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Païssy Velitchkovsky

O Pergaminho: Seis Capítulos sobre a


Oração Mental

http://precedejesus1.blogspot.com
Tradução: Tito Kehl
Tradução para o francês de Claude Lopez-Ginisty a partir da versão inglesa:
THE SCROLL: SIX CHAPTERS ON MENTAL PRAYER
by Our Father of Blessed Memory [saint] STARETZ PAISIUS VELITCHKOVSKY
Orthodox Word - Saint Herman of Alaska Brotherhood, Platina, California, USA 1972

PREFÁCIO

Foi-me dito, a mim, o último dentre os últimos, que alguns monges ousaram blasfemar
contra a Prece de jesus, criada por Deus, para sempre memorável e divina, cumprida
pelo intelecto dentro do coração. Esses monges fundamentam seu falatório sobre o areal
da vã sabedoria, sem nenhuma sustentação. Nisso eles são armados pelo Inimigo, de
sorte que, pela língua à guisa de arma, ele possa encontrar uma falha nessa obra
infalível e divina, e que, pela cegueira de entendimento desses monges, ele possa
obscurecer esse sol espiritual. Por causa disso, lamentando tal sabedoria diabólica entre
aqueles que se perderam ao sair das entranhas de sua mãe, contadores de mentiras[1], e
temendo por aqueles cujo entendimento ainda não se encontra firme, e que, escutando
tais fábulas, podem cair como esses monges no abismo da blasfêmia e pecar
mortalmente contra Deus, blasfemando assim o ensinamento de nossos numerosos
padres teóforos que deram testemunho e ensinaram essa prece divina, sendo então
iluminados pela graça divina; e, além disso, não suportando mais as palavras
blasfematórias contra essa obra irretocável, e mais ainda, estando persuadido pelas
súplicas dos que zelam por essa obre salvadora das almas, eu resolvi – embora isso
esteja além de meu espírito enfermo e de meus pobres poderes – pedir a ajuda de meu
dulcíssimo Jesus – sem Quem ninguém nada pode fazer – a fim de refutar a falsa razão
dos que possuem o espírito vão, e a fim de fortificar o rebanho dos irmãos escolhidos
por Deus em nosso mosteiro em Nome de Cristo, e de escrever algumas linhas sobre a
divina prece do coração, sob a forma de extratos dos ensinamentos dos Santos Padres, a
fim de prestar um testemunho seguro, firme e indubitável.

CAPÍTULO I

Da prece do coração, que foi obra dos Santos Padres da Antiguidade,


e contra os blasfemadores dessa prece sagrada e imaculada

É preciso saber que essa obra divina da prece sagrada do coração foi a ocupação
incessante de nossos Padres Teóforos da Antiguidade, em muitos lugares do deserto,
bem como dos mosteiros cenobíticos. Ela brilhava como o sol entre os monges: no
Monte Sinai, em Sceta no Egito, sobre a montanha da Nítria, em Jerusalém e nos
mosteiros ao redor, numa palavra, por todo o Oriente, em Constantinopla, no Monte
Athos e sobre as ilhas do mar; e, nesses últimos tempos, pela graça de Cristo, na Grande
Rússia também. Por meio da guarda mental da prece sagrada, muitos de nossos Padres
Teóforos, inflamados por uma chama de amor seráfico por Deus e, depois de Deus, pelo
próximo, se tornaram os guardiões estritos dos Mandamentos divinos, e, tendo
purificado suas almas e seus corações de todas as faltas do velho homem, se tornaram
também os receptáculos escolhidos do Espírito Santo. Tendo sido cumulados com seus
diversos dons Divinos, suas vidas foram como que lâmpadas e pilares ardentes pelo
mundo, e tendo realizado incomensuráveis milagres, em ações e palavras, eles
conduziram à salvação uma multidão incalculável de almas humanas. Muitos dentre
eles, movidos por uma secreta inspiração Divina, escreveram livros sobre seus
ensinamentos referentes a essa Divina prece mental, livros em acordo com as Santas
Escrituras do Antigo e do Novo Testamentos, cujos conteúdos estão cheios da sabedoria
do Espírito Santo. E isso aconteceu pela Providência especial de Deus, de tal sorte que
nos últimos tempos esse trabalho Divino não mais caia no esquecimento. Muitos desses
livros, com a permissão divina por causa dos nossos pecados, foram destruídos pelos
Sarracenos que se apoderaram do Reino Grego, mas alguns dentre eles foram
preservados até os nossos dias pela Providência de Deus.

