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Carlos Alberto Sampaio Barbosa

(Organizador)

As Revoluções Contemporâneas Paradigmáticas

Maringá, UEM-PGH, 2016

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CAPÍTULO 3

Carrossel de Revoluções: a Revolução Mexicana

Carlos Alberto Sampaio Barbosa

UNESP/Assis

Introdução

A Revolução Mexicana consistiu num movimento multifacetado e polissêmico,


podemos até falar em Revoluções Mexicanas (Nunes, 1980) devido a diversidades de
forças políticas e sociais. Talvez uma das melhores expressões para caracterizar esse
movimento social tenha partido de Frank Tannenbaum quando as compara com "uma
serie de onda cujos inícios foram mais ou menos independentes e cujos objetivos
também foram independentes" (Tannenbaum apud Knight: 2010, 461). Existiu uma
revolução agrária e popular com base camponesa e de pequenos proprietários liderada
por chefes como Francisco Villa e Emiliano Zapata. Esta foi a que ficou marcada no
imaginário coletivo mexicano e latino-americano. Outra de setores das elites e da
pequena-burguesia, não tão conhecida, foi liderada por homens como Francisco
Madero, Venustiano Carranza e Álvaro Obregón. Por fim, mas não menos importante,
cabe destacar uma incipiente revolução operária de tendência anarco-sindicalista (Hart,
1990). Para entender melhor esse movimento, além de compreender os acontecimentos
da fase armada (1910-1920), é necessário um rápido olhar, mesmo que breve, sobre os
antecedentes, do México pré-revolucionário do regime porfirista e o pós revolucionário
das décadas de 1920 e 1930 pois segundo alguns autores o governo de Lázaro Cárdenas
será a fase tardia da revolução (Tobler, 1994).

O Regime Porfirista

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A Revolução Mexicana eclodiu no final de 1910, quando se aproximava mais
um período de eleições presidenciais. Apesar de ter anunciado que se aposentaria neste
ano, o presidente Porfírio Díaz lançou-se como candidato a uma nova reeleição, a
sétima, para o mandato de 1910-1916. A crise da sucessão presidencial era a expressão
de uma disputa política que possuía raízes mais profundas, vinculada a embates entre
setores da classe dominante, que por sua vez estava interligada a uma crise econômica e
social que perpassava todo o México e atingia as classes subalternas. A Revolução
Mexicana se inicia como uma revolução política, mas a crise política é apenas a espuma
da superfície do mar social que se agitava em suas profundezas. Para se compreender as
transformações que se operavam precisamos acompanhar o desenrolar dos
acontecimentos da disputa presidencial em torno do candidato oposicionista Francisco
Madero. Ao seu redor se aglutinou toda a oposição à Díaz e seu regime, desde setores
das elites, como a própria família Madero, constituída de proprietários de terras e
industriais no norte do país, setores da burguesia asfixiados pela ditadura porfirista,
passando pela classe média que exigia uma maior participação política. O
descontentamento atingia setores operários que buscavam liberdade para sua
organização política e melhores condições de vida e camponeses que sofriam
perseguição política e expropriação de suas terras.

O governo autoritário e personalista do General Porfírio Díaz comandou o


México entre 1876 e 1911, com uma breve interrupção entre 1880-1884 quando o país
foi governado por Manuel González. Durante o seu regime ele conquistou a estabilidade
política e econômica do país. Afinal as primeiras décadas após a independência foram
marcados por duas intervenções estrangeiras26 e duas monarquias efêmeras27, guerras
civis, governos ditatoriais e estagnação econômica. Portanto quando esse militar
proveniente do estado de Oaxaca chegou ao poder encontrou um país em ruínas e
conseguiu, em algumas décadas, a sua integração a economia mundial, através de uma
abertura para o mercado externo, principalmente aos Estados Unidos, expandiu a rede
de estradas de ferro, construídas como uma continuação das norte-americanas. A
indústria petrolífera rapidamente prosperou, capitaneadas pelas empresas britânicas e

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A primeira dos norte-americanos durante a guerra com esse país entre 1846-1848 e como resultado o
México perdeu aproximadamente metade do território que possuía então; a segunda foi a intervenção
francesa entre 1862-1867.
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A primeira monarquia logo após a Independência com o imperador Agustín de Iturbide entre 1821 e
1823, a segunda com a intervenção francesa e a imposição do arquiduque austríaco Fernando
Maximiliano entre 1862 e 1867.

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yankees. A mineração, particularmente no norte do país, deu um salto na sua produção,
assim como a pecuária, em grande parte movida por capital estadunidense. Algumas
cifras ajudam a visualizar essa situação: a propriedade da terra em mãos norte-
americanas atingiam aproximadamente 100 milhões de acres e englobavam minas,
terras agrícolas e bosques, o que representavam cerca de 22% da superfície do país.

A política ficou centralizada na mão de Díaz e de um grupo muito próximo a


este, chamado de “científicos”. Setores da elite nacional, amparada num governo
autoritário e corrupto, aproveitou-se para expandir as suas propriedades em detrimento
das terras comunais de camponeses e indígenas. Terras estas que em muitos casos
pertenciam as comunidades rurais, os pueblos.

Foi a combinação desses processos: desenvolvimento econômico concentrado na


mão de estrangeiros e de uma pequena elite nacional, com uma grande centralização
política e expropriação das terras de camponeses e pequenos proprietários, além é claro
da organização das camadas populares, que levaram à eclosão da primeira revolução no
continente americano.

A Primeira Onda Revolucionária: da crise das elites à mobilização das camadas


populares 1910 - 1914

O ano de 1910 era simbólico afinal se comemorava o Centenário da


Independência e o cometa Halley passaria pelos céus mexicanos, esse evento criou uma
grande comoção no imaginário social e popular mexicano. As camadas populares
falavam que a queda de Montezuma ocorreu num ano em que um cometa passou muito
próximo da terra. Já as camadas superiores por seu turno também se alvoroçaram, pois
os cientistas e astrólogos falavam que o Halley passaria próximo demais da terra e sua
cauda poderia atingir o planeta. Outro acontecimento que mexeu com a população foi o
recenseamento nacional. Muitos acreditavam que o censo era feito para aumentar os
impostos e promover o recrutamento forçado para as tropas federais. O censo revelou
outras realidades como uma forte tendência da população de emigrar para o Norte
devido ao desenvolvimento econômico dessa região e de concentrar-se cada vez mais
em cidades em virtude das melhores condições de trabalho e, por outro lado, o censo

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também documentou a expansão das grandes propriedades no campo. O crescimento
médio da população era de 2 % aa. Para a economia o ano foi de avanço, a crise
econômica de 1908 parecia que havia sido superada e todos os dados indicavam
progresso e bonança para os próximos anos (AGUILAR CAMÍN e MEYER: 2000, 11)

Era o ano das eleições presidenciais. O Partido Antireeleccionista, em


convenção, ratificou Madero como candidato. Este logo após sua indicação saiu em um
giro político pelo norte do país, mas foi preso acusado de sedição. Com Madero no
cárcere, as eleições ocorreram como de esperado e Díaz se reelegeu facilmente como de
costume.

Francisco Madero era filho de uma família rica e tradicional do Estado de


Coahuila prejudicada pela entrada de empresas norte-americanas em areas que o clã
monopolizava. Após as eleições, Madero fugiu para os Estados Unidos e lançou um
manifesto aos mexicanos, para que se sublevassem contra a ditadura porfirista no dia 20
de novembro. O plano em geral trazia demandas políticas com exceção do artigo
terceiro que, de forma ambígua e vaga, falava da questão das terras expropriadas aos
camponeses:

A Revolução Mexicana foi uma das poucas revoluções ocorridas com data e
horário marcados para começar: dia 20 de novembro de 1910, às 18 horas. Essa
primeira tentativa de levante foi um fracasso, mas não impediu que o chamado de
Madero fosse ouvido e respondido pelos mais diferentes grupos descontentes com o
governo, principalmente no meio rural. Iniciava-se o que se convencionou chamar de
Fase Maderista da Revolução, que foi definida como a fase política e que se desenrolou
entre novembro de 1910 e fevereiro de 1913.

A Revolução não era esperada pelos contemporâneos, era uma filha inesperada
do projeto liberal do século XIX e não foi fruto da miséria e da estagnação, mas foi
provocada pela desordem da expansão econômica e das transformações sociais e
políticas decorrentes destas mudanças . Quais seriam os sonhos de 1857? Eram de uma
república democrática, igualitária, racional industrialista e aberta à inovação e ao
progresso. Qual era a realidade de 1910? Uma república oligárquica, autoritária,
morosa, desconjuntada, sacudida pelas inovações e presa à tradição colonial.
Continuava a ser uma sociedade católica, indígena, baseada nas haciendas, corporativa

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com uma indústria restrita (principalmente a indústria têxtil e mineração) e com um
comércio incipiente. (GONZÁLEZ: 1988, 1007)

Em resposta ao apelo de Madero ocorreram múltiplos levantamentos no Norte:


em Chihuahua com Pascual Orozco, Pancho Villa e Abraham Gonzalez; em Sonora
com José Maria Maytorena e em Coahuila com os pequenos proprietários Eulálio e Luis
Gutiérrez. Na Baixa Califórnia com José Maria Leyva, em Guerrero com os Figueroa,
em Zacatecas com Luis Moya. Todos acatavam difusamente como chefe a Francisco
Madero, exceto o grupo dos irmãos Flores Magón que além de mexicanos contavam
com combatentes de diversas nacionalidades que tentaram invadir a Baixa Califórnia, a
partir do território estadunidense nos fins de janeiro de 1911.

Aqui cabe falar um pouco mais profundamente do movimento magonista tão


esquecido da historiografia oficial. A força do movimento magonista deveu-se muito ao
seu jornal Regeneración. Este periódico circulou por 18 anos e era fruto da tradição
liberal radical de possuir um jornal para divulgar suas idéias. Fundado em 1900, foi uma
obra coletiva que, além dos irmãos Ricardo e Jesus Flores Magón contava com a
participação de Juan e Manuel Sarabia, Librado Rivera, Anselmo Figueroa e Práxedis
Guerrero. A publicação tornou-se rapidamente uma das vozes mais críticas ao regime
porfirista e por isso foi muito perseguida pelo governo, que levou seus editores à prisão
e, posteriormente, ao exílio nos Estados Unidos, onde continuaram a publicar e enviar
por correio para o México os exemplares do jornal. Através de uma rede de distribuição,
este chegou a ser vendido no Uruguai, Argentina e mesmo no Brasil (Sousa, 2012). Em
1906 saiu publicado no jornal o Programa do Partido Liberal Mexicano (PLM). Em
1910 o PLM, através do Regeneración assume sua postura anarquista e o projeto de
organizar uma revolução no México para derrubar Díaz e transformar o país. Contaram
com o apoio dos militantes do sindicato norte-americano Industrial Workes of the World
(IWW), de tendência anarcosindicalista e sofreram influência de suas idéias, assim
como do anarquismo espanhol.

