Você está na página 1de 83

Macroeconomia

Lecture notes

2016/2017

1. Introdução à macroeconomia e às contas nacionais

1.a. O estudo da macroeconomia

As decisões que todos os dias todos nós tomamos têm um propósito,


que é o de satisfazer necessidades ou contribuir para o bem-estar
próprio ou daqueles que nos estão próximos. A tomada de decisão,
por seu lado, exige recolher e processar informação, a qual pode ter
origem em múltiplas fontes: algumas das nossas escolhas de
consumo podem ser condicionadas pelos hábitos evidenciados pelos
moradores da mesma zona residencial; as opções de formação ou
educação podem ser resultado de influência familiar ou de amigos; as
decisões de poupança podem ser determinadas pelo tipo de
comunicação que a instituição bancária mantém com os seus
clientes. Independentemente do impacto que a interacção com
aqueles que nos estão próximos pode exercer sobre as escolhas
individuais, é um facto que grande parte destas escolhas é também
condicionada ou determinada pelo conhecimento acerca das
condições materiais gerais sobre o meio geográfico que nos envolve.
Este conhecimento resulta da informação que a contabilização de
medidas económicas agregadas permite gerar; esta contabilização é,
regra geral, efectuada a nível nacional ou supra-nacional pelas
autoridades estatísticas competentes para o efeito e disseminada
essencialmente através dos meios de comunicação social.

A riqueza que a economia produz ao longo de um ano influencia o


nível de receitas que o Estado recolhe via impostos e,
consequentemente, as suas políticas de provisão de bens públicos e
1
redistribuição de rendimento; a taxa de desemprego fornece
indicações importantes sobre a probabilidade de sucesso de
encontrar emprego por parte daqueles que agora entram no mercado
de trabalho; variações na taxa de juro vão seguramente alterar os
planos das empresas no que toca às suas decisões de investimento.
Todos estes exemplos ilustram a importância de conhecer a realidade
macroeconómica, ou seja, de conhecer os valores globais ou
agregados dos mais relevantes indicadores da actividade económica
e também como estes indicadores podem estar ligados entre si ou
envolvidos em qualquer relação causa-efeito.

É comum fazer-se a distinção entre microeconomia e


macroeconomia. A primeira respeita ao estudo do comportamento
dos agentes económicos, como as famílias e as empresas, e às
relações de mercado que entre eles se estabelecem. A
macroeconomia debruça-se sobre a medição ou contabilização da
realidade agregada; esta, na verdade, não é mais do que o resultado
da conjugação das decisões individuais que a microeconomia estuda,
mas algum cuidado é necessário quando se procura extrapolar as
relações microeconómicas para uma escala de maior dimensão. Há
fenómenos agregados que só se concretizam precisamente por o
serem, isto é, o comportamento colectivo não tem correspondência,
tipicamente, com a simples soma ou a simples média dos
comportamentos individuais – é esta constatação que serve de ponto
de partida para justificar a necessidade de estudar a macroeconomia
de modo autónomo, como corpo de conhecimento com
especificidades próprias e com ferramentas e técnicas de análise que
também lhe são próprias.

1.b. Agentes económicos

Se a nossa intenção é abordar a realidade macro, a primeira


simplificação que se torna necessário fazer consiste em arrumar os
decisores económicos num pequeno conjunto de grupos. Estes grupos
tomam a designação de agentes económicos. Cada agente
económico corresponde a uma série de indivíduos, entidades e/ou
instituições para os quais é possível reconhecer uma certa
homogeneidade de comportamentos.

O primeiro agente económico a considerar é o agente famílias. As


famílias podem ser encaradas como o agente económico mais
elementar, no sentido em que será a entidade normalmente de
menor dimensão a partilhar um mesmo orçamento; à partida, em
2
qualquer família há um conjunto de receitas e despesas que é gerido
em conjunto e cuja gestão tem impacto sobre o bem-estar da família
no seu todo. Às famílias é, normalmente, atribuído um duplo papel no
sistema económico: a elas cabe fornecer a força de trabalho que
permitirá produzir bens e serviços; além disso, é o agente a quem
está associada a noção de consumo. As famílias consomem bens e
serviços para satisfazer necessidades.

O consumo realizado pelas famílias designa-se consumo final, no


sentido em que se opõe ao consumo intermédio; este não tem por fim
satisfazer directamente necessidades, consistindo sim na utilização
de determinados bens e serviços para produzir bens e serviços
adicionais. Do raciocínio atrás exposto fica também claro que bens e
serviços são tudo aquilo que contribui para o bem-estar dos
indivíduos via consumo (ou seja, é tudo aquilo que uma vez produzido
permite satisfazer necessidades). Os serviços podem igualmente ser
designados por bens não materiais (de um ponto de vista económico,
a distinção entre bens e serviços não é relevante: ambos são
produzidos e ambos são alvo de eventual consumo intermédio ou
final).

Outro grupo com homogeneidade de comportamentos que podemos


identificar na economia é o agente empresas (sociedades não
financeiras). As empresas são unidades institucionais cuja principal
função económica é a produção de bens e serviços comercializáveis,
isto é, bens ou serviços que podem ser transaccionados nos
mercados.

É também considerado agente económico o Estado, que tem por


missão a provisão de bens e serviços não comercializáveis, ou seja,
bens e serviços que não são passíveis de serem objecto de
transacção nos mercados e que, normalmente, satisfazem
necessidades colectivas. Cabe também ao Estado contribuir para a
justiça social por via de políticas de redistribuição de rendimento. É
ainda de salientar a particularidade de grande parte das receitas do
Estado serem fruto não da sua actividade produtiva, mas de
contribuições obrigatórias por parte de quem gera rendimento, ou
seja, de impostos.

Por fim, pelo papel particular que desempenha no sistema económico,


faz sentido considerar como agente económico as instituições
financeiras ou sociedades financeiras (bancos, seguradoras,
outras instituições de crédito). Estas funcionam como intermediários
entre quem poupa (as famílias) e quem necessita de recursos

3
financeiros para financiar a actividade produtiva (as empresas). É
relevante salientar que em termos de linguagem macroeconómica é
clara a separação entre os termos poupança e investimento – a
poupança é realizada pelas famílias (corresponde à parcela do seu
rendimento disponível que não é dirigida a consumo no momento
presente) e o investimento é concretizado pelas empresas (será a
aplicação de recursos financeiros que lhes permite aumentar o seu
capital, ou seja, os seus meios de produção).

Há a possibilidade de se considerar um quinto agente económico, que


seria o exterior ou o resto do mundo. Como normalmente a
contabilização da actividade económica se faz para um espaço
geográfico restrito (um país), a análise macroeconómica só fica
completa quando consideramos também as relações comerciais e
financeiras que os agentes económicos de um país estabelecem com
os agentes económicos de outros países. Deste modo, o resto do
mundo não será bem um agente económico, mas antes uma forma
agregada de considerar todos os agentes económicos residentes em
todas as localizações com as quais a economia doméstica estabelece
relações.

Os agentes económicos encontram-se em permanente interacção. É a


esta interacção que corresponde o funcionamento do sistema
económico. Uma forma simplificada de representar as relações entre
agentes é aquela que é conseguida através de um pequeno esquema
que se designa por circuito económico. Por uma questão de
simplificação, considere-se apenas o circuito que se estabelece entre
famílias e empresas (Fig. 1.1). De acordo com as funções descritas
para cada um dos agentes económicos, seria possível representar
cada par de relações através de um circuito económico.

Salários

Trabalho

Famílias Empresas
Bens e
serviços

Pagamento dos bens e


serviços

4
***Fig. 1.1- Circuito económico ***

No esquema da figura 1.1 encontramos dois tipos de linhas. As linhas


a cheio representam fluxos reais, ou seja, quantidades concretas de
bens e/ou serviços que são fornecidas por um agente económico a
outro. No caso em apreço, as famílias fornecem o serviço ‘trabalho’ às
empresas, e estas por sua vez facultam às famílias os bens e serviços
com que elas satisfazem as suas necessidades. As linhas a tracejado
correspondem a fluxos monetários, os quais respeitam às
contrapartidas face aos fluxos reais. Todo o bem ou serviço que é
facultado por um agente económico a outro requer um pagamento da
parte de quem recebe o bem ou serviço a quem o disponibiliza; deste
modo, num circuito económico como o representado, a um fluxo real
vai sempre corresponder um fluxo monetário de sentido contrário.

Na prática, a informação fundamental que o circuito económico


transmite é que as relações entre agentes económicos não são, na
economia complexa em que hoje vivemos, passíveis de serem
executadas por troca directa, de modo que encontramos
normalmente nas transacções uma contrapartida financeira. Eliminar
os fluxos monetários do circuito económico significaria estabelecer o
extremamente forte pressuposto de que seria sempre possível
encontrar uma coincidência de vontades: quando um professor de
economia quisesse comer um bife teria de encontrar um talhante
disposto a receber uma aula de economia.

1.c. O produto interno bruto

Perceber a envolvente macroeconómica exige, em primeiro lugar, ter


na nossa posse um conjunto de medidas agregadas que reflectem o
desempenho da economia. A medida central para avaliar esta
performance corresponde à quantidade de bens e serviços produzidos
no espaço geográfico em causa num determinado período de tempo
(comummente um ano); esta medida vai ser designada, para já, como
produto. O primeiro cuidado a ter ao abordar a contabilização do
produto relaciona-se com aquilo que esta medida efectivamente nos
diz e aquilo que ela é incapaz de traduzir. Ao somar o valor de todos
os bens e serviços produzidos numa economia ao longo de um ano
conseguimos ter uma ideia de como a sociedade foi capaz, em maior
ou menor grau, de ir de encontro à satisfação das necessidades dos
5
consumidores; à partida, quanto maior a quantidade produzida,
simultaneamente mais rendimento é gerado e maiores poderão ser os
níveis de despesa. Como veremos mais à frente, os conceitos de
produto, rendimento e despesa estão intimamente relacionados e
para já convém reter esta ideia: produzir mais significa gerar maiores
rendimentos e permitir um maior acesso a bens e serviços que
possibilitam satisfazer necessidades.

No entanto, como qualquer medida agregada, o produto não traduz


tudo o que há a saber sobre o bem-estar material da sociedade. Até
que ponto o maior valor de produção traduz uma sociedade mais
avançada em termos de valores sociais, políticos, culturais e de
cidadania é impossível saber; da mesma forma, até que ponto uma
sociedade materialmente mais rica é uma sociedade em que os seus
cidadãos vivem uma vida mais feliz e mais saudável é outra incógnita
que subsiste. Além dos argumentos anteriores, é evidente que
tratando-se de uma medida global, o produto pode esconder maiores
ou menores desigualdades de rendimento e de acesso a bens e
serviços básicos por parte de uma fracção mais ou menos
significativa da população.

Independentemente das limitações subjacentes, devemos interpretar


como relevante o conhecimento acerca daquilo que a economia
efectivamente produz e da evolução temporal desse nível global de
produção. Este é o indicador fundamental para aferir acerca do nível
de vida que efectivamente existe em diferentes países ou diferentes
regiões do globo.

A medida frequentemente mais utilizada para contabilizar o valor


total da produção de um país é a de Produto Interno Bruto (PIB).
Para definir esta variável, como muitas outras que posteriormente
surgirão, recorremos à página do Eurostat na internet (http://
ec.europa.eu/eurostat). O Eurostat é o organismo da União Europeia
que tem por missão a produção de estatísticas macroeconómicas que
servem o propósito de comparar, a diversos níveis, os países e as
regiões do espaço europeu. A função do Eurostat é sobretudo de
compilação e harmonização de dados que são coligidos, numa
primeira instância, pelos institutos nacionais de estatística e pelos
bancos centrais de cada estado-membro da União Europeia. Estes
dados são recolhidos e tratados de acordo com o sistema europeu de
contas actualmente em vigor (ESA 2010).

O conjunto de indicadores macroeconómicos que os institutos de


estatística recolhem de forma sistemática com a finalidade de

6
fornecer informação necessária à decisão por parte dos agentes
económicos é tratado pela disciplina à qual se dá o nome de
contabilidade nacional. A informação prestada pela contabilidade
nacional é um instrumento de grande importância não apenas para o
Estado, enquanto agente responsável pela definição da política
económica, como também para famílias e empresas, uma vez que,
como referido de início, a estes agentes compete fazer escolhas
conscientes, para as quais a detenção de informação agregada é
crucial.

A definição de PIB que iremos adoptar será a seguinte: trata-se do


valor monetário de toda a actividade produtiva desenvolvida numa
determinada área geográfica (geralmente, um país) durante um
determinado período de tempo (regra geral, um ano ou um trimestre).
O produto em causa é designado por interno, uma vez que apenas é
contabilizada a produção realizada por unidades residentes (tenham
elas ou não origem nacional, ou seja, sejam ou não empresas cujo
capital social é maioritariamente pertencente a cidadãos do país). O
termo bruto indica que nesta contabilização se ignora a possibilidade
de deduzir a depreciação do capital fixo (de máquinas, equipamentos
e outros instrumentos disponíveis para produzir), a qual se designa
por consumo de capital fixo.

A propósito do conceito de PIB, mais algumas ideias exigem, desde já,


um esclarecimento cabal. Um aspecto importante relaciona-se com o
primeiro elemento da definição, ou seja, que o PIB corresponde a um
valor monetário. Efectivamente, quando é calculado o valor total da
produção, o primeiro passo consiste em medir o valor em unidades
monetárias de cada bem ou serviço produzido – não podemos somar
laranjas e maçãs, computadores portáteis e serviços de consultoria,
uma refeição e uma viagem de autocarro, mas a economia de
mercado em que vivemos permite efectivamente que somemos o
valor de todos estes bens e serviços; para tal basta utilizar uma
mesma unidade monetária, que pode perfeitamente ser aquela que
utilizamos como meio de pagamento, unidade de conta e reserva de
valor na nossa actividade diária: o euro. A partir do momento em que
medimos o valor de todos os bens produzidos em euros, o PIB será
também ele medido em euros; por exemplo, o PIB português em 2013
atingiu o valor de 165.690 milhões de euros, ou seja, ao somar o valor
de tudo o que foi produzido ao longo do referido ano, foi obtido o
citado montante. O valor de cada bem e serviço é medido a preços
de mercado, ou seja, tendo em conta os preços a que efectivamente
os bens produzidos foram transaccionados no mercado.

7
Um outro aspecto que requer alguma reflexão respeita à expressão
‘toda a actividade produtiva’, que também surge na definição de PIB
que apresentamos. Será que o PIB consegue mesmo medir tudo o que
é produzido? Já ficou claro que mesmo que assim fosse, o PIB não é,
nem pretende ser, uma medida perfeita do bem-estar da população
de um país. Este agregado é um indicador da quantidade
(devidamente ponderada pelo respectivo valor relativo) de bens e
serviços que a economia produz e que potencialmente podem
contribuir para o bem-estar. Aqui, o termo potencialmente é
relevante, porque como sabemos nem sempre aquilo que tem maior
valor económico é aquilo que mais nos ajuda a satisfazer
necessidades ou a garantir um maior nível de utilidade.

Uma dificuldade que é frequentemente mencionada na forma como o


PIB mede a produção relaciona-se com o facto de esta medida apenas
poder contabilizar o valor gerado pelas entidades que existem
precisamente com o objetivo de criar valor: as empresas. Desta
forma, fica excluído do PIB a produção doméstica, ou seja, tudo aquilo
que produzimos para nosso próprio usufruto ou para usufruto
daqueles com quem coabitamos. Se dada família tem de decidir entre
tomar uma refeição em casa ou no restaurante, esta decisão tem
impacto sobre a actividade produtiva que é efectivamente
contabilizada: a concepção da refeição em casa não se traduz numa
transacção de mercado e, portanto, apesar de gerar valor não gera
valor passível de contabilização.

Para além do caso acima mencionado, outra produção não


contabilizável inclui a produção legal que por alguma razão foge ao
controlo estatístico (por acaso, por razões administrativas, por acção
deliberada dos produtores no sentido de tentar escapar às obrigações
fiscais) e também a produção de bens e serviços cuja venda,
distribuição ou posse é proibida pela lei, e que por essa razão
também não é produção realizada em instituições legalmente
constituídas para o efeito; é o caso da produção e comercialização de
drogas, do contrabando, da escravatura, ou da cópia de obras
originais onde esta infringe os direitos de autor. Na impossibilidade de
efectivamente medir tudo o que é produzido, o melhor que as
autoridades estatísticas nacionais podem fazer é estimar o peso que
a economia ‘sombra’ poderá ter na economia doméstica e ajustar o
valor do produto de acordo com esta estimativa.

Existem três óticas a partir das quais é possível determinar o valor do


PIB: a ótica da produção, a ótica da despesa e a ótica do rendimento.

8
Pela ótica da produção, o valor do PIB é encontrado através da
soma do valor acrescentado bruto (VAB) de cada actividade
económica. O VAB mede o valor da produção diminuído dos consumos
intermédios; os consumos intermédios, por seu lado, corresponderão
ao valor dos bens e serviços que são utilizados ou consumidos no
processo produtivo (por exemplo, a farinha será um consumo
intermédio da produção de pão). Os consumos intermédios
correspondem àquilo que se extingue com o processo de produção
(são alvo de consumo) e, portanto, não devem ser confundidos com
os bens de capital que correspondem aos utensílios necessários para
produzir e que perduram para além da geração de uma unidade do
bem.

Ao somarmos os VABs dos diversos sectores ou ramos de actividade,


obtemos um valor que não corresponde exactamente ao valor a que
os bens são transaccionados no mercado. Já referimos que o PIB é
contabilizado a preços de mercado; o valor da produção surge-nos,
no entanto, a preços de base. A diferença reside nos impostos
indirectos (como o IVA) líquidos de subsídios aos produtos: o valor
acrescentado não contempla estes impostos enquanto que o valor da
produção transaccionada no mercado o faz. Assim, pela ótica da
produção podemos dizer que o PIB corresponde ao total do valor
acrescentado bruto de cada actividade económica mais impostos
indirectos líquidos de subsídios aos produtos.

Considerando a ótica da despesa, o PIB respeita à soma de um


conjunto de componentes, cada uma delas correspondendo a uma
variável macroeconómica de grande relevância. Por esta ótica , definimos
o PIB através da seguinte expressão:

PIB  C  G  I  X  Z (1.1)

A primeira componente da despesa é o consumo privado (C). Por


consumo privado entende-se a despesa do agente económico famílias
em bens e serviços usados para a satisfação directa de necessidades.
Este consumo é consumo final, em oposição ao consumo intermédio,
já mencionado. A variável G designa o consumo público, consumo
colectivo ou gastos do Estado. Neste caso, estamos a fazer referência
a toda a despesa do Estado na aquisição de bens e serviços (por
exemplo, quando o Estado paga o salário a um professor está a
incorrer numa despesa com a educação, que deverá ser incluída
nesta variável macroeconómica).

