(Organizador)
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CAPÍTULO 3
UNESP/Assis
Introdução
O Regime Porfirista
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A Revolução Mexicana eclodiu no final de 1910, quando se aproximava mais
um período de eleições presidenciais. Apesar de ter anunciado que se aposentaria neste
ano, o presidente Porfírio Díaz lançou-se como candidato a uma nova reeleição, a
sétima, para o mandato de 1910-1916. A crise da sucessão presidencial era a expressão
de uma disputa política que possuía raízes mais profundas, vinculada a embates entre
setores da classe dominante, que por sua vez estava interligada a uma crise econômica e
social que perpassava todo o México e atingia as classes subalternas. A Revolução
Mexicana se inicia como uma revolução política, mas a crise política é apenas a espuma
da superfície do mar social que se agitava em suas profundezas. Para se compreender as
transformações que se operavam precisamos acompanhar o desenrolar dos
acontecimentos da disputa presidencial em torno do candidato oposicionista Francisco
Madero. Ao seu redor se aglutinou toda a oposição à Díaz e seu regime, desde setores
das elites, como a própria família Madero, constituída de proprietários de terras e
industriais no norte do país, setores da burguesia asfixiados pela ditadura porfirista,
passando pela classe média que exigia uma maior participação política. O
descontentamento atingia setores operários que buscavam liberdade para sua
organização política e melhores condições de vida e camponeses que sofriam
perseguição política e expropriação de suas terras.
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A primeira dos norte-americanos durante a guerra com esse país entre 1846-1848 e como resultado o
México perdeu aproximadamente metade do território que possuía então; a segunda foi a intervenção
francesa entre 1862-1867.
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A primeira monarquia logo após a Independência com o imperador Agustín de Iturbide entre 1821 e
1823, a segunda com a intervenção francesa e a imposição do arquiduque austríaco Fernando
Maximiliano entre 1862 e 1867.
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yankees. A mineração, particularmente no norte do país, deu um salto na sua produção,
assim como a pecuária, em grande parte movida por capital estadunidense. Algumas
cifras ajudam a visualizar essa situação: a propriedade da terra em mãos norte-
americanas atingiam aproximadamente 100 milhões de acres e englobavam minas,
terras agrícolas e bosques, o que representavam cerca de 22% da superfície do país.
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também documentou a expansão das grandes propriedades no campo. O crescimento
médio da população era de 2 % aa. Para a economia o ano foi de avanço, a crise
econômica de 1908 parecia que havia sido superada e todos os dados indicavam
progresso e bonança para os próximos anos (AGUILAR CAMÍN e MEYER: 2000, 11)
A Revolução Mexicana foi uma das poucas revoluções ocorridas com data e
horário marcados para começar: dia 20 de novembro de 1910, às 18 horas. Essa
primeira tentativa de levante foi um fracasso, mas não impediu que o chamado de
Madero fosse ouvido e respondido pelos mais diferentes grupos descontentes com o
governo, principalmente no meio rural. Iniciava-se o que se convencionou chamar de
Fase Maderista da Revolução, que foi definida como a fase política e que se desenrolou
entre novembro de 1910 e fevereiro de 1913.
A Revolução não era esperada pelos contemporâneos, era uma filha inesperada
do projeto liberal do século XIX e não foi fruto da miséria e da estagnação, mas foi
provocada pela desordem da expansão econômica e das transformações sociais e
políticas decorrentes destas mudanças . Quais seriam os sonhos de 1857? Eram de uma
república democrática, igualitária, racional industrialista e aberta à inovação e ao
progresso. Qual era a realidade de 1910? Uma república oligárquica, autoritária,
morosa, desconjuntada, sacudida pelas inovações e presa à tradição colonial.
Continuava a ser uma sociedade católica, indígena, baseada nas haciendas, corporativa
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com uma indústria restrita (principalmente a indústria têxtil e mineração) e com um
comércio incipiente. (GONZÁLEZ: 1988, 1007)
Quais eram as táticas do PLM e da organização dos magonistas para atingir seus
objetivos? Em primeiro lugar, organizar células ou clubes políticos; em segundo, seus
membros deveriam incorporar-se em organizações de massa; e por fim, atuar nessas
organizações com técnicas políticas e núcleos armados para entrar em combate.
Tentaram colocar em prática tais táticas com relativo sucesso, como demonstram as
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greves de Cananea e de Rio Blanco (1906), onde seus membros tiveram participação
decisiva. No artigo “Aos proletários” o jornal lançou um chamado à luta aos
trabalhadores da cidade e do campo. Os magonistas propunham uma luta contra o
centralismo político e econômico e a favor de uma reforma agrária. A partir de 1911
redefinem a luta por uma perspectiva mais radical, embora alguns de seus membros
aderissem ao movimento maderista, sua direção rejeitou a aproximação. (Batra: 1983,
94-96)
Como explicar essa crise? O fracasso, segundo Armando Batra (1983), estaria no
fato de que o operariado mexicano não estava maduro para levar a cabo uma aliança
operário-camponesa, onde os primeiros tomassem a direção. Existia contradições
econômicas e culturais entre as classes operárias e camponesas mexicanas que não
permitiu uma aliança multicultural e transclassista no México de então (Hart: 1990,
421). A luta na revolução mexicana tomou rumo de uma guerra camponesa prolongada
e os operários não se uniram aos camponeses. Essa união ocorreu apenas em alguns
casos isolados.