Contra esse trabalho espiritual divino já citado, e a guarda do paraíso do coração,


ninguém que possua a verdadeira fé jamais ousou pronunciar blasfêmia, mas, ao
contrário, todos mostraram um grande respeito e uma extrema veneração por essa prece,
que é plena de benefícios espirituais. Mas a fonte de malícia do Inimigo das boas obras,
o Diabo, vendo que todos os que vivem em estado monástico nessa obra da prece do
coração, escolhendo a melhor parte, sentando-se com uma amor imperturbável aos pés
de Jesus e prosperando na perfeição de sues Divinos Mandamentos, tornando-se assim
uma luz e uma iluminação para o mundo, o Diabo, dizíamos, começou a se consumir de
inveja e a utilizar todas as suas armadilhas a fim de criticar e de blasfemar contra essa
obra salvadora e, se possível, erradicá-la completamente da superfície da terra. Foi
assim que ele tanto destruiu os livros – como eu já disse, por seus semelhantes, os
Sarracenos – como semeou pragas corruptoras das almas, em meio ao trigo puro e
celeste dessa obra, a fim de cometer uma blasfêmia contra essa obra salvífica por meio
de homens insensatos, de tal modo a q eu os obstinados que entraram em contato com
essa obra apenas pela exaltação egoísta, cultivaram o joio em lugar do trigo, e
encontraram a perdição ao invés da salvação. Mas mesmo com isso o Diabo não se
contentou, mas ainda encontrou em terras da Itália a serpente calabresa, anunciador do
Anticristo, o herético Barlaam semelhante ao Diabo em seu orgulho; e tomando nele seu
lugar. Com todo seu poder, ele o levou a blasfemar contra a fé Ortodoxa, conforme está
descrito em detalhes no Tríduo da Quaresma, no Sinaxário do Segundo Domingo da
Santa e Grande Quaresma, entre outras coisas, ele ousou, de diversos modos, seja pela
palavra ou a pena, blasfemar e denunciar igualmente a santa prece do coração, que é
mencionada no capítulo 13 do livro sagrado de nosso Pai entre os Santos Simeão,
Arcebispo de Tessalônica, do qual eu transcrevo aqui as exatas palavras:

“Barlaam, esse ímpio, blasfemou e escreveu muito, tanto contra a pre3ce sagrada como
contra a graça Divina e a luz que existiram sobre o Monte Tabor[2]. Não tendo
compreendido, e sendo incapaz de compreender (pois, quem poderia compreender,
tendo se tornado vão em espírito e fiel à vaidade de seus pensamentos?) o significado
das seguintes palavras: “Orai sem cessar[3]”, ou das palavras “Eu rezarei com o
espírito, e com a inteligência também[4]”; ou “cantando os hinos e os cânticos em vosso
coração para o Senhor[5]”; ou “Deus enviou o Espírito de Seu Filho, ou seja, a graça,
em vossos corações, clamado Abba, Pai![6]”; ou “é melhor dizer cinco palavras com
minha inteligência do que dez mil com a língua[7]”, ele, Barlaam, renunciou à própria
prece do coração, ou antes, à invocação do Senhor que é também a confissão de Pedro,
quando disse “Tu és o Cristo, o Filho do Deus Vivo[8]”, e a tradição do próprio Senhor,
quando disse no Evangelho: “Tudo o que pedirdes ao Pai em Meu Nome, ele vos
dará[9]”, e também: “Em Meu Nome expulsareis os demônios[10]”, e assim por diante.
Pois “Seu Nome é a vida eterna[11]”: “Mas isso, foi dito, está escrito para que creiais
que Jesus é o Cristo, Filho de Deus, e que, crendo, tenhais a vida por Seu Nome[12]”; e
o Espírito Santo é dado por meio da invocação de Cristo: “Nenhum homem pode dizer
‘Senhor Jesus’, se não for pelo Espírito Santo[13]”. Isso está escrito em milhares de
passagens”.

E qual foi o êxito que a serpente, fonte do mal, obteve por intermédio de seu filho de
perdição, o herético três vezes maldito Barlaam, a quem ela ensinou a blasfemar, como
eu disse, contra a prece do coração? Poderia ele com sua blasfêmia obscurecer a luz
dessa obra espiritual? E como esperava ele desenraizá-la completamente? Nada disso:
ao contrário, seu mal recaiu sobre si. Pois naquele momento, o grande campeão e
advogado da piedade, o radioso entre os Santos, nosso Pai Gregório Palamas, Arcebispo
de Tessalônica, em completo acordo com ela e no exercício constante da prece do
coração, brilhou com o sol sobre a Santa Montanha de Athos, com os dons do Espírito
Santo.

