e
frente da instituição: ele tinha assento no opiniões de um público que até então se

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manifestava apenas de forma dispersa, sem

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Conselho Federal de Cultura e no Conselho
Consultivo do PCH, além de ter dirigido o dispor de um canal próprio de comunicação
Departamento de Assuntos Culturais – DAC, ou apresentação de demandas. Era esse,

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a autarquia que sediava os programas PAC portanto, um espaço para questionamentos

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e PCH, até 1974 (Azevedo, 2013 e Chuva em relação às práticas institucionais.

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e Lavinas, 2016). É fato que ambos, Renato Tais publicações, como o livro Proteção e

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Soeiro e Aloisio Magalhães, desfrutaram de revitalização do patrimônio histórico e artístico
boas relações com setores do governo durante no Brasil - uma trajetória ou a coleção do
o regime militar. Boletim, são fontes ricas para investigação
O Boletim Sphan/Pró-Memória, editado da história das políticas institucionais de
mensalmente de 1979 a 1989 ,,foi uma 9 preservação do patrimônio no Brasil. Suas
publicação de tiragem bastante expressiva. narrativas são datadas, mas ainda ecoam
Welbia Carla Dias descreveu diversas de suas no presente, tendo sido disseminadas por
85
características, capazes de defini-la como um diferentes canais e autores. Joaquim de
espaço comunicativo. Para ela, Arruda Falcão foi um deles, ao afirmar que a
política cultural durante o regime militar teria
(...) o Boletim serviu como um espaço para
tido início somente com a criação do CNRC
discussão e compreensão de um período do
órgão repleto de questionamentos em relação aos e que o Iphan teria permanecido no “atraso
conceitos e às práticas preservacionistas (Dias, conceitual e metodológico” até a nova direção
2012:123). de Aloisio Magalhães (Falcão, 1984)11.
A Revista do Patrimônio criada em 1937
Servia também para divulgar as ações
– Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e
da instituição. No número zero do Boletim,
lançado em 1979, Aloisio Magalhães 10. Conforme analisado por Laís Lavinas, “a noção de cultura
apresentada no Boletim é (...) a cultura compreendida como um
‘processo global que não separa as condições do meio ambiente
9. No número 0/1979, o periódico chamou-se Boletim do Iphan. daquelas do fazer do homem’.”(Lavinas, 2014:157).
A partir do número 1, é denominado Boletim Sphan/Pró-Memória 11. Tais como Fonseca (1997), Gonçalves (2002). O debate
(da Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e da historiográfico mais recente conta com estudos sobre as políticas
Fundação Nacional Pró-Memória). Entre 1985 e 1987 o boletim culturais e de patrimônio dos anos 1970 (Lavinas, 2014, Pereira,
não foi publicado. Ver Dias (2012). 2009; Maia, 2010; Calabre, 2009).
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Convento

Nelson Kon.
Acervo: Iphan/
São Francisco
do Paraguaçu, BA
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do Capacete, e a morte de Chico Mendes12,
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Artístico Nacional – também nos dá elementos


para compreendermos o contexto recortado eventos que não podem ser banalizados, para
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neste artigo. O primeiro número publicado que não percamos de vista a intensidade das
no período entre 1982 e 2002 saiu em 1984. conquistas daquele momento, em diversas
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Ele buscava desarrumar a fala canônica frentes.


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dos estudos sobre o patrimônio publicados Por isso mesmo, enfatizamos o fato de
na revista até 1978. Em novo formato, o 1988 ter sido, também, o ano da Assembleia
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projeto original da revista dispunha de novas Nacional Constituinte, que consagrou a


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ampliação da noção de patrimônio cultural


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dimensões, muitas ilustrações e um desenho


moderno, ainda que tenha sido mantida sua no texto da nova Constituição Federal, com
finalidade de intercâmbio entre especialistas, a consolidação de uma perspectiva ampla
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como dito no editorial. O novo projeto criou e plural da identidade brasileira e trazendo
seções que permitiam a apresentação de um para a cena jurídico-política a noção de bens
culturais de natureza imaterial. Vale destacar,
campo dinâmico, ao garantir um espaço de
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como já apontado, que essas conquistas


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debates com publicação de mesas redondas,


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foram possíveis devido à reunião de forças


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com falas múltiplas e posições multifacetadas


políticas de esquerda, partidos e grupos
e até dissonantes sobre as políticas de
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de intelectuais, com o intuito de forjar


patrimônio (Thompson, Leal, Sorgine e
um conceito de patrimônio cultural que
Teixeira, op. cit.). O número 22 foi o último
favorecesse o exercício da cidadania, como
número nesse formato e saiu em 1987. Nele,
resultado de lutas e reflexões que vinham
o sociólogo Sergio Miceli apontou a questão
sendo processadas desde os anos 1970 (Telles,
da democratização dos modos de seleção e
2007 e Arantes, 2015).
exposição da cultura como ponto chave de
88 qualquer política de patrimônio em termos
A CONSTITUINTE –
globais e, em especial, no Brasil, tema delicado
NOVOS SUJEITOS EM CENA
no contexto de abertura política do país. Para
ele, as políticas de Estado de âmbito cultural Desde a Constituição Brasileira de
deveriam assegurar a representatividade de 1934, o amparo à cultura é tratado como
diferentes setores e movimentos sociais que dever do Estado; o direito de propriedade
fossem direta ou indiretamente por elas está subordinado ao interesse social ou
atingidos (Miceli, 1987). coletivo, cabendo à União, aos estados e aos
Numa perspectiva mais ampla do processo municípios proteger os objetos de interesse
de abertura política brasileira, vimos sujeitos histórico e o patrimônio artístico do país.
ligados a minorias e movimentos sociais As constituições brasileiras subsequentes
ocupando dramaticamente as manchetes e anteriores à Constituição de 1988
dos jornais. O ano de 1988 foi marcado por
acontecimentos chocantes, como o massacre 12 . Líder sindical, seringueiro e ambientalista, Chico Mendes foi
assassinado em sua própria casa, em Xapuri, no Acre. Em 2011, o
dos índios Tikuna, chamado de Massacre Iphan tombou esse imóvel, em homenagem à sua memória.
Po s s í ve i s n a r r at i va s s o b re d u a s d é c a d a s d e p at r i m ô n i o : d e 1 9 8 2 a 2 0 0 2
reproduziram essas ideias com pequenas § 1º - O poder público, com a colaboração da
variações. Nos 42 anos que separam a comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio

A C I O N A L
Constituição Democrática de 1946 da cultural brasileiro, por meio de inventários,
registros, vigilância, tombamento e desapropriação,
Constituição Cidadã de 1988, o campo
e de outras formas de acautelamento e preservação.