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Deve-se destacar que apesar das derrotas militares e políticas, algumas das
principais propostas apresentadas em seu programa de reivindicações tais como
liberdade política, regime democrático, salário mínimo, jornada de oito horas, liberdade
de organização operária, divisão de terras, anulação de dívidas dos peões, ampliação do
mercado interno, desenvolvimento industrial e luta contra o imperialismo, foram
incorporadas na Constituição de 1917 (Hart: 1990, 451-452).
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Otílio Montaño é uma figura singular no processo revolucionário mexicano. Nascido em Villa de
Ayala, Morelos, realizou seus estudos em Cuatla e foi designado professor em escolas de Jonacatepec e
Tepalcingo, chegou a ser diretor de uma escola em Villa de Ayala. Apoiou a revolução maderista desde
seu inicio posteriormente unindo-se à Zapata.
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determinava a nacionalização dos bens dos inimigos da revolução, ou seja, os
latifundiários e os capitalistas, e por outro lado, estipulava que os camponeses e pueblos
tomassem posse de suas terras imediatamente. Colocando em cheque o pilar da estrutura
de dominação do capitalismo mexicano.
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principalmente, de uma pequena burguesia, da classe média e operária, ou seja, a
revolução foi também provocada pelo monopólio político e econômico da oligarquia
porfiriana. Contribuiu também a inflação causada pela alta dos impostos
governamentais para manter a sua máquina estatal.
Com a renúncia de Porfírio Díaz foram realizadas novas eleições que aclamaram
Franscisco Madero. Essa primeira fase da Revolução não causou grandes danos à
economia mexicana, principalmente porque a luta armada ficou restrita a regiões
específicas do país: o extremo norte e o estado de Morelos. As eleições ocorreram no
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Assim como outras revoluções nesse mesmo período a Revolução Mexicana foi uma resposta
nacionalista ao imperialismo britânico e norte-americano. Para um aprofundamento dessa discussão veja
o excelente capítulo “Causalidade mundial Irã, China, Rússia e México”, no livro de Hart (1990).
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dia 1º outubro de 1911 e Francisco Madero foi eleito com 53% dos votos pelo Partido
Progressista Constitucional (ex-Partido Anti-Reeleccionista). O curto governo de
Francisco Madero (novembro de 1911 a fevereiro de 1913) foi hostil ao movimento
operário e tentou controlá-lo e regulamentá-lo. Para tanto criou o Departamento do
Trabalho. Acabou com a censura à imprensa e, em geral, foi um governo de respeito às
liberdades democráticas, mas fechado as transformações sociais.
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A partir de fevereiro de 1913 iniciou-se o governo contra-revolucionário do
General Huerta. Uma nova onda revolucionária surge advindas do governador
Venustiano Carranza, do pequeno Estado de Coahuila, localizado no Nordeste do país,
que se auto declarou “Primeiro Chefe” da revolução. Seguidas das sublevações das
forças políticas do Estado de Sonora tendo a frente Álvaro Obregón e da Divisão do
Norte de Villa. Esses diversos grupos se denominaram Constitucionalistas, pois
segundo eles defendiam a Constituição de 1857. Se no Norte as forças revolucionárias
possuíam uma fachada múltipla, com três grandes grupos revolucionários: Carranza,
Obregón e Villa. No sul possuem uma fachada única com Zapata e seus exercitos
camponeses, que a partir da sua base no Estado de Morelos permaneceram
continuamente em luta.
A esta altura podemos afirmar que existiam quatro grandes eixos da nova
rebelião: a) a frente zapatista no sul; b) colunas próximas ao Primeiro Chefe Venustiano
Carranza comandadas por Pablo González; c) forças organizadas pelo governo de
Sonora e comandadas por Álvaro Obregón; e d) a aliança villista. Foi através do Pacto
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de Monclova que se deu a união dos quatro eixos formando o que ficou conhecido como
Revolução Constitucionalista. Mas esta união trazia em si divisões internas: uma fratura
representada pela disputa Carranza-Villa e outra pela visão preconceituosa que os
nortistas tinham do exército sulista que era considerado por aqueles com uma forte
carga colonial e indígena “com o cheiro do México velho”. Afinal o Norte era laico,
empreendedor, branco, rancheiro e comedor de trigo, enquanto que os sulistas eram
predominantemente mestiços, camponeses e comedores de milho.
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A intervenção norte-americana fracassou devido à resistência da guarnição
mexicana ao desembarque dos fuzileiros em Veracruz. Huerta acabou obtendo um fugaz
apoio dos católicos e das populações das cidades principalmente devido ao
antiamericanismo enraizado no país. As tropas estadunidense tiveram que se contentar
em permanecer em Veracruz e Washington aceitou a mediação do grupo de países
denominado ABC (Argentina, Brasil e Chile). Mas indiretamente os desejos norte-
americanos se concretizaram, pois a situação de Huerta começou a deteriorar devido à
perda da receita da alfândega de seu principal porto, com o embargo de compras de
novas armas e munição que também chegavam predominantemente por esse porto.