Antes de sua elevação ao Trono hierárquico da Igreja, sobre o reino do divino


imperador Andrônico Paleólogo, na célebre e grande igreja da sabedoria de Deus –
Santa Sofia – na cidade imperial, no grande conselho que se reuniu contra a heresia de
Barlaam, já mencionado, estando [Palamas] cheio do Espírito de Deus e revestido com
o invisível poder do Alto, fechou a boca que se abrira contra Deus, e a cobriu de
vergonha, tanto por suas palavras como por seus escritos inspirados de fogo, e queimou
suas heresias, que já estavam destinadas ao fogo, e mais todas as suas blasfêmias, e
reduziu tudo a cinzas. E esse herético Barlaam, junto com Acindinos e todos os que
pensavam como eles foram anatematizados três vezes por toda a Igreja Católica de
Deus. E ainda hoje, uma vez por ano, no Domingo da Ortodoxia, ele e os demais
heréticos são anatematizados pela mesma Igreja, do seguinte modo: “Sobre Barlaam e
Acindinos e seus discípulos e sucessores, três vezes anátema”.

Desconfiem, amigos que ousam blasfemar contra a prece do coração, e vejam quem foi
o primeiro blasfemador: não foi ele esse herético Barlaam, que foi anatematizado três
vezes pela Igreja, e considerado maldito para sempre? Com suas blasfêmias, não estão
vocês entrando em comunhão com esse herético e com os que pensam como ele? Não
tremem as suas almas, diante da ideia de que vocês cairão igualmente sob a maldição da
Igreja, e que sejam separados de Deus? Ao se levantar contra uma tarefa tão sagrada e
ao escandalizar com suas blasfêmias as almas dos seus próximos que possuem um
entendimento instável, não temem você a terrível ameaça que Deus prometeu contra tal
coisa nos Evangelhos? Não temem vocês as palavras do Apóstolo, que disse ser “uma
coisa terrível cair nas mãos do Deus vivo[14]”, estando por isso vocês sujeitos a cair,
caso não se arrependam, num castigo a um tempo temporal e eterno? Que razão
plausível encontraram vocês para proferir blasfêmias contra uma coisa tão pura e tão
santa? Eu estou em total perplexidade.

Vocês imaginam que a invocação do Nome de Jesus não traz benefícios? Mas não é
possível ser salvo por meio de qualquer outro nome que não o de Jesus Cristo, nosso
Senhor.

O intelecto humano por meio do qual age a prece é defeituoso? Mas isso é impossível,
pois Deus criou o homem à Sua imagem e semelhança; e a imagem e a semelhança de
Deus são a alma do homem, que, seguindo a criação de Deus, é pura e imaculada: por
isso o intelecto, sendo o principal sentido da alma, assim como a vista e para o corpo, é
igualmente sem defeito.
O coração, sobre o qual o intelecto oferece a Deus de uma maneira sagrada, como sobre
um altar, o sacrifício místico da prece – merece ele essa blasfêmia? De modo algum!
Por ser a criação de Deus, como o é o corpo humano inteiro, ele é muito bom. E se a
evocação de Jesus salva a alma, e se o intelecto e o coração do homem são obra das
mãos de Deus, então o que tem que um homem pecador eleve com seu intelecto, das
profundezas de seu coração, a prece ao dulcíssimo Jesus, e suplique a Ele por Sua
misericórdia?

Ou então, vocês blasfemam e denigrem a prece do coração porque lhes parece que Deus
não escuta a prece mística realizada no coração, mas apenas aquela que é pronunciada
pelos lábios? Mas isso é uma blasfêmia contra Deus: pois Deus conhece os corações e
conhece exatamente os pensamentos mais sutis do coração, mesmo os pensamentos
futuros, e a tudo ele conhece como Deus, Onisciente. E ele espera essa prece mística
que se ergue desde as profundezas do coração, como sendo um sacrifício puro e
imaculado, pois ele ordenou: “Quando orares, entra na tua câmara e, depois de fechar a
porta, ora ao teu Pai que está no secreto; e teu Pai, que te vê no secreto, te recompensará
no momento azado[15]”. Essas palavras, dos lábios de Cristo, a Luz do mundo e mestre
universal São João Crisóstomo, com a sabedoria divina do Espírito Santo, as atribui não
apenas à prece pronunciada com os lábios e a língua, mas à secretíssima prece sem voz
pronunciada desde as profundezas do coração[16].