A variável I respeita ao investimento. O investimento é uma variável


de fluxo (tal como o consumo), a qual é normalmente acumulável
9
através de vários períodos de tempo (ao contrário do consumo). Ao
investimento acumulado atribui-se a designação de capital, o qual
será portanto uma variável de stock ou uma variável acumulada.
Dada a característica referida, ao investimento podemos igualmente
chamar formação bruta de capital (novamente, o termo bruto refere-
se ao facto de não se ter em conta a depreciação do capital
acumulado, ou seja, ao facto de esta depreciação não ser alvo de
amortização).

Nas contas nacionais, o investimento ou formação de capital surge


como a soma de três componentes:

- Formação bruta de capital fixo (FBCF);

- Variação de existências ou de inventários;

- Aquisição líquidas de cessões de objetos de valor

A FBCF corresponde à aquisição (líquida de eventuais alienações) de


ativos fixos duráveis, sejam eles de natureza tangível ou intangível. A
variação de existências define-se como a entrada menos a saída de
bens e serviços em inventário, isto é, daqueles bens e serviços que
tendo já sido produzidos ou encontrando-se em fase de produção,
ainda não foram objecto de transacção no mercado. Quanto à
aquisição de valores, esta respeita a ativos que não são em primeira
instância para consumo ou produção, mas que servem
essencialmente como reserva de valor; são portanto bens que não se
deterioram no tempo e para os quais é expectável um movimento de
apreciação (metais preciosos, antiguidades, objectos de arte, …).

As duas últimas componentes da equação da despesa respeitam às


relações da economia com o exterior (X representa as exportações e
Z reflecte o valor das importações). As exportações correspondem à
transacção de bens e serviços com origem em residentes e com
destino não residentes; as importações serão a transacção de bens e
serviços que têm como origem agentes não residentes e como
destino agentes residentes na economia que se está a considerar.
Utilizou-se o termo transacção e não venda para definir exportações e
importações porque estas não têm de ter necessariamente como
contrapartida dinheiro; a troca directa de bens ou serviços com o
exterior, por exemplo, corresponde simultaneamente a uma
exportação e a uma importação. A diferença entre exportações e
importações de bens ou mercadorias é comummente designada por
exportações líquidas ou balança comercial. A balança corrente,
10
designação que vai ser utilizada com frequência mais à frente,
engloba, para além da comercialização de bens, também a
transacção de serviços, as transacções sem contrapartida ou
unilaterais e os fluxos de rendimentos entre os países. No modelo
Keynesiano a construir, haverá uma coincidência entre balança
corrente e balança de bens e serviços.

A variável importações é a única componente que surge na equação


da despesa com sinal negativo. É conveniente perceber por que razão
tal acontece: quando determinamos os valores de consumo, público
ou privado, e investimento, estamos a contabilizar tudo o que é
consumido ou investido na economia, independentemente do
respectivo local de origem da produção. No entanto, não podemos
esquecer o objetivo do nosso cálculo, que é medir o valor da
produção interna; desta forma, temos de subtrair ao valor total do
consumo e do investimento aquela despesa final que não
corresponde a produção doméstica; isto é feito através da subtracção
das importações, de modo que esta variável corresponde à
importação de todo o tipo de bens: bens de consumo e bens de
investimento.

À soma das componentes da despesa que exclui as relações com o


exterior dá-se o nome de procura interna. A procura interna é uma
soma cujas parcelas são o consumo privado, o consumo público e o
investimento; desta forma, considera-se toda a despesa efectuada
em território nacional independentemente da proveniência dos bens e
serviços que possibilitam essa despesa.

A ótica da despesa para cálculo do PIB será aquela que contabiliza o


valor dos bens a posteriori, quando eles são objecto de transacção no
mercado. Assim sendo, o respectivo valor do PIB que é encontrado é
já um valor a preços de mercado. A preços de mercado estarão
também avaliadas cada uma das componentes da despesa que
considerámos, ou seja, tal como o PIB, consumo privado, consumo
público, investimento, exportações e importações são valores
monetários que representam medidas agregadas ou
macroeconómicas.

Por fim, resta-nos analisar o cálculo do PIB pela ótica do


rendimento. O rendimento que uma economia gera pode ser
desagregado em duas componentes principais: salários ou
rendimentos do factor trabalho e excedente bruto de exploração ou
rendimento de outros factores produtivos que não o trabalho (em
rigor, o excedente bruto de exploração define-se como o rendimento

11
gerado pela actividade produtiva após pagas as compensações
salariais mas antes de pagos outros rendimentos, como juros ou
rendas; em conjunto com este agregado faz sentido também
considerar o ‘rendimento misto’, o qual corresponde à remuneração
do trabalho desenvolvido pelos donos das empresas, quando não é
possível distinguir esta remuneração do lucro conseguido com as
actividades produtivas desenvolvidas). Além da soma dos
rendimentos, a medição do PIB pela ótica do rendimento exige que se
adicione os impostos indirectos líquidos de subsídios à produção e
importação (a soma dos rendimentos gerados na economia não é à
partida um valor disponível a preços de mercado, donde esta última
operação possibilita a necessária adaptação).

Ligado ao conceito de PIB pela ótica do rendimento, encontramos a


noção de rendimento nacional bruto (RNB). Este corresponde ao
PIB após adicionados os rendimentos primários líquidos (recebidos
menos pagos) em relação ao resto do mundo. Designa-se por
rendimento primário o rendimento que resulta da participação directa
no processo produtivo e o rendimento obtido pela disponibilização de
ativos de capital para uso por terceiros. O RNB distingue-se do PIB
pela diferença entre o rendimento que é nacional e o rendimento que
é interno: o primeiro obtém-se a partir do segundo adicionando o
rendimento recebido por unidades residentes a partir do exterior e
subtraindo o rendimento pago por unidades residentes a unidades
não residentes. Este valor é também um valor bruto e não um valor
líquido, uma vez que novamente se ignora a possibilidade de
contabilização da depreciação do capital fixo. Os fluxos de rendimento
entre países resultam do facto de unidades residentes poderem estar
ligadas ao processo produtivo de uma outra economia ou de unidades
não residentes gerarem rendimento no território nacional.

Independentemente da ótica pela qual é calculado, o PIB é só um, o


que nos leva a concluir que, numa economia como um todo, e
aceitando que obviamente podem sempre existir discrepâncias
estatísticas, falar de produto, rendimento ou despesa é a mesma
coisa: tudo o que é produzido gera um rendimento de mesmo valor e
concretiza-se numa despesa de igual montante. Nos capítulos
posteriores, os termos produto e rendimento vão ser utilizados
indistintamente para referir aquilo que uma economia produz no
período temporal em causa. Em relação ao conceito de despesa
algum cuidado adicional será necessário; referir que produto é igual a
despesa exige tomar à partida uma noção de equilíbrio. Aquilo que é
produzido só se concretiza em consumo ou investimento (públicos ou
privados, por residentes ou por não residentes) após uma transacção
12
de mercado ter tido lugar. A condição produto / rendimento igual a
despesa será precisamente a condição de equilíbrio macroeconómico
que irá estruturar todo o raciocínio a propósito do mercado de bens e
serviços que em capítulos posteriores será levado a cabo.

1.d. PIB nominal e PIB real. O nível de preços

Contabilizar o PIB, seja por que ótica for, tem necessariamente uma
finalidade. Como referido de início, há essencialmente uma
necessidade de conhecer a realidade que nos envolve através da
quantificação de um conjunto de indicadores. Saber quanto a
economia produz dá-nos uma noção sobre o nível de rendimento que
podemos obter dado o nosso nível de qualificações, sobre o valor da
reforma que receberemos quando nos reformarmos, qual o montante
de subsídio de desemprego a que teremos acesso caso fiquemos
desempregados, que bens e serviços a economia está em condições
de disponibilizar para o mercado, entre outras indicações
importantes. Mas o número em si diz-nos pouco; referimos atrás que
o PIB português em 2013 foi de 165.690 milhões de euros. Este valor
dificilmente nos serve de referência quando vamos às compras e
encontramos um quilo de laranjas à venda por 2 euros ou um
computador portátil à venda por 1.000 euros. Na realidade, o PIB
enquanto medida macroeconómica só tem relevância quando
pensado numa lógica de comparabilidade entre valores. Esta
comparabilidade tem duas dimensões: a espacial e a temporal.

Se pretendermos comparar o PIB português com o PIB de outro país,


no sentido de avaliar o nível de vida médio entre países, é possível
reduzir esta medida agregada a um mesmo termo de comparação;
para isso, basta ter em conta que os países têm diferentes dimensões
populacionais e portanto dividindo o PIB pela população do país a
comparação torna-se possível. Definimos assim o PIB per capita
como o quociente entre o PIB e a população. Por exemplo, a China é
hoje a segunda maior economia do mundo, isto é, a China é hoje a
economia com segundo maior PIB; para obtermos o respectivo PIB
per capita será necessário dividir esse valor pelos seus 1300 milhões
de habitantes. O respectivo PIB per capita é, na realidade, um valor
muito inferior ao da generalidade dos países do mundo ocidental.

No que respeita à perspectiva temporal é também importante


reconhecer que a comparabilidade entre períodos de tempo não é
directa e imediata. Aquilo que é observável e directamente
mensurável é o PIB a preços correntes ou PIB nominal; este
13
corresponde à medida da produção de bens e serviços com o valor
destes bens e serviços contabilizado a preços do respectivo ano.
Quando comparamos o valor do PIB a preços correntes em anos
consecutivos vamos obter a variação nominal, ou seja, a variação
conjunta de quantidades e preços. Como os preços no seu conjunto
têm tendência a crescer de ano para ano, a evolução do PIB nominal
é pouco informativa – não é possível discernir qual a parcela da
variação no valor do PIB que é atribuível a um aumento nas
quantidades produzidas e qual a componente da variação que é
resultado da alteração no nível de preços.

Para compreender com rigor a dinâmica do crescimento da economia


dever-se-á ter em consideração uma medida alternativa: o PIB a
preços constantes ou PIB real. Neste caso, os bens e serviços
produzidos nos diferentes anos são valorizados a preços de um
mesmo ano de referência, o qual se designa por ano base. A análise
da evolução do PIB real permite conhecer a evolução das quantidades
produzidas independentemente da variação dos preços; esta é a
medida que nos interessa quando queremos avaliar o crescimento
económico. Quando falamos em crescimento económico referimo-nos
a quanto se produziu a mais (ou a menos) relativamente ao ano
transacto, e esta avaliação só pode ser feita uma vez expurgado o
efeito de crescimento dos preços.

O PIB a preços constantes é também conhecido por PIB em volume,


enquanto o PIB a preços correntes será o PIB em valor. Tendo em
conta que, para qualquer bem ou serviço, valor = volume  preço,
percebe-se a necessidade de eliminar o efeito de variação dos preços.
O ano base pode ser um qualquer ano: podemos comparar a evolução
do PIB entre 2004 e 2014 a preços de 2004, de 2014 ou de qualquer
outro ano (inclusive um ano fora desta série). De qualquer modo, a
consideração de um ano base recente ajuda a evitar distorções
(relativas por exemplo a bens cujos preços variam significativamente,
como aqueles ligados à tecnologia de ponta). Na realidade, estas
distorções são hoje evitadas na contabilidade nacional através da
consideração de uma forma específica de preços constantes: o ano
base para os preços avança um período todos os anos o que permite
obter um PIB em volume ligado em cadeia.

Uma vez calculado o PIB real, o crescimento da economia entre dois


períodos de tempo consecutivos é simplesmente dado pela respectiva
taxa de crescimento:

14
 PIBt  PIBt 1 
g     100 (1.2)
 PIB t 1 

Posteriormente discutir-se-á os factores que possibilitam às


economias um processo de crescimento que é normalmente
sustentado no tempo (isto é, em média as taxas de crescimento, no
mundo desenvolvido e numa parte significativa do mundo em
desenvolvimento, tendem a ser positivas).

Na prática, a contabilidade nacional é capaz de medir o PIB quer em


valor quer em volume (neste último caso, tal significa que cada bem
ou serviço produzido é avaliado ao preço do ano base considerado).
Do quociente entre PIB nominal e PIB real obtém-se o deflator do PIB,
o qual não é mais do que um índice de preços, ou seja, uma medida
agregada dos preços da economia; a taxa de crescimento do deflator
ao longo de períodos de tempo sucessivos fornece-nos o valor da taxa
de inflação.

Até ao momento, a referência às variáveis macroeconómicas centrou-


se em variáveis que podem ser medidas em valor: o PIB, o consumo,
o investimento e todas as outras variáveis referidas são dadas em
unidades monetárias e, para permitir comparações intertemporais,
devem ser também todas elas consideradas em termos reais. Um
conjunto de outras variáveis importantes respeita às taxas que
definem preços ou crescimento de preços. Fez-se referência à taxa
de inflação como a taxa de crescimento do nível de preços. A taxa
de inflação pode ser entendida como uma medida do custo de vida,
no sentido em que nos indica a perda de poder de compra que
determinada quantidade de moeda sofre à medida que o nível geral
de preços vai aumentando.

O cálculo da taxa de inflação está essencialmente condicionado pela


noção de nível de preços que se está a considerar. Uma possível
noção é a já referida de deflator do PIB; este é também conhecido por
deflator implícito, uma vez que é calculado indirectamente por
divisão entre o PIB nominal e o PIB real. Contudo, o deflator implícito
do PIB não é obtido por observação directa dos movimentos de
preços, e por esta via corresponde simplesmente a uma medida
agregada que cobre todos os bens e serviços produzidos na economia
ou importados pela economia, sem ser possível discriminar por
exemplo entre bens de consumo e bens de investimento. Na
contabilidade nacional existem outras formas de medir o nível geral

15
de preços que podem ir um pouco mais ao pormenor. O índice de
preços do consumidor harmonizado (IPCH), por exemplo, mede
directamente os preços dos bens e serviços de consumo adquiridos
pelas famílias, devidamente ponderados pelo respectivo peso no
cabaz de consumo da família representativa. Outro índice de preços,
obtido de forma directa é o índice de preços no produtor (mede os
preços tendo em conta os respectivos custos de produção dos bens e
serviços). A taxa de inflação que é, regra geral, calculada pelos
institutos nacionais de estatística e divulgada pelos meios de
comunicação social é aquela que é mais relevante para as decisões
de consumo das famílias, isto é, trata-se da taxa de crescimento do
IPCH.

A título ilustrativo referem-se para já mais dois preços agregados


relevantes em termos macroeconómicos: a taxa de juro e a taxa de
câmbio. A taxa de juro pode ser entendida, grosso modo, como o
preço do dinheiro ou, de outra forma, como o preço a pagar pela
utilização de recursos monetários que são pertença de outrem. Como
se verá em capítulos posteriores, a taxa de juro é uma variável
central na estruturação do raciocínio macroeconómico; ela é o preço
que se forma no mercado monetário por interacção entre procura de
moeda e oferta de moeda, mas é também uma variável fundamental
para as decisões dos agentes económicos, nomeadamente as
empresas que vão basear as suas decisões de investimento no custo
associado à aquisição de capital (ou seja, no valor da taxa de juro). A
taxa de câmbio corresponde ao preço da moeda estrangeira; a
realização de operações comerciais e financeiras entre economias
conduz à maior ou menor procura e oferta de diferentes moedas a
nível internacional e daqui resulta a formação de um preço ou de uma
relação de valor entre as diferentes moedas. Esta relação de valor é a
taxa de câmbio. A depreciação de uma moeda é resultado da sua
menor procura e/ou da sua maior oferta a nível internacional; a
apreciação será consequência do contrário.

1.e. A macroeconomia como ciência. As abordagens


neoclássica e Keynesiana

A economia é uma ciência social que se dedica ao estudo do modo


como os agentes económicos ponderam custos e benefícios no
sentido de fazerem escolhas em condições de escassez.
Independentemente da dimensão e do nível de interacção associados
16
ao problema em causa, que eventualmente o permite classificar como
uma questão microeconómica ou macroeconómica, está em causa o
comportamento racional dos agentes. Por racionalidade entende-se a
capacidade que o ser humano tem de escolher, com base na
informação disponível, aquilo que julga ser a melhor alternativa.
Tendo por base o pressuposto de racionalidade, é possível analisar a
escolha individual, a interacção dos agentes no mercado, e, num
âmbito mais geral, o desenvolvimento material das sociedades.

Para estudar os fenómenos económicos, o economista socorre-se de


vários instrumentos e técnicas. Grosso modo, podemos separar estas
ferramentas em dois grupos. Por um lado, o economista procede ao
tratamento de dados estatísticos. Será por intermédio de medições
numéricas (do que se produz, do que se consome, do nível emprego e
desemprego, …) que se podem encontrar regularidades. É verdade
que existem disparidades no comportamento individual, mas o
comportamento médio ou agregado tende a ser previsível. Na
realidade, podemos estabelecer leis na economia como em qualquer
outra ciência; a diferença é que as leis económicas não são
necessariamente relações exactas, universais e imutáveis.

Por outro lado, o entendimento dos fenómenos económicos exige o


recurso a modelos teóricos. Através da modelização, é possível, numa
lógica de laboratório, entender os mecanismos lógicos que levam a
que determinada variável possa ter impacto sobre outra(s). Para
modelizar qualquer relação económica é necessário recorrer a um
conjunto de pressupostos ou hipóteses que poderão ter algo de
artificial, mas sem os quais a compreensão da realidade tornar-se-ia
impraticável. Por exemplo, frequentemente determinada análise da
relação entre duas variáveis (por exemplo entre o rendimento
disponível das famílias e o consumo privado) exige considerar que
tudo o resto permanece constante. Esta abstracção face ao resto da
realidade é geralmente referida através do termo em latim ceteris
paribus.