Esses acontecimentos levaram ao enfraquecimento do governo. Huerta não possuía base
de sustentação política, suas forças foram suficientes para dar o golpe, mas não para
construir uma hegemonia. Ademais a mobilização das camadas populares se mostrava
irreversível. Enquanto os exércitos do Nordeste e Noroeste praticamente não avançavam
as tropas da coalizão camponesa da Divisão do Norte comandadas por Francisco Villa
seguiam de vitória em vitória aproximando-se da capital e só não a tomaram devido à
interrupção de fornecimento de carvão para os trens que transportavam seus exércitos.
A ordem de cortar os combustíveis para os trens de Villa partiu de Carranza temeroso
da força que Villa adquiriria. A hostilidade de Carranza em relação à Vila era reforçada
pelas diferenças de classes existentes entre os dois. Nesse ínterim, apoiado por
Carranza, Obregón avançou pela costa do Pacífico onde não encontrou muita resistência
das forças federais.
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Nestes primeiros anos da revolução verifica-se uma fragmentação das elites
mexicanas e uma gradual mobilização das camadas populares capitaneadas pelas forças
revolucionárias camponesas em especial as forças zapatistas e villistas, tendo em
segundo plano grupos urbanos provenientes de setores do proletariado e da classe
média. A mobilização das camadas populares levou a um novo patamar na luta
revolucionária, o objetivo agora era a tomada do pode central. Com a derrota do
Exército Federal e saída de cena de Victoriano Huerta era natural que a aliança
multiclassista que enfrentou as forças contra-revolucionárias entrasse em crise e que
abrisse espaço para uma guerra de classes.
Entre agosto de 1914 e 1916 o México viveu o período mais intenso e radical da
Revolução. Nesta fase se deu a fragmentação das forças revolucionárias em várias
facções e ocorreu a radicalização dos camponeses, de trabalhadores urbanos e setores da
classe média. Nesse momento os grupos vitoriosos entraram numa intensa disputa pela
definição do tipo de regime que deviam construir. Embates só concluídos com a
realização da Constituinte no final de 1916. Quatro grandes exércitos revolucionários
haviam se desenvolvido em diferentes regiões do México tanto do ponto de vista
material quanto socialmente. Eram os exércitos do Nordeste, Noroeste, Norte e Sul,
cada um deles representava uma configuração particular de forças sociais em luta. Os
exércitos do Nordeste e do Noroeste possuíam semelhanças em sua composição social e
propostas ideológicas, mas estes com relação aos outros dois, se desenvolveram de
maneira tão diferente que a luta para construir o novo Estado teria de começar como
uma guerra, em torno das relações sociais da produção, tendo a questão da terra no
centro da disputa.
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Se economicamente o país conseguiu passar sem problemas pelos três primeiros
anos de guerra civil, nos anos seguintes ele se encontrava numa situação caótica. Havia
ocorrido um colapso das transações comerciais e políticas, tanto ao nível nacional como
regional e local. O país perdeu o crédito internacional, o tesouro foi levado à exaustão
nos seguidos esforços de guerra, e a dívida externa atingiu patamares estratosféricos. O
sistema bancário estava na bancarrota, as estradas de ferro foram destruídas, a
mineração interrompida e a agricultura estava em crise.
Nesse momento ocorre uma divisão das forças revolucionárias em ação em dois
grandes grupos. As forças Constitucionalistas, formados pelos exércitos do Nordeste e
do Noroeste, que se assemelhavam, pois ambos foram formados a partir de contingentes
mais ou menos profissionais, ganhavam soldo, e seus líderes, todos agora generais,
eram à época em que haviam entrado nas tropas revolucionárias, jovens saídos das
classes médias e alta de comerciantes e fazendeiros (médios ou pequenos). Eles se
aproximaram das organizações trabalhistas, mas não davam muita atenção para a
questão agrária, não se interessavam pela situação do peão, não possuíam propostas
sociais que os favorecesse e eram profundamente anticlericais, um traço característico
dos liberais mexicanos desde o século XIX.
Por seu turno as forças camponesas e populares formadas pela Divisão do Norte
comandadas por Francisco “Pancho” Villa e compostas por cerca de trinta mil soldados,
eram heterogêneas, formadas de camponeses, mineiros, vaqueiros, ferroviários,
desempregados e bandidos, e possuíam um vago projeto social30. O Exército do Sul,
contava com quinze mil soldados regulares e aproximadamente dez mil guerrilheiros,
todos habitantes do Estado de Morelos e seus arredores, formados em sua maioria por
camponeses e pequenos proprietários. Possuíam um projeto social explicitado no Plano
Ayala, que propunha a devolução das terras expropriadas durante o governo de Díaz aos
pueblos pelas grandes fazendas de açúcar do Estado, como foi exposto anteriormente.
30
Cabe destacar que Alan Knight (2010) afirma que existiam algumas semelhanças sociais e mesmo
ideológicas entre a Divisão do Norte e os exércitos do Nordeste e do Noroeste e que seus membros
acabaram optando por um ou outro grupo por afinidades pessoais e regionais.
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Com a vitória militar da coalizão de forças que se antepuseram ao governo de Huerta
Coube a Álvaro Obregón, que possuía uma posição mais jacobino dentro do espectro
Francisco Villa e Venustiano Carranza, no qual ficara estabelecido que, assim que
revolucionários.
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Mexicana. Graças a eles a revolução assume as proporções de uma revolução social, na
medida em que os demais movimentos revolucionários eram antes de tudo políticos.