Quais eram as táticas do PLM e da organização dos magonistas para atingir seus
objetivos? Em primeiro lugar, organizar células ou clubes políticos; em segundo, seus
membros deveriam incorporar-se em organizações de massa; e por fim, atuar nessas
organizações com técnicas políticas e núcleos armados para entrar em combate.
Tentaram colocar em prática tais táticas com relativo sucesso, como demonstram as

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greves de Cananea e de Rio Blanco (1906), onde seus membros tiveram participação
decisiva. No artigo “Aos proletários” o jornal lançou um chamado à luta aos
trabalhadores da cidade e do campo. Os magonistas propunham uma luta contra o
centralismo político e econômico e a favor de uma reforma agrária. A partir de 1911
redefinem a luta por uma perspectiva mais radical, embora alguns de seus membros
aderissem ao movimento maderista, sua direção rejeitou a aproximação. (Batra: 1983,
94-96)

No início da revolução, em 1911, foi a principal força política alternativa ao


maderismo, sendo a única organização político-militar com inserção social nacional.
Passou de uma aliança com a burguesia à posição mais radical e autônoma. Grupos do
PLM organizaram uma das mais poderosas colunas da campanha de Chihuahua
comandada pelo líder militar do partido Prisciliano Silva. Outro grupo vindo dos
Estados Unidos tomou as cidades fronteiriças de Mexicali e Tijuana no estado da Baixa
Califórnia Norte, tudo isso com os principais líderes no cárcere (os irmãos Flores
Magon). Entretanto em finais de 1911, já sob a presidência de Francisco Madero, o
Exército Federal entrou na Baixa Califórnia Norte e derrotou militarmente a efêmera
república floresmagonista na região. Depois de 1912 o PLM entra em crise.

Como explicar essa crise? O fracasso, segundo Armando Batra (1983), estaria no
fato de que o operariado mexicano não estava maduro para levar a cabo uma aliança
operário-camponesa, onde os primeiros tomassem a direção. Existia contradições
econômicas e culturais entre as classes operárias e camponesas mexicanas que não
permitiu uma aliança multicultural e transclassista no México de então (Hart: 1990,
421). A luta na revolução mexicana tomou rumo de uma guerra camponesa prolongada
e os operários não se uniram aos camponeses. Essa união ocorreu apenas em alguns
casos isolados.

Os limites do movimento foram os do próprio periódico Regeneración, ou seja, a


dificuldade de usar um jornal e fazer propaganda pela via escrita em um país composto
majoritariamente por analfabetos. Ademais, nem todos os leitores do jornal eram
necessariamente militantes do PLM. Outra limitação se dá quando a revolução se torna
uma guerra camponesa prolongada. Quando isso aconteceu o magonismo não soube
realizar a aliança operário-camponesa.

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Deve-se destacar que apesar das derrotas militares e políticas, algumas das
principais propostas apresentadas em seu programa de reivindicações tais como
liberdade política, regime democrático, salário mínimo, jornada de oito horas, liberdade
de organização operária, divisão de terras, anulação de dívidas dos peões, ampliação do
mercado interno, desenvolvimento industrial e luta contra o imperialismo, foram
incorporadas na Constituição de 1917 (Hart: 1990, 451-452).

Após a derrota do PLM, grosso modo, dois centros geográficos revolucionários


duradouros se consolidam: no Sul e no Norte. No Sul forças camponesas do estado de
Morelos, lideradas por Emiliano Zapata, iniciam uma revolução agrária. Esse
movimento, que passou boa parte dos anos de lutas civis (1910-1920) de forma
autônoma com relação às outras forças, contribuiu decisivamente para o caráter social,
popular e camponês da revolução.(CHEVALIER: 1960) O exército camponês
comandado por Emiliano Zapata era orientado a partir da proposta de restituição das
terras comunais dos pueblos, expropriados pelas grandes fazendas da região plasmados
no Plano Ayala.

O Plano de Ayala foi redigido e assinado pelos chefes zapatistas em Ayoxustla,


Puebla em 28 de novembro de 1911. O plano torna-se o programa zapatista a partir
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desse momento, sendo discutido por Emiliano Zapata e Otílio Montaño , e redigido
pelo último. O Plano Ayala, herdeiro do liberalismo radical mexicano que conta com
elementos advindos desde as ideias de Benito Juarez no século XIX ao anarquismo dos
irmãos Flores Magon, desconhecia Madero como presidente e pedia sua destituição.
Seus artigos fundamentais defendiam três pontos a) os pueblos ou cidadãos que
possuíssem os documentos de terras expropriadas pelos fazendeiros tomariam
imediatamente a posse delas e as manteriam de armas em punho até o final da
revolução; b) expropriação de um terço das terras e propriedades dos grandes
latifúndios, mediante pagamento de indenização, a fim de que os povos e cidadãos do
México possam trabalhar nelas; c) nacionalização da totalidade dos bens dos grandes
fazendeiros, científicos ou caciques políticos que se opunham direta ou indiretamente ao
plano. O plano abordava a raiz do problema do campo, pois tratava apenas da questão
da terra, possuía um caráter profundamente revolucionário, na medida em que

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Otílio Montaño é uma figura singular no processo revolucionário mexicano. Nascido em Villa de
Ayala, Morelos, realizou seus estudos em Cuatla e foi designado professor em escolas de Jonacatepec e
Tepalcingo, chegou a ser diretor de uma escola em Villa de Ayala. Apoiou a revolução maderista desde
seu inicio posteriormente unindo-se à Zapata.

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determinava a nacionalização dos bens dos inimigos da revolução, ou seja, os
latifundiários e os capitalistas, e por outro lado, estipulava que os camponeses e pueblos
tomassem posse de suas terras imediatamente. Colocando em cheque o pilar da estrutura
de dominação do capitalismo mexicano.

O Norte, ao contrário do sul, não produziu um movimento uniforme. Dois


grupos principais formavam as tropas maderistas, um liderado por Pascual Orozco e
outro, composto por guerrilheiros comandados por Francisco Villa. O movimento de
“Pancho” Villa, não possuía formas de mobilização e bandeiras políticas tão claras
como o do sul, o que dificultou a elaboração de um programa político de reformas
sociais mais claras. Ainda no norte formaram-se outros movimentos revolucionários
advindos de forças heterogêneas que no futuro dariam origem a uma nova elite
revolucionária. Seus líderes eram originários em sua maioria de uma classe média e uma
pequena burguesia, seus exércitos eram advindos de forças repressivas provinciais.
Estamos falando das forças que posteriormente deram origem aos exércitos
revolucionários liderados por Venustiano Carranza (Coahuila) e Álvaro Obregón do
estado de Sonora.

Nesse momento a Revolução transformou-se num emaranhado de forças


políticas e sociais e Madero não conseguiu ter um controle efetivo sobre os vários
grupos que se uniram a sua causa. Em todo o país os grupos revolucionários se
multiplicavam principalmente na fronteira Norte, desencadeando vários movimentos
heterogêneos entre si.

Após cinco meses de conflito, no dia 25 de maio de 1911, Porfírio Díaz


renunciou. Era o fim de um longo período da história mexicana. Foi substituído por
Francisco Léon de la Barra como Presidente Provisório até a convocação de novas
eleições. Regras definidas pelos acordos de Ciudad Juarez que portanto haviam selado a
continuidade do Estado burguês entre o governo de Porfio Díaz e o de Madero. Os
acordos deixam claros quais eram seus objetivos: derrotar a revolução camponesa e
popular em gestação.

Um balanço rápido desses primeiros processos revolucionários revela que a


revolução foi fruto de um descontentamento agrário, devido às décadas de usurpações
das terras das comunidades camponesas do sul, centro e norte do país. Soma-se a isso a
oposição política que aumentou ao longo da primeira década do século XX,

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principalmente, de uma pequena burguesia, da classe média e operária, ou seja, a
revolução foi também provocada pelo monopólio político e econômico da oligarquia
porfiriana. Contribuiu também a inflação causada pela alta dos impostos
governamentais para manter a sua máquina estatal.

A Revolução foi também produto do desenvolvimento econômico. Os


investimentos estrangeiros, principalmente norte-americanos e britânicos deram origem
a novos empreendimentos mineiros que provocaram ondas migratórias e concentraram
grandes quantidades de operários em cidades do norte do país. Ao mesmo tempo
desenvolveram-se pecuária e a agricultura capitalista surgida para abastecer o mercado
mineiro e aos Estados Unidos. Não podemos esquecer a indústria têxtil com capital
francês e espanhol. Assim viu-se o despontar do Norte sob os auspícios de um surto
capitalista e um “boom” econômico com o surgimento de ferrovias, bancos, a indústria
petroleira, mineração e de fundição em Monterrey. Este surto migratório causou outro,
que veio a ser conhecido como o “chamado do norte ou do deserto”. Este surto estava
vinculado ao trabalhador livre e foi o núcleo da rebelião maderista, o eixo montanhoso e
de concentração das cidades mineiras, com forte presença de trabalhadores localizados
na Sierra Madre Ocidental, ou seja, o norte Serrano. Essa era a região mais dinâmica do
capitalismo mexicano e mais integrado à economia mundial, em especial à norte-
americana e, portanto, a mais afetada pela crise mundial de 1908. (KNIGHT: 2010)

Cabe lembrar que esses trabalhadores rapidamente desenvolveram uma


consciência nacional dando origem a uma ideologia nacionalista. Esse fato deve-se a
que muitas das empresas estrangeiras, em especiais as norte-americanas, principalmente
a ferroviária, petrolífera e mineira, reservassem os melhores empregos e salários a
estrangeiros, cabendo aos mexicanos os cargos e salários inferiores, alem disso essas
empresas tinham uma longa tradição de maus tratos aos trabalhadores. Nesse sentido a
Revolução Mexicana foi uma resposta ao imperialismo norte-americano. 29

Com a renúncia de Porfírio Díaz foram realizadas novas eleições que aclamaram
Franscisco Madero. Essa primeira fase da Revolução não causou grandes danos à
economia mexicana, principalmente porque a luta armada ficou restrita a regiões
específicas do país: o extremo norte e o estado de Morelos. As eleições ocorreram no

29
Assim como outras revoluções nesse mesmo período a Revolução Mexicana foi uma resposta
nacionalista ao imperialismo britânico e norte-americano. Para um aprofundamento dessa discussão veja
o excelente capítulo “Causalidade mundial Irã, China, Rússia e México”, no livro de Hart (1990).