N
do patrimônio se ampliou, se tornou mais
§ 2º - Cabem à administração pública, na forma

R T Í S T I C O
complexo e o texto Constitucional de 1988 é
da lei, a gestão da documentação governamental
revelador desse percurso. Nele encontramos e as providências para franquear sua consulta a

A
traços desse tempo percorrido e das lutas quantos dela necessitem.

E
a ele coevas, nos extensos artigos 215 e

I S T Ó R I C O
§ 3º - A lei estabelecerá incentivos para a produção
216, bem como no artigo 68 do Ato das e o conhecimento de bens e valores culturais.
Disposições Constitucionais Transitórias – § 4º - Os danos e ameaças ao patrimônio cultural

H
serão punidos, na forma da lei.

A T R I M Ô N I O
ADCT. Considerando nosso recorte temporal
e a importância do assunto, optamos por § 5º - Ficam tombados todos os documentos e os
sítios detentores de reminiscências históricas dos
reproduzi-los aqui. São eles, tal como
antigos quilombos.

P
promulgado em 1988:

D O
ADCT - Art. 68 - Aos remanescentes das

Márcia Chuva
E V I S T A
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno comunidades dos quilombos que estejam
exercício dos direitos culturais e acesso às fontes ocupando suas terras é reconhecida a propriedade

R
da cultura nacional, e apoiará e incentivará a definitiva, devendo o Estado emitir-lhes títulos
valorização e a difusão das manifestações culturais. respectivos.
§ 1º - O Estado protegerá as manifestações das
culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, Através desses dispositivos, a Constituição
e de outros grupos participantes do processo Federal Brasileira consagrou a tese da
civilizatório nacional. diversidade cultural, ao considerar a
§ 2º - A lei disporá sobre a fixação de datas importância da contribuição dos “diversos
comemorativas de alta significação para os grupos formadores da sociedade brasileira” e 89
diferentes segmentos étnicos nacionais. a necessidade de proteção e salvaguarda do
Art. 216 - Constituem patrimônio cultural
patrimônio cultural de natureza material e
brasileiro os bens de natureza material e imaterial,
imaterial pertencente a esses diferentes grupos.
tomados individualmente ou em conjunto,
portadores de referência à identidade, à ação, à A noção de “grupos formadores” cumpriu
memória dos diferentes grupos formadores da um papel crucial em termos discursivos, no
sociedade brasileira, nos quais se incluem: sentido da inclusão e do reconhecimento da
I - as formas de expressão; diversidade cultural brasileira.
II - os modos de criar, fazer e viver; Refletindo sobre a eficácia da noção de
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
“grupo” após o transcurso de algumas décadas
IV - as obras, objetos, documentos, edificações
e das novas configurações do campo, alguns
e demais espaços destinados às manifestações
artístico-culturais;
dos efeitos da sua apreensão como algo
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor permanente podem ser verificados na prática
histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, de seleção de bens culturais como patrimônio:
paleontológico, ecológico e científico. se por um lado essas práticas ampliaram
Po s s í ve i s n a r r at i va s s o b re d u a s d é c a d a s d e p at r i m ô n i o : d e 1 9 8 2 a 2 0 0 2

significativamente o universo de bens modos de pertencimento a essa categoria.


tombados, com elementos de representação Diferentes significados a ela atribuídos foram
A C I O N A L

do imigrante, do afrodescendente ou do confrontados ao longo dos anos 1990 até


indígena, por outro, ficou evidente o objetivo alcançar o (relativo) consenso da atualidade.
N

de somar grupos distintos, como se fosse Como vimos anteriormente, os


R T Í S T I C O

possível alcançar uma totalidade, isto é, um movimentos sociais que reivindicavam


somatório de diferenças prontas. Esse modo direitos civis e culturais ganharam força nas
A

de perceber a realidade levou à colocação de ruas, na imprensa, na mídia e as agências


E

brasileiras de preservação (nos planos


I S T Ó R I C O

uma falsa pergunta, repetida em diferentes


situações: como contemplar todos os grupos federal, estadual e municipal) começaram
que constituem a nação? Isso só seria possível a enfrentar demandas para proteção e
H
A T R I M Ô N I O

se tais grupos fossem tipificados e estanques. valorização das artes e dos ofícios cultivados
Os grupos formadores da sociedade brasileira por setores populares, populações afro-
são configurações históricas, portanto, brasileiras e nações indígenas (Arantes,
P

mutáveis, sempre em processo de formação e 2009). Naquele momento, o que estava em


D O

Márcia Chuva

jogo era a plena inclusão dessas camadas


E V I S T A

transformação13.
Por sua vez, o parágrafo 5º do Art. da sociedade no processo político formal,
R