A origem da macroeconomia enquanto campo científico autónomo é


comummente apontada à influente obra de John Maynard Keynes,
publicada em 1936 e de título A Teoria Geral do Emprego, do Juro e
da Moeda. Já antes, pensadores influentes (como Adam Smith, David
Ricardo, John Stuart Mill, Jean Baptiste Say, Thomas Malthus, Arthur
Pigou, …) se tinham debruçado sobre aspectos fundamentais da
economia agregada: a criação de riqueza, o comércio internacional, a
distribuição do rendimento, as taxas juro, a variação do nível de
preços, … Estes primeiros pensadores, os economistas clássicos,
17
colocavam a ênfase no lado da oferta; aquilo que era produzido
encontrava certamente uma procura, que se ajustaria à oferta por via
do funcionamento eficiente dos mercados (esta ideia viria a tomar a
designação de lei de Say). Numa lógica de concorrência perfeita, não
haverá desemprego de recursos porque preços e salários ajustar-se-
ão sempre para garantir o equilíbrio de mercado. O corolário deste
raciocínio é o de que o liberalismo económico deve ser salvaguardado
uma vez que só os mercados, a funcionar eficientemente, podem
garantir que o produto se mantenha ao respectivo nível potencial.
Entende-se por produto potencial o valor da produção que se
consegue atingir se os factores produtivos disponíveis estiverem a ser
empregues na sua totalidade e de modo completamente eficiente. O
produto potencial poderá, pois, ser também designado por produto de
pleno emprego.

A inovação na contribuição de Keynes relaciona-se com a ênfase


colocada na procura. Será a procura agregada a determinar as
flutuações que na prática se observam. O trabalho de Keynes foi
grandemente influenciado pela Grande Depressão do início dos anos
30 e conseguiu oferecer uma justificação lógica e coerente sobre a
ocorrência de ciclos económicos. Os ciclos económicos seriam
resultado de falhas de coordenação nos mercados (e outras eventuais
ineficiências) que fazem com que estes não tenham tendência a
permanecer numa situação de equilíbrio. Os ciclos económicos
justificar-se-iam em função do comportamento não óptimo dos
agentes nos mercados (de bens e serviços, monetário e de trabalho),
que se traduziria em fases de expansão, em que o produto se
encontraria próximo do potencial, as quais iriam alternar com fases
de recessão, em que a economia se encontraria mais afastada do
pleno emprego.

A análise Keynesiana preconiza a intervenção do Estado no sentido de


evitar crises severas: as políticas de estabilização podem atenuar o
efeito das crises, ao actuarem sobre as diferentes componentes da
procura ou despesa (consumo privado, gastos públicos investimento e
exportações líquidas).

O debate académico entre Neo-clássicos / Keynesianos estendeu-se


até aos dias de hoje, com períodos de mais acalorada discussão e
com períodos de algum consenso. Os Neo-clássicos continuam a
acreditar que os ciclos económicos são intrínsecos ao funcionamento
do sistema económico, comandados pelo lado da oferta (por exemplo,
via inovação tecnológica) e um sinal da sua eficiência que resulta do
comportamento óptimo de famílias e empresas (tentar
18
artificialmente, por via da intervenção pública, atenuar os ciclos tem
como consequência um menor crescimento de longo prazo). Os
Keynesianos colocam a ênfase nas deficiências que se encontram em
mercados onde impera a concorrência imperfeita e existem falhas de
coordenação, vêem o lado da procura como aquele onde se podem
encontrar as causas dos ciclos e advogam que a política económica é
um instrumento fundamental para combater recessões.

2. Macroeconomia no longo prazo – crescimento


económico

2.a. Curto prazo e longo prazo: ciclos económicos e


crescimento

A macroeconomia pode ser pensada em função do horizonte temporal


a que respeita a realidade que se está a analisar. No longo prazo, está
em causa a tendência de crescimento da economia, enquanto no
curto prazo interessa analisar os ciclos económicos, ou seja, as
flutuações em torno dessa tendência. A figura 2.1 dá conta dessa
evolução cíclica que segue determinada trajectória de crescimento.

PIB

Tempo

*** Fig. 2.1 – Crescimento e ciclos ***

A já referida análise Keynesiana é basicamente uma análise de curto


prazo, que pretende explicar como comportamentos do lado da
19
procura podem provocar flutuações cíclicas e como o Estado pode
intervir no sentido de atenuar os efeitos nocivos dessas flutuações. A
análise de curto prazo pressupõe, como já indicado, que a economia
se encontra mais ou menos afastada do seu nível de pleno emprego e
portanto o objetivo fundamental da macroeconomia de curto prazo é
aproximar o PIB ou o rendimento efectivo do PIB ou rendimento de
longo prazo. Associado a este objetivo está o de manter uma taxa de
desemprego baixa, ou seja o de aproximar o mais possível a taxa de
desemprego daquela que corresponde ao nível de produto potencial.
A esta taxa de desemprego de referência dá-se a designação de taxa
de desemprego natural.

Um dos pontos fundamentais da análise nos capítulos seguintes, que


se vai centrar nas questões de curto prazo, é que se vai estabelecer
uma ligação indissociável entre rendimento e emprego. Qualquer
medida de política que aumente o nível de rendimento (o que
designaremos por política expansionista), vai também aumentar o
nível de emprego (aproximando ambos dos valores potenciais). As
políticas que afastam o rendimento do PIB potencial (políticas
contraccionistas), têm como consequência um aumento da taxa de
desemprego.

Como posteriormente o centro das nossas atenções será o curto


prazo, deixamos para já apenas um conjunto de breves notas sobre o
crescimento de longo prazo. Aquilo que é decisivo para o bem-estar
das gerações futuras relaciona-se com a sua capacidade de acumular
riqueza no tempo. Considere o seguinte exemplo: numa economia, o
crescimento do PIB real é, em média, de 5% ao ano; sob este cenário,
o nível de vida deste país irá duplicar em pouco mais de 14 anos
 ln 2 
(1,05)  2  n  ln 1,05  14,2 .
n
O exemplo serve para perceber a
 
importância do crescimento - dois países com idêntico nível de vida
hoje podem rapidamente, no espaço de menos de uma geração,
tomar caminhos completamente divergentes no que respeita ao bem-
estar material quando estão sujeitos a taxas de crescimento anual
que diferem apenas em alguns poucos pontos percentuais.

2.b. Acumulação de fatores de produção

Uma das questões económicas de maior importância é precisamente


a da acumulação de riqueza material ao longo de períodos
relativamente longos. Quando olhamos para o nosso mundo,
encontramos capacidades de crescimento extraordinariamente
20
díspares, o que nos leva a perguntar porque razão uns países
conseguem fazer crescer a sua riqueza muito mais que outros.

A resposta mais directa à questão colocada é a de que existem


diferenças em termos das ferramentas básicas disponíveis para
produzir. Os inputs do processo produtivo tomam a designação de
factores de produção e estes podem ser agregados basicamente em
três variáveis: a força de trabalho disponível para produzir (N), o
capital físico (K) e a tecnologia (A). O factor trabalho consiste no
número de horas que a mão-de-obra disponível afecta à produção,
devidamente ponderadas pela qualidade dos trabalhadores; esta
qualidade relaciona-se com as suas capacidades e competências que
são adquiridas através de um processo de investimento em formação
e educação. A noção de investimento que aqui está associada faz
com que o factor trabalho possa também ser designado por capital
humano. O capital físico corresponde ao stock de máquinas,
equipamentos, infra-estruturas físicas disponíveis para produzir. A
tecnologia respeitará ao conjunto de factores imateriais que fazem
com que seja possível produzir mais com a mesma quantidade de
factores materiais; aos incrementos na tecnologia dá-se a designação
de progresso técnico ou inovação.

A relação entre o que se produz e os factores de produção surge


através da função de produção. Seja Y o nível de rendimento. A função de
produção toma a seguinte forma:

Y  f ( N , K , A) (2.1)

2.c. Rendimentos marginais do capital e dinâmica de


crescimento

Para perceber os aspetos fundamentais do crescimento económico,


com base na função de produção, consideremos que a quantidade de
trabalho ou capital humano e a tecnologia são valores autónomos,
sendo a única variável endógena o capital físico. Uma das leis que a
ciência económica adoptou como válida é que normalmente os
factores de produção estão sujeitos a rendimentos marginais
decrescentes ou a produtividade marginal decrescente. Isto significa
que ao considerarmos acréscimos sucessivos de igual amplitude num
factor produtivo, mantendo os outros factores fixos, os acréscimos de
rendimento vão-se tornando progressivamente menores. Por exemplo,
ao acrescentarmos sucessivamente mais máquinas a uma
determinada linha de produção sem o consequente aumento no

21
número de trabalhadores e sem qualquer processo de inovação
tecnológica que acompanhe esse acréscimo de maquinaria,
inevitavelmente os rendimentos adicionais ou marginais tornar-se-ão
progressivamente menores. Deste modo, a função de produção terá a
forma apresentada na figura 2.2.

Y
Y  f ( N , K , A)

*** Fig. 2.2 – Função de produção ***

A implicação fundamental da existência de rendimentos marginais


decrescentes é que o processo de crescimento terá um fim: a
economia tenderá para um estado de equilíbrio em que deixará de
crescer. Este processo de crescimento é explicado pelo modelo de
Solow, o qual pode ser resumido numa pequena equação de
acumulação de capital.

Considere o pressuposto de que a taxa de poupança é constante (s);


assumindo que toda a poupança das famílias é utilizada para investimento das empresas:

I  sY  sf ( N , K , A) (2.2)

O nível de investimento na equação (2.2) é o nível de investimento


bruto, isto é, quanto se acrescenta ao capital físico já existente em
cada período. No entanto, algum do capital também se perde, em
cada período, por via de depreciação. Seja   (0,1) a taxa de depreciação do
capital físico; o fluxo de investimento líquido pode então ser representado do seguinte modo,

K  sf ( N , K , A)  K (2.3)

A equação (2.3) diz-nos que o capital é acumulado em função de duas


forças que se opõem: por um lado, o investimento gera novo capital;
por outro lado, perde-se capital via depreciação. Enquanto a

22
depreciação é linear, o investimento bruto ou a poupança, que
dependem da função de produção, correspondem a uma função
côncava do capital, dados os rendimentos marginais decrescentes.
Isto pode ser observado na figura 2.3.

Y
K

sf ( N , K , A)

Y*

K0 K* K

*** Fig. 2.3 – Transição para o estado de equilíbrio ***

Como a figura 2.3 permite perceber, só é compensador acumular


capital até um determinado ponto. Até ao ponto em que os
rendimentos marginais decrescentes se tornam de tal forma intensos
que investir mais não vai compensar a depreciação do capital que se
verifica. A economia crescerá então desde um ponto inicial
correspondente a um nível de capital acumulado K0, em direcção ao
ponto de equilíbrio (K*,Y*), ponto em que deixa de ser compensador
continuar a investir porque para níveis adicionais de capital a
depreciação é superior à rentabilidade do investimento.

O processo de crescimento, como descrito, traduz-se num estado


estacionário sem crescimento. Todas as economias irão convergir
para o estado de equilíbrio de não crescimento e, portanto, o modelo
prevê convergência (dado que todos atingem o estado de equilíbrio,
os mais pobres crescerão mais depressa que os mais ricos). Estes
dois factos – a ausência de crescimento em países com stocks de
capital elevados e a noção de convergência -encontram algumas
dificuldades em termos de verificação empírica. Na verdade, alguns
dos países mais ricos continuam a ser dos que mais crescem e, muito
embora alguns processos de convergência sejam evidentes, existem
também casos de clara divergência na economia internacional.

23
2.d. Produtividade total de fatores e infraestrutura social

Para explicar a razão pela qual as economias desenvolvidas


continuam a crescer temos agora de recorrer aos factores de
produção que entretanto consideramos fixos. Considere que existe
inovação tecnológica; o efeito desta será o de deslocar a função de
produção que relaciona capital e rendimento para cima, como
apresentado na figura 2.4. A função de produção desloca-se para
cima porque, de acordo com a definição de progresso técnico, este
vai permitir produzir mais com a mesma quantidade de capital.

Y Y  f (K, A 1 )

Y  f (K, A0 )

*** Fig. 2.4 – Progresso técnico e crescimento ***

A figura 2.4 sugere-nos que o estado de equilíbrio pode deslocar-se.


A economia poderá continuar a acumular capital e a gerar mais
rendimento se o estado da tecnologia for sofrendo aperfeiçoamentos.
Podemos, por esta via, fazer uma distinção qualitativa entre o
processo de crescimento de economias mais e menos desenvolvidas.
As economias num estado atrasado do seu processo de
desenvolvimento vão crescer por via da acumulação de capital (têm
de convergir para o estado de equilíbrio). As economias mais
desenvolvidas crescem em função da inovação, que lhes permite
ampliar o nível de rendimento correspondente ao estado de equilíbrio.

Quanto à questão da convergência, esta ocorre de facto se


admitirmos que os países têm idênticos estados de equilíbrio, o que
significa terem condições estruturais mais ou menos iguais, que
permitem mais tarde ou mais cedo alcançar esse nível de rendimento
de longo prazo. No entanto, muitos países pobres sê-lo-ão porque o
seu nível de capital de equilíbrio será necessariamente um valor mais
24
baixo que o de outros países. Isto acontece porque as respectivas
condições estruturais serão mais precárias – um estado de equilíbrio
correspondente a um patamar de desenvolvimento mais baixo é
resultado de piores condições estruturais, nomeadamente no que
respeita às capacidades do capital humano (níveis de educação e
saúde), à qualidade das infra-estruturas públicas e ao
desenvolvimento da infra-estrutura social (salvaguarda dos direitos
de propriedade, condições sociais e políticas, participação e
cidadania).

A questão dos direitos de propriedade, por exemplo, é fundamental.


Se estes não estiverem protegidos pela lei e pelas entidades a quem
a compete cumprir, o incentivo para a produção de riqueza
desaparece – só se pode trocar aquilo em relação ao qual se conhece
o proprietário, e as trocas são a base de funcionamento do sistema
económico.

3. Macroeconomia no curto prazo – o mercado real

A abordagem a seguir neste e nos capítulos seguintes é


essencialmente de natureza Keynesiana. Significa isto que
centraremos a atenção do lado da procura, onde dois mercados
assumem particular relevância: o mercado real ou mercado de bens e
serviços, que será analisado neste capítulo, e o mercado monetário,
que se abordará no capítulo seguinte. Em ambos os mercados é
possível estabelecer relações entre rendimento e taxa de juro que
traduzem o respetivo equilíbrio e que tomam a designação,
respetivamente, de curva IS e curva LM.

Para perceber a informação que a curva IS nos dá sobre o comportamento dos agentes
económicos, torna-se necessário caracterizar algumas relações entre variáveis
macroeconómicas, o que se fará de seguida. A primeira ideia importante a reter é que a nossa
análise é uma análise de equilíbrio, isto é, pressupõe-se que o mercado no seu conjunto
funciona de tal forma que, tendo em conta um determinado período de tempo, os bens e
serviços produzidos pelas empresas têm alguma utilização final por parte dos agentes no
sistema económico. Em termos formais, a condição de equilíbrio expressa-se da seguinte
forma:

Y D (3.1)

25
em que Y é o rendimento ou produto agregado da economia e D
designa a despesa, que no cap. 1 se definiu como D=C+I+G+X-Z.

O pressuposto associado ao equilíbrio macroeconómico no mercado


real é simples de perceber: ao longo de um ano, as empresas
produzem bens e serviços com base naquilo que esperam vir a ser os
níveis de procura ou despesa. No entanto, a procura planeada pode
não coincidir com a procura efectiva, o que nos leva a uma de duas
situações: ou as empresas produzem mais do que aquilo que é
efectivamente procurado (Y>D), o que se traduz na acumulação
involuntária de stocks (variação de stocks positiva), ou as empresas
produzem quantidades inferiores à procura agregada (Y<D), e neste
caso temos uma desacumulação involuntária de stocks (variação de
stocks negativa). Quer num caso quer noutro, haverá um
desequilíbrio macroeconómico.

A análise a efectuar considerará uma situação de equilíbrio, no


sentido em que a variação de stocks será nula e, por conseguinte, a
condição (3.1) será verificada. Convém deixar claro que o rendimento
de equilíbrio não é, na generalidade dos casos, coincidente com o
rendimento potencial ou rendimento de pleno emprego. Nível de
equilíbrio não significa nível óptimo ou de eficiência.

Em seguida, analisar-se-á com algum detalhe o comportamento de


cada uma das variáveis que compõem a despesa. É este estudo que
vai permitir compreender o equilíbrio no mercado real.

3.a. Comportamento das famílias: funções consumo e


poupança

As relações entre variáveis económicas a estabelecer baseiam-se na


seguinte lógica: considerar-se-á uma variável explicativa, que tem um
impacto importante sobre a variável a explicar; no entanto, haverá
certamente muitas outras forças que condicionam esta última. Estas
forças, exteriores à modelização considerada, serão apresentadas sob
a forma de uma variável autónoma. Todas as variáveis autónomas a
considerar serão representadas com uma barra por cima da
respectiva letra que a designa.

Comecemos por admitir uma economia fechada e sem Estado, de


modo que a equação da despesa se reduz a D=C+I. Nesta economia,
caracterizamos em primeiro lugar o comportamento do consumo. A
principal variável que explica o nível de consumo da economia é o
rendimento disponível das famílias – quanto maior o rendimento
26
disponível, maior será o consumo, o que se traduz na seguinte
equação:1

C  C  cYD (3.2)

Para já, na economia simples que estamos a considerar, o rendimento


da economia e o rendimento disponível das famílias coincidem, uma
vez que este último se define como o rendimento após impostos e
transferências do Estado para as famílias. Como, por enquanto, o
Estado está ausente, as duas definições de rendimento não são
passíveis de distinção.

O parâmetro C é positivo e define o consumo autónomo, isto é, a


parcela de consumo que depende de quaisquer outras variáveis que
não o rendimento de equilíbrio. Quanto a c, este será um valor entre
0 e 1, que toma a designação de propensão marginal a consumir. Esta
propensão representa a variação no consumo quando o rendimento
disponível varia uma unidade monetária. Pode, portanto, representar-
C
se do seguinte modo: c  . O facto de ser um valor inferior à
YD
unidade faz todo o sentido: se o rendimento disponível aumenta 1
u.m., as famílias vão poder aumentar o consumo, mas nunca num
montante superior ao acréscimo de rendimento. Em termos
agregados, o valor da propensão marginal a consumir é passível de
medição, sendo que o seu valor se encontra tipicamente entre 0,6 e
0,9.

A função consumo encontra-se representada na figura 3.1. O


consumo autónomo corresponderá à ordenada na origem e o declive
da função será a propensão marginal a consumir.