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dia 1º outubro de 1911 e Francisco Madero foi eleito com 53% dos votos pelo Partido
Progressista Constitucional (ex-Partido Anti-Reeleccionista). O curto governo de
Francisco Madero (novembro de 1911 a fevereiro de 1913) foi hostil ao movimento
operário e tentou controlá-lo e regulamentá-lo. Para tanto criou o Departamento do
Trabalho. Acabou com a censura à imprensa e, em geral, foi um governo de respeito às
liberdades democráticas, mas fechado as transformações sociais.

Nesse sentido, não causa estranheza que procurasse reprimir os magonistas na


Baixa Califórnia, como já foi citado. Sua relação com o movimento camponês não foi
distinta. Na medida em que os camponeses se negaram a depor as armas, em especial os
zapatistas, procurou reprimi-los. Realizou sucessivas campanhas contra eles, em
especial a comandada pelo sanguinário general Juvêncio Robles em 1912, para acabar
com o levantamento em Morelos. Juvêncio Robles usou nessas campanhas a mesma
política que quase meio século depois as tropas norte-americanos utilizariam no Vietnã:
fuzilamento em massa, queima de pueblos, saque e torturas contra camponeses
suspeitos.

A resistência de Zapata e seus camponeses, que continuaram em armas em


Morelos levaram a continuidade e radicalização da Reforma Agrária, com base na
ocupação pelos camponeses das terras que lhes foram usurpadas pelos grandes
proprietários. Com essa postura colocaram em cheque o eixo da acumulação capitalista
no país, qual seja, o grande latifúndio. Este conflito é a expressão da luta de classes, na
medida em que, o Plano Ayala inverte a juridicidade burguesa quando propõe que serão
os hacendados que terão que comprovar quais propriedades lhes pertenciam. Tal ato era
a expressão clara e orgânica da afronta das forças sociais. (GILLY: 1993)

Além das resistências à esquerda, por parte de zapatistas e dos trabalhadores,


Madero sofre oposição à direita, advinda de grupos remanescentes do porfiriato não
conformados com a perda do poder. O governo Madero viveu numa democracia frágil e
ameaçada pela falta de apoio político e pela miopia com relação a questão social. Foi
destituído por um golpe de Estado e assassinado pelo general Victoriano Huerta.
Madero no final foi derrubado não por um general de Porfírio, mas por sua ala direita,
seu Ministro da Guerra. Com o fim do governo maderista desaparecia o último verniz
de legitimidade do sistema e a revolução das camadas populares tendo à frente os
camponeses que já fervilhava subterraneamente assume o protagonismo.

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A partir de fevereiro de 1913 iniciou-se o governo contra-revolucionário do
General Huerta. Uma nova onda revolucionária surge advindas do governador
Venustiano Carranza, do pequeno Estado de Coahuila, localizado no Nordeste do país,
que se auto declarou “Primeiro Chefe” da revolução. Seguidas das sublevações das
forças políticas do Estado de Sonora tendo a frente Álvaro Obregón e da Divisão do
Norte de Villa. Esses diversos grupos se denominaram Constitucionalistas, pois
segundo eles defendiam a Constituição de 1857. Se no Norte as forças revolucionárias
possuíam uma fachada múltipla, com três grandes grupos revolucionários: Carranza,
Obregón e Villa. No sul possuem uma fachada única com Zapata e seus exercitos
camponeses, que a partir da sua base no Estado de Morelos permaneceram
continuamente em luta.

Do ponto de vista econômico houve uma crise principalmente na indústria de


mineração devido à baixa nos preços da prata. Por outro lado o governo conseguiu um
empréstimo internacional, mas este não foi o suficiente para fazer a economia
deslanchar. Os reflexos da crise na mineração e nos pequenos negócios do Norte logo
foram sentidos e para completar a seca desse ano fez os preços dos grãos aumentarem e
o peso sofreu uma desvalorização frente ao dólar.

Os levantes dos revolucionários do Estado de Sonora resultam de uma tentativa


de supremacia político militar, pois as forças federais eram vistas como um exército de
ocupação. Assim elementos como Álvaro Obregón, Adolfo de la Huerta, Plutarco Elias
Calles, Salvador Alvarado e outros, todos pequenos e médios agricultores, comerciantes
ou rancheiros modestos, organizaram uma revolução desde o palácio do governo
estadual num processo profissional de agrupamento militar. Os motivos ideológicos
desse grupo vinculado a uma pequena burguesia agrária ou urbana era derrotar os
últimos vestígios do antigo regime e ascender na política local e nacional.

Já os motivos de Villa resultavam de uma condensação de vários levantamentos


fragmentários de caráter mais popular e radical com um vago projeto de uma utopia
militar de atualização das antigas colônias militares. (KATZ: 1993 e 1999)

A esta altura podemos afirmar que existiam quatro grandes eixos da nova
rebelião: a) a frente zapatista no sul; b) colunas próximas ao Primeiro Chefe Venustiano
Carranza comandadas por Pablo González; c) forças organizadas pelo governo de
Sonora e comandadas por Álvaro Obregón; e d) a aliança villista. Foi através do Pacto

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de Monclova que se deu a união dos quatro eixos formando o que ficou conhecido como
Revolução Constitucionalista. Mas esta união trazia em si divisões internas: uma fratura
representada pela disputa Carranza-Villa e outra pela visão preconceituosa que os
nortistas tinham do exército sulista que era considerado por aqueles com uma forte
carga colonial e indígena “com o cheiro do México velho”. Afinal o Norte era laico,
empreendedor, branco, rancheiro e comedor de trigo, enquanto que os sulistas eram
predominantemente mestiços, camponeses e comedores de milho.

O governo de Huerta tomou três iniciativas na tentativa de costurar uma


hegemonia política e militar no México. Convocou eleições e aproximou-se
politicamente da Igreja, científicos e reystas, além de aumentar seguidamente o efetivo
do Exército. Durante o verão de 1913 o Exército Federal conquistou uma série de
vitórias contra os Exércitos do Nordeste e Noroeste. Na frente externa os Estados
Unidos enxergavam no governo de Huerta uma aproximação com a Inglaterra o que
afetava, segundo sua ótica, as indústrias petrolíferas norte-americanas. O novo governo
democrata de Wodrow Wilson fez sérias ameaças a Huerta e não reconheceu seu
governo. Huerta saiu-se vitorioso nas eleições presidenciais e no Congresso obteve
maioria graças ao apoio dos Católicos. Ao mesmo tempo os Exércitos do Nordeste e
Noroeste se reorganizavam, assim como a Divisão do Norte e partiam numa contra-
ofensiva. A estratégia de Huerta funcionou até o início de 1914 quando chegou a
dominar dois terços do país e controlava os principais portos, mantinha sob controle a
Igreja, os empresários e os banqueiros. Entretanto apesar de o Exército Federal chegar a
contar com duzentos e cinqüenta mil homens, a Revolução cresceu e conquistou vitórias
importantes como a tomada das cidade de Monterrey, Tampico e Torreon no Norte
enquanto os zapatistas atacavam o Estado de Guerrero ao Sul.

O não reconhecimento dos Estados Unidos à administração de Huerta levou a


uma crise com esse país. Os Estados Unidos planejaram uma invasão do México através
da tomada dos portos de Veracruz e Tampico pelos fuzileiros navais norte-americanos.
O presidente Wilson usou a desculpa da prisão de alguns marinheiros em Tampico e
ordenou à Frota do Atlântico que tomasse as duas cidades. Esperava que com essa ação
Huerta renunciasse e caso isso não acontecesse planejavam tomar a Cidade do México a
fim de derrubá-lo.

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A intervenção norte-americana fracassou devido à resistência da guarnição
mexicana ao desembarque dos fuzileiros em Veracruz. Huerta acabou obtendo um fugaz
apoio dos católicos e das populações das cidades principalmente devido ao
antiamericanismo enraizado no país. As tropas estadunidense tiveram que se contentar
em permanecer em Veracruz e Washington aceitou a mediação do grupo de países
denominado ABC (Argentina, Brasil e Chile). Mas indiretamente os desejos norte-
americanos se concretizaram, pois a situação de Huerta começou a deteriorar devido à
perda da receita da alfândega de seu principal porto, com o embargo de compras de
novas armas e munição que também chegavam predominantemente por esse porto.
Esses acontecimentos levaram ao enfraquecimento do governo. Huerta não possuía base
de sustentação política, suas forças foram suficientes para dar o golpe, mas não para
construir uma hegemonia. Ademais a mobilização das camadas populares se mostrava
irreversível. Enquanto os exércitos do Nordeste e Noroeste praticamente não avançavam
as tropas da coalizão camponesa da Divisão do Norte comandadas por Francisco Villa
seguiam de vitória em vitória aproximando-se da capital e só não a tomaram devido à
interrupção de fornecimento de carvão para os trens que transportavam seus exércitos.
A ordem de cortar os combustíveis para os trens de Villa partiu de Carranza temeroso
da força que Villa adquiriria. A hostilidade de Carranza em relação à Vila era reforçada
pelas diferenças de classes existentes entre os dois. Nesse ínterim, apoiado por
Carranza, Obregón avançou pela costa do Pacífico onde não encontrou muita resistência
das forças federais.

Em 8 de julho de 1914 deu-se a renúncia de Huerta, logo após a queda da cidade


de Guadalajara, segunda maior do país. Os comandantes do Exército Federal assinaram
os tratados de Teoloyuacan com as forças revolucionárias representadas por Álvaro
Obregón, e em agosto de 1914 suas tropas entraram na capital federal. O tratado
estipulava que as Forças Armadas seriam dissolvidas e Venustiano Carranza assumiria
como Presidente Provisório. A dissolução do Exército Federal e sua substituição pelo
Exército Constitucionalista marcaram uma ruptura de fundo na revolução. O Exército
Federal era o mesmo desde o período de Porfírio Díaz e somente com a derrota
definitiva e sua dissolução ocorreu a ruptura total com o antigo regime. Por outro lado a
continuidade do movimento revolucionário dos zapatistas significava que a guerra de
classes não se interrompia.

92
Nestes primeiros anos da revolução verifica-se uma fragmentação das elites
mexicanas e uma gradual mobilização das camadas populares capitaneadas pelas forças
revolucionárias camponesas em especial as forças zapatistas e villistas, tendo em
segundo plano grupos urbanos provenientes de setores do proletariado e da classe
média. A mobilização das camadas populares levou a um novo patamar na luta
revolucionária, o objetivo agora era a tomada do pode central. Com a derrota do
Exército Federal e saída de cena de Victoriano Huerta era natural que a aliança
multiclassista que enfrentou as forças contra-revolucionárias entrasse em crise e que
abrisse espaço para uma guerra de classes.