216 e o Art. 68 do ADCT consagraram os no sentido de reconquistar seus direitos de


remanescentes de quilombos como objeto cidadania. Suas demandas, amplificadas pela
de reconhecimento e proteção por parte do redemocratização do país, estimularam uma
Estado e colocaram em foco comunidades revisão crítica dos valores que ao mesmo

até então ignoradas pelas políticas de tempo fundamentavam e eram promovidos


pelas políticas públicas de patrimônio14.
patrimônio no Brasil, envolvendo o Iphan
Veremos então, a seguir, como
90 em políticas afirmativas e de reparação
foram produzidas novas realidades no
que não faziam parte do escopo de sua
campo institucional do patrimônio, que
atuação. Os debates que se sucederam à
interpretou as expectativas geradas pelo texto
Constituinte em relação ao texto do art. 68
constitucional, (re)configurando suas práticas
do ADCT e, especificamente, em relação ao
dentro dos limites históricos do Brasil nos
conceito de quilombo revelaram problemas
anos 1990.
de natureza política e epistemológica. A
Para isso, vamos destacar três noções
impossibilidade de serem inventariados todos
criadas, ou ressemantizadas, no contexto
os quilombos do Brasil mostrava a imprecisão
em análise que nos parecem centrais para a
do conceito e colocava em xeque
narrativa que vimos construindo: referência
algumas das interpretações
cultural, quilombo e cidade-documento.
vigentes a seu respeito, como
Ao refletir sobre a apropriação dessas
também trazia à cena os
14. Esse aspecto tem sido abordado por caminhos diferentes, tais
13. Para aprofundar esse como Fonseca, 1997; Marins, 2016; Chuva, 2012; Nascimento,
debate, ver Canclini, 2007. 2012, dentre outros.
Po s s í ve i s n a r r at i va s s o b re d u a s d é c a d a s d e p at r i m ô n i o : d e 1 9 8 2 a 2 0 0 2
noções nos anos 1980 e 1990, veremos a noção refere-se aos sujeitos de atribuição de
configuração de novos objetos passíveis de valor de patrimônio e não à natureza dos

A C I O N A L
se tornarem patrimônio, novos problemas bens tornados patrimônio. Desse modo,
a serem enfrentados e novas abordagens é possível afirmar que isso significou uma

N
sobre antigos objetos patrimoniais. Esses importante inversão na lógica consagrada

R T Í S T I C O
elementos indicam que os paradigmas do dos processos de patrimonialização, fundada
campo do patrimônio estavam (e estão) sendo na ideia de que os objetos teriam valores

A
redesenhados (Chuva, 2014). intrínsecos. (Chuva, 2012).

E
I S T Ó R I C O
Contudo, esse entendimento, tal
NOVOS OBJETOS – A NOÇÃO como apresentado por Fonseca, não estava
D E R E F E R Ê N C I A C U LT U R A L plenamente desenhado na década de 1980 e,

H
A T R I M Ô N I O
quiçá, 1990. Em sua tese, Lia Motta (2017)
Essa noção, introduzida pelo Centro faz uma interessante revisão historiográfica
Nacional de Referência Cultural, teve papel e, com uma abordagem inovadora e farto

P
decisivo na virada que viabilizou a ampliação material empírico, percebe que a noção de

D O

Márcia Chuva
da noção de patrimônio cultural no Brasil e, referência cultural dos anos 1970 era mais

E V I S T A
com ela, a inclusão de novos objetos passíveis uma marca e bem menos um conceito. A

R
de serem reconhecidos como tal. Ela foi referência cultural era uma categoria em
também fundamental para a inclusão dos construção. São as lutas de representação em
grupos sociais como sujeitos no processo de torno da legitimidade do patrimônio e dos
seleção desse patrimônio. Formulada nos sujeitos de atribuição de valor, processadas
anos 1970, aparece no texto constitucional, ao longo daquelas duas décadas, que vão
através da noção de referência, que consta conferir sentido e encorpar os significados da
no caput do Art. 216, ao lado da definição de noção de referência cultural, até que se torne
91
patrimônio como “bens de natureza material uma categoria operacional, na metodologia
ou imaterial”. Ao indicar a necessidade de do Inventário Nacional de Referências
“colaboração da comunidade” nas ações Culturais – INRC, elaborada em 200015.
de promoção e proteção ao patrimônio, Sem dúvida, seus significados na atualidade
empreendidas pelo Estado, a Constituição dão consistência e operacionalidade à ideia
também inova por incluir outros agentes no dos novos sujeitos de atribuição de valor de
processo que, até então, era monopolizado na patrimônio. Isto é, os produtores, detentores
fala do Estado e de seus especialistas. e/ou agentes da cultura foram incluídos no
Os sentidos históricos dados à noção de
processo de reconhecimento e valorização da
referência cultural, principalmente a partir
prática cultural, transformando os processos
da implantação do Decreto no 3.551/2000,
estabeleceram uma associação quase que 15. O antropólogo Antonio Augusto Arantes coordenou a
exclusiva com o patrimônio imaterial, que equipe responsável pela concepção da metodologia do Inventário
Nacional de Referências Culturais, contratado pelo Iphan para
não estava prevista na Constituição. Para desenvolvimento do Projeto Piloto no Museu Aberto do Desco-
brimento, Porto Seguro, em 1999-2000. Foi presidente do Iphan
Maria Cecília Londres Fonseca (2003), a de 2004 a 2006.
Po s s í ve i s n a r r at i va s s o b re d u a s d é c a d a s d e p at r i m ô n i o : d e 1 9 8 2 a 2 0 0 2

de construção de legitimidade do patrimônio à cultura do imigrante, restritos ao sul do


e, com eles, as regras de atribuição de valor país, reproduzindo-se um pensamento
A C I O N A L

de patrimônio. modernista e colonial, ainda que por meio da


Historicamente, isso se processou com inclusão de bens de tipologias inovadoras.
N

a inclusão de novos objetos na categoria de No mesmo contexto em que esses


R T Í S T I C O

patrimônio cultural brasileiro, para atender estudos de tombamento de terreiros eram


a demandas de setores que encontraram nas realizados, ocorria uma mobilização para
A

políticas de patrimônio e no instrumento que fossem debatidos os encaminhamentos


E

do tombamento uma ferramenta na luta por da Constituição relativos ao patrimônio


I S T Ó R I C O

direitos culturais, direito à memória e imaterial. O Departamento de Identificação