(Gilly: 1994)
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A princípio, a rebelião zapatista assemelhava-se aos movimentos camponeses
tradicionais: os rebeldes lutavam para recuperar a terra perdida pelas comunidades.
Estes obtiveram apoio na forte tradição comunitária coletiva que remete ao calpulli pré-
hispânico onde não existia o individualismo. O movimento camponês possuía então
fortes vínculos comunitários, o que levou muitos intérpretes a ver neste grupo um
localismo exarcebado. Seus membros se destacavam por suas vestimentas e suas
tradições marcadamente indígenas. Utilizavam a tática guerrilheira, em que o
comandante era escolhido entre os mais corajosos ou enérgicos e tendo como base os
pueblos formas de organização política descentralizada. Recebiam forte apoio das
comunidades sob a forma de alimentos, conhecimentos do terreno, ao mesmo tempo em
que davam continuidade ao trabalho com a terra (plantio e colheita). Seus líderes
demonstravam profundo respeito e simpatia ao clero e a religião católica31. Cabe
destacar que enfrentavam antagonismo e forte preconceito por parte da população
urbana e branca, “gente de razão”, que via nessas populações mestiças e indígenas
zapatistas do meio rural uma força elementar, cega e desprovida de razão.
O líder dessa facção era Emiliano Zapata. Cabe dizer que este não era um
camponês típico. Possuía instrução primária, sua inteligência era intuitiva e dotado de
grande sensatez. Era um mestiço que provavelmente tinha sangue africano, falava com
os indígenas de igual para igual. Na realidade, sua origem advém de líderes
comunitários de Anenecuilco e Villa de Ayala e por isso não vestia, no seu cotidiano,
nem a manta branca, nem as sandálias de huaraches, típicas dos camponeses do sul do
México. Vestia habitualmente o “traje de charro”, com calças justas, grandes esporas,
jaqueta curta e “sombrero galoneado” (decorado). Seus generais logo começaram a
seguir esse modelo de vestimenta. Zapata era um tratador de cavalos, o que não implica
numa desvinculação com a população que lidera. Era um indivíduo do campo e,
portanto, estava inserido na sua tradição camponesa. Foi soldado a contragosto e viveu
na Cidade do México por um curto período, como tratador de cavalos de um rico
proprietário. Portanto, apesar de ser um homem do campo, possuía experiência urbana.
O pensamento político de Zapata é fruto da inspiração popular e rural. Posteriormente
31
Cabe lembrar que o baixo clero fora um dos grandes defensores das comunidades indígenas e mestiças
no mundo rural mexicano e entre eles existiam elementos radicais, como grandes exemplos podemos citar
os líderes da independência mexicana padres Miguel Hidalgo e José Maria Morelos.
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derivou para uma posição mais radical e jacobina ou socializante, influenciado
provavelmente por Antonio Díaz Soto y Gama. Esta mudança levou à ratificação do
Plano Ayala que significou uma radicalização na proposta reforma agrária.
(WOMACK: 1992)
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Nasceu em Durango em 1878 e durante sua vida havia sido arrieiro, soldado e
bandoleiro, acusado de roubar gado.
Villa foi uma figura ambígua que adquiriu ampla publicidade dentro e fora do
México. Seu caráter contraditório e esquivo contribuiu para torná-lo uma personalidade
confusa e multifacetada. Encarnou o machismo mexicano e hispânico, mas também a
imagens positivas do bandido providência, da invencibilidade, e do heroísmo épico.
Existem três lendas sobre ele: a lenda branca, que apresenta um Villa vítima tanto do
despotismo dos latifundiários como das autoridades porfirianas. Segundo essa versão
ele teria sido forçado a cair na ilegalidade ao chegar a sua casa e encontrar o fazendeiro
para quem trabalhava assediando sua irmã. Movido pela fúria atirou e feriu-o no pé.
Denunciado como agressor fugiu para as montanhas vivendo como foragido. Foi preso
algumas vezes, mas escapou, tentou viver legalmente, mas tendo sido reconhecido
voltou à marginalidade e começou a roubar cavalos. Nessa versão Villa aparece como
uma vítima do sistema social e econômico do México, homem honrado e digno, que não
podia tomar outro caminho. Essa interpretação foi baseada principalmente no livro
Memorias de Pancho Villa de Martín Luis Guzmán.
A lenda negra retratou-o como um bandido sanguinário, assassino sem
escrúpulos e ladrão de gado. Segundo essa versão ele incorporou-se à revolução por
mero acaso, pois estava visitando uma namorada num rancho quando as tropas federais,
acreditando que alguns revolucionários ali se encontravam escondidos, atacaram essa
localidade. Villa, convencido que ele era o verdadeiro alvo do ataque, respondeu aos
disparos e fugiu unindo-se posteriormente a Pascual Orozco, iniciando a sua carreira
revolucionária. Essa versão foi difundida por Celia Herrera em suas memórias
Francisco Villa ante la história. Celia Herrera era membro de uma família tradicional
de Chihuahua que teve um integrante morto por Villa.