A segunda onda revolucionário: a vitória das camadas populares 1914 - 1916

Entre agosto de 1914 e 1916 o México viveu o período mais intenso e radical da
Revolução. Nesta fase se deu a fragmentação das forças revolucionárias em várias
facções e ocorreu a radicalização dos camponeses, de trabalhadores urbanos e setores da
classe média. Nesse momento os grupos vitoriosos entraram numa intensa disputa pela
definição do tipo de regime que deviam construir. Embates só concluídos com a
realização da Constituinte no final de 1916. Quatro grandes exércitos revolucionários
haviam se desenvolvido em diferentes regiões do México tanto do ponto de vista
material quanto socialmente. Eram os exércitos do Nordeste, Noroeste, Norte e Sul,
cada um deles representava uma configuração particular de forças sociais em luta. Os
exércitos do Nordeste e do Noroeste possuíam semelhanças em sua composição social e
propostas ideológicas, mas estes com relação aos outros dois, se desenvolveram de
maneira tão diferente que a luta para construir o novo Estado teria de começar como
uma guerra, em torno das relações sociais da produção, tendo a questão da terra no
centro da disputa.

Na realidade, a divisão das forças constitucionalistas já havia ocorrido meses


antes quando praticamente houve o rompimento entre Villa e Carranza. Uma última
esperança de manter a união foi feita com o Pacto de Torreon, em que as várias facções
se comprometeram a convocar uma assembléia assim que fosse derrotado o inimigo
comum.

93
Se economicamente o país conseguiu passar sem problemas pelos três primeiros
anos de guerra civil, nos anos seguintes ele se encontrava numa situação caótica. Havia
ocorrido um colapso das transações comerciais e políticas, tanto ao nível nacional como
regional e local. O país perdeu o crédito internacional, o tesouro foi levado à exaustão
nos seguidos esforços de guerra, e a dívida externa atingiu patamares estratosféricos. O
sistema bancário estava na bancarrota, as estradas de ferro foram destruídas, a
mineração interrompida e a agricultura estava em crise.

Nesse momento ocorre uma divisão das forças revolucionárias em ação em dois
grandes grupos. As forças Constitucionalistas, formados pelos exércitos do Nordeste e
do Noroeste, que se assemelhavam, pois ambos foram formados a partir de contingentes
mais ou menos profissionais, ganhavam soldo, e seus líderes, todos agora generais,
eram à época em que haviam entrado nas tropas revolucionárias, jovens saídos das
classes médias e alta de comerciantes e fazendeiros (médios ou pequenos). Eles se
aproximaram das organizações trabalhistas, mas não davam muita atenção para a
questão agrária, não se interessavam pela situação do peão, não possuíam propostas
sociais que os favorecesse e eram profundamente anticlericais, um traço característico
dos liberais mexicanos desde o século XIX.

Por seu turno as forças camponesas e populares formadas pela Divisão do Norte
comandadas por Francisco “Pancho” Villa e compostas por cerca de trinta mil soldados,
eram heterogêneas, formadas de camponeses, mineiros, vaqueiros, ferroviários,
desempregados e bandidos, e possuíam um vago projeto social30. O Exército do Sul,
contava com quinze mil soldados regulares e aproximadamente dez mil guerrilheiros,
todos habitantes do Estado de Morelos e seus arredores, formados em sua maioria por
camponeses e pequenos proprietários. Possuíam um projeto social explicitado no Plano
Ayala, que propunha a devolução das terras expropriadas durante o governo de Díaz aos
pueblos pelas grandes fazendas de açúcar do Estado, como foi exposto anteriormente.

Apesar de existirem grupos independentes essas eram as principais forças


militares do país em outubro de 1914. Foram esses grupos heterogêneos que fizeram a
primeira tentativa de estabelecer um ordenamento jurídico para o país.

30
Cabe destacar que Alan Knight (2010) afirma que existiam algumas semelhanças sociais e mesmo
ideológicas entre a Divisão do Norte e os exércitos do Nordeste e do Noroeste e que seus membros
acabaram optando por um ou outro grupo por afinidades pessoais e regionais.

94
Com a vitória militar da coalizão de forças que se antepuseram ao governo de Huerta

e dissolvido o Exército Federal, a grande tarefa que se colocou no horizonte dos

revolucionários mexicanos era reorganizar o Estado e isto passava pela pacificação

do país através da realização de um grande acordo entre as diversas facções em luta.

Coube a Álvaro Obregón, que possuía uma posição mais jacobino dentro do espectro

político do carrancismo, exercer um papel fundamental nessa tentativa de

manutenção da unidade e de convencer tanto os representantes villistas como os

carrancistas a cumprirem o Pacto de Torreon. Este pacto selara o acordo entre

Francisco Villa e Venustiano Carranza, no qual ficara estabelecido que, assim que

fosse derrubado o governo ditatorial de Victoriano Huerta, seria convocada uma

Convenção das tropas revolucionárias para discutir as eleições e demais assuntos de

interesse geral. A Convenção Revolucionária Mexicana iniciou seus trabalhos dia 1

de outubro de 1914, na qual todos os militares envolvidos na luta contra Huerta

participariam, representados por delegados eleitos na proporção de um para cada mil

revolucionários.

A Soberana Convenção reunida na cidade de Aguascalientes, recebeu esse


título para marcar a posição de independência dos diversos grupos políticos, era uma
tentativa de resolver as rivalidades entre os diversos líderes e grupos políticos.
Entretanto Carranza não reconheceu a autoridade jurídica da assembléia e retirou-se
para Veracruz acompanhado por Obregón. Assim a Convenção reconheceu Villa como
chefe da Divisão do Norte, e Zapata do Exército do Sul, pelo novo presidente
provisório, Eulálio Gutierrez e significou a união das facções villistas e zapatistas. As
tropas que apoiavam a Convenção, basicamente as zapatistas e villistas, ocuparam a
Cidade do México, em novembro de 1914.

No processo revolucionário mexicano o Exército do Sul representou uma


evolução em maior profundidade das lutas dos camponeses ao longo da história desse
país. Deve-se aos camponeses indígenas e mestiços de Zapata, mais do que qualquer
outro dos grupos revolucionários, a orientação fundamentalmente agrária da Revolução

95
Mexicana. Graças a eles a revolução assume as proporções de uma revolução social, na
medida em que os demais movimentos revolucionários eram antes de tudo políticos.
(Gilly: 1994)

Porque Morelos representa fator decisivo na revolução? Devido a aspectos


econômicos, históricos e culturais. Essa região logo após a conquista foi transformada
no Marquesado del Valle de Cortes, que só compreendia indígenas e excluía os brancos.
Ainda no período colonial os marqueses tinham o direito de alienar as terras e elas
foram fragmentadas e vendidas para capitalistas que implantaram engenhos de açúcar o
que deu origem a uma rica classe proprietária. No início do século XX essa região ainda
era densamente povoada por indígenas e por isso concentrava abundante mão-de-obra,
característica fundamental para o desenvolvimento de engenhos de açúcar. Suas terras
quentes e férteis estavam próximas à Capital, e eram propícias ao cultivo de cana-de-
açúcar.

Devido a essa particular história, era constante a tensão entre as comunidades


indígenas e as haciendas, em função do avanço destas sobre as terras comunais. Esse
processo de modernização das haciendas açucareiras de Morelos fez surgir uma pressão
pelas terras e pela mão-de-obra indígena que aumentou exponencialmente durante o
governo de Porfirio Díaz. Assim os indígenas transformaram-se em peões e como não
conheciam a greve partiram para a forma de luta que conheciam: os levantamentos e as
rebeliões rurais. O movimento zapatista seria o último elo de uma longa cadeia de
rebeliões camponesas ocorridas no final do século XIX por todo o território mexicano
como define muito bem o historiador François Chevalier, em artigo clássico, no qual o
autor afirma:

“De modo que o levantamento zapatista não é um fenômeno isolado,


extraordinário e único como nos apresentam alguns historiadores da
Revolução Mexicana, porque parece melhor como a explosão da zona
mais crítica, deste profundo mal estar social, cujas manifestações mais
evidentes haviam sido a bandidagem (endêmico no Estado de Morelos
no século XIX), e, sobretudo a sucessão quase ininterrupta de
insurreições de indígenas e de camponeses, por motivos
essencialmente agrários.” (1960, 168)

96
A princípio, a rebelião zapatista assemelhava-se aos movimentos camponeses
tradicionais: os rebeldes lutavam para recuperar a terra perdida pelas comunidades.
Estes obtiveram apoio na forte tradição comunitária coletiva que remete ao calpulli pré-
hispânico onde não existia o individualismo. O movimento camponês possuía então
fortes vínculos comunitários, o que levou muitos intérpretes a ver neste grupo um
localismo exarcebado. Seus membros se destacavam por suas vestimentas e suas
tradições marcadamente indígenas. Utilizavam a tática guerrilheira, em que o
comandante era escolhido entre os mais corajosos ou enérgicos e tendo como base os
pueblos formas de organização política descentralizada. Recebiam forte apoio das
comunidades sob a forma de alimentos, conhecimentos do terreno, ao mesmo tempo em
que davam continuidade ao trabalho com a terra (plantio e colheita). Seus líderes
demonstravam profundo respeito e simpatia ao clero e a religião católica31. Cabe
destacar que enfrentavam antagonismo e forte preconceito por parte da população
urbana e branca, “gente de razão”, que via nessas populações mestiças e indígenas
zapatistas do meio rural uma força elementar, cega e desprovida de razão.

O líder dessa facção era Emiliano Zapata. Cabe dizer que este não era um
camponês típico. Possuía instrução primária, sua inteligência era intuitiva e dotado de
grande sensatez. Era um mestiço que provavelmente tinha sangue africano, falava com
os indígenas de igual para igual. Na realidade, sua origem advém de líderes
comunitários de Anenecuilco e Villa de Ayala e por isso não vestia, no seu cotidiano,
nem a manta branca, nem as sandálias de huaraches, típicas dos camponeses do sul do
México. Vestia habitualmente o “traje de charro”, com calças justas, grandes esporas,
jaqueta curta e “sombrero galoneado” (decorado). Seus generais logo começaram a
seguir esse modelo de vestimenta. Zapata era um tratador de cavalos, o que não implica
numa desvinculação com a população que lidera. Era um indivíduo do campo e,
portanto, estava inserido na sua tradição camponesa. Foi soldado a contragosto e viveu
na Cidade do México por um curto período, como tratador de cavalos de um rico
proprietário. Portanto, apesar de ser um homem do campo, possuía experiência urbana.
O pensamento político de Zapata é fruto da inspiração popular e rural. Posteriormente

31
Cabe lembrar que o baixo clero fora um dos grandes defensores das comunidades indígenas e mestiças
no mundo rural mexicano e entre eles existiam elementos radicais, como grandes exemplos podemos citar
os líderes da independência mexicana padres Miguel Hidalgo e José Maria Morelos.