C
C

1
A hipótese de que o consumo privado depende sobretudo do rendimento disponível é uma
característica fundamental do raciocínio Keynesiano, que é conveniente no sentido em que estabelece
uma correspondência directa entre rendimento que as famílias obtêm no período e consumo que fazem
nesse período. Na prática, pode haver desfasamentos temporais significativos entre os momentos em
que o rendimento é acumulado e as decisões de consumo são tomadas, de modo que em rigor faria
mais sentido fazer depender o consumo privado da riqueza detida e da riqueza que se espera deter no
futuro. Como a nossa análise vai ser em grande parte estática, a dependência do consumo em relação à
riqueza é ignorada. Da mesma, considerações sobre rendimento futuro esperado são postas de parte.
Por simplificação, ignoramos uma das forças mais relevantes na percepção do comportamento
económico, nomeadamente a formação de expetativas (apesar de se voltar a fazer uma breve referência
a estas aquando da análise da variável investimento).
27
c
C

YD

*** Fig. 3.1 – Função consumo ***

Se apenas uma parcela, ainda que normalmente maioritária, de um


acréscimo de rendimento disponível, se destina a incrementar o nível
de consumo, é necessário saber qual o destino dado à parcela
remanescente. Na realidade, as famílias apenas podem utilizar o seu
rendimento disponível de duas formas: consumo e poupança. Seja S o
nível de poupança, de modo que YD=C+S. Tendo em conta esta expressão e a
função consumo, obtemos também uma expressão para a função poupança:

S  YD  C  S  C  (1  c )YD (3.3)

O nível de poupança autónoma,  C , é um valor negativo, o que


significa que no caso hipotético em que o rendimento disponível das
famílias é nulo, a poupança é forçosamente negativa (só assim se
poderá assegurar um valor de consumo positivo). A poupança é uma
variável de fluxo, de modo que uma poupança negativa significa uma
diminuição do stock de riqueza das famílias, o que pode acontecer
por duas vias: o consumo está a ser realizado por utilização de
poupanças acumuladas no passado ou, alternativamente, estar-se-á a
recorrer a poupança futura, por via da contracção de empréstimos.

A constante 1-c representa a propensão marginal a poupar. Pode


assumir valores entre 0 e 1 e é o complemento da propensão
marginal a consumir, isto é, a soma das duas propensões é
forçosamente igual à unidade (por isso, na prática, será comum o seu
valor situar-se entre 0,1 e 0,4). Por exemplo, se a propensão marginal
a consumir assumir o valor 0,75, então a propensão marginal a
poupar será igual a 0,25, e podemos dizer que se o rendimento
disponível aumentar 1 u.m., o consumo aumentará 0,75 u.m. e a
poupança sofrerá um acréscimo de 0,25 u.m.. A propensão marginal a
poupar representa a variação da poupança resultante da variação do
S
rendimento disponível em 1 u.m., ou seja, 1  c  .
YD

A figura 3.2 ilustra a função poupança. O facto mais significativo em


relação à função representada é que ela cruza o eixo num
28
determinado nível de rendimento Ys. Para a esquerda de Ys, o
consumo é superior ao rendimento disponível e a poupança é
negativa; para a direita de Ys, o consumo é inferior ao rendimento
disponível e a poupança é positiva. O ponto Ys, em que C=YD e S=0,
toma a designação de limiar da poupança; o nível de rendimento
C
disponível correspondente a este ponto é: Ys  .
1 c

YS YD
1-c
-C

*** Fig. 3.2 – Função poupança ***

O limiar de poupança pode também ser encontrado no gráfico da


função consumo. Considere a figura 3.3. Nesta encontra-se
desenhada não apenas a função consumo, mas também uma
bissetriz, ou seja, o conjunto de pontos para os quais C=YD. A
intersecção entre as duas rectas dá-nos o ponto da função consumo
para o qual a economia se encontra no limiar de poupança. Como o
gráfico permite observar, para a esquerda do limiar de poupança o
nível de consumo é superior àquele que permitiria que ele fosse igual
ao rendimento disponível, sucedendo o contrário à direita de tal
ponto.

C C=YD
C

YS YD

29
*** Fig. 3.3 – Limiar de poupança e função consumo ***

3.b. Comportamento das empresas: função investimento

As empresas realizam investimento, e o montante deste investimento


estará condicionado por um conjunto de determinantes. De forma
sucinta, podemos considerar três determinantes fundamentais do
investimento:

1) Eficiência marginal do capital – esta será a taxa que traduz a


rentabilidade do investimento. Um investimento pode ter uma maior
ou menor rentabilidade esperada em função de múltiplos factores:
tecnologia disponível, localização, qualidade da mão-de-obra
existente, condições fiscais, entre outros. Quanto maior for a
rentabilidade esperada de um investimento mais provável é que este
venha a ser concretizado.

2) Expetativas – uma variável fundamental para a correcta percepção


dos fenómenos económicos são as expectativas. As decisões de
investimento são forward-looking, isto é, baseiam-se em critérios
relacionados com os cenários que é possível construir para o futuro,
ou seja, com as expectativas que os empresários ou os investidores
têm a propósito do conjunto de factores que podem afectar a
rentabilidade do seu investimento. Não é nosso objetivo modelizar as
expectativas, mas apenas fazer referência à ideia óbvia de que o
investimento aumentará em função de expectativas mais favoráveis e
diminuirá caso o conjunto de investidores da economia assuma uma
visão mais pessimista do desempenho futuro da economia em geral e
dos respectivos sectores de actividade em particular.

3) Taxa de juro – investir significa empregar recursos para procurar


criar riqueza. Esses recursos são, em primeira instância, recursos
financeiros que têm um custo associado. Caso se recorra a capitais
alheios para investir, é necessário pagar juros sobre os empréstimos
contraídos; caso se recorra a capitais próprio, há um custo de
oportunidade que respeita aos juros que não se recebem por uma
qualquer aplicação alternativa desses recursos. Assim sendo, parece
lógico que existe uma relação de sinal contrário entre taxa de juro e
investimento: quanto maior a taxa de juro menos as empresas, no
agregado, vão investir. De forma mais concreta, as empresas vão
investir enquanto a eficiência marginal do capital do seu projecto de
investimento for superior à taxa de juro (esta será a condição de
acordo com a qual um dado investimento se espera que seja

30
rentável); se a taxa de juro aumenta, haverá menos projectos para os
quais a eficiência marginal suplantará a taxa de juro, e portanto no
seu conjunto o nível de investimento diminuirá.

Vamos modelizar o investimento em função da variável taxa de juro


(i); no termo autónomo estarão incluídos os outros determinantes do investimento,

I  I  ei (3.4)

onde I >0 representa o investimento autónomo e e>0 designa a


propensão marginal a investir, ou seja, a variação no investimento
resultante de uma variação de um ponto percentual na taxa de juro.
Note-se que investimento e taxa de juro estão definidos em unidades
diferentes; um é um valor em unidades monetárias e o outro uma
taxa. Podemos representar a propensão marginal a investir da
I
seguinte forma: e  .
i

Na figura 3.4 representa-se a relação de sinal contrário entre taxa de


juro e investimento (como se encontra convencionado para qualquer
relação económica que envolve uma quantidade e um preço, o preço,
neste caso a taxa de juro, representa-se no eixo vertical). A função
investimento representada deslocar-se-á para a direita se aumentar a
eficiência marginal do capital ou as expectativas dos empresários se
tornarem mais favoráveis (haverá mais investimento para cada nível
de taxa de juro), deslocando-se para a esquerda caso suceda o
contrário.

I/ e

-e
I
31
I

*** Fig. 3.4 – Função investimento ***

Posteriormente, quando forem acrescentados o Estado e as relações


externas à análise, estaremos em condições de resolver o modelo e
encontrar a função IS, que relaciona rendimento e taxa de juro, que
sintetiza o funcionamento do mercado real. Uma primeira abordagem
à resolução do modelo pode ser já encetada, para a economia
fechada e sem Estado que até ao momento considerámos. Para isso,
adopta-se uma hipótese simplificadora: para já todo o investimento é
autónomo (e=0), ou seja, ignoramos o papel da taxa de juro.

As equações que já caracterizámos podem ser coligidas naquilo a que


chamamos a forma estrutural do modelo, a qual consiste na mera
listagem de equações de três tipos:

Y  D : Equação de equilíbrio

D  C  I : Equação de definição

YD  Y : Equação de definição

C  C  cYD : Equação de comportamento

I I : Equação de comportamento

A partir da forma estrutural, podemos encontrar a forma reduzida do modelo, que


corresponde ao nível de rendimento de equilíbrio, dado exclusivamente em função dos valores
autónomos e da propensão marginal a consumir. Tomando a condição de equilíbrio e
procedendo por substituições sucessivas, calculamos o seguinte valor de rendimento de
equilíbrio:

CI
Y  (3.5)
1 c

Na equação (3.5) identificamos dois tipos de variáveis com relevância


para a análise que pretendemos prosseguir: Y é uma variável
objetivo; o valor autónomo I é uma variável estratégica, de política
económica ou instrumental. As variáveis estratégicas podem ser
objecto de manipulação por parte das autoridades no curto prazo, no
sentido de influenciar o valor da variável objetivo. Por exemplo,
políticas de incentivo ao investimento podem resultar no seu
aumento, o que por sua vez se reflecte no nível de rendimento de
32
equilíbrio, conforme a equação (3.5) evidencia. Posteriormente,
definir-se-ão outras variáveis estratégicas e outras variáveis objetivo
relevantes para o nosso estudo.

A figura 3.5 representa o equilíbrio macroeconómico neste modelo


simples. Considerando que a despesa é, para já, a soma do consumo
privado com o investimento e tomando uma bissectriz que indica
todos os possíveis pontos de equilíbrio, obtém-se por intersecção da
curva da despesa com a bissectriz o nível de rendimento mencionado
em (3.5).

D,C,I D=Y

D=C+I

I I

Ye Y

*** Fig. 3.5 – Rendimento de equilíbrio ***

O nosso objetivo vai ser, frequentemente, perceber qual o impacto de


uma variação numa variável estratégica sobre a variável objetivo
considerada. A este impacto dá-se o nome de multiplicador. Como
neste caso temos somente uma variável estratégica, o investimento,
o multiplicador que para já nos interessa analisar será o multiplicador
do investimento autónomo.

O multiplicador do investimento autónomo mede a variação no rendimento de equilíbrio


quando o investimento autónomo varia uma unidade monetária. Este valor será o seguinte:

Y 1
 (3.6)
I 1  c

Observe-se que o multiplicador do investimento autónomo é igual ao


inverso da propensão marginal a poupar, e portanto é sempre um
valor superior à unidade: quando o investimento aumenta, o

33
rendimento aumentará sempre num valor superior; temos
efectivamente um efeito multiplicador! Constate-se também que
quanto maior a propensão marginal a consumir maior será o valor do
multiplicador.

O equilíbrio do modelo pode ainda ser avaliado de outra forma. Se


ignorarmos as equações de comportamento e recordarmos as
utilizações que podem ser dadas ao rendimento disponível, teremos a
seguinte lista de equações:

Y  D : Equação de equilíbrio

D  C  I : Equação de definição

YD  Y : Equação de definição

YD  C  S : Equação de definição

O sistema apresentado tem como solução I=S, ou seja, numa


economia fechada sem Estado, o equilíbrio macroeconómico exige
que toda a poupança realizada pelas famílias tenha como destino o
investimento por parte das empresas. A esta relação, que se tornará
mais sofisticado quando introduzirmos os elementos em falta no
modelo, dá-se a designação de equação de equilíbrio universal.

A igualdade entre investimento e poupança permite fornecer uma


explicação para uma das dúvidas fundamentais que a análise de
Keynes suscita – o chamado paradoxo da poupança. Na figura 3.6
desenham-se a função poupança e o investimento, em relação ao
nível de rendimento. Recorde-se que estamos a considerar que o
investimento é autónomo e, portanto, não vai variar com o
rendimento, enquanto que a poupança, de acordo com a equação
(3.3), é uma função positiva do rendimento. Se fizermos aumentar a
poupança para cada nível de rendimento, a função poupança
deslocar-se-á para cima e para a esquerda. Em consequência, a
intersecção das curvas S e I dar-se-á mais à esquerda, ou seja, para
um nível inferior de rendimento. O paradoxo é este: aumentamos a
poupança e em consequência o rendimento de equilíbrio diminuiu. A
explicação para o paradoxo é simples, tendo em conta o contexto que
estamos a considerar: mais poupança significa necessariamente
menos consumo; se se reduz o consumo, numa situação de equilíbrio
as empresas irão produzir menos e o nível de rendimento agregado
contrair-se-á.

34
S

S2

S1
I

Ye2 Ye1 Y

*** Fig. 3.6 – O paradoxo da poupança ***

3.c. Papel económico do Estado. Saldo orçamental

O Estado intervém na economia com dois propósitos. Por um lado,


produz e distribui bens e serviços que não podem ser, em condições
de eficiência, fornecidos pelo mercado e, por outro lado, tem um
papel social que consiste na atribuição de prestações sociais de
diversa natureza às famílias (pensões de reforma, subsídios de
desemprego, abonos de família, …). Faz, por isso, sentido considerar
duas variáveis de despesa pública: os gastos públicos, consumo
público ou consumo colectivo, G, e as transferências internas ou
transferências do Estado para as famílias, TR. Para financiar estas
despesas, o Estado cobra impostos, variável a designar por T.

Na presença do Estado, as nossas definições tornam-se mais


completas: a despesa passa a incluir a variável gastos, D=C+I+G, e o
rendimento disponível deixa de ser necessariamente igual ao
rendimento da economia, uma vez que YD=Y-T+TR. Devemos agora também
considerar funções de comportamento para cada uma das variáveis introduzidas. Em relação
aos impostos, admitimos que estes são, em parte, função do rendimento (impostos directos),
sendo que o remanescente será autónomo em relação ao rendimento (impostos indirectos). A
função impostos será:

T  T  tY (3.7)

A parcela que não depende do rendimento corresponde aos impostos


autónomos, T ; a outra parcela designa-se impostos induzidos. A
constante t é um valor entre 0 e 1 que representa a taxa marginal de
35
imposto; esta indica qual a variação nos impostos cobrados pelo
T
Estado quando o rendimento varia uma unidade monetária: t  .A
Y
taxa de imposto e os impostos autónomos são variáveis estratégicas,
no sentido em que os seus valores podem ser alterados pelo Estado
em função daquilo que são as suas opções de política económica.

No lado da despesa, considerar-se-á que quer gastos quer


transferências são valores autónomos: G  G e TR  TR . Este
pressuposto faz sentido porque a concretização da despesa pública
estará mais dependente de opções de natureza política (ligadas, por
exemplo, ao ciclo eleitoral) do que propriamente de factores
económicos. Estas duas variáveis serão também, por motivos óbvios,
variáveis estratégicas da nossa análise.

Seria possível, caso pretendêssemos desenvolver um modelo mais


pormenorizado, fazer depender as variáveis de despesa de factores
de natureza económica. No caso das transferências, faz sentido
considerar que estas são função inversa do rendimento (em períodos
de menor crescimento, as prestações sociais tendem a aumentar,
como será o caso dos subsídios de desemprego que se torna
necessário pagar); quanto aos gastos, podem ser pensados numa
lógica de estabilização – quando o nível de rendimento cai muito
abaixo do rendimento de pleno emprego, o Estado poderá estimular a
economia através de níveis mais elevados de consumo público.

Voltamos a apresentar a forma estrutural do modelo, tendo em


consideração as novas equações que a introdução do Estado permite
escrever (continuamos a supor um nível de investimento autónomo):

Y  D : Equação de equilíbrio

D  C  I  G : Equação de definição

YD  Y  T  TR : Equação de definição

C  C  cYD : Equação de comportamento

I I : Equação de comportamento

T  T  tY : Equação de comportamento

G G: Equação de comportamento

TR  TR : Equação de comportamento

36
Novamente, para chegar à forma reduzida do modelo, consideramos a condição de equilíbrio e
procedemos por substituição sucessiva até chegarmos ao valor do rendimento de equilíbrio:

C  I  G  cT  cTR
Y  (3.8)
1  c (1  t )

Enquanto que na versão inicial do modelo, tínhamos uma única


variável estratégica, o investimento autónomo, são agora também
variáveis estratégicas os impostos autónomos, a taxa de imposto, os
gastos autónomos e as transferências autónomas. Estas quatro
últimas variáveis têm uma natureza diferente do investimento
autónomo, porque não são apenas passíveis de influência por parte
do Estado, via incentivos ou desincentivos; são determináveis pelas
suas próprias decisões orçamentais. Por esta razão, estas variáveis de
política económica designam-se variáveis de política orçamental.

Dado o maior leque de variáveis estratégicas, temos também agora


mais do que um multiplicador (ignoremos para já o papel da taxa de
imposto enquanto variável estratégica): os multiplicadores do
Y Y 1
investimento autónomo e dos gastos coincidem,   ,
I G 1  c(1  t )
mas estes são diferentes do multiplicador dos impostos autónomos,
Y c
 e do multiplicador das transferências autónomas,
T 1  c (1  t)
Y c
 .
TR 1  c (1  t )

A interpretação que fazemos de cada um dos multiplicadores é


semelhante à que se referiu atrás. Por exemplo, no caso das
transferências, podemos dizer que quando as transferências
c
autónomas variam 1 u.m., o rendimento vai variar
1  c (1  t )
unidades monetárias.

Observando os diferentes multiplicadores, podemos retirar alguma


informação importante: primeiro, o multiplicador dos impostos
autónomos é o único que é negativo, o que significa que, ao contrário
do que acontece com as outras variáveis, um aumento dos impostos
autónomos traduz-se numa redução do rendimento. Segundo,
diminuir impostos autónomos ou aumentar transferências autónomas
tem o mesmo impacto sobre o rendimento (os multiplicadores são
simétricos), mas o mesmo não é verdade se considerarmos uma
variação nos gastos em alternativa às transferências. Terceiro, o
1
multiplicador do investimento, , continua a ser um valor
1  c (1  t )
37
superior à unidade, mas inferior ao multiplicador na ausência de
Estado – a taxa de imposto atenua o efeito multiplicador.

À diferença entre receita fiscal (impostos) e despesa pública (gastos + transferências) dá-se a
designação de saldo orçamental, que podemos representar da seguinte forma:


SO  T  tY  G  TR  (3.9)

A expressão (3.9) indica-nos que, uma vez que os impostos


dependem positivamente do rendimento, o saldo orçamental será
tanto maior quanto maior for o nível de rendimento de equilíbrio.
Quando SO=0, dizemos que o orçamento se encontra equilibrado; se
SO<0, existirá um défice orçamental e se SO>0, verifica-se uma
situação de excedente orçamental. Na realidade, os Estados tendem a
incorrer em défices orçamentais (quanto mais negativo o saldo
orçamental, maior será o défice orçamental) e portanto a gastar mais
do que recolhem de impostos em cada ano. Como resultado, os
Estados vão acumulando dívida pública.