à identidade. e Documentação do Iphan, o DID16, teve
H
A T R I M Ô N I O

Ideias inauguradas nos anos 1980, protagonismo na coordenação desse debate


contudo, não se tornaram hegemônicas na e em torno dele juntaram-se técnicos
década seguinte, como tratou Paulo Cesar anteriormente envolvidos com os estudos e a
P

Garcez Marins (2016). Podemos afirmar, salvaguarda da cultura popular e do folclore,


D O

Márcia Chuva

portanto, que a ampliação da noção de por um lado, e da referência cultural por


E V I S T A

patrimônio cultural – como algo processual outro, isto é, do Centro Nacional do Folclore
R

e dinâmico, cotidiano e diverso e sujeito e do antigo CNRC, respectivamente. Entre


a sentidos variados e mesmo conjunturais os eventos significativos desse período, vale
– se deu de modo lento, controvertido destacar a realização do VIII Congresso
e nada linear. Quantitativamente, os Brasileiro do Folclore, em 1995, que lançou
tombamentos diminuíram nos anos 1990, a Carta do folclore brasileiro, reabilitando essa
correspondendo a apenas 42% do número de noção, e trouxe agências e agentes para a
tombamentos realizados nos anos 1980. Mas cena das políticas de patrimônio. Vale dizer
92
nesse período, conforme dados de Marins que, em 1996, a museóloga Célia Corsino,
, diferentes religiões foram contempladas com trajetória no campo da cultura popular,
com tombamentos, como o Terreiro Axé assumiu a direção do DID. Esse foi um
Opô Afonjá em Salvador (2000) e o da Torá momento importante de reconfiguração de
do Museu Nacional (1999). Ao produzir redes de agentes e de posições, bem como de
esses dados sobre os anos 1990, o autor construção das conexões entre os campos do
acredita que o “paradigma modernista” de patrimônio e do folclore e cultura popular.
entendimento da nação forjado nos anos A partir do seminário internacional
1930 teve continuidade, embora com fissuras Patrimônio Imaterial: Estratégias e Formas
importantes provocadas nos anos 1980. de Proteção, organizado pelo Iphan em
Segundo Marins (2016), isso fica ainda mais Fortaleza, em 1997, uma série de medidas
evidente ao analisar a distribuição territorial foi tomada e redundou na criação da política
dos bens tombados nos anos 1990, pois os
bens relacionados à cultura afrodescendente 16. De 1986 a 1990, funcionava como Coordenadoria de
Registro e Documentação – CRD; de 1990 a 2003, como Depar-
ficaram restritos à Bahia e aqueles vinculados tamento de Identificação e Documentação – DID.
de patrimônio imaterial no Brasil17. Na

Po s s í ve i s n a r r at i va s s o b re d u a s d é c a d a s d e p at r i m ô n i o : d e 1 9 8 2 a 2 0 0 2
Iphan antes de 1988 era de sítio
forma de um texto normativo, o Decreto n o
arqueológico, logo, sua gestão não envolvia

A C I O N A L
3.551/2000 pode ser visto como o fato síntese relações com sujeitos de identidade
que encerra esse período, com a criação do quilombola no presente. O debate

N
Programa Nacional de Patrimônio Imaterial. para a inclusão dessa temática no texto

R T Í S T I C O
Os seus efeitos se fizeram sentir a partir de constitucional envolveu diferentes setores
2002, ano do primeiro registro realizado . 18 da sociedade e foi relatado pelo referido

A
Novos objetos só poderiam ter surgido antropólogo, que, na época, era presidente

E
da Associação Brasileira de Antropologia –

I S T Ó R I C O
porque socialmente se configuraram novos
problemas e novas abordagens foram ABA. Termos como quilombo, remanescentes
propostas. Os dados produzidos por de quilombo, quilombolas, adotados na

H
Constituição, colocaram em debate o

A T R I M Ô N I O
Marins (idem) acima apresentados são, sem
dúvida, expressivos. Contudo, observar as reconhecimento da existência de grupos
políticas de patrimônio exclusivamente pelo detentores de modos de vida específicos

P
tombamento pode limitar o olhar sobre associados à vivência da territorialidade

D O

Márcia Chuva
e da diferenciação étnica, em oposição

E V I S T A
uma realidade mais complexa. Buscaremos
à perspectiva passadista e de abordagem
apontar, a seguir, outros aspectos das políticas