97
derivou para uma posição mais radical e jacobina ou socializante, influenciado
provavelmente por Antonio Díaz Soto y Gama. Esta mudança levou à ratificação do
Plano Ayala que significou uma radicalização na proposta reforma agrária.
(WOMACK: 1992)

A outra ala das forças camponesas é complementada com o movimento liderado


por Francisco “Pancho” Villa, no Norte. Vejamos algumas de suas características. O
movimento villista se desenvolve geograficamente na região serrana e dos desertos da
fronteira norte mexicano e de certa forma retoma aspirações de independência ou
autonomia que vinham do século XVIII. Muitos dos habitantes mais antigos dessa
região remontam aos descendentes dos colonos militares que para lá foram deslocados
ainda no período de domínio espanhol para colonizar essa região. Essa parte do México,
desde os tempos coloniais, se caracterizou pela pouca densidade populacional e escassa
presença de populações indígenas, em função das dificuldades de sobrevivência devido
à inexistência de terras férteis e escassez de água.

Como mencionamos anteriormente, a região começou a mudar com a integração


da economia mexicana à norte-americana, atraindo uma grande quantidade de mão-de-
obra, levando ao nascimento de cidades que surgem praticamente do nada e à formação
de uma classe trabalhadora constituída principalmente de mineiros e ferroviários. No
âmbito rural, surgiu uma espécie de classe média de pequenos proprietários, chamados
rancheros e os trabalhadores agrícolas, em especial os vaqueiros. Essa população
desenvolveu uma prática militar e de cavalaria nos embates com as populações
indígenas belicosas, que foram gradativamente subjugadas e também nas lidas com o
gado. Essas atividades criaram uma tradição de uso de armas de fogo e concedeu grande
autonomia a população local, pois esta era obrigada a se mover constantemente nas lutas
com os índios ou em busca de pastagens novas.

A falta de apoio governamental e o domínio de uma elite econômica em alguns


casos neófita somados à crise econômica levaram a que muitos respondessem ao
chamado revolucionário de Madero dando origem a diversos líderes com seus
respectivos “exércitos” da revolução tais como Pascual Orozco, Abraham Gonzalez e
Álvaro Obregón, para citar apenas os mais conhecidos. Entre eles Doroteo Arango ou
Franscico Villa destacou-se como um dos mais carismáticos líderes revolucionários.

98
Nasceu em Durango em 1878 e durante sua vida havia sido arrieiro, soldado e
bandoleiro, acusado de roubar gado.

Villa foi uma figura ambígua que adquiriu ampla publicidade dentro e fora do
México. Seu caráter contraditório e esquivo contribuiu para torná-lo uma personalidade
confusa e multifacetada. Encarnou o machismo mexicano e hispânico, mas também a
imagens positivas do bandido providência, da invencibilidade, e do heroísmo épico.
Existem três lendas sobre ele: a lenda branca, que apresenta um Villa vítima tanto do
despotismo dos latifundiários como das autoridades porfirianas. Segundo essa versão
ele teria sido forçado a cair na ilegalidade ao chegar a sua casa e encontrar o fazendeiro
para quem trabalhava assediando sua irmã. Movido pela fúria atirou e feriu-o no pé.
Denunciado como agressor fugiu para as montanhas vivendo como foragido. Foi preso
algumas vezes, mas escapou, tentou viver legalmente, mas tendo sido reconhecido
voltou à marginalidade e começou a roubar cavalos. Nessa versão Villa aparece como
uma vítima do sistema social e econômico do México, homem honrado e digno, que não
podia tomar outro caminho. Essa interpretação foi baseada principalmente no livro
Memorias de Pancho Villa de Martín Luis Guzmán.
A lenda negra retratou-o como um bandido sanguinário, assassino sem
escrúpulos e ladrão de gado. Segundo essa versão ele incorporou-se à revolução por
mero acaso, pois estava visitando uma namorada num rancho quando as tropas federais,
acreditando que alguns revolucionários ali se encontravam escondidos, atacaram essa
localidade. Villa, convencido que ele era o verdadeiro alvo do ataque, respondeu aos
disparos e fugiu unindo-se posteriormente a Pascual Orozco, iniciando a sua carreira
revolucionária. Essa versão foi difundida por Celia Herrera em suas memórias
Francisco Villa ante la história. Celia Herrera era membro de uma família tradicional
de Chihuahua que teve um integrante morto por Villa.
Já na lenda épica, erigida ao longo da própria Revolução, Villa aparece como um
herói popular mesmo antes da eclosão do movimento. Villa já então seria um herói do
campesinato, uma espécie de Robin Hood mexicano, que roubava os grandes
latifundiários e ajudava a população mais pobre da sua região. Essa imagem foi
construída e difundida pelas canções populares e em grande medida por John Reed,
jornalista americano, em suas reportagens publicadas nos Estados Unidos e
posteriormente em seu livro México Insurgente. (KATZ: 1999)

99
As tropas de Villa foram formadas por uma massa de soldados camponeses, mas
também ex-oficiais de origem pequeno burguesa, pobres da província, militares com
formação, mineiros, ferroviários e bandidos32. No que toca aos camponeses da Divisão
do Norte sua aspiração à terra não estava baseada nas antigas comunidades, como no
sul. O norte do México estava composto por pequenas e médias propriedades
(rancherías), e as leis agrárias villistas refletem uma preferência por esta forma de
propriedade da terra. Esse espectro amplo que conformavam suas tropas refletia a
heterogeneidade das forças villistas. (KATZ: 1993)

Os objetivos sociais do movimento villista são mais difusos do que os do


movimento sulista, mas sem dúvida possuíam um vago projeto social. Pretendiam
confiscar as terras de grandes fazendeiros e realizar uma reforma agrária limitada entre
os soldados e antigos colonos. No entanto, não existia uma pressão tão forte pela
reforma agrária como em Morelos. Buscavam também ampliar o crédito para os colonos
arruinados e previam o pagamento de uma pensão para viúvas e órfãos da revolução.
Durante seu domínio de vastas regiões não ocorreu uma mudança na estrutura agrária e
seus interesses convergiam para fins militares. Muitas fazendas expropriadas eram
mantidas em funcionamento para suprir as necessidades de seu exército. Com esse
objetivo dedicaram-se também a venda de gado para os Estados Unidos. Os villistas
também durante um longo período respeitaram as propriedades de norte-americanos.
Nesse sentido a fronteira criava condições que os diferenciava dos zapatistas. Adotavam
a estratégia de luta da guerra de posições clássicas ao contrário dos zapatistas. Devido a
sua autonomia os exércitos ligados a Divisão do Norte possuíam grande flexibilidade de
deslocamento para outras regiões embora ficassem limitados pela sua dependência em
manter as linhas de suprimentos. Ademais suas tropas não interrompiam as atividades
militares para cuidar do campo como ocorria com os exércitos zapatistas. Outra
diferença era o anticlericalismo dos Villistas que contrastava com a religiosidade das
tropas Zapatistas .

Por fim, cabe dizer que o movimento villista foi radicalizando suas posições
políticas ao longo da guerra civil. Seu rompimento com Carranza e aproximação aos
Zapatistas representou a ascensão social dos camponeses ao domínio do poder central.
Uma clara divisão de classes surgira naquele momento: de um lado, as forças

32
Sobre o bandidismo na fronteira norte do México existe os excelentes trabalhos da pesquisadora
brasileira Maria Aparecida Souza Lopes (2005a e 2005b).

100
camponesas, do outro, as forças burguesas e pequeno burguesas. Essa divisão se
expressava nas questões relativas à propriedade da terra e às reformas sociais. A aliança
de Villa e Zapata levou ao ponto culminante da revolução popular e social.

Assim, em dezembro de 1914, as forças da Convenção, ou seja, os exércitos


camponeses comandados por Francisco Villa e Emiliano Zapata, ocuparam a Cidade do
México. Foi durante esse período que Emiliano Zapata reiterou seu oferecimento aos
irmãos Flores Magón, feito anteriormente, para que publicassem o jornal Regeneración
em domínios zapatistas. Ainda mais que nesse momento controlavam a fábrica de papel
de San Rafael. Os magonistas tiveram excelentes relações com os zapatistas entre 1912
e 1916, mas não aceitaram o convite. Foi a seu modo uma tentativa de estabelecer uma
aliança operário-camponesas. Embora os magonistas não tenham aceito o convite de
Zapata, as relações entre o movimento operário organizado e o zapatismo se tornaram-
se mais sólidas. Essa colaboração foi mais intensa com o Sindicato Mexicano de
Eletricistas que apoiou a administração zapatista da capital. Esse projeto de organização
política e social envolveu grupos sociais não vinculados com o constitucionalismo.

A convenção estabeleceu um Poder Judiciário do Distrito Federal e posteriormente


formou-se um Conselho Executivo da República Mexicana, com um presidente e
conselho de governo, que passou a legislar para todo o território nacional, o que nega a
tese do localismo do movimento zapatista. O Conselho Executivo legislou para além da
reforma agrária, criou uma lei eleitoral, estabeleceu autonomia municipal, direitos
trabalhistas, tais como o direito de greve, jornada de oito horas, liberdade de associação,
fim das tiendas de raya 33 e leis fiscais. Enfim, houve a produção de extensa legislação
em várias áreas, numa busca de organização de um governo, com a constituição de um
Exército, uma rede de educação, relações exteriores, comunicação, agricultura, fazenda
e justiça ademais de fundar um banco para o crédito rural. (Hernandez: 2002)

No final de janeiro, as tropas de Obregón retomaram a capital para as forças


constitucionalistas. Em seguida, os operários lançam uma ofensiva combinada com os
zapatistas. A Federação de Sindicatos do Distrito Federal convoca uma greve geral que
foi rapidamente reprimida com a decretação da pena de morte e a prisão de seus líderes.
33
As Tiendas de Raya era um estabelecimento de crédito para o abastecimento de camponeses e operários
localizados junto as fabricas e fazendas e similar ao nosso armazém. O nome deriva do fato de que como
a maioria dos trabalhadores era analfabeta em vez de assinar seu nome colocavam uma linha. Era uma
forma de manter os trabalhadores presos a fazenda, pois obrigava este a fazer todas as suas compras neste
local mesmo quando recebia um salário. Era uma forma suplementar de extração do excedente econômico
dos trabalhadores. No México o auge se deu no final do século XIX durante o governo de Porfírio Díaz.