Ele nos ensina a realizar e oração sem ações do corpo e sem o som da voz, mas com a
mais fervorosa vontade, com toda quietude, com a contrição dos pensamentos e as
lágrimas interiores, com as penas da alma e o trancamento das portas do intelecto. E ele
coloca a Santa Escritura como prova dessa prece, nas pessoas de Moisés, o teópto[17],
de Santa Ana e do Justo Abel, falando assim:

“Você tem dor em sua alma? Você pode se contentar com apenas clamar, pois clamar e
suplicar da maneira como eu mencionei é característico do homem que sente muita dor.
Também Moisés, em suas penas, orou dessa forma e foi atendido, pois nesse momento
Deus lhe falou: ‘Porque você clama a mim?[18]”. E Ana, da mesma forma, obteve tudo
o que desejava, sem que sua voz fosse ouvida, porque somente seu coração clamava. E
Abel, não orava ele em silêncio, mesmo moribundo? E, no entanto, seu sangue fez com
que fosse ouvida uma voz mais forte do que a de uma trombeta. Você geme, como
Moisés, o Santo? Eu não o proíbo! Rasgue seu coração, não suas vestes, como
recomendou o profeta, chame por Deus do fundo dos abismos: “Das profundezas, disse
ele, eu clamei por Ti, ó Senhor![19]”; do fundo do coração eleve sua voz, faça de sua
prece um sacramento”; e, mais adiante: “Pois você não ora a um homem, mas a Deus,
que está em toda parte, que o escuta mesmo antes que você fale e que conhece os
pensamentos que não passam pelas palavras; se você orar desse modo, você receberá
uma grande recompensa: seu Pai, foi dito, que o vê secretamente, lhe recompensará no
dia azado”. E, mais adiante: “Assim como Ele é invisível, Ele quer que invisível seja a
sua oração”.

Veem vocês, amigos, como o testemunho desse invencível pilar da Ortodoxia


estabeleceu que existe uma outra prece além daquela pronunciada pelos lábios: uma
prece secreta, invisível, muda, oferecida do fundo do coração a Deus, a qual, enquanto
sacrifício puro, é aceita por Deus como um perfume de fragrância espiritual, com o qual
ele se regozija e se agrada, vendo que o intelecto, que mais do que tudo deve se
consagrar a Deus, a Ele se une pela prece. Por isso, por que vocês armam sua língua
com blasfêmias contra essa prece à qual “os lábios de Cristo” – São João Crisóstomo –
rendeu homenagem? Por que a caluniam, por que a odeiam, se riem dela, a denigrem e
dela fogem como se fosse uma coisa repugnante – em uma palavra, por que vocês
sequer suportam ouvir falar dela? O temor e os arrepios me invadem quando eu tento
sondar sua ação irracional.

Portanto, buscando a causa de suas blasfêmias, eu lhes pergunto: a razão pela qual vocês
proferem blasfêmias contra essa prece salvadora, não será pelo fato de que lhes
aconteceu ver ou ouvir dizer que alguns que a praticam enlouqueceram, ou que
encontraram a ilusão em lugar da verdade, ou sofreram prejuízos na alma, e que por isso
vocês foram levados a crer que a prece do coração seria a causa de tais males? Mas ela
não é nada disso, e nem é esse o caso.

A santa prece do coração, segundo os escritos dos Padres Teóforos, abrindo para a graça
de Deus, purifica o homem de todas as paixões, estimula-o para que guarde com fervor
os mandamentos de Deus, e o preserva das flechas e das mentiras do Inimigo. Se,
entretanto, alguém ousa empreender essa oração apenas pela própria vontade, e não de
acordo com o ensinamento dos Santos Padres, sem questionar ou se aconselhar junto
àqueles que possuem a experiência, se for pretensioso, passional ou enfermo, se viver
sem obediência nem submissão, e se tentar viver uma vida de eremita sem ser digno
dela por causa de seu orgulho: esse homem, na verdade – eu o afirmo – cairá nas
armadilhas e erros do Diabo. Mas será a prece a causa da ilusão já referida? Não! E, se
você encontrar uma falta nessa prece mental, então você deveria considerar também que
um cutelo é defeituoso se uma criança, por causa do descuido de suas brincadeiras,
venha a se cortar com ele.

Da mesma forma, segundo vocês, deveríamos proibir os soldados de usar a espada que
o exército lhes entrega para combater o inimigo se algum soldado insensato vier a se
ferir com sua própria espada. Mas, assim como o cutelo e a espada não são defeituosos,
mas apenas demonstram a incúria dos que se ferem com eles, também a espada
espiritual, a santa prece mental, não tem defeitos. Antes, ao contrário, são o orgulho e o
egoísmo dos orgulhosos que são a causa das ilusões demoníacas e de todo mal
espiritual.