R
arqueológica que predominava entre
dos anos 1990 que são fruto das inovações
legisladores e também no Iphan.
conceituais e políticas forjadas nos anos 1980,
A concepção de quilombo
evidenciando também descontinuidades com
contemporâneo, que a ABA sistematizou em
o paradigma modernista.
um documento datado de 1994, subsidiou
os debates que levaram à regulamentação
NOVOS PROBLEMAS –
do Art. 68 da ADTC, quase uma década
A NOÇÃO DE QUILOMBO 93
depois, em 2003, como citado por Eliane
O’Dwyer:
Para a reflexão sobre os novos problemas,
voltamos ao texto constitucional, no que se Contemporaneamente, portanto,
refere aos quilombos e suas relações com o o termo Quilombo não se refere a
resíduos ou resquícios
campo do patrimônio. Segundo Antonio
arqueológicos
Augusto Arantes (2015), a concepção
de ocupação
predominante da categoria “quilombo” no temporal ou de
comprovação
17. A Comissão foi criada pela Portaria nº 37, de 4 de março de biológica.
1998, com a finalidade do estabelecimento de critérios, normas
e formas de acautelamento do patrimônio imaterial brasileiro e Também não se
o Grupo de Trabalho, cuja finalidade era dar assessoramento à
referida Comissão, foi criado pela Portaria nº 229, de 6 de julho
trata de grupos
de 1998, ambas assinadas pelo Ministro da Cultura Francisco isolados ou de
Weffort (Iphan, 2003). Sobre a composição dos dois grupos
citados, ver também Iphan, 2003. uma população
18. Em 2002, ocorreram os primeiros registros de patrimônio estritamente
cutural de natureza imaterial: o Ofício das Paneleiras de Goiabei-
ras, Vitória (ES) e a Arte Gráfica dos Índios Wajãpi, no Amapá. homogênea.
Baiana Da mesma forma nem sempre foram constituídos Convocado a posicionar-se nesse
Acervo: Iphan/
Francisco Costa. a partir de movimentos insurrecionais ou rebelados debate e responder às novas determinações
mas, sobretudo, consistem em grupos que constitucionais, em especial ao parágrafo 5º
94 desenvolveram práticas cotidianas de resistência na
do Art. 216, o Iphan apresentou, em 1998,
manutenção e reprodução de seus modos de vida
um parecer técnico que mantinha a posição
característicos e na consolidação de um território
institucional restrita às situações em que
próprio (Abant, 1994, apud O’Dwyer, 2002).
fossem encontrados vestígios materiais de
Em 1995, ano das comemorações dos existência dos antigos quilombos. A partir
trezentos anos da morte de Zumbi dos daí a instituição desenvolveu uma série de
Palmares, a temática quilombola conseguiu estudos e foram abertos onze processos de
entrar na pauta nacional, demarcando o tombamento, dos quais foi tombado somente
início de uma batalha jurídica e legislativa o bem relativo ao processo dos Remanescentes
que seria travada no Congresso brasileiro do Antigo Quilombo do Ambrósio. Nesse
(Arruti, 2008). Nesse mesmo ano, os caso, foram identificados restos arqueológicos,
conflitos fundiários tornaram-se manchete bem como marcos geográficos e referências
nacional com o massacre de Corumbiara, históricas da existência de quilombo
em Rondônia, e, em 1996, o massacre do constituído de negros fugidos do sistema
Eldorado dos Carajás, no Pará. escravista no local (Vaz, 2016).
Po s s í ve i s n a r r at i va s s o b re d u a s d é c a d a s d e p at r i m ô n i o : d e 1 9 8 2 a 2 0 0 2
Naquele momento, o Iphan eximia-se do representativa da comunidade, cabendo ao
debate sobre a questão fundiária, o direito à Instituto Nacional de Colonização e Reforma

A C I O N A L
terra por remanescentes de comunidades de Agrária –Incra a responsabilidade sobre a
quilombos no presente e, portanto, sobre o regularização fundiária das comunidades

N
próprio cerne do Art. 68, da ADTC, cujo quilombolas19. Desse modo, como apontou

R T Í S T I C O
enfrentamento fervilhava no Congresso. José Maurício Arruti, a noção de “terra”
Em 2001, Fernando Henrique Cardoso ganhou a dimensão conceitual de território,

A
o
assinou o Decreto n 3.912, que acabou pois nela se incluem:

E
I S T Ó R I C O
não tendo efetividade, porque foi julgado (...) não só a terra diretamente ocupada no
inconstitucional pelo Ministério Público, momento específico da titulação, mas todos os
por estabelecer um prazo excessivamente espaços que fazem parte de seus usos, costumes e

H
A T R I M Ô N I O
curto para apresentação de demandas de tradições e/ou que possuem os recursos ambientais
regularização fundiária quilombola e por necessários à sua manutenção e às reminiscências
exigir que as comunidades comprovassem históricas que permitam perpetuar sua memória

P
uma história de cem anos de “posse pacífica” (Arruti, 2008:23).

D O

Márcia Chuva
da terra, desde 13 de maio de 1888 até a data

E V I S T A
Especialmente com a implantação das
de promulgação da Constituição de 1988. políticas de patrimônio imaterial, essa questão

R
Essa batalha judicial que se arrastava há tornou-se central em diversas situações
mais de uma década só teria novo desfecho de registro e de inventário, passando a ser
em 2003, com a assinatura do Decreto compreendida e enfrentada também no
o
n 4.887 por Luiz Inácio Lula da Silva, Iphan por meio do conceito de quilombo
que regulamentou o procedimento para contemporâneo20.
identificação, reconhecimento, delimitação, Na rede de agências e agentes envolvidos
demarcação e titulação das terras ocupadas com a questão jurídico-legal quilombola, vale 95
por remanescentes das comunidades destacar a Fundação Cultural Palmares, que
dos quilombos. O decreto consagrou o se tornou responsável pela certificação das
significado de quilombo contemporâneo, em comunidades quilombolas que a reivindicam,
seu Art. 2º: antes que o Incra procedesse à regularização
da posse da terra para tais comunidades.
Consideram-se remanescentes das
A fundação é vinculada ao Ministério da
comunidades dos quilombos, para os fins deste
decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios Cultura, tal como o Iphan, sendo que as duas
de autoatribuição, com trajetória histórica própria, instituições puderam estreitar relações de
dotados de relações territoriais específicas, com parceria a partir da implantação do Decreto
presunção de ancestralidade negra relacionada com no 3.551/2000.
a resistência à opressão histórica sofrida.
19. Percebem-se nessa definição traços semelhantes àqueles que
O decreto prevê a possibilidade de serão definidos posteriormente no Decreto no 3.551/2000, para a
Salvaguarda do Patrimônio de Natureza Imaterial.
desapropriações e estabelece que a titulação 20. Esse foi o caso, por exemplo, do Jongo no Sudeste, que foi
inventariado em conformidade com a metodologia do INRC e foi
deva se efetuar em nome de entidade registrado no Livro de Registro das Formas de Expressão em 2005.
Po s s í ve i s n a r r at i va s s o b re d u a s d é c a d a s d e p at r i m ô n i o : d e 1 9 8 2 a 2 0 0 2

Haja vista os conflitos de interesses Os princípios que regem essa categoria


nesse campo, o conceito e as políticas foram lançados no parecer de tombamento
A C I O N A L

implementadas não alcançaram a estabilidade da cidade de Laguna, em Santa Catarina, em


esperada, conforme entendimento de Arruti 1985, elaborado pelo arquiteto do Iphan Luiz
N