A figura 3.7 representa o saldo orçamental em função do rendimento,


podendo no gráfico distinguir-se os valores de rendimento para os
quais subsistirá uma situação de défice (à esquerda da intersecção
com o eixo) e os valores de rendimento para os quais haverá
excedente orçamental (à direita da intersecção com o eixo).
SO

SO

T  (G  TR)

*** Fig. 3.7 – Saldo orçamental ***

Retornando à noção de equação de equilíbrio universal, podemos


reescrevê-la assumindo a presença do Estado na economia nos
moldes descritos. Tendo em conta o sistema de equações

Y  D : Equação de equilíbrio

D  C  I  G : Equação de definição

38
YD  Y  T  TR : Equação de definição

YD  C  S : Equação de definição

a sua resolução conduz à igualdade I  G  TR  S  T , que será agora a


equação de equilíbrio universal. Os termos na parte esquerda da
equação são todos valores autónomos e as variáveis na parte direita
dependem positivamente do rendimento. A figura 3.8 procede à
intersecção entre estes dois conjuntos de valores para obter
graficamente o nível de rendimento de equilíbrio que já conhecemos
de (3.8). Note-se que agora já não tem de haver necessariamente
uma igualdade absoluta entre investimento e poupança; tal só
persistirá se o orçamento estiver equilibrado.

S+T

I+G+TR

 C  cT  (1 c)TR Ye Y

*** Fig. 3.8 – Equação de equilíbrio universal, com Estado ***

3.d. Relações económicas com o exterior. A balança corrente

As relações económicas com o exterior são registadas num


documento que toma a designação de balança de pagamentos. Na
balança de pagamentos contabilizam-se as entradas e saídas de
moeda estrangeira (divisas) respeitantes a diferentes tipos de
operações. A balança de pagamentos engloba as seguintes rubricas,

39
1) Balança corrente – regista o conjunto de transacções correntes com
o exterior, sejam elas transacções de mercadorias (balança
comercial), de serviços (balança de serviços), resultantes de fluxos de
rendimentos (balança de rendimentos), ou transacções que não
envolvem contrapartida, como é o caso das remessas de emigrantes
(balança de transferências correntes).

2) Balança de capitais – regista transferências de capital e a aquisição


e cedência de ativos não financeiros.

3) Balança financeira – regista operações relacionadas com


investimento directo, investimento de carteira, derivados financeiros
e ativos de reserva.

Como o âmbito da nossa análise é o mercado real, focamos a atenção na balança corrente, que
se definirá da seguinte forma:

BC  X  Z (3.10)

onde X representa as exportações (entrada de divisas resultante de


vendas de bens e serviços ao exterior) e Z as importações (saída de
divisas resultante de compras de bens e serviços ao exterior).

A introdução das relações correntes com o exterior permite reescrever a equação da despesa
de modo mais completo,

D C I G X Z (3.11)

e torna-se necessário definir equações de comportamento para


exportações e importações. Os pressupostos serão os seguintes:

- Aquilo que exportamos é essencialmente função do poder de


compra no exterior, de modo que faz sentido considerar que as
exportações são autónomas: X  X .

- As importações são, em parte, função do poder de compra no país, e


portanto modelizamos a variável importações como função do
rendimento: Z  Z  mY . O valor Z corresponde à parte autónoma das
importações e m representará a propensão marginal a importar. A
propensão marginal a importar é um valor entre 0 e 1 que mede a
Z
variação das importações quando o rendimento varia 1 u.m.: m  .
Y

A função balança corrente pode ser desenhada graficamente. Dado


que as exportações são autónomas e que as importações dependem
positivamente do rendimento, a curva BC será negativamente
inclinada. Esta curva encontra-se representada na figura 3.9. O ponto

40
de intersecção com o eixo horizontal representa o nível de
rendimento para o qual a balança corrente se encontra em equilíbrio.
À esquerda deste ponto, temos um excedente da balança corrente e à
direita do ponto um défice da balança corrente.

BC

X Z

BC

*** Fig. 3.9 – Balança corrente ***

Paralelamente ao que foi feito atrás, voltamos a representar a


equação de equilíbrio universal. Tendo em conta a versão mais
completa da equação da despesa e voltando a considerar as diversas
definições, bem como a condição de equilíbrio, ou seja, o sistema,

Y  D : Equação de equilíbrio

D  C  I  G  X  Z : Equação de definição

YD  Y  T  TR : Equação de definição

YD  C  S : Equação de definição

a seguinte condição é verdadeira:

I  G  TR  X  S  T  Z (3.12)

Esta nova equação de equilíbrio universal encontra-se representada


na figura 3.10. Do lado direito da equação temos valores autónomos e
do lado esquerdo variáveis que dependem positivamente do nível de
rendimento. A intersecção destes dois grupos de variáveis no gráfico
permite encontrar o nível de rendimento de equilíbrio.

S+T+Z

I+G+TR+X
41
 C  cT  (1 c)TR  Z Ye Y

*** Fig. 3.10–Equação de equilíbrio universal numa economia


aberta com Estado ***

3.e. Efeitos multiplicadores das variáveis de política


económica

A forma estrutural do modelo para uma economia aberta com Estado


será a seguinte:

Y  D : Equação de equilíbrio

D  C  I  G  X  Z : Equação de definição

YD  Y  T  TR : Equação de definição

C  C  cYD : Equação de comportamento

I I : Equação de comportamento

T  T  tY : Equação de comportamento

G G: Equação de comportamento

TR  TR : Equação de comportamento

X  X : Equação de comportamento

Z  Z  mY : Equação de comportamento

A partir desta lista de equações, deduz-se a respectiva forma reduzida:

C  I  G  cT  cTR  X  Z
Y  (3.13)
1  c(1  t )  m

Novamente, uma parte importante do nosso estudo consiste em


averiguar como a alteração no valor de uma variável estratégica tem
impacto sobre determinada variável objetivo. São agora variáveis
estratégicas os impostos autónomos, a taxa de imposto, os gastos e
as transferências (variáveis de política orçamental) e os valores
autónomos de investimento, exportações e importações (que apenas
de forma indirecta são manipuláveis pelas autoridades). Quanto às

42
variáveis objetivo, para além do rendimento, são-no também o saldo
orçamental e a balança corrente.

Tendo em conta que existem três variáveis objetivo , faz sentido avaliar os
impactos multiplicadores sobre cada uma delas. Comecemos por voltar a olhar para os
multiplicadores relacionados com o rendimento. Ao multiplicador do investimento autónomo,
dos gastos públicos e das exportações autónomas dá-se o nome de multiplicador de base,
correspondendo este a

Y Y Y 1
   (3.14)
I G  X 1  c (1  t )  m

O multiplicador em (3.14) indica que quando I , G ou X variam uma


1
unidade monetária o rendimento vai variar u.m.. Este
1  c (1  t )  m
multiplicador continua a ser superior à unidade, mas a introdução das
relações com o exterior vai reduzir o seu valor em comparação com
os casos já apreciados. A conclusão é que à medida que introduzimos
maior sofisticação e realismo no modelo, o valor do multiplicador de
base tende a diminuir, mantendo-se contudo superior à unidade.

Podem ser calculados multiplicadores para quaisquer outras variáveis


autónomas; estes serão os seguintes:

Y c
- Multiplicador das transferências autónomas:  ;
TR 1  c(1  t )  m

Y c
- Multiplicador dos impostos autónomos:  ;
T 1  c (1  t )  m

Y 1
- Multiplicador das importações autónomas:  .
Z 1  c (1  t)  m

Como se observa, os multiplicadores dos impostos autónomos e das


importações autónomas são negativos, o que significa que uma
variação positiva nos respectivos valores tem um impacto negativo
sobre o rendimento.

Podemos ainda calcular o multiplicador da taxa de imposto, mas dado


que este nos surge no denominador da expressão da forma reduzida,
o seu cálculo envolve maior sofisticação. Na prática, os
multiplicadores que estamos a calcular correspondem às derivadas da
variável objetivo em relação a cada uma das variáveis estratégicas. O cálculo da derivada
do rendimento em relação à taxa de imposto conduz ao seguinte resultado:

Y c
 Y (3.15)
t 1  c (1  t )  m

43
O multiplicador da taxa de imposto é negativo, o que indica que um
aumento na taxa de imposto faz reduzir o rendimento.

Interessa também conhecer o impacto de uma variação numa dada


variável estratégica sobre as outras variáveis objetivo, ou seja, saldo
orçamental e saldo da balança corrente. Comecemos por analisar o
saldo orçamental, que podemos apresentar do seguinte modo:
SO  T  tY  G  TR . Os seguintes multiplicadores de cada uma das
variáveis estratégicas sobre o saldo orçamental podem ser
calculados:

- Multiplicador dos impostos autónomos no saldo orçamental:


SO Y
 1 t ;
T T

- Multiplicador das transferências autónomas no saldo orçamental:


SO Y
t 1;
TR TR

- Multiplicador dos gastos do Estado no saldo orçamental:


SO Y
t 1 ;
G G

SO Y
- Multiplicador da taxa de imposto no saldo orçamental: Y t
t t
;

- Multiplicador do investimento autónomo no saldo orçamental:


SO Y
t ;
I I

- Multiplicador das exportações autónomas no saldo orçamental:


SO Y
t ;
X X

- Multiplicador das importações autónomas no saldo orçamental:


SO Y
t .
Z Z

A colecção de multiplicadores apresentada, permite separar dois


casos: o das variáveis de política orçamental, que têm um duplo
impacto sobre o saldo orçamental porque o afectam directamente e
também indirectamente via rendimento, e o das outras variáveis
estratégicas, que apenas influenciam o saldo orçamental
indirectamente via rendimento. No caso das variáveis de política
orçamental, o efeito via rendimento é sempre de sinal contrário e de

44
menor amplitude do que o efeito directo, de tal modo que o
multiplicador dos impostos autónomos no saldo orçamental será
seguramente um valor entre 0 e 1, e os multiplicadores das
transferências e dos gastos assumirão valores entre -1 e 0. A intuição
é simples; por exemplo, no caso de um aumento dos gastos do Estado
há um impacto directo negativo sobre o saldo orçamental que é
atenuado pelo facto de o aumento dos gastos provocar um aumento
do rendimento e um maior rendimento permitir cobrar mais impostos.
Um aumento do investimento autónomo, um aumento no valor das
exportações autónomas ou uma variação negativa nas importações
autónomas têm um efeito positivo sobre o saldo orçamental porque
fazem aumentar o rendimento e, em consequência, fazem crescer as
receitas fiscais.

Da mesma forma, podemos calcular multiplicadores sobre a balança


corrente; uma lógica semelhante à anterior acaba por estar
envolvida. Recorde-se que a expressão da balança corrente é
BC  X  ( Z  mY ) . A lista de multiplicadores é:

- Multiplicador dos impostos autónomos na balança corrente:


BC Y
 m ;
T T

- Multiplicador das transferências autónomas na balança corrente:


BC Y
 m ;
TR TR

- Multiplicador dos gastos do Estado na balança corrente:


BC Y
 m ;
G G

BC Y
- Multiplicador da taxa de imposto na balança corrente:  m ;
t t

- Multiplicador do investimento autónomo na balança corrente:


BC Y
 m ;
I I

- Multiplicador das exportações autónomas na balança corrente:


BC Y
 1 m ;
X X

- Multiplicador das importações autónomas na balança corrente:


BC Y
 1  m .
Z Z

45
No caso de impostos autónomos, transferências, gastos, taxa de
imposto e investimento autónomo, o impacto sobre a balança
corrente acontece apenas via rendimento. As medidas de política que
fazem aumentar o rendimento irão aumentar as importações e,
consequentemente, agravar o saldo da balança corrente. No caso de
exportações e importações, voltamos a verificar existir um efeito
directo e um efeito indirecto, via rendimento, que atenua o primeiro.
Logo, o multiplicador das exportações autónomas no saldo da balança
corrente é um valor entre 0 e 1, e o multiplicador das importações
autónomas no saldo da balança corrente será um valor entre -1 e 0.
Por exemplo no caso das exportações, se estas aumentam 1 u.m. isso
fará o saldo da balança corrente melhorar directamente 1 u.m., mas
também faz crescer o rendimento e, consequentemente, as
importações, de onde resulta que o incremento no saldo da balança
corrente será, no fim de contas, inferior a 1 u.m..

3.f. Incompatibilidade entre variáveis objetivo. O teorema de


Haavelmo

A apresentação dos diferentes multiplicadores levanta uma questão


importante: uma medida de política que tenha um efeito positivo
sobre o rendimento pode causar um efeito negativo sobre uma ou
sobre ambas as restantes variáveis objetivo, dependendo de qual a
variável estratégica manipulada. Por outras palavras, pode existir
incompatibilidade entre variáveis objetivo. Para identificar as
incompatibilidades existentes, comecemos por definir política
expansionista e política contraccionista. Uma medida de política diz-
se expansionista se a alteração no valor da variável estratégica
provoca um aumento do rendimento; será contraccionista se provocar
uma diminuição do rendimento. Neste sentido, serão políticas
expansionistas o aumento do investimento autónomo, dos gastos, das
transferências ou das exportações ou uma redução dos impostos
autónomos, da taxa de imposto ou das importações. A política
contraccionista corresponderá a variações de sentido contrário em
cada uma das variáveis referidas.

De acordo com os multiplicadores calculados, qualquer medida de


política orçamental provoca uma incompatibilidade entre rendimento
e cada uma das outras duas variáveis objetivo (saldo orçamental e
saldo da balança corrente). Assim, se manobrarmos, numa lógica
expansionista, gastos, transferências, impostos autónomos ou taxa de
imposto, o rendimento irá aumentar e os saldos orçamental e da
balança corrente irão sofrer uma deterioração; as razões para tal já
foram apontadas na secção anterior: mais despesa pública ou menos
46
receitas fiscais têm um efeito expansionista mas penaliza o
orçamento de Estado; da mesma forma, porque fazem aumentar o
rendimento, essas medidas também provocam um maior valor de
importações, o que tem um impacto negativo sobre o saldo da
balança corrente.

No que respeita às outras variáveis estratégicas, a incompatibilidade


já não existirá em todas as circunstâncias. Um aumento do
investimento tem um efeito expansionista sobre o produto, mas
também faz melhorar o saldo orçamental, via aumento dos impostos.
A incompatibilidade existe, neste caso, com o saldo da balança
corrente, uma vez que maior nível de rendimento traduz-se em maior
valor de importações. Finalmente, no que respeita às exportações e
importações, um aumento das primeiras e uma redução das
segundas tem um impacto positivo sobre o rendimento, sobre o saldo
da balança corrente e também, via impostos, sobre o saldo
orçamental. Portanto, em relação a estas duas variáveis não existe
qualquer incompatibilidade.

Uma questão que se pode colocar é se existe alguma possibilidade de


combinar políticas no sentido de resolver as incompatibilidades a que
se fez referência. Essa possibilidade existe e encontra-se expressa no
seguinte teorema:

Teorema de Haavelmo – considerando que a função impostos não


contém parte induzida, se se variar os impostos e os gastos no
mesmo sentido e no mesmo montante, o rendimento vem alterado
nesse sentido e nesse montante e o saldo orçamental não sofre
alteração.

O teorema diz que é possível termos um resultado positivo sobre o


rendimento sem que o saldo orçamental se altere, quando se
manobram simultaneamente duas variáveis de política orçamental.
Partindo do pressuposto que T  T , se admitirmos que G  T ,
então verificar-se-á que Y  G  T e SO  0 .

Este resultado é fácil de demonstrar e tem origem no facto de os


multiplicadores dos gastos e dos impostos autónomos não serem
iguais em valor absoluto. Ignorando a propensão marginal a importar,
a variação do rendimento que se pretende medir é
1  c 
Y  G    T que conduz ao resultado apontado se gastos
1 c  1 c 
e impostos variarem em idêntico montante. Quanto ao saldo
orçamental, obviamente não variará dado que receita e despesa
públicas se alteram em montantes idênticos. Podemos chamar ao
47
multiplicador que resulta deste exercício multiplicador do orçamento
equilibrado e este é igual à unidade (um aumento nos gastos e nos
impostos em simultâneo, no montante de 1 u.m., vai fazer aumentar
o rendimento precisamente em 1 u.m.).

3.g. Estabilizadores automáticos

Os multiplicadores relativos ao rendimento indicam qual o impacto de


uma variação numa variável de política económica sobre o
rendimento de equilíbrio. O maior ou menor impacto pode ser
associado à amplitude dos ciclos económicos; numa economia em
que o multiplicador de base é um valor reduzido, as flutuações
cíclicas serão pouco acentuadas, enquanto que elas serão mais
vincadas caso o valor do multiplicador seja maior (qualquer
intervenção de política fará oscilar o produto num montante maior).

Existem na economia determinadas variáveis que pela sua natureza


desempenham o papel de estabilizadores automáticos, isto é, que
reduzem a amplitude dos ciclos económicos. Um estabilizador
automático possui duas características fundamentais: é uma variável
estratégica que pode ser manipulada pelas autoridades económicas e
é uma das componentes do multiplicador, de modo que a alteração
do seu valor modifica o valor do multiplicador.

Das variáveis que estudámos, assume o papel de estabilizador


automático, de acordo com as propriedades acima descritas, a taxa
de imposto. Considere-se, por exemplo, uma variação positiva nos
gastos do Estado. Quanto maior for a taxa de imposto, maior será o
valor do multiplicador de base, conforme se pode constatar pela
Y 1
simples observação da respectiva expressão:  .
G 1  c(1  t )  m

O efeito de estabilizador automático pode ser percebido a partir da


expressão do multiplicador, mas convém entender a intuição
subjacente, ou seja, perceber porque razão uma maior taxa de
imposto se traduz numa atenuação das flutuações cíclicas na
economia. O processo é o seguinte: ao aumentarem os gastos, por
definição a despesa aumentará, uma maior despesa traduz-se, em
equilíbrio, num crescimento do nível de rendimento, que por sua vez
permite fazer crescer a receita fiscal. Mais impostos reduzem o
rendimento disponível das famílias, o que por seu lado conduz a uma
quebra no nível de consumo privado e, concomitantemente, a uma

48
diminuição dos níveis de despesa e de rendimento, que atenuam o
efeito inicial de aumento do rendimento.