Já na lenda épica, erigida ao longo da própria Revolução, Villa aparece como um
herói popular mesmo antes da eclosão do movimento. Villa já então seria um herói do
campesinato, uma espécie de Robin Hood mexicano, que roubava os grandes
latifundiários e ajudava a população mais pobre da sua região. Essa imagem foi
construída e difundida pelas canções populares e em grande medida por John Reed,
jornalista americano, em suas reportagens publicadas nos Estados Unidos e
posteriormente em seu livro México Insurgente. (KATZ: 1999)
99
As tropas de Villa foram formadas por uma massa de soldados camponeses, mas
também ex-oficiais de origem pequeno burguesa, pobres da província, militares com
formação, mineiros, ferroviários e bandidos32. No que toca aos camponeses da Divisão
do Norte sua aspiração à terra não estava baseada nas antigas comunidades, como no
sul. O norte do México estava composto por pequenas e médias propriedades
(rancherías), e as leis agrárias villistas refletem uma preferência por esta forma de
propriedade da terra. Esse espectro amplo que conformavam suas tropas refletia a
heterogeneidade das forças villistas. (KATZ: 1993)
Por fim, cabe dizer que o movimento villista foi radicalizando suas posições
políticas ao longo da guerra civil. Seu rompimento com Carranza e aproximação aos
Zapatistas representou a ascensão social dos camponeses ao domínio do poder central.
Uma clara divisão de classes surgira naquele momento: de um lado, as forças
32
Sobre o bandidismo na fronteira norte do México existe os excelentes trabalhos da pesquisadora
brasileira Maria Aparecida Souza Lopes (2005a e 2005b).
100
camponesas, do outro, as forças burguesas e pequeno burguesas. Essa divisão se
expressava nas questões relativas à propriedade da terra e às reformas sociais. A aliança
de Villa e Zapata levou ao ponto culminante da revolução popular e social.
101
Carranza e os líderes constitucionalistas perceberam que a greve fazia parte de um plano
mais amplo e a coalizão constitucionalista percebeu o perigo. Sob a pressão dos
acontecimentos e, em especial da ala jacobina do constitucionalismo liderada por
Obregón, Carranza abandona sua posição conservadora em matéria de legislação social.
Lança uma dupla ofensiva: militar e política. A militar tinha como objetivo o combate
ao zapatismo; a política, com a lei agrária carrancista de 6 de janeiro de 1915, que
procurava arrebatar o monopólio da iniciativa da reforma agrária aos zapatistas.
Na capital, onde Obregón selou o pacto com os operários através da expurgada Casa del
Obrero Mundial, em troca de concessões aos trabalhadores urbanos estes apoiariam os
constitucionalistas formando batalhões vermelhos de operários para lutar contra os
camponeses. Esse pacto só foi possível após a expulsão da ala radical da associação,
principalmente os representantes do Sindicato Mexicano dos Eletricistas que apoiavam
os camponeses zapatistas. Embora os batalhões de operários tenham tido apenas uma
força secundária na luta contra as forças camponesas, o que contou foi o valor simbólico
da aliança dos trabalhadores urbanos com os constitucionalistas.
Por seu turno, durante o ano de 1915, as forças camponesas da Divisão do Norte, o
exército villista, sofreu derrotas decisivas para o futuro de suas ambições nas batalhas
de Celaya, Léon e Aguascalientes, contra as forças Constitucionalistas, dirigidas por
Álvaro Obregón, que haviam unido os exércitos do Noroeste e Nordeste. Em agosto
estes tomaram definitivamente a capital e em outubro desse ano o governo de Carranza
foi reconhecido internacionalmente. No ano seguinte apesar da retomada de algumas
atividades tanto por parte de Villa em Chihuahua como de Zapata em Morelos, foi
marcado pela ampliação do controle militar e político pelo governo estabelecido e em
setembro foram convocadas eleições para uma Assembléia Constituinte, a ser realizada
em Querétaro, entre dezembro desse ano e janeiro de 1917. A Constituinte visava
encerrar o ciclo revolucionário e ficava reservada à ala burguesa vitoriosa da revolução.
102
Podemos estabelecer as posições políticas dos delegados muito mais segundo critérios
de procedência regional. Participaram desse grupo homens que posteriormente
encontraremos no governo de Lázaro Cárdenas.
A derrota política e militar dos Villistas e dos Zapatistas, se bem que não definitiva, e as
vitórias da ala burguesa – Constitucionalistas – foi o fim da fase heróica da revolução
103
camponesa. Os objetivos dos Constitucionalistas agora eram, além de derrotar
definitivamente os exércitos camponeses, alcançar a estabilidade política e promover o
desenvolvimento da economia, evitando o perigo de uma nova ascensão das camadas
populares e do velho regime. A derrota parcial das forças camponesas representou para
os constitucionalistas a ruptura com ala mais radical da revolução.
Os anos de 1915 e 1916 foram os mais intensos da história mexicana e talvez o mais
decisivo do processo revolucionário. Foram os anos de uma grande experiência de
frente popular na revolução com a formação de um governo mesmo que efêmero e
instável. Foi o período de gestação de uma da nova hegemonia com os pactos entre
constitucionalistas e operários e as primeiras leis agrárias por parte de Carranza. Foi
também o período do descobrimento do México rural profundo pelos habitantes das
cidades. E marcou a transição do México afrancesado da capital, do positivismo e
naturalismo dos velhos romancistas para o México das novas gerações, áspero e cru da
revolução que representou uma catarse de descobrimento do nacional.