(2008), sendo recorrentemente apresentados Fernando Franco (Fonseca, 1997 e Franco,


R T Í S T I C O

projetos de lei no Congresso Nacional com o 1995). A área urbana de valor patrimonial
o
intuito de derrubar o Decreto n 4.887/2003. passava a ser concebida como documento
A

Essas tensões refletem a frágil legitimidade capaz de narrar a história da rede de cidades
E

conquistada pelas comunidades quilombolas


I S T Ó R I C O

que se constituiu desde o processo inicial


diante da sociedade brasileira. de colonização no Brasil. Verificou-se ali
A inserção dessa temática no campo a valorização da forma do sítio urbano
H
A T R I M Ô N I O

do patrimônio no início nos anos 1990 (vestígios materiais urbanos) como fonte de
contribuiu fortemente com os novos investigação de processos sociais e culturais
paradigmas que colocaram a temática do de construção do espaço e, desse modo, o
P

patrimônio como direito e como instrumento valor histórico tornou-se crucial na seleção de
D O

Márcia Chuva

de reparação. cidades ou trechos urbanos nos tombamentos


E V I S T A

realizados especialmente nos anos 1980, mas


N O VA S –
R

ABORDAGENS também com efeitos na década seguinte21.


A NOÇÃO DE CIDADE- As cidades, que logo no início da ação
DOCUMENTO institucional foram patrimonializadas
numa perspectiva estética e pautada na
Novos objetos, novos problemas são fruto excepcionalidade como o valor maior do
também de novas abordagens que tiveram patrimônio, passavam a ser vistas como
lugar nesse contexto. Elas podem se referir aos um documento impresso no território que
96
olhares distintos que foram lançados sobre deveria ser preservado para a produção de
objetos tradicionalmente patrimonializados.
conhecimento sobre a história da ocupação
Para tratar esse tema, optamos por trazer
do território brasileiro. A convivência dessas
o conceito de cidade-documento como a
diferentes posições no interior da instituição
abordagem que predominantemente orientou
pode ser percebida nos pareceres técnicos e nas
processos de patrimonialização de cidades,
dissonâncias presentes dentro do Conselho
nos anos 1980. Embora sem presença
Consultivo, especialmente ao se observar
explícita no texto constitucional, essa noção
os bens cujo tombamento foi rejeitado ou
ganhou aplicabilidade e consistência nas
aprovado sem unanimidade. O quadro geral
ações de inventário que proliferaram nos
de bens tombados e rejeitados no período é
anos 1990, como veremos a seguir, dando
indício desses confrontos. (Nascimento, 2012).
concretude a um dos cinco instrumentos
de proteção do patrimônio, listados no 21. Para conhecer a trajetória das políticas de proteção de cidades
mencionado Art. 216: inventários, registros, históricas no Brasil, a partir da ação do Iphan, bem como um apro-
fundamento sobre o conceito de cidade-documento e sua relação
vigilância, tombamento e desapropriação. em oposição ao de cidade-monumento, ver Sant’Anna, 2014.
Po s s í ve i s n a r r at i va s s o b re d u a s d é c a d a s d e p at r i m ô n i o : d e 1 9 8 2 a 2 0 0 2
Em relação aos tombamentos de Bens Imóveis: Sítios Urbanos Tombados –
exemplares de arquitetura moderna, Flávia INBI-SU, ele próprio uma nova proposta de

A C I O N A L
Nascimento (2016) indica uma importante abordagem do bem patrimonializado.
inflexão nesse momento, tendo em vista que Veremos então, a seguir, como essa

N
os primeiros tombamentos desse tipo de bem nova abordagem metodológica levou à

R T Í S T I C O
se deram até 1967, ligados à escola carioca de compreensão da cidade histórica como um
arquitetura moderna, logo após terem sido bem em processo dinâmico, constituído

A
construídos. Nos tombamentos ocorridos pelos sujeitos que nela habitam. Deixava

E
nos anos 1980, segundo a autora, começa a de ser, portanto, um bem do passado – que

I S T Ó R I C O
haver uma percepção distinta desse tipo de deve ser protegido da destruição – para
bem, na qual a arquitetura moderna passa a tornar-se um bem apropriado pelos sujeitos

H
A T R I M Ô N I O
ser vista como história e não como partido do presente, devendo ser negociadas as
arquitetônico em disputa. formas dessa apropriação e preservação.
É também nos anos 1980 que a gestão Naquele contexto, os caminhos encontrados

P
do bem tombado consagra-se como um para tal foram os inventários.

D O

Márcia Chuva
problema incontornável a ser abordado,

E V I S T A
tendo em vista o enorme acervo de bens OS PA D R Õ E S N A C I O N A I S
DE INVENTÁRIO: NOVOS

R
tombados, as dificuldades para a fiscalização
da sua conservação e a evidência dos INSTRUMENTOS DE
processos de crescimento das cidades, P R E S E R VA Ç Ã O
inclusive aquelas tombadas. O estudo de
Lia Motta sobre Ouro Preto, publicado na O ano de 1989 foi decretado Ano
Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional do Inventário, durante a gestão
o
Nacional n 22, de 1987, estabeleceu de Ítalo Campofiorito como presidente do
97
parâmetros importantes para o debate Iphan. Esse evento anunciava as prioridades
sobre a gestão das cidades tombadas e da década seguinte.
servirá de ponte para refletirmos sobre os Após o desmonte do setor cultural
inventários. Embora o conceito de cidade- promovido pelo meteórico governo de
documento tenha sido inaugurado com os Fernando Collor de Mello, momento que
estudos de tombamento, como já vimos, ele apontamos como importante inflexão no
também foi utilizado nos inventários que campo do patrimônio, a sequência da década
se desenvolveram para subsidiar a gestão de 1990 foi marcada pelos oito anos de
do patrimônio tombado. Por isso, além dos governo neoliberal de Fernando Henrique
novos tombamentos de cidades, vale dizer Cardoso na presidência da República.
que as cidades com tombamentos anteriores, Marco Aurélio Santana (2003) afirma
cujos atributos apontados eram de ordem que ao mesmo tempo em que a mídia fazia a
estética, foram revisitadas sob a perspectiva defesa aberta do neoliberalismo, visto como
documental, especialmente, através da única alternativa para a crise econômica
metodologia do Inventário Nacional de global, o movimento sindical brasileiro sofria
R E V I S T A D O P A T R I M Ô N I O H I S T Ó R I C O E A R T Í S T I C O N A C I O N A L