No modelo desenvolvido, a taxa t é o único estabilizador automático


que podemos identificar. Na realidade, não é difícil conceber outras
variáveis com idêntico papel. Se admitíssemos que as transferências
do Estado para as famílias, em vez de serem integralmente
autónomas, estão negativamente relacionadas com o rendimento via
subsídio de desemprego, encontraríamos aqui um segundo
estabilizador automático. O subsídio de desemprego é uma variável
de política económica e caso modelizássemos as transferências como
referido acima, constatar-se-ia que a referida variável estratégica
integraria o multiplicador. De qualquer forma, vamos justificar que o
subsídio de desemprego é um estabilizador automático apenas de
modo intuitivo.

Voltamos a considerar um acréscimo no valor dos gastos do Estado,


com reflexo no aumento do rendimento de equilíbrio. Ao aumentar o
rendimento, reduz-se o desemprego e com este a necessidade de
pagar subsídios de desemprego. No entanto, a redução do montante
de subsídios de desemprego pagos faz diminuir as transferências para
as famílias e, portanto, o rendimento disponível destas; com menor
rendimento disponível, contrai-se o consumo privado, a despesa e,
consequentemente, o rendimento de equilíbrio. Logo, da mesma
forma que a taxa de imposto, o subsídio de desemprego funciona
como estabilizador automático.

A intervenção pública por via da utilização de estabilizadores


automáticos produz então um efeito de estabilização, de modo que
em períodos de recessão o rendimento diminuirá menos do que na
ausência de estabilizadores e em períodos de expansão o rendimento
não aumentará tanto como aumentaria se não houvesse
estabilizadores.

3.h. Função IS

Toda a discussão em torno dos multiplicadores nas secções precedentes assumiu, por
simplificação, que o investimento era autónomo. Reintroduzimos agora a parte induzida do
investimento, de acordo com a qual existe uma relação de sinal contrário entre taxa de juro e
nível de investimento. Considerando a lista completa de equações que formam o nosso modelo
e, também, a equação de investimento na sua versão completa, podemos deduzir uma forma
reduzida que já não é apenas o valor de equilíbrio do rendimento em função de um conjunto

49
de valores autónomos, mas uma relação entre duas variáveis: o rendimento e a taxa de juro. A
expressão assim obtida designa-se função IS ou curva IS,

C  I  G  cT  cTR  X  Z e
Y   i (3.16)
1  c(1  t )  m 1  c(1  t )  m

A curva IS define os pares de valores de rendimento e taxa de juro


que equilibram o mercado de bens e serviços ou mercado real. Esta
curva tem declive negativo e está representada na figura 3.11.

IS

*** Fig. 3.11 – Curva IS ***

A curva IS deslocar-se-á como resultado de uma qualquer medida de


política económica, isto é, em resultado da manipulação de qualquer
uma das variáveis estratégicas já admitidas. Note-se que apenas a
taxa de imposto é uma variável estratégica presente no declive da
relação e, por conseguinte, à excepção desta, todas as outras
variáveis estratégicas quando perturbadas vão provocar deslocações
paralelas na curva IS. Medidas de política expansionistas deslocam a
IS para a direita, porque fazem aumentar o rendimento para cada
valor da taxa de juro e medidas de política contraccionistas farão
deslocar a curva IS para a esquerda porque fazem diminuir o nível de
rendimento para cada valor da taxa de juro. Por exemplo, um
aumento dos gastos, um aumento do investimento autónomo ou uma
diminuição das importações autónomas, correspondem a medidas de
política expansionistas, e portanto farão deslocar, neste caso
paralelamente, a curva IS para a direita.

A amplitude da deslocação da IS pode ser medida no eixo horizontal


tendo em conta quanto é que o rendimento vai variar como resultado
da variação na variável estratégica, de modo que podemos afirmar
que a amplitude de deslocação da IS corresponderá ao produto entre
50
a variação na variável de política económica e o respectivo
multiplicador.

4. Moeda e política monetária

4.a. Definição e funções da moeda

Os mercados onde se transacionam ativos financeiros designam-se


mercados financeiros, os quais são de dois tipos:

 Mercado monetário: mercado onde se transacionam moeda e


títulos de curto prazo. O principal segmento deste mercado é o
mercado monetário interbancário;

 Mercado de capitais: mercado onde se transacionam títulos cujo


prazo de vencimento é superior a um ano (ações, obrigações,
títulos de participação, …). Este mercado está vocacionado para
a concretização de financiamentos e investimentos de médio e
longo prazo. O mercado de capitais subdivide-se em mercado
primário (novas emissões de títulos) e mercado secundário
(transação de títulos previamente emitidos, que ocorre por via
das chamadas bolsas de valores).

Neste capítulo, concentra-se a atenção no funcionamento do mercado


monetário. O mercado de capitais é igualmente importante mas
funciona como complemento do primeiro: a procura de um mercado é
a oferta do outro, uma vez que ao procurar moeda se oferece títulos e
vice-versa. Quando o mercado monetário está em equilíbrio, o
mercado de capitais também o estará.

Como para qualquer mercado, no que toca ao mercado monetário


interessa estudar as forças que determinam procura e oferta,
entender com rigor que tipo de ativo é transaccionado e perceber
como as forças em jogo levam à concretização de transacções.

51
No mercado monetário transaciona-se moeda. A moeda é um ativo
financeiro, ou seja, é uma forma de detenção de riqueza. Em relação
a outros ativos, a moeda possui características próprias, que fazem
com que em determinadas circunstâncias seja vantajoso detê-la e
noutras não tanto.

Para facilitar a compreensão do que é moeda, consideremos que os


agentes económicos (famílias e empresas) podem deter a sua riqueza
sob duas formas: moeda e títulos. A característica distintiva entre
estes ativos é que os segundos são remunerados (rendem um juro ou
um dividendo), enquanto a moeda não (ou, na melhor das hipóteses,
permite aceder a uma taxa de rendimento negligenciável).

No entanto, existe para além da remuneração um segundo parâmetro


que é necessário considerar e que leva a que, em determinadas
circunstâncias, a posse de moeda seja preferível a outros ativos: a
liquidez. A moeda é um ativo líquido, no sentido em que pode ser
utilizada de forma imediata e direta como meio de pagamento. Deste
modo, ao se equacionar o modo como se pretende deter a riqueza,
um trade-of emerge: deter maioritariamente moeda significa
privilegiar a liquidez; deter primordialmente títulos, o que se traduz
numa renúncia a um meio de pagamento líquido durante um
determinado período de tempo, significa que maior importância é
dada à remuneração.

Como já referido, a moeda é o conjunto de ativos financeiros que não


oferece rendimento (ou oferece um juro negligenciável) e que,
simultaneamente, assume o maior possível grau de liquidez. Um
melhor entendimento daquilo que verdadeiramente é passa por uma
breve listagem das suas funções base:

1) Intermediário nas trocas – ao ser um ativo líquido, a moeda


permite, de modo instantâneo, realizar transacções;

2) Reserva de valor – guardar moeda é uma forma de acumular


riqueza, embora como referimos não a mais rentável;

3) Unidade de medida – a moeda permite medir o valor relativo entre


bens, no sentido em que serve para fixar preços;

4) Meio de pagamento futuro – a moeda pode ser guardada para


transacções posteriores.

52
Não é consensual o que se entende por ativo líquido, ou seja, não há
consenso em relação à definição de moeda que será a mais
adequada. Regra geral, os bancos centrais consideram diferentes
agregados monetários (diferentes definições de massa monetária ou
de quantidade nominal de moeda). Os principais agregados
monetários normalmente considerados são os seguintes:

M1 = Circulação monetária (Cm) + Depósitos à ordem (DO)

Por circulação monetária entende-se o conjunto de notas e moedas


disponíveis na economia. Os depósitos à ordem são,
inequivocamente, considerados moeda porque podem ser
automaticamente movimentados no sentido da concretização de
transacções (por cartão de débito, cheque ou transferência bancária)
não oferecendo, por isso, qualquer remuneração substantiva.

M2 = M1 + Depósitos a prazo

O agregado M2 é mais abrangente que M1, no sentido em que inclui


outros depósitos mais bem remunerados e de mais difícil
manipulação imediata. De qualquer modo, dada a facilidade com que
muitos depósitos a prazo são convertíveis em depósitos à ordem, é
legítimo admiti-los numa definição um pouco mais abrangente de
moeda.

M3 = M2 + instrumentos negociáveis / outros depósitos

Por fim, o agregado M3 corresponderá à definição mais ampla de


moeda e terá em consideração outros tipos de depósitos e algumas
classes de títulos com maturidades curtas e que, portanto, podem
com alguma facilidade ser convertíveis no sentido de concretização
de transacções.

Para o que nos interessa em termos de análise do mercado


monetário, é suficiente uma definição que considere uma definição
abstrata de depósitos:

M  Cm  Dep. (4.1)

A análise de estatísticas produzidas por parte dos bancos centrais


permite constatar que, independentemente da definição de moeda,
Cm será sempre uma parcela relativamente pequena do agregado
monetário.

4.b. Procura de moeda

53
Considerando que os agentes económicos não sofrem de ilusão
monetária, interessa-nos a procura real de moeda por parte do sector
privado, famílias e empresas, que todos os dias necessitam de
realizar transacções. O termo ‘real’ indica que o que é relevante nas
decisões dos agentes económicos não é a quantidade de moeda mas
sim o respectivo poder de compra. Definimos procura real de moeda
por L e consideramos que existem dois grandes motivos para
procurar moeda: motivo transacção / precaução e motivo
especulação.

Os motivos transacção e precaução indicam-nos, respectivamente, que as famílias e empresas,


têm despesas planeadas e despesas não planeadas que têm de efectuar e para as quais
necessitam de possuir riqueza sob a forma líquida para as concretizar. Tendo em conta estes
motivos, a procura real de moeda será tanto maior quanto maior for o rendimento dos agentes
económicos. A seguinte função de procura real de moeda por motivos transacção e precaução
é apresentada:

Lt  kY (4.2)

em que k mede a variação da procura real de moeda quando o


rendimento varia uma unidade monetária. Este parâmetro assumirá
valores entre 0 e 1, uma vez que indica qual a percentagem de
acréscimo de rendimento que se concretizará num acréscimo de
moeda procurada (o seu complemento corresponderá ao acréscimo
na procura de títulos).

O outro motivo para a procura real de moeda, o motivo especulação,


conduz-nos de volta ao trade-of entre moeda e títulos. É na Teoria
Geral de Keynes que surge a referência ao motivo especulação,
associado à noção de preferência pela liquidez. A teoria da preferência pela
liquidez sugere que a variável chave para escolher entre deter moeda ou deter títulos é a taxa
de juro. Uma taxa de juro alta torna apelativo estar na posse de títulos porque serão melhor
remunerados. Uma taxa de juro baixa vai levar os agentes económicos a preferir deter moeda
(dada a preferência por liquidez) em alternativa a títulos. Quanto maior a taxa de juro, maior
será o custo de oportunidade de estar na posse de moeda. Assim, do ponto de vista do motivo
especulação, a procura real de moeda será função inversa da taxa de juro,

Ls  h  hi (4.3)

sendo h >0, a parte autónoma da procura real de moeda por motivo


especulação e h>0 a propensão que mede a variação na procura real
de moeda quando a taxa de juro varia um ponto percentual.

Juntando as duas expressões, a função de procura real de moeda pode ser escrita como:

L  kY  h  hi (4.4)

54
4.c. A função LM

No ponto 4.d analisar-se-á com algum pormenor o modo como o


sistema bancário cria moeda. A oferta de moeda tem origem no
funcionamento deste sistema, no qual o banco central tem um papel
determinante. A política monetária seguida pelo banco central é a
grande responsável pela quantidade de moeda oferecida numa
economia.

Como a atuação da autoridade monetária depende


fundamentalmente de decisões de política, a oferta de moeda deverá
ser considerada exógena ou autónoma para efeitos do nosso modelo.

A oferta real de moeda pode representar-se como o quociente entre


massa monetária, que corresponde à oferta nominal de moeda, e o
nível de preços, que no modelo Keynesiano, se considera constante,
uma vez que estamos a adotar uma perspetiva de curto prazo,
M M
 .
P P

A curva LM traduz o equilíbrio no mercado monetário, tendo em conta


o comportamento de procura de moeda e o facto de o banco central
oferecer uma quantidade de moeda que pode fazer alterar de forma
autónoma em relação ao funcionamento do sistema económico.

Para apresentar a curva LM, podemos listar as equações relevantes


para a compreensão do mercado monetário:

M
L : Equação de equilíbrio;
P

L  Lt  Ls : Equação de definição;

Lt  kY : Equação de comportamento;

Ls  h  hi : Equação de comportamento;

M M
 : Equação de comportamento.
P P

A partir da forma estrutural do modelo, como apresentada acima, podemos chegar à forma
reduzida que consiste numa relação de sinal positivo entre a taxa de juro e o rendimento. A
massa monetária, considerado um valor autónomo, será a variável estratégica da relação. Por
substituição sucessiva,

55
1 M h h
Y    i (4.5)
k P k k

Esta é a curva LM ou função LM, que representa o conjunto de pontos


rendimento – taxa de juro que equilibram o mercado monetário. Esta
curva tem declive positivo e a sua representação gráfica será como
apresentada na figura 4.1.

i
LM

*** Fig. 4.1 – Curva LM ***

Considerando, no mercado monetário, a massa monetária como única variável estratégica (e


tomando, por simplificação, um nível de preços igual à unidade), podemos calcular o
multiplicador da massa monetária, o qual mede a variação no rendimento resultante da
variação de uma unidade monetária na massa monetária:

Y 1
 (4.6)
M k

Este multiplicador assume valores superiores à unidade.

A política monetária consistirá, neste contexto, na possibilidade que o


banco central tem de manipular os instrumentos de controlo
monetário que tem à sua disposição (ver secção seguinte) no sentido
de aumentar M (política monetária expansionista) ou no sentido de
diminuir M (política monetária contraccionista). Uma política
monetária expansionista desloca a curva LM para baixo e para a
direita; uma política monetária contraccionista desloca a curva LM
para cima e para a esquerda (figura 4.2).

i
LM
LM’

56
M  0

*** Fig. 4.2 – Deslocação da curva LM (política expansionista)


***

4.d. Condução da política monetária

O objetivo prioritário da política monetária implementada pelo banco


central é a estabilidade de preços. Uma taxa de inflação baixa e
previsível reduz a incerteza, permitindo uma afetação de recursos
mais eficiente por parte de famílias, empresas e instituições
financeiras. O banco central funciona, assim, como o garante da
estabilidade de preços.

Para além da estabilidade de preços, a autoridade monetária pode


também contribuir para a estabilização real da economia no curto
prazo, ou seja, para a atenuação da amplitude dos ciclos económicos,
nomeadamente em fases de recessão. Na perspetiva de curto prazo
que temos vindo a adotar, esta será uma função importante, uma vez
que se está a considerar um período temporal suficientemente curto
para que faça sentido admitir preços constantes.

A primazia do objetivo da estabilidade de preços resulta da evidência


de que a política monetária não pode influenciar de forma duradoura
as variáveis reais, ou seja, não pode produzir efeitos de longo prazo
sobre rendimento e emprego.

O banco central atua com total independência face ao poder político,


no sentido em que, na generalidade das economias, existe completa
separação entre políticas orçamental e monetária.

Normalmente, a política monetária é implementada através de uma


regra, designada por regra de Taylor, de acordo com a qual o banco
central fixa a sua taxa de juro diretora em função da análise que faz
das condições económicas e financeiras relativas ao espaço
geográfico sobre o qual tem jurisdição.

A regra de política adotada toma, regra geral, a seguinte forma,

57
Y Y
i( d )  i( d )  a(   )  b (4.7)
Y

Na expressão (4.7), i(d) representa a taxa de juro diretora do banco


central,  será a taxa de inflação e Y continua a representar o produto
ou rendimento. Os valores com as barras por cima representam, pela
ordem que surgem na equação, a taxa de juro diretora que vigorará
se a inflação e o produto estiverem nos respetivos valores alvo, o
valor alvo da taxa de inflação definido pelo banco central, e o produto
potencial. A diferença entre o produto efetivo e o produto potencial,
dividida por este último, designa-se hiato do produto ou output gap.

A regra de política monetária apresentada destaca dois objetivos:


manter a inflação próximo do valor alvo, que é geralmente uma taxa
positiva mas baixa, e manter o output gap próximo de zero.

Os parâmetros a e b são os parâmetros de política monetária. São


ambos parâmetros de valor positivo. Tipicamente, os bancos centrais
promovem a estabilidade de preços adotando uma política monetária
ativa ou agressiva, o que significa fixar a>1. Nesta circunstância,
sempre que a inflação varia um ponto percentual, o banco central
reage fazendo variar, no mesmo sentido, a taxa de juro diretora em
mais do que um ponto percentual.

A taxa de juro diretora do banco central é, genericamente, a taxa de


juro a que os bancos comerciais podem encetar relações de
empréstimo junto do banco central. É o principal instrumento de
controlo monetário que o banco central tem à sua disposição. A taxa
de juro diretora acaba por servir de referência para a fixação das
taxas de juro praticadas pelos bancos comerciais na sua atividade
junto de famílias e empresas.

De modo geral, pode dizer-se que o banco central tem à sua


disposição os seguintes instrumentos de controlo monetário:

1. Operações de mercado aberto (operações de open-market).


Estas são operações de cedência de liquidez do banco central
aos bancos comerciais, as quais ocorrem com prazos diversos e
assumem designações distintas. De acordo com a informação
disponibilizada pelo Banco Central Europeu, as mais
importantes e frequentes são as chamadas operações principais
de refinanciamento. As restantes tomam as designações de
operações de refinanciamento de prazo alargado, operações
ocasionais de regularização e operações estruturais.

58
2. Facilidades permanentes. As facilidades permanentes permitem
fornecer ou absorver liquidez num prazo de 24 horas. Existem
facilidades permanentes de cedência de liquidez (obtenção de
liquidez por parte dos bancos num prazo overnight) e
facilidades permanentes de depósito (constituição de depósitos
junto do banco central por um prazo overnight).

3. Constituição de reservas mínimas. O banco central pode exigir


que os bancos constituam reservas mínimas (reservas legais ou
obrigatórias).

Existindo estas várias operações pelas quais bancos comerciais e


banco central se relacionam vão também existir várias taxas de juro
de referência ou taxas de juro diretoras. Nomeadamente, podemos
considerar como tal a taxa de juro aplicável às operações principais
de refinanciamento, a taxa de juro da facilidade permanente de
cedência de liquidez e a taxa de juro da facilidade permanente de
depósito, sendo que é à primeira destas que normalmente se associa
a noção de taxa de juro diretora.