Os próximos anos das forças que chagam ao poder serão, sobretudo, uma luta
contra a já enfraquecida forças populares formada pelos exércitos camponeses,
operários industriais, intelectuais e setores de uma classe média e mesmo de uma
pequena burguesia (Hart: 1990, 377) e um embate pela construção das estruturas do
novo Estado. As forças camponesas ficaram separadas geograficamente e nunca
voltaram a se reunir, não obstante, os rebeldes villistas e zapatistas mantiveram-se
atuantes nos núcleos de suas regiões. Logo após a vitória sobre os camponeses o
governo que não precisava mais dos trabalhadores passou a reprimi-los, dissolve os
batalhões vermelhos e prendem dirigentes da COM.(Hart: 1990, 417-422)
Maré vazante: a derrota popular e vitória das novas elites 1917 - 1920
104
continuou a repressão aos movimentos sindicais e não colocou em vigor a constituição,
pelo contrário, enviou leis revendo alguns dos artigos mais progressistas.
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A década de 1920 e os primeiros anos da década de 1930 representaram os anos
de institucionalização da revolução. Período conhecido também como os anos da
Reconstrução Nacional e foi dominada pelos presidentes sonorenses: Adolfo de La
Huerta (1920), Álvaro Obregón (1920-1924) e Plutarco Elias Calles (1924-1928). Esse
grupo político tinha hábitos seculares e anticlericais, eram extremamente pragmáticos e
não titubeavam em utilizar a violência para atingir seus objetivos. Em parte devido a
essas posturas, alguns conflitos eclodiram, como contra a Igreja Católica, as
companhias petrolíferas e no seio da própria “família revolucionária” tais como as
insurreições de 1923, 1927 e 1929 e as crises sucessórias de 1928-1929.
O governo de Álvaro Obregón, entre 1920 e 1924, foi marcado por problemas
nas relações entre o México e os Estados Unidos. Os norte-americanos recusavam-se
em reconhecer a nova administração enquanto esta não resolvesse a questão petrolífera,
afetada pela nova constituição, que dava amplos poderes ao Estado sobre as riquezas
minerais. As companhias petrolíferas julgavam-se prejudicadas e queriam que essa lei
valesse apenas para os novos campos e que houvesse uma compensação financeira pelas
perdas sofridas.
106
pensa que essa relação, entre Estado e artistas, foi isenta de conflitos e negociações no
que concerne a definição do que deveria ser pintado. (Vasconcellos: 2007)
Durante o mandato de Plutarco Elias Calles (1924-1928) ocorreu uma polêmica
no meio cultural entre os chamados “intelectuais de má-fé”, ou seja, aqueles que
combatiam o nacionalismo cultural em voga e que por isso eram considerados traidores
da pátria, e os “intelectuais de boa-fé”, que davam apoio ao regime e à cultura adotada
com forte conteúdo social. (Diaz Arciniega: 1989) No cerne desse debate estético-
ideológico em torno da “cultura revolucionária” estava o livro de Mariano Azuela, Los
de Abajo reputado como exemplo típico dessa cultura vista como viril e carregada do
ethos revolucionário. A obra foi considerada como inauguradora do gênero romance
histórico da Revolução, ajudou a mistificar esse acontecimento fundador do México
Moderno. Mas, se foi apropriada pelos governantes do período pós-revolucionário para
legitimar seu poder também deu voz as camadas populares e apresenta-se como um rico
material para o historiador da cultura. (Barbosa: 2004b)
Calles, então com 47 anos, era uma figura até certo ponto obscura na cena
política mexicana. Tinha sido governador provisório do Estado de Sonora, em 1917 e
Ministro do Interior na administração Obregón. Calles era homem de confiança de
Obregón, esse último, a proposito, manteve grande influência política no governo. Foi
sua a idéia de realizar reformas na Constituição permitindo a reeleição de um ex-
presidente e o aumento do mandato de quatro para seis anos. Durante o governo Calles
eclodiu o conflito com a Igreja conhecido como Rebelião Cristera, entre 1926 e 1927.
(MEYER JR.: 1973-1974) O anticlericalismo mexicano deve ser visto dentro de um
processo mais longo, que remete aos acontecimentos da Reforma em meados do século
XIX e que retirou o poder da Igreja e da própria fase armada da revolução. As
conseqüências materializaram-se na Constituição de 1917 e em seus artigos que
proibiram à Igreja o direito de propriedade, impunham limites no âmbito da educação e
restrições à própria atividade dos sacerdotes.
Obregón candidatou-se para um novo mandato, de seis anos, e saiu vitorioso nas
eleições de 1928. Quando comemorava a sua vitória foi assassinado por um militante
católico em um restaurante nas proximidades da capital. Para levar a cabo a transição
política até as realizações de novas eleições em 1929, foi indicado como Presidente
Interino pelo Congresso um político do Estado de Taumalipas, Emilio Portes Gil. No
período que se seguiu à morte de Obregón o México foi governado por três presidentes:
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Emilio Portes Gil (1928-1929), Pascual Ortiz Rubio (1929-1932) e Abelardo Rodríguez
(1932-1934), e essa fase ficou conhecida na história do México como o Maximato,
alusão ao domínio político exercido por Calles, o Chefe Máximo da Revolução. Assim,
em resumo, em um intervalo de quinze anos a política mexicana havia sido dominada
por apenas duas pessoas: Obregón e Calles.