98
Márcia Chuva Po s s í ve i s n a r r at i va s s o b re d u a s d é c a d a s d e p at r i m ô n i o : d e 1 9 8 2 a 2 0 0 2
Po s s í ve i s n a r r at i va s s o b re d u a s d é c a d a s d e p at r i m ô n i o : d e 1 9 8 2 a 2 0 0 2
significativo refluxo, comparativamente ao regional em cada estado da federação
ressurgimento que teve no início dos anos (Motta: 2015).

A C I O N A L
1980. Vale dizer que no período surgiram Como vimos até aqui, ocorreram alterações
também as primeiras leis visando a indenização de ordem conceitual, que pretendiam romper

N
das famílias de opositores da ditadura militar a com as concepções hegemônicas civilizadoras.

R T Í S T I C O
partir do reconhecimento de crimes de tortura Conhecer, identificar, documentar tornavam-
e morte cometidos contra eles pelo Estado. se ações tão importantes para a preservação

A
Foram emblemáticos os casos de Carlos do patrimônio quanto proteger e conservar.

E
Lamarca e Carlos Marighella (Prado, 2004). O inventário passava a ser um modo de

I S T Ó R I C O
Segundo Santana, “Fernando Henrique preservação do patrimônio cultural, segundo a
assumirá como insígnia de seu governo tese defendida por Paulo Ormindo de Azevedo,

H
ainda nos anos 1980 (Azevedo, 1987).

A T R I M Ô N I O
‘o fim da era Vargas’ e de tudo o que ela
representava” (2003:302). Na economia, foi o Havia experiências de inventários de
início de um processo tanto de flexibilização varredura, em escala regional (Motta e

P
das leis trabalhistas e da Consolidação das Rezende, 1998), mas foi nos anos 1980 que

D O

Márcia Chuva
Leis do Trabalho – CLT, responsabilizada teve início o desenvolvimento de metodologias

E V I S T A
então por dificultar a geração de empregos, de inventário para aplicação em nível nacional,

R
por causa dos encargos patronais por ela com a preocupação voltada para subsidiar
gerados, quanto de redução do Estado, nos a gestão do bem tombado, cada vez mais
moldes da cartilha neoliberal. atingido pelas pressões do crescimento urbano,
Nessa esteira, uma série de medidas buscando, ao mesmo tempo, dar transparência
atingiu a gestão de Francisco Weffort no às ações institucionais e assistir às demandas
Ministério da Cultura, que manteve um das populações atingidas.
pequeno quadro de funcionários, bem As metodologias que foram então
concebidas tiveram larga aplicação no período, 99
como uma estrutura institucional reduzida.
Nenhuma Superintendência Estadual do principalmente por constituírem a principal
Iphan surgiu após 1990, ano de criação da ação de fortalecimento institucional do
Superintendência do Paraná, até 2002, ano Programa Monumenta (Duarte, 2010). Foram
de criação da Superintendência do Distrito elas o Inventário Nacional de Bens Móveis
Federal. Esses dados tornam-se expressivos e Integrados – INBMI (com o objetivo de
se considerarmos a ampliação das atribuições controle do tráfico ilícito de bens culturais) e
institucionais que a Constituição Federal o Inventário Nacional de Bens Imóveis: Sítios
havia produzido. Significativos, também, Urbanos Tombados – INBI-SU (aplicado em Matriz de Tiradentes, MG
Acervo: Iphan/
Nelson Kon.
comparativamente, pois nos anos 1980 cidades tombadas)22.
haviam sido criadas as superintendências
22. O INBMI foi financiado por um convênio estabelecido com
do Ceará (1982), do Amazonas (1987) e a Fundação Vitae. O INBI-SU foi executado com recursos do
de Sergipe (1989) e, entre 2004 e 2009, Iphan e, posteriormente, com Recursos do Programa Monumen-
ta/BID, foi aplicado em inúmeras cidades tombadas. O manual
foram criadas mais onze superintendências, da metodologia e alguns resultados do INBI-SU foram parcial-
mente reproduzidos nas Publicações do Senado Federal (Rezende,
concluindo a meta de uma representação 2007, 2007a, 2007b, 2007c).
O
Po s s í ve i s n a r r at i va s s o b re d u a s d é c a d a s d e p at r i m ô n i o : d e 1 9 8 2 a 2 0 0 2

O INBI-SU adotava a noção de PAT R I M Ô N I O D E


cidade-documento. Compreendendo a DUAS DÉCADAS
A C I O N A L

cidade como um organismo dinâmico,


buscava registrar a apropriação dos traços Nossa Constituição Cidadã é o maior
N

materiais por sua população e desenvolvia- patrimônio destacado na narrativa aqui


R T Í S T I C O

se por meio de levantamentos físico- construída. Ela condensa e sistematiza


arquitetônicos, sociológicos e de pesquisa conceitos e anseios fortemente enraizados
A

histórica sobre a forma urbana, bem na sociedade civil nos anos 1980, como
E
I S T Ó R I C O

como sobre o estado de conservação dos buscamos apontar. A partir do texto


imóveis. Para cada tipo de levantamento, constitucional, exploramos os modos
formulários padrões eram utilizados. Uma como alguns aspectos centrais foram sendo
H
A T R I M Ô N I O

quantidade significativa de dados foi regulamentados e conduzidos, produzindo


então levantada em formato analógico. novas realidades no universo do patrimônio.
Com a aplicação da metodologia do As práticas do campo institucional
P