Em termos teóricos, e por uma questão de simplificação, assuma-se


que se pode englobar as diversas operações referidas num único tipo
de operações de cedência / absorção de liquidez e considere-se que
estas são concretizadas à taxa de juro diretora que se formalizou, i(d).

Deste modo, interessa para já reter o seguinte: o banco central


analisa as condições da economia, ao nível da evolução dos preços e
do produto e, através da regra de Taylor, decide fixar uma taxa de
juro diretora. Esta será a taxa aplicada às transações financeiras
entre banco central e bancos comerciais. O valor da taxa i(d) vai
condicionar a liquidez do sistema bancário e, por conseguinte, a
criação de moeda.

Esquematicamente, poder-se-á apresentar o funcionamento do


sistema bancário conforme indicado na figura 4.3.

Banco central

Reservas Empréstimos

Bancos comerciais

Depósitos Empréstimos

Famílias / empresas

59
*** Fig. 4.3 – Sistema bancário ***

A taxa de juro de referência envolvida na relação entre banco central


e bancos comerciais é i(d); a taxa de juro de envolvida na relação
entre bancos comerciais e agentes económicos não financeiros é i.
Isto obviamente apesar de as taxas de depósito e empréstimo, serem,
em qualquer dos casos, distintas.

Interessa perceber como a alteração, por parte do banco central, da


taxa de juro diretora vai ter impacto sobre a criação de moeda. Tal
acontece por intermédio daquilo a que se pode chamar o mecanismo
de transmissão da política monetária.

Ao manipular a taxa de juro diretora, o banco central injeta liquidez


ou absorve liquidez do sistema financeiro, exercendo assim influência
sobre a parcela da moeda que está sob o seu controlo, que é a moeda
primária ou base monetária. A base monetária define-se como:

H  Cm  R (4.8)

As variáveis Cm e R, representam, respetivamente, a circulação


monetária e as reservas que os bancos detêm junto do banco central.
A diferença entre a moeda e a base monetária corresponderá ao
crédito que os bancos estão em condições de conceder: Crédito =
Depósitos – Reservas.

Os bancos necessitam de deter base monetária porque são obrigados


a possuir reservas mínimas e porque precisam de deter circulação
para fazer face aos levantamentos. Existem dois tipos de reservas: as
reservas mínimas, legais ou obrigatórias, que são impostas pelo
banco central, e as reservas livres, facultativas ou voluntárias, que os
bancos definem em função das condições de mercado e do nível de
prudência que escolhem adotar.

A atividade principal dos bancos comerciais é bem conhecida:


recolhem fundos dos depositantes e concedem empréstimos aos seus
clientes, ou seja, têm a função de intermediários financeiros. Na
prática, os bancos procedem a uma transformação de maturidade, no
sentido em que transformam depósitos de curto prazo em
empréstimos de longo prazo. Este é claramente um negócio com
risco; apesar de os bancos estarem obrigados a converter os
depósitos em circulação se assim for exigido pelos clientes, uma
parte significativa do que foi depositado está emprestada a terceiros.

60
Uma eventual corrida aos levantamentos causará problemas, uma
vez que uma parte importante da moeda existente sob a forma de
depósitos não se encontra parada no banco porque foi objeto de
concessão de crédito. Este risco implica que a atividade dos bancos
esteja sujeita a uma regulação e supervisão severas por parte da
autoridade monetária. Este risco justifica a razão pela qual parte dos
depósitos permanece nos bancos comerciais sob a forma de reservas.

As reservas podem ser medidas em termos relativos, através da taxa de reservas:

R
r (4.9)
Dep.

Para compreender o processo de criação de moeda, defina-se o


coeficiente circulação-depósitos, que traduz a relação entre circulação
monetária e depósitos: cd=Cm/Dep. Tendo presente este coeficiente e
a taxa de reservas, pode apresentar-se da seguinte forma o quociente
entre massa monetária e base monetária, tendo em conta as
respetivas definições,

M Cm  Dep. cd  1
  (4.10)
H Cm  R cd  r

De onde resulta o multiplicador da base monetária,

M cd  1
 1 (4.11)
H cd  r

O multiplicador da base monetária mede a variação da massa


monetária quando a base monetária varia 1 u.m. Se o banco central
modificar a taxa de juro diretora, fazendo aumentar a base monetária
em 1 u.m., a oferta nominal de moeda aumenta mais do que 1 u.m. O
sistema bancário cria, assim moeda através do efeito multiplicador.

Os determinantes do valor do multiplicador da base monetária, são os


coeficientes que estão presentes nas respetivas expressões, ou seja,

1. cd: quanto maior o coeficiente circulação-depósitos, menor o


multiplicador da base monetária;

2. r: quanto maior a taxa de reservas, menor o valor do


multiplicador da base monetária.

Em síntese, poder-se-á descrever o papel da autoridade monetária na


criação de moeda da seguinte forma:

 Se o banco central aumentar a taxa de juro diretora, dificulta o


acesso a liquidez por parte dos bancos, e isso faz diminuir a

61
quantidade de moeda primária ou base monetária existente no
sistema bancário. Em consequência, a quantidade de moeda
também diminuirá, via multiplicador da base monetária.
Recuperando a função LM, o nível de rendimento variará, neste
caso, negativamente, e a curva LM deslocar-se-á para a
esquerda. Temos nesta circunstância uma política monetária
contracionista;

 Se o banco central diminuir a taxa de juro diretora, facilita o


acesso a liquidez por parte dos bancos, e isso faz aumentar a
quantidade de moeda primária ou base monetária existente no
sistema bancário. Em consequência, a quantidade de moeda
também aumentará, via multiplicador da base monetária.
Recuperando a função LM, o nível de rendimento variará, neste
caso, positivamente, e a curva LM deslocar-se-á para a direita.
Temos nesta circunstância uma política monetária
expansionista.

5. Equilíbrio macroeconómico de curto prazo

Neste capítulo, começamos por analisar o equilíbrio macroeconómico


que resulta da consideração simultânea do equilíbrio no mercado de
bens e serviços e do equilíbrio no mercado monetário. No caso do
mercado real, foi deduzida a curva IS; no caso do mercado monetário,
a curva LM. A análise das relações entre as referidas curvas permite
entender como se formam os valores de equilíbrio de rendimento e
taxa de juro; possibilita também ir um pouco mais ao pormenor no
entendimento de qual o impacto da variação numa dada variável
estratégica sobre o nível de rendimento e das outras variáveis
objectivo. O impacto de dada medida de política económica vai
depender da posição relativa das curvas consideradas,

62
nomeadamente daquela que representa o equilíbrio no mercado
monetário.

O modelo IS / LM parte do pressuposto Keynesiano de rigidez de


preços no curto prazo. Na realidade, o nível de preços é considerado
constante no contexto até agora admitido. Uma análise mais
aprofundada da realidade macro pode ser conseguida a partir do
momento em que relaxamos o referido pressuposto, o que significa
também entender que o nível de rendimento de equilíbrio
anteriormente definido serve para estabelecer uma relação de
procura agregada, em que o nível de rendimento se encontra
negativamente relacionada com o nível de preços. Agora, para
estudar o equilíbrio macroeconómico torna-se necessário olhar
também para o lado da oferta da economia, nomeadamente para os
mercados de factores produtivos ou, em particular, para o mercado
de trabalho. Daqui resultará uma curva da oferta agregada que
descreve uma relação entre rendimento e preços que, a menos que a
economia se encontre em situação de pleno emprego, será de
idêntico sinal.

A relação procura agregada – oferta agregada (AD-AS) permite


explicar por que razão, em circunstâncias diferentes, a subida
generalizada dos preços (a inflação) pode ter impactos diferentes
sobre rendimento e emprego.

5.a. O equilíbrio IS-LM

Recuperemos as funções IS e LM dos capítulos anteriores:

C  I  G  cT  cTR  X  Z e
Y   i (5.1)
1  c(1  t )  m 1  c(1  t )  m

1 M h h
Y    i (5.2)
k P k k

Recorde-se que estas funções sintetizam um conjunto relativamente


grande de informação sobre o funcionamento dos mercados real e
monetário. Da conjugação das duas expressões resulta um único
ponto de equilíbrio, ou seja, um par de valores rendimento e taxa de
juro que equilibra simultaneamente os mercados real e monetário.

63
Algum cálculo permite chegar ao seguinte valor para o rendimento de
equilíbrio:

C  I  G  cT  cTr  X  Z e/h M
Y   
1  c(1  t )  m  ek / h 1  c(1  t )  m  ek / h P
(5.3)
eh / h

1  c(1  t )  m  ek / h

Graficamente, o nível de rendimento (5.3) será o que se obtém por


intersecção da curva positivamente inclinada, a LM, com a curva de
declive negativo, a IS, de acordo com o apresentado na figura 5.1.

i
LM

ie

IS

Ye Y

*** Fig. 5.1 – Equilíbrio IS-LM ***

Recordamos o papel de cada variável neste modelo:

- São variáveis objectivo o rendimento, o saldo orçamental e o saldo


da balança corrente;

- São variáveis estratégicas a taxa de imposto e os valores


autónomos do investimento, dos gastos, dos impostos, das
transferências, das exportações e das importações, bem como o valor
autónomo da massa monetária, que corresponde a uma variável de
política monetária.

- A taxa de juro é a variável que faz a ligação entre os mercados real


e monetário. Recorde-se que no mercado monetário ela determina a
procura de moeda por motivo especulação e no mercado real tem
influência directa sobre o nível de investimento.

As alterações ao ponto de equilíbrio vão ser resultado da deslocação


de cada uma das curvas. Uma política orçamental expansionista vai
64
deslocar a curva IS para a direita o que, ceteris paribus, faz aumentar
o rendimento de equilíbrio levando também a uma variação positiva
na taxa de juro de equilíbrio. Uma política orçamental contraccionista
terá o impacto contrário. No caso de uma política monetária
expansionista, a curva LM desloca-se para a direita o que, ceteris
paribus, significa uma alteração do ponto de equilíbrio que se traduz
num aumento do rendimento e numa diminuição da taxa de juro. Uma
medida de política monetária contraccionista provocará uma
perturbação de sentido contrário ao descrito nos valores de equilíbrio.

Consideremos uma situação concreta; por exemplo, um aumento nos


gastos do Estado: G  0 . Esta situação encontra-se representada na
figura 5.2.

i
LM
G  0

IS’

IS

*** Fig. 5.2 – Política expansionista no modelo IS-LM ***

A distância entre o nível de rendimento de equilíbrio e o rendimento


correspondente à taxa de juro de equilíbrio inicial (isto é, a distância,
medida no eixo horizontal, entre as duas curvas IS), corresponde ao
produto entre o multiplicador já apresentado no cap. 3 e a variação
nos gastos que se está a considerar. No entanto, agora precisaremos
de outros multiplicadores que não apenas aqueles que medem a
distância entre a mesma curva quando esta se desloca. O nosso
interesse vai agora para a distância entre os dois valores de
equilíbrio, e para medir esta distância é necessário o cálculo de
outros multiplicadores, que podem ser directamente retirados da
expressão do rendimento de equilíbrio em (5.3).

No caso concreto dos gastos, o multiplicador que permite medir a diferença entre os níveis de
rendimento pré e pós implementação de medida de política será:
65
Y 1
 (5.4)
G 1  c (1  t )  m  ek / h

1 1
Como não poderia deixar de ser,  ,
1  c(1  t )  m  ek / h 1  c(1  t )  m
uma vez que, como se depreende do gráfico na figura 5.2, a distância
entre equilíbrios é inferior à distância entre curvas IS. O multiplicador
de base continua a ser superior à unidade, mas é inferior ao que
encontramos por análise exclusiva do mercado real.

Como no caso do mercado real, e tendo em conta expressão do


rendimento em (5.3), não é difícil encontrar o valor dos restantes
multiplicadores no modelo IS-LM. O multiplicador dos gastos é
também o multiplicador do investimento autónomo e das exportações
autónomas. Os multiplicadores dos valores autónomos de impostos,
transferências e importações serão, respectivamente,

Y c
 ;
T 1  c(1  t )  m  ek / h

Y c
 ;
TR 1  c (1  t )  m  ek / h

Y 1
 .
Z 1  c (1  t )  m  ek / h

Quanto ao multiplicador da massa monetária, este poderá também


ser obtido a partir da expressão (5.3) e é dado por:

Y e/h
 (5.5)
 M 1  c(1  t )  m  ek / h

Este multiplicador permite medir a distância entre um determinado


nível de rendimento de equilíbrio e o nível de rendimento de equilíbrio
após ter ocorrido uma variação da massa monetária, que terá mexido
com a posição da curva LM. A expressão em (5.5) pode ser
rearranjada para comparação com o multiplicador monetário só do
mercado monetário, isto é, aquele que possibilita conhecer a
distância, avaliada em níveis de rendimento, entre duas LM; sendo
1
essa expressão igual a
1  c(1  t )  m h  k , é instantâneo verificar,
e
como não poderia deixar de ser, que este multiplicador é inferior ao
66
Y 1
valor  encontrado por avaliação exclusiva do mercado
M k
monetário.

Os multiplicadores deduzidos por avaliação do modelo IS-LM podem


estender-se às restantes variáveis objectivo (saldo orçamental e saldo
da balança corrente), numa lógica idêntica à que se verificou existir
no cap. 3. O que foi então dito sobre efeitos directo e indirecto de
alteração do valor das variáveis estratégicas e sobre
incompatibilidades entre variáveis objectivo continua a ser válido,
embora em termos quantitativos tenhamos diferentes valores de
multiplicadores. Em relação ao estudo que então se desenvolveu,
faltará apenas acrescentar que a política monetária não provocará
qualquer incompatibilidade entre as variáveis rendimento e saldo
orçamental. Uma política monetária expansionista (uma medida de
política que se traduza no aumento da massa monetária) faz
aumentar o rendimento e, dado o maior nível de cobrança de
impostos, também contribui para uma melhoria do saldo orçamental.
No entanto, a incompatibilidade vai existir ao nível da balança
corrente porque mais rendimento implicará um aumento das
importações e consequente deterioração do saldo da balança
corrente.

Regra geral, a nossa análise continuará a ser uma análise ceteris


paribus, isto é, consideraremos a variação no valor de uma variável
estratégica de cada vez, deixando por esta via claro se é o governo
que está a intervir na economia (através de uma política orçamental
ou de qualquer medida de política que influencie investimento,
exportações ou importações) ou se é o banco central que, através da
política monetária, faz alterar o equilíbrio macroeconómico vigente.
No entanto, podemos conceber, como exercício, uma coordenação de
políticas de tal forma que a uma política expansionista por parte do
governo, o banco central responde também com uma política
expansionista, de tal forma que o rendimento aumenta mas a taxa de
juro acaba, no final do processo, por retomar o valor de equilíbrio
inicial. A esta resposta por parte da autoridade monetária poderá dar-
se o nome de política de acomodação. Numa política de acomodação,
a IS e a LM vão percorrer exactamente a mesma distância, donde
será possível calcular a necessária alteração de montante na massa
monetária para que a política descrita se concretize. Em termos
analíticos, a política de acomodação implica que a variação do
1
rendimento seja simultaneamente: Y  G (no caso de a
1  c (1  t )  m
política no mercado real consistir numa variação dos gastos) e
67
1
Y   M . A figura 5.3 ilustra a situação e permite uma melhor
k
compreensão dos argumentos apresentados.

i
LM

LM’

IS’

IS

*** Fig. 5.3 – Política económica de acomodação ***

5.b. Eficácia da política económica. Armadilha da liquidez e


efeito crowding-out

O esquema IS-LM permite aferir qual o grau de eficácia das políticas


orçamental e monetária. Uma qualquer política diz-se eficaz se
provoca uma variação no nível de rendimento. Ela será totalmente
eficaz se só faz alterar o nível de rendimento, sem que daí resulte
qualquer variação na taxa de juro e terá eficácia nula se apesar de
adoptada a política o rendimento não varia. Para entender qual a
eficácia de cada um dos tipos de política, consideramos dois casos
limite: aquele em que a função LM é uma recta vertical (caso
neoclássico ou monetarista) e aquele em que a curva LM é uma recta
horizontal (caso que designamos por situação de armadilha da
liquidez).
68
O caso de armadilha da liquidez refere-se a uma situação de fraco
desempenho da economia (rendimento efectivo afastado do pleno
emprego), na qual a taxa de juro desce para valores muito baixos e o
motivo especulação para a procura de moeda deixa de fazer sentido
(a taxa de juro é de tal forma baixa que deixa de funcionar como
critério de escolha de detenção de diferentes tipos de ativos). Num
período de recessão como o descrito, sendo a taxa de juro constante
num determinado valor reduzido, a LM assume uma posição
horizontal, o que permite perceber qual a eficácia de diferentes tipos
de política, nomeadamente da política orçamental.

A figura 5.4 ilustra a situação de armadilha da liquidez e permite


compreender o que acontece quando uma política orçamental
expansionista é adotada. A deslocação da curva IS para a direita
indica que a taxa de juro se mantém e que o rendimento aumenta, ou
seja, no caso de armadilha da liquidez a política orçamental é
totalmente eficaz. Em contrapartida, a política monetária será
completamente ineficaz, no sentido em que uma variação na massa
monetária não faz deslocar a curva LM.

LM

IS’
IS

*** Fig. 5.4 – Armadilha da Liquidez ***

O caso neoclássico corresponderá à situação de pleno emprego.


Neste caso, apenas os motivos transacção e precaução para a
procura real de moeda são considerados e, em consequência, a LM é
1 M
vertical. Em concreto, a sua expressão será Y  . A representação
k P
gráfica permite-nos perceber de imediato qual o nível de eficácia das
69
diferentes políticas. Na figura 5.5, a adopção de uma política
orçamental expansionista revela que esta é completamente ineficaz:
a IS desloca-se para a direita, mas como a curva LM é vertical o efeito
sobre o rendimento de equilíbrio é nulo. No caso da política
monetária, basta olhar para a expressão da LM neste caso para
verificar que ela se deslocará paralelamente para a direita e portanto
a política monetária será eficaz.