Nas eleições de 1934 foi eleito o General Lázaro Cárdenas para o sexênio
seguinte. Foi um dos primeiros presidentes, desde o fim da luta armada, que não
provinha do Norte do país, mas do altiplano central. Havia sido governador do Estado
de Michoacán e fez parte da liderança do PNR. O seu governo teve três fases distintas.
A primeira fase durou da sua posse até o rompimento com Calles e a subseqüente
mudança do gabinete ministerial em 1935. Nesse primeiro momento não possuía uma
posição política forte e independente. Calles acreditava que continuaria com uma
posição de domínio político, mas não contava com a autonomia de Cárdenas. Os dois
entraram em conflito devido principalmente à posição deste com relação à política
sindical. Cárdenas conseguiu conciliar uma série de alianças com caudilhos locais,
exército e sindicatos. Nesse momento o presidente apoiou e obteve respaldo dos
operários via sindicatos e confederações. Nesse mesmo período, o Partido Comunista
Mexicano aproximou-se de Cárdenas e de uma proposta de Frente Popular após a
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realização do VII Congresso da Internacional Comunista em Moscou, entre julho e
agosto de 1935.
A segunda fase do governo Cárdenas corresponde aos anos de 1936 até 1938, e é
considerada como a consumação das propostas reformistas previstas na Constituição da
Revolução pois implantou uma série de políticas sociais como a reforma agrária, a
nacionalização das ferrovias e das companhias petrolíferas, a educação socialista e a
promoção dos sindicatos por parte do Estado. A relação entre Estado e os sindicatos foi
um dos pilares de seu regime. Atraiu lideranças sindicais apresentando-se como uma
opção à política conservadora de Calles e realizou alianças com sindicatos de esquerda e
marxistas. Foi nesse cenário que surgiu a Confederação Trabalhista Mexicana (CTM),
em fevereiro de 1936. A sua política de nacionalização ampliou a sua influência no
meio sindical atrelando os sindicatos ao Estado.
O governo cardenista levou a cabo uma reforma agrária das mais significativas e que
afetou uma parcela considerável da população em uma região agrícola importante. Para
se ter uma idéia, ao final de seu governo praticamente a metade dos terrenos cultivados
eram ocupados por ejidos. Além do mais, esses camponeses ejidatários receberam
maior apoio governamental em termos de crédito, ajuda técnica e suporte na
comercialização. O termo ejido foi criado no período colonial para denominar as áreas
limítrofes dos povoados que exploravam principalmente a pecuária e a lenha. No
período pós-revolucionário o ejido adquire um novo significado e transforma-se num
instrumento para a reforma agrária no México. O ejido é uma espécie de dotação, pois
não há compra, afinal procedia da expropriação de latifúndios ou de terras do Estado,
torna-se uma propriedade da nação cedida em usufruto perpétuo e hereditário aos
camponeses, seja na forma individual ou coletiva.
Sob o seu mandato quase 18.000 hectares foram distribuídos a ejidatários. A partir da
ocupação de postos chaves na esfera federal de agraristas, estes colocam em prática uma
nova política agrária que não só se limita à distribuição de terras, mas também criou
mecanismos de crédito agrícola e ampliação do sistema de irrigação. Embora o ejido
individual ainda prevalecesse, foi incentivada a criação de ejidos coletivos e
cooperativas de produção, surgidos, em alguns casos da expropriação de fazendas
produtivas como o caso da região de La Laguna, nos estados de Coahuila e Durango no
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norte do país. Apoiou também a formação das Ligas Agrárias e colocou líderes
agraristas em posto chave da administração federal.
Mas enquanto isso o PNR que havia sido criado tendo em vista principalmente
as questões políticas, não dava mais conta da complexidade social do país. Em 1938 o
antigo partido foi transformado no novo Partido Revolucionário Mexicano (PRM), com
uma estrutura semi-coorporativa formada por quatro setores: camponês, operário,
popular e militar. A política externa mexicana se destaca também neste período.
Cárdenas deu apoio aos Republicanos Espanhóis e com a derrota deles recebe um
grande número de exilados. Foi durante seu mandato que concede asilo político a Leon
Trotsky um dos principais líderes da Revolução Russa e que se encontrava em situação
delicada, pois nenhum país lhe concedia asilo e era perseguido pelos agentes do
stalinismo.
A terceira fase de seu governo, de 1938 até o final de seu mandato, em 1940, foi um
período de consolidação da política e de tentativa de manutenção das conquistas. A
pressão política interna causada pela alta na inflação e os problemas com o
abastecimento levaram a uma diminuição do ritmo das reformas sociais. A situação
política também pesou com o acirramento de uma oposição de direita dentro da grupo
político dominante, levando Cárdenas a uma posição mais cautelosa. Foi nesse contexto
que escolheu seu sucessor, Manuel Ávila Camacho, um político identificado com a ala
mais moderada que deu outro rumo para o país.