INBI-SU em larga escala, a partir de do patrimônio estavam limitadas pela


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Márcia Chuva

singularidade histórica do país. E sobre


E V I S T A

recursos do Programa Monumenta,


pretendia-se superar as dificuldades de elas buscamos enfatizar aspectos que
R

estabelecimento de padrões que fossem tivessem produzido mudanças com efeitos


objetivos e transparentes na gestão dos duradouros. Nesse sentido, apontamos nas
sítios tombados, em relação às demandas políticas do Iphan dos anos 1990 aquelas
dos moradores em suas casas23. que estiveram relacionadas a inovações
Como resultado das novas abordagens conceituais e políticas forjadas na década
sobre um bem tradicionalmente protegido anterior, para evidenciar descontinuidades
como patrimônio – as cidades históricas com o paradigma modernista, mostrando que
100
–, consagrou-se a necessidade de as noções de referência cultural, quilombo
e cidade-documento constituíram-se como
estabelecimento de padrões nacionais de
novas chaves de entendimento e de ação no
inventários. As metodologias que foram
campo do patrimônio.
desenvolvidas nas décadas seguintes partiram
Com isso, pretendíamos corroborar
do consenso acerca da necessidade do
com as teses que admitem haver mudanças
estabelecimento de padrões nacionais e do
significativas dos paradigmas do campo
envolvimento das populações atingidas,
do patrimônio, por meio da ocorrência
afetadas, detentoras, enfim, produtoras do
de uma série de movimentos que colocam
patrimônio, seja ele de natureza material
a temática do patrimônio no âmbito dos
ou imaterial.
direitos cidadãos e mais, como instrumento
de reparação e de políticas afirmativas. Não
falamos em patrimônio na atualidade sem
falar sobre direito à memória e ao respeito à
23. Sobre o Programa Monumenta, ver Duarte, 2010 e
Giannecchini, 2014. pluralidade de identidades, assuntos que nos
REFERÊNCIAS

Po s s í ve i s n a r r at i va s s o b re d u a s d é c a d a s d e p at r i m ô n i o : d e 1 9 8 2 a 2 0 0 2
anos 1980 estavam ganhando forma, como
vimos nas palavras de Gilberto Velho (1984).

A C I O N A L
As políticas de patrimônio, portanto, AGUIAR, Marco Alexandre. As décadas de 80 e
90: transição democrática e predomínio neoliberal.
não visam mais propriamente evitar a
Contemporâneos – Revista de Artes e Humanidades, nº 7,

N
destruição do passado, elas estão enraizadas nov-abril, 2011.

R T Í S T I C O
na vida, no presente. Também não parece ARANTES, Antonio Augusto. “Sobre inventários e
possível falar em patrimônio cultural hoje outros instrumentos de salvaguarda do patrimônio
cultural intangível: ensaio de antropologia pública”. In:

A
sem considerarmos sua natureza relacional, Anuário antropológico 2007-2008. Rio de Janeiro, 2009.

E
intersetorial e interdisciplinar, suas conexões

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______. Trajetórias e desafios do Inventário Nacional de
com áreas variadas e diversos agentes sociais Referências Culturais. Entrevista com Antonio Augusto
Arantes. Revista CPC, São Paulo, nº 20, dez. 2015 p.
envolvidos. A profissionalização e as tensões

H
221–260.
que se instalaram na área do patrimônio são

A T R I M Ô N I O
ARRUTI, José Maurício. “Quilombo”. In: PINHO,
aspectos que apenas se esboçavam nas décadas Osmundo (org.). Raça: perspectivas antropológicas.
Campinas: ABA/Ed. Unicamp/Edufba, 2008.
de 1980 e 1990.
AZEVEDO, Paulo Ormindo. Por um Inventário do

P
A perspectiva estética e civilizadora

D O
Patrimônio Cultural Brasileiro. Revista do Patrimônio

Márcia Chuva
que fundou as práticas de preservação do Histórico e Artístico Nacional, nº22, 1987.

E V I S T A
patrimônio no Brasil e no mundo ocidental AZEVEDO, Paulo Ormindo de. “Renato Soeiro e
a institucionalização do setor cultural no Brasil”. In:

R
parece ter sido fortemente questionada
AZEVEDO, Paulo Ormindo; CORRÊA, Elyane Lins
no período, estremecendo as bases do (org.). Estado e sociedade na preservação do patrimônio.
paradigma modernista dominante, ainda Salvador: Edufba/IAB, 2013.
que este não tenha sido superado. Nossa BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil.
Brasília,: Presidência da República, 1988. Disponível
análise buscou explorar a simultaneidade de
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/
eventos, questões, problemas e pensamentos, constituicaocompilado.html>.
a fim de que o leitor estabelecesse suas BRITO, Diogo de Souza. “A invenção da
próprias conexões, levantando ele também patrimonialização das culturas populares no Brasil: a 101
Sphan/Pró-Memória (década de 1980)”. In: Anais do VII
camadas imprevistas, em que se confundem Simpósio Nacional de História Cultural. São Paulo: USP,
sentimentos, histórias, trajetórias, valores, 10 a 14 de novembro de 2014.
interesses e visões de mundo, para BURKE, Peter. O que é história cultural? 2ª ed. Rio de
Janeiro: Zahar, 2005.
encontrar rastros, produzir
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suas próprias pistas Paulo: Unesp,1992.
e experimentar CALABRE, Lia. Políticas culturais no Brasil: dos anos
a arena de 1930 ao século XXI. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009.

conflitos que CANCLINI, Nestor. Diferentes, desiguais e desconectados.


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configura o
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campo do das práticas de preservação do patrimônio cultural no
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hoje. ______. Por uma história da noção de patrimônio
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