101
Carranza e os líderes constitucionalistas perceberam que a greve fazia parte de um plano
mais amplo e a coalizão constitucionalista percebeu o perigo. Sob a pressão dos
acontecimentos e, em especial da ala jacobina do constitucionalismo liderada por
Obregón, Carranza abandona sua posição conservadora em matéria de legislação social.
Lança uma dupla ofensiva: militar e política. A militar tinha como objetivo o combate
ao zapatismo; a política, com a lei agrária carrancista de 6 de janeiro de 1915, que
procurava arrebatar o monopólio da iniciativa da reforma agrária aos zapatistas.

Na capital, onde Obregón selou o pacto com os operários através da expurgada Casa del
Obrero Mundial, em troca de concessões aos trabalhadores urbanos estes apoiariam os
constitucionalistas formando batalhões vermelhos de operários para lutar contra os
camponeses. Esse pacto só foi possível após a expulsão da ala radical da associação,
principalmente os representantes do Sindicato Mexicano dos Eletricistas que apoiavam
os camponeses zapatistas. Embora os batalhões de operários tenham tido apenas uma
força secundária na luta contra as forças camponesas, o que contou foi o valor simbólico
da aliança dos trabalhadores urbanos com os constitucionalistas.

Por seu turno, durante o ano de 1915, as forças camponesas da Divisão do Norte, o
exército villista, sofreu derrotas decisivas para o futuro de suas ambições nas batalhas
de Celaya, Léon e Aguascalientes, contra as forças Constitucionalistas, dirigidas por
Álvaro Obregón, que haviam unido os exércitos do Noroeste e Nordeste. Em agosto
estes tomaram definitivamente a capital e em outubro desse ano o governo de Carranza
foi reconhecido internacionalmente. No ano seguinte apesar da retomada de algumas
atividades tanto por parte de Villa em Chihuahua como de Zapata em Morelos, foi
marcado pela ampliação do controle militar e político pelo governo estabelecido e em
setembro foram convocadas eleições para uma Assembléia Constituinte, a ser realizada
em Querétaro, entre dezembro desse ano e janeiro de 1917. A Constituinte visava
encerrar o ciclo revolucionário e ficava reservada à ala burguesa vitoriosa da revolução.

A Assembléia Constituinte contou com a participação de aproximadamente


duzentos deputados. A direção, a princípio, foi carrancista, mas depois foi substituída
por uma obregonista. Muitos estudos dessa Constituinte dividem-na em uma ala liberal,
ou jacobina, e outra conservadora, embora essa divisão política não fosse tão simples.
As alianças ocorreram muito mais por vínculos pessoais e regionais que ideológicos.. É
difícil definir, com precisão, os deputados progressistas e liberais de acordo com
critérios precisos de origem social, posição econômica, idade, condição civil ou militar.

102
Podemos estabelecer as posições políticas dos delegados muito mais segundo critérios
de procedência regional. Participaram desse grupo homens que posteriormente
encontraremos no governo de Lázaro Cárdenas.

Os jacobinos provinham do noroeste e da costa do golfo, defendiam uma maior


intervenção na economia e reformas sociais. Os conservadores se aproximavam de
Carranza e eram originários de Coahuila e do centro do país. Os delegados dessa ala,
formada por uma elite civil, acreditavam em métodos tradicionais de estabilização
social e defendiam poucas mudanças em relação à Constituição de 1857. Não
acreditavam em reformas sociais e advogavam por um Estado que tivesse pouca
capacidade de intervenção na esfera econômica e social. Propunham instituições
semelhantes à de países como a Inglaterra e os Estados Unidos. Seu principal líder era
Felix Palavicini. Prevaleceram as propostas da ala jacobina e promulgada a
Constituição, foram convocadas eleições, pelas quais Venustiano Carranza foi eleito
para o mandato entre 1917 e 1920.

A Constituição de 1917 foi aprovada no dia 31 de janeiro de 1917, às vésperas


da revolução russa de fevereiro e pode-se afirmar que foi uma das mais avançadas da
época. Os artigos fundamentais da constituição são o 3º que trata da educação; o 27º
sobre a posse da terra e do subsolo; o 123º sobre os direitos dos trabalhadores; o 130º
sobre a secularização dos bens da Igreja. Basicamente a nova carta trata das garantias
democráticas; organização jurídica, da eliminação da participação religiosa na
educação; reforma agrária e proteção à pequena propriedade e às terras comunais;
nacionalização das riquezas do subsolo; estabelecimento de limites a propriedade,
submetendo-a ao interesse social; e delimitação dos direitos e garantias ao trabalhador.
A reflexão que podemos fazer é que essa constituição avançada só foi possível devido à
pressão e as batalhas de camponeses e operários durante a revolução. Ela expressa,
mesmo que indiretamente, as aspirações das camadas populares mexicanas. A ala mais
radical da burguesia mexicana tinha noção de que devia incorporar até certo ponto as
demandas dos movimentos populares e que só assim seria possível pacificar o país.
Como afirma John Mason Hart (1990, 446-471) significou uma síntese política das
elites e uma reorganização política sob moldes burgueses do Estado mexicano.

A derrota política e militar dos Villistas e dos Zapatistas, se bem que não definitiva, e as
vitórias da ala burguesa – Constitucionalistas – foi o fim da fase heróica da revolução

103
camponesa. Os objetivos dos Constitucionalistas agora eram, além de derrotar
definitivamente os exércitos camponeses, alcançar a estabilidade política e promover o
desenvolvimento da economia, evitando o perigo de uma nova ascensão das camadas
populares e do velho regime. A derrota parcial das forças camponesas representou para
os constitucionalistas a ruptura com ala mais radical da revolução.

Os anos de 1915 e 1916 foram os mais intensos da história mexicana e talvez o mais
decisivo do processo revolucionário. Foram os anos de uma grande experiência de
frente popular na revolução com a formação de um governo mesmo que efêmero e
instável. Foi o período de gestação de uma da nova hegemonia com os pactos entre
constitucionalistas e operários e as primeiras leis agrárias por parte de Carranza. Foi
também o período do descobrimento do México rural profundo pelos habitantes das
cidades. E marcou a transição do México afrancesado da capital, do positivismo e
naturalismo dos velhos romancistas para o México das novas gerações, áspero e cru da
revolução que representou uma catarse de descobrimento do nacional.

Os próximos anos das forças que chagam ao poder serão, sobretudo, uma luta
contra a já enfraquecida forças populares formada pelos exércitos camponeses,
operários industriais, intelectuais e setores de uma classe média e mesmo de uma
pequena burguesia (Hart: 1990, 377) e um embate pela construção das estruturas do
novo Estado. As forças camponesas ficaram separadas geograficamente e nunca
voltaram a se reunir, não obstante, os rebeldes villistas e zapatistas mantiveram-se
atuantes nos núcleos de suas regiões. Logo após a vitória sobre os camponeses o
governo que não precisava mais dos trabalhadores passou a reprimi-los, dissolve os
batalhões vermelhos e prendem dirigentes da COM.(Hart: 1990, 417-422)

Maré vazante: a derrota popular e vitória das novas elites 1917 - 1920

A partir da posse de Carranza, em maio de 1917, pode-se falar em um governo


constitucional. A economia mostrava sinais de recuperação pelo aumento da demanda
dos produtos mexicanos, principalmente motivada pela guerra na Europa e também por
uma maior arrecadação de impostos. Por seu turno, o governo se mostrou
profundamente conservador. Devolveu terras expropriadas aos seus antigos donos,

104
continuou a repressão aos movimentos sindicais e não colocou em vigor a constituição,
pelo contrário, enviou leis revendo alguns dos artigos mais progressistas.

Os camponeses, mesmo em uma fase de declínio e numa guerra defensiva tanto


no sul como no norte, mostravam ainda algum fôlego, embora entre os zapatistas o
desgaste de anos de luta fosse evidente. Em abril de 1919 Emiliano Zapata foi morto em
uma emboscada e a ala mais moderada dos zapatistas encabeçada por Gildardo Magaña
se impôs. Em novembro, este assina a rendição com Carranza. No ambito dos
operariado, em maio de 1918, foi criada a Confederación Regional Obrera Mexicana
(CROM) sob a tutela de Carranza tendo como diretor Luis Napoleón Morones,
posteriormente fundador do Partido Laborista Mexicano e líder sindical pelego do
governo Obregón e Calles.

Álvaro Obregón era o candidato natural a presidência mas Carranza manobrava


para se manter como comandante supremo da política mexicana. Entrou em conflito
com as autoridades de Sonora, claramente obregonistas, representadas por seu
governador Adolfo de La Huerta. Quando foi indicado um interventor como novo
comandante militar para o Estado, o governador e o comandante das forças do estado,
General Plutarco Ellias Calles, rebelaram-se e lançaram a "Revolução Constitucionalista
Liberal. O Presidente Carranza percebendo no ter apoio político e militar tentou fugir
rumo a Veracruz, esperando reorganizar suas forças, mas foram presos e mortos por
obregonistas. De la Huerta é indicado Presidente Provisório. Nesse contexto Francisco
Villa assina acordo para a deposição das armas e se retira para uma fazenda em
Durango. Gildardo Magaña e Genovevo de la O, últimos líderes remanescentes do
zapatismo, aderem aos sonorenses. Nas eleições Obregón é eleito presidente e sua
vitória representa a imposição do domínio político do que veio a ser conhecido como
Dinastia de Sonora. Álvaro Obregón foi o caudilho apto em aglutinar os fios que o
carrancismo perdia. Ele era o homem capaz da conciliação jacobina, entre camponeses,
operários e os generais revolucionários. O ano de 1920 marcou o último levantamento
vitorioso de uma facção regional, aglutinada em torno de um grupo de sonorenses e
significou o fim do período de conflito armado da Revolução.

Estabilização Política 1920 - 1934

105
A década de 1920 e os primeiros anos da década de 1930 representaram os anos
de institucionalização da revolução. Período conhecido também como os anos da
Reconstrução Nacional e foi dominada pelos presidentes sonorenses: Adolfo de La
Huerta (1920), Álvaro Obregón (1920-1924) e Plutarco Elias Calles (1924-1928). Esse
grupo político tinha hábitos seculares e anticlericais, eram extremamente pragmáticos e
não titubeavam em utilizar a violência para atingir seus objetivos. Em parte devido a
essas posturas, alguns conflitos eclodiram, como contra a Igreja Católica, as
companhias petrolíferas e no seio da própria “família revolucionária” tais como as
insurreições de 1923, 1927 e 1929 e as crises sucessórias de 1928-1929.