LM
i

IS’
IS

*** Fig. 5.5 – Ineficácia da política orçamental no caso


neoclássico ***

A política orçamental é ineficaz no caso neoclássico porque se verifica


um efeito crowding-out total. Este efeito traduz o trade-of que existe
entre esferas pública e privada na presença de pleno emprego.
Suponha que a deslocação da curva IS na figura 5.5 é resultado de
um aumento dos gastos do Estado. Esta política orçamental
expansionista faz aumentar a taxa de juro de equilíbrio, o que por sua
vez faz reduzir o investimento no exacto montante em que os gastos
aumentaram, ou seja, o efeito expansionista da política é
completamente anulado pela quebra no investimento e a política
orçamental revela-se completamente ineficaz, no sentido em que o
nível de rendimento não se modifica.

Na prática, não existirá uma curva LM horizontal, uma curva LM com


declive positivo e uma curva LM vertical; estas serão vários
segmentos de uma mesma curva LM que é, numa primeira fase em
que o rendimento é baixo, horizontal, que entretanto se torna
positivamente inclinada, chegando à forma vertical quando atingimos
o nível de rendimento de pleno emprego. A curva IS pode intersectar

70
a curva LM em qualquer uma destas três zonas, dependendo do
momento do ciclo económico que está a ser considerado.

Em recessão, na zona da armadilha da liquidez, o efeito crowding-out


é nulo e portanto qualquer política orçamental produz o efeito
pretendido sobre o rendimento; em pleno emprego, o efeito
crowding-out é total, o que é o mesmo que dizer que a política
orçamental não produz resultados ao nível da expansão do produto.
Se a LM tem declive positivo, teremos uma situação de crowding-out
parcial que será tanto mais acentuado quanto mais próximo da
vertical estiver a LM. Na situação de crowding-out parcial, a
intervenção pública provoca um efeito penalizador sobre o
investimento, por via do aumento da taxa de juro de equilíbrio, mas
que não é tão penalizador ao ponto de eliminar completamente o
efeito expansionista da política.

Os argumentos acima apresentados fornecem-nos um breve manual


de como a política económica deve ser gerida. Em particular, é
importante compreender que a política orçamental pode ser um
instrumento fundamental para ajudar a economia a sair de situações
de fraco crescimento, mas que nenhum benefício macroeconómico
trará, em princípio, para economias que se encontrem próximas da
situação de pleno emprego.

5.c. Procura agregada

A interpretação Keynesiana do sistema macroeconómico, que se pode


sintetizar no modelo IS-LM, é uma interpretação que se concentra no
lado da procura. Efetivamente, os mercados real e monetário são
mercados que permitem obter o nível de rendimento que traduz a
procura macroeconómica. A curva da procura agregada (AD) que
iremos agora admitir integra a informação já coligida a propósito dos
mercados real e monetário.

Estudar a procura agregada implica abandonar a hipótese de preços


fixos e considerar o nível de rendimento de equilíbrio em (5.3) para
preços variáveis,

71
C  I  G  cT  cTr  X  Z e/h M
Y   
1  c(1  t )  m  ek / h 1  c(1  t )  m  ek / h P
(5.6)
eh / h

1  c(1  t )  m  ek / h

Todas as variáveis consideradas são valores reais, excepto a massa


monetária, e por isso será apenas associada a essa variável que
surge o nível de preços. Como se constata, a relação é de sinal
contrário, e não será linear. A curva AD representa as combinações
rendimento - índice de preços que equilibram em simultâneo os
mercados real e monetário.

Como qualquer curva da procura, a curva AD indica que quando os


preços aumentam, o rendimento diminui e vice-versa. Aqui,
especificamente, a intuição será a seguinte: um maior nível de preços
provocará uma redução da oferta real de moeda e,
concomitantemente, um aumento da taxa de juro, o que significará
uma quebra do investimento e, em consequência, também uma
redução do rendimento.

A figura 5.6 apresenta a curva AD, sendo esta deduzida a partir do


esquema IS-LM. Consideramos um determinado valor de rendimento
de equilíbrio, a este nível de rendimento corresponde um dado nível
de preços. Se aumentarmos o nível de preços, a oferta real de moeda
diminui e, por conseguinte, a curva LM desloca-se para a esquerda,
indo formar um novo ponto de equilíbrio em que a taxa de juro é mais
elevada e o rendimento menor. Portanto, o aumento de preços traduz-
se efectivamente em menor rendimento e cada ponto da curva AD
reflete o equilíbrio IS-LM para cada possível nível de preços.

72
i
LM’
LM

i1
i0

IS

Y1 Y0 Y

P1
AD
P0

Y1 Y0 Y

*** Fig. 5.6 – Das curvas IS e LM à curva de procura agregada


***

A curva da procura agregada deslocar-se-á para a direita em função


de qualquer política de natureza expansionista (o rendimento
aumentará para qualquer nível de preços). A deslocação da curva AD
provocada por variação do valor de qualquer variável estratégica no
mercado real é paralela. No caso de se considerar a LM, a deslocação
da AD em virtude de uma medida de política monetária será não
paralela, de acordo com a expressão (5.6).

5.d. Mercado de trabalho e oferta agregada

73
No que respeita à oferta agregada, a curva AS representará os pares
de valores rendimento - nível de preços que equilibram os mercados
de fatores produtivos, isto é, os mercados de trabalho, capital e
tecnologia. Vamos supor que os níveis de capital e tecnologia são
constantes e centramos atenção no mercado de trabalho. No mercado
de trabalho transaccionam-se horas de trabalho, donde a oferta de
trabalho é concretizada por aqueles que podem fornecer tais horas ao
processo produtivo: as famílias. Quanto à procura de trabalho, esta é
realizada pelas empresas que necessitarão de mão-de-obra para
poderem produzir.

Quer a procura quer a oferta de trabalho respondem a incentivos.


Comecemos por avaliar as decisões das empresas no que concerne à
procura de trabalho. As empresas pretendem maximizar o lucro e, por
conseguinte, têm de ponderar custos e benefícios da contratação de
trabalhadores adicionais. Admite-se que os custos por trabalhador são
constantes; quanto à sua produtividade, devemos aqui ter em
consideração uma das leis mais básicas da economia, de acordo com
a qual a produtividade marginal do trabalho é tipicamente
decrescente, isto é, cada trabalhador adicional permite acrescentar
valor à produção, mas o valor adicional ou marginal será
progressivamente menor. Sob o pressuposto de produtividade
marginal decrescente, as empresas só terão vantagem em contratar
trabalhadores adicionais a um salário progressivamente menor e,
portanto, a curva de procura de trabalho terá declive negativo: para
salários mais altos, a procura de trabalho por parte das empresas é
menor.

Quanto às decisões de oferta de trabalho por parte das famílias, estas


radicam na opção fundamental que elas fazem no sentido de
maximizar a sua utilidade. Essencialmente, as famílias retiram
utilidade de duas grandezas: consumo e lazer. Estas duas variáveis
envolvem um trade-of: para consumir mais, é necessário ter acesso
a maior nível de rendimento, o que só se consegue afectando uma
maior parcela do tempo disponível a trabalho; para ter mais tempo de
lazer, ter-se-á de reduzir o número de horas de trabalho. Mais uma
vez, os agentes económicos responderão a incentivos: maior salário
significa maior remuneração pelo tempo de trabalho e portanto um
incentivo para trocar horas de lazer por horas de trabalho. Se o
salário é baixo, as famílias conseguem manter mais elevados níveis
de utilidade através de mais tempo de lazer. A nível agregado, esta
lógica indica que quanto maior for o nível de salário, maior será a
oferta de trabalho (no entanto, a nível individual é possível encontrar
excepções no que toca a este argumento: um indivíduo com um
74
salário elevado pode não encontrar qualquer vantagem em aumentar
o número de horas de trabalho se o respectivo salário aumentar, uma
vez que ele retira utilidade das duas variáveis admitidas – consumo e
lazer – e não terá vantagem em aumentar indefinidamente as
possibilidades de consumo se isso significa abdicar por completo do
lazer).

A figura 5.7 mostra o equilíbrio no mercado de trabalho. O número de


horas de trabalho da economia (N) e o salário médio (w) obtêm-se por
intersecção das curvas de procura e oferta de trabalho que, como em
qualquer outro mercado, são, respectivamente, negativa e
positivamente inclinadas.

w
Ns

we

Nd

Ne N

*** Fig. 5.7 – Equilíbrio no mercado de trabalho ***

Também no mercado de trabalho podemos distinguir entre as


interpretações neoclássica e Keynesiana da macroeconomia. Em
particular, no que respeita à oferta de trabalho, podemos afirmar que,
numa interpretação neoclássica, os trabalhadores não sofrem de
ilusão monetária. Isto significa que eles reagem ao salário real e não
ao salário nominal. O que interessa é o poder de compra do salário e

75
não o valor monetário recebido como remuneração pelo trabalho.
Quanto à visão Keynesiana, admite-se que, pelo menos em parte, os
trabalhadores estão sujeitos a ilusão monetária, ou seja, levam em
consideração o salário recebido sem terem em conta a evolução dos
preços na economia. Esta diferença de interpretações é decisiva no
que toca à forma que a curva de oferta agregada vai tomar.

Admita primeiro a situação neoclássica de ausência de ilusão


monetária e considere que o nível de preços aumenta. Neste caso, as
empresas vão querer produzir mais, porque vão poder vender mais
caro; para tal necessitam de mais trabalhadores, donde a procura de
trabalho aumentará. Todavia, o aumento dos preços reduz o salário
real e os trabalhadores deixam de ter incentivo para oferecer uma tão
grande quantidade de horas de trabalho; a oferta de trabalho contrai-
se. A figura 5.8 indica que, neste caso, o salário nominal de equilíbrio
vai aumentar, mas a quantidade de trabalho de equilíbrio mantém-se
(o salário real de equilíbrio também se manterá). Com um mesmo
número de horas de trabalho empregues, e dado que se considera
que os outros factores produtivos se mantêm num valor constante, o
nível de rendimento gerado não se alterará.

Assim, na ausência de ilusão monetária, o aumento do nível de


preços, que despoletou as reacções que caracterizámos, não provoca
qualquer alteração no valor do rendimento. Estamos, neste caso, a
fazer referência ao nível de rendimento potencial ou de pleno
emprego, uma vez que está em causa uma interpretação de natureza
neoclássica em que os recursos são empregues com um máximo de
eficiência. Adicionamos assim mais um dado à nossa análise
macroeconómica: uma economia em pleno emprego é
necessariamente uma economia em que os agentes económicos não
sofrem de ilusão monetária. A figura 5.9 representa a curva de oferta
agregada (AS) no caso neoclássico, em que esta é simplesmente uma
recta vertical no referencial (Y,P) ao nível do rendimento de pleno
emprego.
N s’
w
Ns

Nd’
Nd

76
Ne N

*** Fig. 5.8 – Funcionamento do mercado de trabalho na


ausência de ilusão monetária ***

P AS

Ype Y

*** Fig. 5.9 – Curva AS na ausência de ilusão monetária (caso


neoclássico) ***

Suponha-se agora que os trabalhadores sofrem de ilusão monetária.


Neste caso, um aumento do nível geral de preços fará, como antes,
aumentar a procura de trabalho, mas não provoca qualquer alteração
na oferta de trabalho, uma vez que os trabalhadores não vão
interpretar essa subida de preços como algo que reduz o poder de
compra do seu salário, não manifestando por essa via um interesse
em trocar tempo de trabalho por tempo de lazer. Como resultado, o
ponto de equilíbrio no mercado de trabalho deslocar-se-á de tal forma
que o salário nominal de equilíbrio aumenta e o número de horas de
trabalho de equilíbrio também aumenta (figura 5.10).

w
Ns

Nd’

77 Nd
N

*** Fig. 5.10 - Funcionamento do mercado de trabalho na


presença de ilusão monetária ***

De acordo com a lógica anterior, a interpretação Keynesiana do


funcionamento do mercado de trabalho é tal que um aumento do
nível de preços produz um aumento do número de horas trabalhadas
e, consequentemente, um aumento do valor do rendimento. A curva
AS neste caso terá declive positivo, e estaremos localizados na parte
da curva que se encontra para a esquerda do nível de rendimento de
pleno emprego.

Na prática, podemos considerar uma única curva de oferta agregada,


com dois segmentos: um segmento com declive positivo, que traduz
a situação de rendimento abaixo do pleno emprego e ilusão
monetária, e um segmento vertical, que corresponde à situação de
pleno emprego e não existência de ilusão monetária por parte dos
trabalhadores (figura 5.11).

P AS

Ype Y

*** Fig. 5.11 – Curva AS com dois segmentos ***

A curva AS poderá deslocar-se para a esquerda ou para a direita em


função de quaisquer terceiros factores que afectem a relação de
oferta entre rendimento e preços. Consideramos três determinantes
da oferta agregada, que poderão levar às referidas deslocações.
Primeiro, a tecnologia; o progresso técnico fará deslocar a curva AS
para a direita, no sentido em que fará aumentar o rendimento para
cada nível de preços. A curva AS deslocar-se-á no seu conjunto uma
78
vez que a inovação não só aumenta o nível de rendimento como
amplia a fronteira de possibilidades de produção, isto é, permite
deslocar o valor do rendimento potencial para a direita (figura 5.12).

P AS AS’

Ype Ype’ Y

*** Fig. 5.12 – Deslocação da curva AS em virtude de


progresso técnico ***

Um segundo factor a poder deslocar a AS corresponde aos custos de


produção. Se, por exemplo, o custo do capital ou o custo com o factor
trabalho aumentarem, isso fará deslocar a curva AS para a esquerda
(para cada nível de preços, a economia será capaz de produzir um
menor nível de rendimento). No entanto, maiores custos de produção
não alteram o potencial produtivo da economia, de modo que apenas
se desloca a parte da curva AS que não é vertical, conforme se pode
observar no gráfico da figura 5.13. Obviamente, se os custos de
produção diminuírem, o sentido de deslocação da curva AS será o
contrário, ou seja, a direita.

AS1

AS0

Ype Y

*** Fig. 5.13 – Deslocação da curva AS em virtude de um


aumento nos custos de produção ***
79
Consideramos ainda um terceiro determinante da curva AS: a
preferência que os trabalhadores revelam entre tempo de trabalho e
tempo de lazer. Se, ceteris paribus, a preferência trabalho-lazer se
desloca, em termos agregados, a favor do trabalho, produzir-se-á
mais para cada nível de preços, donde a curva AS se desloca para a
direita (apenas a parte com declive positivo, já que à partida o
produto potencial se mantém). Se é a preferência relativa por lazer
que aumenta, reduzem-se o número de horas de trabalho e o
rendimento diminui para cada nível de preços (efeito idêntico ao
evidenciado na figura 5.13).

5.e. O equilíbrio AD-AS. Inflação pela procura e inflação pelos


custos

Tendo caracterizado a procura agregada e a oferta agregada, resta-


nos considerar as duas em simultâneo no sentido de determinar um
ponto de equilíbrio. Por intersecção das curvas AD e AS encontra-se
um valor de rendimento e um nível de preços que representam o
equilíbrio simultâneo dos mercados real, monetário e de trabalho
(figura 5.14).

P AS

AD

Ype Y

*** Fig. 5.14 – Equilíbrio AD-AS ***

O diagrama AD-AS acima caracterizado permite-nos dar algumas


respostas sobre o fenómeno da inflação (da subida contínua e
generalizada dos preços). Nomeadamente, podemos constatar que
existem dois possíveis tipos de causas para a inflação: aquelas que
resultam na deslocação da curva AD e aquelas que levam à

80
deslocação da curva AS. Assim, teremos inflação pela procura quando
qualquer política expansionista provoca a deslocação da curva AD
para a direita; por outro lado, designa-se inflação pelos custos a que é
resultado do movimento da curva AS para a esquerda. As figuras 5.15
e 5.16 ilustram ambos os casos.

P AS

AD’

AD

Ype Y

*** Fig. 5.15 – Inflação pela procura ***

AS’ AD

AS
Ype Y

*** Fig. 5.16 – Inflação pelos custos ***

A inflação pela procura resulta da deslocação da AD para a direita, o


que pode ser resultado de qualquer política expansionista no mercado
real ou no mercado monetário. As consequências deste tipo de
políticas encontram-se na alteração do ponto de equilíbrio: não só há
inflação (aumento do nível de preços) mas também um aumento do
81
rendimento (e portanto também do emprego). Assim, um efeito
perverso das políticas expansionistas que permitem reduzir a taxa de
desemprego no curto prazo, é que tais medidas geram também
inflação.

Se a inflação pela procura ocorre em simultâneo com uma expansão


do rendimento, então torna-se possível ligar inflação e as variáveis
objectivo saldo orçamental e saldo da balança corrente, de acordo
com o raciocínio apresentado em situações anteriores.
Nomeadamente, se a inflação é gerada por uma política orçamental
expansionista (aumento dos gastos ou das transferências, diminuição
dos impostos autónomos ou da taxa de imposto), é sabido que esta
para além de um aumento do rendimento implica igualmente uma
diminuição nos valores do saldo orçamental e do saldo da balança
corrente. Se a inflação pela procura é resultado de um aumento no
valor das exportações autónomas ou de uma diminuição do valor das
importações autónomas, então não existe qualquer incompatibilidade
entre variáveis objectivo e, portanto, saldo orçamental e saldo da
balança corrente vão melhorar. Se estiver em causa um aumento do
investimento autónomo ou uma política monetária expansionista,
sendo que ambas provocam inflação, o saldo orçamental vai variar no
sentido positivo e o saldo da balança corrente vai deteriorar-se.

Quanto à inflação pelos custos, esta é resultado de qualquer


alteração no sistema económico que implique a deslocação da curva
de oferta agregada para a esquerda. Como retrocessos tecnológicos
são raros e não se deverá esperar que as preferências trabalho-lazer
se alterem com frequência, faz sentido que a inflação por esta via
seja essencialmente resultado do aumento dos custos de produção,
daí a designação inflação pelos custos. Como podemos verificar na
figura 5.16, a deslocação da curva AS para a esquerda faz aumentar
os preços (gera inflação) e reduz o nível de rendimento. Portanto, na
presença de inflação pelos custos, encontramos dois efeitos nocivos
em simultâneo: o crescimento positivo do nível geral de preços e o
aumento da taxa de desemprego (consequência do menor nível de
rendimento).

Se o rendimento diminui em virtude do aumento dos custos de


produção, menos receitas de impostos serão cobradas (o saldo
orçamental vai sofrer uma variação negativa) e menos a economia
importará (o saldo da balança corrente vai melhorar). Assim, a
inflação pelos custos está sempre associada a uma diminuição do
rendimento, a uma redução do saldo orçamental e a um aumento do
valor do saldo da balança corrente.
82
83

Você também pode gostar