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definitivamente pelas forças camponesas em 1914, como mostram claramente
numerosos exemplos opostos de outros países latino-americanos. (Tobler: 1994)
Conclusão
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armada e assim deu um caráter social à Revolução, permitindo maior tranqüilidade e
estabilidade ao sistema político mexicano durante os anos subseqüentes. (Barbosa e
Lopes: 2001)
Mas os embates pela memória da Revolução não ficaram restritos ao âmbito da
historiografia, na esfera cultura as disputas, que se iniciaram logo após ao silenciar das
armas, continuaram ao longo do século XX e não ficaram restritas às paredes públicas
pintadas pelos muralistas. Na década de 1940, durante o governo de Manuel Avila
Camacho, surgiram duas iniciativas de perpetuação da memória da revolução. Em 1942
começam a ser publicados em forma de fascículos que posteriormente deram origem aos
álbuns Historia Grafica de la Revolución Mexicana, monumental obra editada por
Gustavo Casasola, que utilizou um rico acervo de fotografias do “Arquivo Casasola”,
formado por mais de seiscentas mil imagens colecionadas pela família. Este material,
enriquecido com a aquisição de imagens de outros fotógrafos foi declarado patrimônio
cultural e histórico mexicano. Foi comprado pelo governo mexicano em 1976 e deu
origem a Fototeca de Pachuca, vinculada ao Instituto Nacional de Antropologia e
História órgão do governo mexicano. Os álbuns procuram transmitir a idéia de
Revolução como acontecimento absoluto, contínuo e fundacional do “México
Moderno” e os grandes líderes foram apresentados como heróis e pais fundadores desse
Estado. Segundo seu editor a imagem final da Revolução foi construída a partir do olhar
dos vencedores, ou seja os Constitucionalistas. (Barbosa: 2004a e 2006)
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processo revolucionário mexicano e procura apresentar uma “história oficial, detentora
da memória nacional, e silenciando memórias subalternizadas no interior deste
processo uníssono.” (Bragança: 2007, 15)
No campo político em 1988, devido a uma divisão dentro do PRI, foi criado o
Partido da Revolução Democrática (PRD), que disputou as eleições presidenciais tendo
como candidato o filho de Lázaro Cárdenas, Cuauhtémoc Cárdenas. Este chega a obter
uma expressiva votação, embora o candidato priista, Carlos Salinas de Gortari, fosse o
eleito. O pleito foi muito questionado devido a várias denuncias de fraude. Foi durante a
presidência de Salinas de Gortari, na madrugada do primeiro dia de 1994, concomitante
a assinatura do Tratado de Livre Comércio da América do Norte, que eclodia no
extremo sul do país, em Chiapas, uma revolução de novo tipo. Os indígenas dos Altos
da Selva Lacandona, o estado mais pobre do país, colocavam contra a parede todas as
medidas econômicas neoliberiais dos últimos governos mexicanos. Com a sublevação
chiapaneca renascia o mito da Revolução Mexicana e da via armada, que para tantos
analistas havia se esgotado. Então como entender um grupo denominado de Exército
Zapatista de Libertação Nacional, ou simplesmente EZLN, que reivindicava a herança
do líder Emiliano Zapata, suas bandeiras camponesas e indígenas?
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direita, que elegeu Vicente Fox. Este partido, fundado em 1939, sempre se caracterizou
por ser o principal partido da oposição conservadora mexicana. Em 2006 conseguiu
eleger o sucessor, Felipe Calderón, em uma disputa muito controvertida, devido à
novas acusações de fraude e à pequena diferença de votos com relação ao candidato
Andrés Manuel López Obrador do Partido da Revolução Democrática (PRD).
Foi nesse contexto que as comemorações do Bicentenário da Independência e do
Centenário da Revolução Mexicana foram realizadas em 2010. Por um lado nas
comemorações oficiais as diretrizes de quem estava no poder (PAN) foram
determinadas pelo cancelamento do desfile militar do dia 20 de novembro. Outro
exemplo da tentativa de modificar a abordagem da Revolução por parte do governo
federal foi o que passou com o Instituto Nacional de Estudos Históricos da Revolução
Mexicana (INEHRM) fundado em 1953 no governo de Adolfo Ruiz Cortines para
tornar um espaço de investigação do conflito. Este mudou de nome para Instituto
Nacional de Estudos Históricos das Revoluções Mexicanas, no plural, passando a
englobar em suas temáticas de investigações as Revoluções de Independência, a
Revolução Liberal de 1857, a Revolução Mexicana de 1910-1920 e, atenção, a transição
democrática de 2000. Já o governo do Distrito Federal nas mãos do PRD realizaram
desfiles e festas para rememorar a data. Estes são apenas alguns exemplo dos embates
em torno da memória e da herança da revolução mexicana. Dois anos depois, nas
eleições presidenciais de 2012, o PRI conseguiu voltar ao poder com o candidato
Enrique Peña Nieto.
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exceção. Acredito que os embates pela memória e herança da revolução de 1910 ainda
seguirá ao longo do século XXI. Até quando? Essa é uma resposta que os próximos
acontecimentos responderão.
Bibliografia
BARBOSA, Carlos Alberto Sampaio. "Disputa por uma cultura revolucionária". In Pós-
História, Assis: UNESP, v. 12, p. 71-85, 2004b.
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GILLY, Adolfo, “La Revolución Mexicana”, in SEMO, Enrique (coordinador). México,
um pueblo em la historia. Volume 3 – Oligarquia y revolución. México: Alizanza
Editorial, 1993.
WOMACK JR., John. Zapata y la Revolución Mexicana. México: Siglo XXI, 1992.
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