O governo de Álvaro Obregón, entre 1920 e 1924, foi marcado por problemas
nas relações entre o México e os Estados Unidos. Os norte-americanos recusavam-se
em reconhecer a nova administração enquanto esta não resolvesse a questão petrolífera,
afetada pela nova constituição, que dava amplos poderes ao Estado sobre as riquezas
minerais. As companhias petrolíferas julgavam-se prejudicadas e queriam que essa lei
valesse apenas para os novos campos e que houvesse uma compensação financeira pelas
perdas sofridas.

A sua administração foi marcada, no terreno cultural, pela indicação de José


Vasconcelos para a Secretaria de Educação Pública. Ele iniciou uma campanha pela
erradicação do analfabetismo, fundou bibliotecas e contratou uma série de artistas para
pintarem as paredes de edifícios das repartições públicas, dando origem à Escola
Mexicana de Pintura ou muralismo. Inserido na discussão sobre o papel da arte
contemporânea, o muralismo mexicano representou uma crítica à arte acadêmica e de
cavalete, produzida no século XIX e nos primórdios do século XX, e respondeu aos
debates políticos mexicanos de sua época. Inovou ao utilizar edifícios, espaços públicos
e produzir obras monumentais. Teve um alto grau de experimentalismo ao pesquisar e
utilizar novos materiais e técnicas. Considerada uma arte engajada, visava enaltecer o
advento e as obras da revolução; daí a escolha dos espaços públicos, pois poderiam
assim atingir um maior número de pessoas. Nesse sentido, iam de encontro ao projeto
desse novo Estado pós-revolucionário de educar as “massas” analfabetas. Esse
movimento dependia do mecenato do Estado que contratava os artistas e cedia os
edifícios públicos além de garantir o prestígio nacional. Entretanto, engana-se quem

106
pensa que essa relação, entre Estado e artistas, foi isenta de conflitos e negociações no
que concerne a definição do que deveria ser pintado. (Vasconcellos: 2007)
Durante o mandato de Plutarco Elias Calles (1924-1928) ocorreu uma polêmica
no meio cultural entre os chamados “intelectuais de má-fé”, ou seja, aqueles que
combatiam o nacionalismo cultural em voga e que por isso eram considerados traidores
da pátria, e os “intelectuais de boa-fé”, que davam apoio ao regime e à cultura adotada
com forte conteúdo social. (Diaz Arciniega: 1989) No cerne desse debate estético-
ideológico em torno da “cultura revolucionária” estava o livro de Mariano Azuela, Los
de Abajo reputado como exemplo típico dessa cultura vista como viril e carregada do
ethos revolucionário. A obra foi considerada como inauguradora do gênero romance
histórico da Revolução, ajudou a mistificar esse acontecimento fundador do México
Moderno. Mas, se foi apropriada pelos governantes do período pós-revolucionário para
legitimar seu poder também deu voz as camadas populares e apresenta-se como um rico
material para o historiador da cultura. (Barbosa: 2004b)

Calles, então com 47 anos, era uma figura até certo ponto obscura na cena
política mexicana. Tinha sido governador provisório do Estado de Sonora, em 1917 e
Ministro do Interior na administração Obregón. Calles era homem de confiança de
Obregón, esse último, a proposito, manteve grande influência política no governo. Foi
sua a idéia de realizar reformas na Constituição permitindo a reeleição de um ex-
presidente e o aumento do mandato de quatro para seis anos. Durante o governo Calles
eclodiu o conflito com a Igreja conhecido como Rebelião Cristera, entre 1926 e 1927.
(MEYER JR.: 1973-1974) O anticlericalismo mexicano deve ser visto dentro de um
processo mais longo, que remete aos acontecimentos da Reforma em meados do século
XIX e que retirou o poder da Igreja e da própria fase armada da revolução. As
conseqüências materializaram-se na Constituição de 1917 e em seus artigos que
proibiram à Igreja o direito de propriedade, impunham limites no âmbito da educação e
restrições à própria atividade dos sacerdotes.

Obregón candidatou-se para um novo mandato, de seis anos, e saiu vitorioso nas
eleições de 1928. Quando comemorava a sua vitória foi assassinado por um militante
católico em um restaurante nas proximidades da capital. Para levar a cabo a transição
política até as realizações de novas eleições em 1929, foi indicado como Presidente
Interino pelo Congresso um político do Estado de Taumalipas, Emilio Portes Gil. No
período que se seguiu à morte de Obregón o México foi governado por três presidentes:

107
Emilio Portes Gil (1928-1929), Pascual Ortiz Rubio (1929-1932) e Abelardo Rodríguez
(1932-1934), e essa fase ficou conhecida na história do México como o Maximato,
alusão ao domínio político exercido por Calles, o Chefe Máximo da Revolução. Assim,
em resumo, em um intervalo de quinze anos a política mexicana havia sido dominada
por apenas duas pessoas: Obregón e Calles.

As seguidas crises sucessórias eram sintomas da fragilidade do sistema político


vigente. Calles, pensando em aperfeiçoar o sistema, criou o Partido Nacional
Revolucionário (PNR), em 1929 que é a origem do atual Partido da Revolução
Institucional (PRI). Mas ainda assim, o novo partido não deu conta das disputas entre as
facções políticas e Calles permaneceu como uma espécie de árbitro político. Segundo
alguns autores, essa prática deu origem ao que viria a ser denominado um novo caudilho
ou caudilho institucional. Os objetivos dessa política eram conquistar a adesão não só
de líderes regionais ou locais, mas também dos novos atores políticos: camponeses e
operários.

A última onda revolucionário - O Cardenismo 1934 - 1940

Nas eleições de 1934 foi eleito o General Lázaro Cárdenas para o sexênio
seguinte. Foi um dos primeiros presidentes, desde o fim da luta armada, que não
provinha do Norte do país, mas do altiplano central. Havia sido governador do Estado
de Michoacán e fez parte da liderança do PNR. O seu governo teve três fases distintas.
A primeira fase durou da sua posse até o rompimento com Calles e a subseqüente
mudança do gabinete ministerial em 1935. Nesse primeiro momento não possuía uma
posição política forte e independente. Calles acreditava que continuaria com uma
posição de domínio político, mas não contava com a autonomia de Cárdenas. Os dois
entraram em conflito devido principalmente à posição deste com relação à política
sindical. Cárdenas conseguiu conciliar uma série de alianças com caudilhos locais,
exército e sindicatos. Nesse momento o presidente apoiou e obteve respaldo dos
operários via sindicatos e confederações. Nesse mesmo período, o Partido Comunista
Mexicano aproximou-se de Cárdenas e de uma proposta de Frente Popular após a

108
realização do VII Congresso da Internacional Comunista em Moscou, entre julho e
agosto de 1935.

A segunda fase do governo Cárdenas corresponde aos anos de 1936 até 1938, e é
considerada como a consumação das propostas reformistas previstas na Constituição da
Revolução pois implantou uma série de políticas sociais como a reforma agrária, a
nacionalização das ferrovias e das companhias petrolíferas, a educação socialista e a
promoção dos sindicatos por parte do Estado. A relação entre Estado e os sindicatos foi
um dos pilares de seu regime. Atraiu lideranças sindicais apresentando-se como uma
opção à política conservadora de Calles e realizou alianças com sindicatos de esquerda e
marxistas. Foi nesse cenário que surgiu a Confederação Trabalhista Mexicana (CTM),
em fevereiro de 1936. A sua política de nacionalização ampliou a sua influência no
meio sindical atrelando os sindicatos ao Estado.

O governo cardenista levou a cabo uma reforma agrária das mais significativas e que
afetou uma parcela considerável da população em uma região agrícola importante. Para
se ter uma idéia, ao final de seu governo praticamente a metade dos terrenos cultivados
eram ocupados por ejidos. Além do mais, esses camponeses ejidatários receberam
maior apoio governamental em termos de crédito, ajuda técnica e suporte na
comercialização. O termo ejido foi criado no período colonial para denominar as áreas
limítrofes dos povoados que exploravam principalmente a pecuária e a lenha. No
período pós-revolucionário o ejido adquire um novo significado e transforma-se num
instrumento para a reforma agrária no México. O ejido é uma espécie de dotação, pois
não há compra, afinal procedia da expropriação de latifúndios ou de terras do Estado,
torna-se uma propriedade da nação cedida em usufruto perpétuo e hereditário aos
camponeses, seja na forma individual ou coletiva.

Sob o seu mandato quase 18.000 hectares foram distribuídos a ejidatários. A partir da
ocupação de postos chaves na esfera federal de agraristas, estes colocam em prática uma
nova política agrária que não só se limita à distribuição de terras, mas também criou
mecanismos de crédito agrícola e ampliação do sistema de irrigação. Embora o ejido
individual ainda prevalecesse, foi incentivada a criação de ejidos coletivos e
cooperativas de produção, surgidos, em alguns casos da expropriação de fazendas
produtivas como o caso da região de La Laguna, nos estados de Coahuila e Durango no

109
norte do país. Apoiou também a formação das Ligas Agrárias e colocou líderes
agraristas em posto chave da administração federal.

Mas enquanto isso o PNR que havia sido criado tendo em vista principalmente
as questões políticas, não dava mais conta da complexidade social do país. Em 1938 o
antigo partido foi transformado no novo Partido Revolucionário Mexicano (PRM), com
uma estrutura semi-coorporativa formada por quatro setores: camponês, operário,
popular e militar. A política externa mexicana se destaca também neste período.
Cárdenas deu apoio aos Republicanos Espanhóis e com a derrota deles recebe um
grande número de exilados. Foi durante seu mandato que concede asilo político a Leon
Trotsky um dos principais líderes da Revolução Russa e que se encontrava em situação
delicada, pois nenhum país lhe concedia asilo e era perseguido pelos agentes do
stalinismo.

A terceira fase de seu governo, de 1938 até o final de seu mandato, em 1940, foi um
período de consolidação da política e de tentativa de manutenção das conquistas. A
pressão política interna causada pela alta na inflação e os problemas com o
abastecimento levaram a uma diminuição do ritmo das reformas sociais. A situação
política também pesou com o acirramento de uma oposição de direita dentro da grupo
político dominante, levando Cárdenas a uma posição mais cautelosa. Foi nesse contexto
que escolheu seu sucessor, Manuel Ávila Camacho, um político identificado com a ala
mais moderada que deu outro rumo para o país.

O governo de Lázaro Cárdenas efetivamente representou a “fase tardia da revolução”. A


relação entre a fase armada da revolução (1910-1920) e o governo de Lázaro Cárdenas
se deve principalmente três razões. Em primeiro lugar a elite política cardenista foi
formada essencialmente por membros que lutaram na revolução e traziam consigo as
experiências da luta revolucionária e de suas bandeiras de transformação social. Eram,
em geral, elementos atuantes nas alas mais radicais ou jacobinas do constitucionalismo,
muitos deles foram os principais responsáveis pela introdução das leis progressistas na
Constituição de 1917. Em segundo lugar as reformas sociais e políticas implantadas sob
Cárdenas significaram a colocação em prática dos artigos mais avançados da mesma.
Foi com a realização tardia das reformas que a revolução adquiriu uma dimensão social.
Por último, as reformas cardenistas só foram possíveis de serem realizadas porque o
exército federal – instrumento de poder de uma oligarquia – havia sido eliminado

110
definitivamente pelas forças camponesas em 1914, como mostram claramente
numerosos exemplos opostos de outros países latino-americanos. (Tobler: 1994)

Conclusão

A Revolução Mexicana é um fenômeno muito complexo e durante este século


muito já foi escrito sobre ela tanto por mexicanos como por estrangeiros. Se num
primeiro momento a revolução foi enaltecida como redentora, popular e representava
uma ruptura social com o “antigo regime” ditatorial, posteriormente foi negada e
criticada, seus estudiosos passaram a destacar mais as continuidades entre o porfiriato e
o regime pós-revolucionário. Afirmavam que ela não passava de uma grande rebelião e
que ela não era uma revolução, mas várias revoluções ou rebeliões regionais e que só
posteriormente foi declarada uma identidade histórica comum sob o conceito de a
revolução. Nos últimos anos novas pesquisas foram fundamentais para reavaliar as
linhas da investigação da Revolução. Para John Mason Hart (1990), a Revolução
Mexicana foi um movimento de massa e de caráter nacionalista frente à penetração
imperialista dos Estados Unidos. Uma das principais inovações de Hart foi a
valorização da atuação dos operários industriais urbanos. Já o estudo de Alan Knight
(2010) buscou registrar microscopicamente o multiforme e polifacético processo
revolucionário mexicano. Para ele, os conceitos de classe da teoria marxista não davam
conta dessa realidade histórica e propôs uma nova tipologia e a divisão dos grupos
sociais revolucionários entre “serranos” e “agraristas”. Os primeiros foram definidos
não tanto por sua localização geográfica e mais porque se encontravam relativamente
independentes do centro político do país e reagiram a uma centralização política
ocorrida durante o porfiriato; já os segundos, eram relacionados aos camponeses que
lutavam por uma revisão da questão da terra. Com essa perspectiva, Knight privilegiou
fatores políticos e culturais em detrimento de uma análise classista como a feita por
Hart. Por fim Hans Werner Tobler (1994), defende que a Revolução teria de ser vista
num processo de “longa duração”. Para ele, os acontecimentos da década de 1930
estavam interligados com o processo revolucionário, por isso sua periodização abarca de
1910 até o governo Lázaro Cárdenas (1934-1940). Este último governo foi o principal
responsável pelo atendimento de diversas demandas sociais surgidas durante a luta

111
armada e assim deu um caráter social à Revolução, permitindo maior tranqüilidade e
estabilidade ao sistema político mexicano durante os anos subseqüentes. (Barbosa e
Lopes: 2001)
Mas os embates pela memória da Revolução não ficaram restritos ao âmbito da
historiografia, na esfera cultura as disputas, que se iniciaram logo após ao silenciar das
armas, continuaram ao longo do século XX e não ficaram restritas às paredes públicas
pintadas pelos muralistas. Na década de 1940, durante o governo de Manuel Avila
Camacho, surgiram duas iniciativas de perpetuação da memória da revolução. Em 1942
começam a ser publicados em forma de fascículos que posteriormente deram origem aos
álbuns Historia Grafica de la Revolución Mexicana, monumental obra editada por
Gustavo Casasola, que utilizou um rico acervo de fotografias do “Arquivo Casasola”,
formado por mais de seiscentas mil imagens colecionadas pela família. Este material,
enriquecido com a aquisição de imagens de outros fotógrafos foi declarado patrimônio
cultural e histórico mexicano. Foi comprado pelo governo mexicano em 1976 e deu
origem a Fototeca de Pachuca, vinculada ao Instituto Nacional de Antropologia e
História órgão do governo mexicano. Os álbuns procuram transmitir a idéia de
Revolução como acontecimento absoluto, contínuo e fundacional do “México
Moderno” e os grandes líderes foram apresentados como heróis e pais fundadores desse
Estado. Segundo seu editor a imagem final da Revolução foi construída a partir do olhar
dos vencedores, ou seja os Constitucionalistas. (Barbosa: 2004a e 2006)

Nessa mesma década de 1940 o governo inaugura o Museu Nacional de História


do México. Localizado no Castillo de Chalputepec local simbólico no imaginário
histórico e político mexicano. Foi o último reduto dos mexicas sob o comando do
imperador Cuauhtémoc contra a conquista espanhola, posteriormente transformado em
palácio vicereinal, colégio militar, residência do imperador Maximiliano e residência
oficial dos presidentes mexicanos. Com a criação do museu o local foi transformado em
“catedral cívica” da nação e guardião das relíquias mexicanas. O Museu buscou
elaborar uma memória revolucionária oficial e legitimadora principalmente em
momentos de crise do sistema político mexicano. (Vasconcellos: 2007)
Em 1950 Carmem Toscano lança o filme Memorias de un Mexicano, realizado a
partir de uma rica produção cinematográfica deixada por seu pai, Salvador Toscano,
cinegrafista que registrou os acontecimentos revolucionários mexicanos. Numa
montagem em que intercala a história de brigas familiares às disputas políticas do

112
processo revolucionário mexicano e procura apresentar uma “história oficial, detentora
da memória nacional, e silenciando memórias subalternizadas no interior deste
processo uníssono.” (Bragança: 2007, 15)
No campo político em 1988, devido a uma divisão dentro do PRI, foi criado o
Partido da Revolução Democrática (PRD), que disputou as eleições presidenciais tendo
como candidato o filho de Lázaro Cárdenas, Cuauhtémoc Cárdenas. Este chega a obter
uma expressiva votação, embora o candidato priista, Carlos Salinas de Gortari, fosse o
eleito. O pleito foi muito questionado devido a várias denuncias de fraude. Foi durante a
presidência de Salinas de Gortari, na madrugada do primeiro dia de 1994, concomitante
a assinatura do Tratado de Livre Comércio da América do Norte, que eclodia no
extremo sul do país, em Chiapas, uma revolução de novo tipo. Os indígenas dos Altos
da Selva Lacandona, o estado mais pobre do país, colocavam contra a parede todas as
medidas econômicas neoliberiais dos últimos governos mexicanos. Com a sublevação
chiapaneca renascia o mito da Revolução Mexicana e da via armada, que para tantos
analistas havia se esgotado. Então como entender um grupo denominado de Exército
Zapatista de Libertação Nacional, ou simplesmente EZLN, que reivindicava a herança
do líder Emiliano Zapata, suas bandeiras camponesas e indígenas?

A princípio acreditava-se que seria mais um dos tantos movimentos guerrilheiros


da América Latina. A imprensa mundial, inclusive a brasileira, voltou seus olhos para
este grupo armado encravado nas florestas dos Altos de Chiapas. Os líderes do
movimento eram todos indígenas maias de diversas etnias, mas possuíam um porta-voz,
Subcomandante Marcos, de origem urbana e que mesclava elementos simbólicos de
Zapata e de Che Guevara e utilizava novas armas de propaganda, como a internet; e
apesar do primeiro confronto com o exército evitavam o conflito armado aberto.

Ao contrário das teses que enfatizam o papel central para a eclosão do


movimento armado apenas devido às apropriações de grupos de origem urbana, o EZLN
é resultado da politização das comunidades indígenas que, mescladas aos elementos
políticos externos advindos da esquerda revolucionária mexicana, da Teologia da
Libertação e internos da cosmo-visão étnico cultural geraram uma cultura política
própria. (Andreo: 2013)

Depois de oitenta anos de domínio ininterrupto, no ano de 2000 o Partido da


Revolução Institucional perdeu a eleição para o Partido Ação Nacional (PAN), de

113
direita, que elegeu Vicente Fox. Este partido, fundado em 1939, sempre se caracterizou
por ser o principal partido da oposição conservadora mexicana. Em 2006 conseguiu
eleger o sucessor, Felipe Calderón, em uma disputa muito controvertida, devido à
novas acusações de fraude e à pequena diferença de votos com relação ao candidato
Andrés Manuel López Obrador do Partido da Revolução Democrática (PRD).
Foi nesse contexto que as comemorações do Bicentenário da Independência e do
Centenário da Revolução Mexicana foram realizadas em 2010. Por um lado nas
comemorações oficiais as diretrizes de quem estava no poder (PAN) foram
determinadas pelo cancelamento do desfile militar do dia 20 de novembro. Outro
exemplo da tentativa de modificar a abordagem da Revolução por parte do governo
federal foi o que passou com o Instituto Nacional de Estudos Históricos da Revolução
Mexicana (INEHRM) fundado em 1953 no governo de Adolfo Ruiz Cortines para
tornar um espaço de investigação do conflito. Este mudou de nome para Instituto
Nacional de Estudos Históricos das Revoluções Mexicanas, no plural, passando a
englobar em suas temáticas de investigações as Revoluções de Independência, a
Revolução Liberal de 1857, a Revolução Mexicana de 1910-1920 e, atenção, a transição
democrática de 2000. Já o governo do Distrito Federal nas mãos do PRD realizaram
desfiles e festas para rememorar a data. Estes são apenas alguns exemplo dos embates
em torno da memória e da herança da revolução mexicana. Dois anos depois, nas
eleições presidenciais de 2012, o PRI conseguiu voltar ao poder com o candidato
Enrique Peña Nieto.

Para concluirmos algumas reflexões são importantes, a Revolução Mexicana


segue sendo uma das poucas revoluções do século XX que conserva alguma
legitimidade ante aos olhos de sua população. O partido de oposição, Partido da
Revolução Democrática (PRD), como o próprio nome revela, reclama ser o legítimo
representante da revolução. Já no sul do país, e em outro viés, a guerrilha dos
neozapatistas reivindica o estatuto de verdadeira herdeira do legado de Emiliano Zapata.
Embora reconheçamos sua complexidade, variáveis e diferenças regionais, sociais e
culturais entre os distintos movimentos revolucionários, o que determinou um caráter
heterogêneo e multifacético, a revolução foi uma ruptura revolucionária nacional,
popular, operária e agrária. Ela deu origem a um regime, que embora tenha se tornado
autoritário, também foi estável e duradouro em contradição com outros países do sul do
continente, que ao longo do século XX passaram por golpes militares e regimes de

114
exceção. Acredito que os embates pela memória e herança da revolução de 1910 ainda
seguirá ao longo do século XXI. Até quando? Essa é uma resposta que os próximos
acontecimentos responderão.

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