Mas por que eu lhes pergunto a causa de suas blasfêmias contra essa santa prece, como
se eu não soubesse! Eu conheço a causa, meus amigos. Eu conheço a causa dos seus
balbucios: primeiramente, sua leitura das Santas Escrituras não está de acordo com o
mandamento de Cristo, ou seja, vocês não aplicam aquilo que leem. Em segundo lugar,
vocês desconfiam dos ensinamentos de nossos Santos Padres, que ensinaram essa divina
prece mental, pela sabedoria que lhes foi conferida pelo Espírito dado por Deus, de
acordo com as Santas Escrituras. Em terceiro lugar, está sua extrema ignorância: pode
ser que vocês jamais viram ou ouviram falar dos escritos de nossos Padres Teóforos a
esse respeito; ou, caso tenham tido conhecimento, não compreenderam nada do poder
de suas palavras divinamente sábias – eis aí a causa de sabedoria maligna que vocês
possuem.

Se apenas vocês lessem, com temor a Deus, com uma atenção estrita e uma fé
inquebrantável, trabalhando por sua realização com Amor, e com a humildade da
sabedoria, os livros patrísticos, que, mais do que todos os outros, convêm à leitura nos
mosteiros e que contêm o significado total da vida segundo o Evangelho!... Esses livros
patrísticos são tão necessários aos monges para o benefício de suas almas, e para sua
correção e a aquisição de uma compreensão verdadeira, correta e humilde, quanto é a
respiração para a vida física.

Se vocês lessem esses livros dessa maneira, Deus não permitiria que tombassem em tais
abismos de blasfêmias. Antes Ele os iluminaria, por meio dessa obra, por Sua Graça
divina, com Seu Amor inefável, a fim de que vocês pudessem dizer com o Apóstolo:
“Quem poderá nos separar do amor de Cristo?”, coisa que fomos capazes de alcançar
pelo trabalho espiritual dessa prece. E não apenas vocês não mais blasfemariam, como
seriam mesmo zelosos a ponto de dar suas vidas por ela, percebendo em cada ação e
experiência um benefício para suas almas – um benefício indizível – por essa atenção
mental.

Mas, como vocês não leem os livros dos Santos Padres com fé inquebrantável, ou que
os leem sem crer neles, como testemunham os frutos de suas blasfêmias, ou desdenham
totalmente sua leitura, por isso vocês caíram em sofismas ímpios tais que, como se
jamais houvessem ouvido falar dos escritos Cristãos, vocês blasfemam e denigrem essa
prece sagrada da qual toda a Escritura dá testemunho, segundo a interpretação
divinamente sábia dos Santos Padres.

Mas, para que vocês, e todos os que duvidam, sejam libertos dessa doença da alma, eu
não vejo melhor tratamento do que esse: eu vou me esforçar, na medida em que o
Senhor, por sua Graça, me favoreça e auxilie, por mostrar que nossos Padres Teóforos,
iluminados pela Graça de Deus, estabeleceram a construção desse ensinamento
proveitoso para a alma, referente a essa santa prece cumprida secretamente pelo
intelecto no coração, sobre a rocha imutável da Santa Escritura. E se, tendo sido
conduzidos a ver como uma evidência, e claramente, a verdade do ensinamento dos
Santos Padres, com a cooperação da graça de Deus tocando secretamente as suas almas,
e tendo sido curados da enfermidade de suas almas, vocês oferecerem a Deus um
arrependimento sincero, vocês serão dignos de Sua divina misericórdia e do perdão
completo dos seus pecados.

CAPÍTULO II

O começo dessa divina Prece do Coração, e os testemunhos da Escritura


segundo os Padres Teóforos

Antes de indicar de onde provém essa Divina prece, devo apresentar alguns pontos, a
título de informação geral. É preciso saber que, segundo os escritos de nossos Santos
Padres Teóforos, existem dois tipos de preces mentais: uma para os iniciantes, ligada às
atividades habituais, e outra para aqueles que estão avançados, ligada à visão. Uma é o
começo, outra o fim, pois a atividade é o caminho para a visão.

É preciso saber que, segundo São Gregório o Sinaíta, existem oito visões preliminares,
que ele enumera da seguinte maneira: “Nós dizemos que as oito visões preliminares são:
em primeiro lugar, a visão de Deus, divindade invisível, sem origem e Incriado, causa
de tudo, Um na trindade e acima de todos os seres; em segundo lugar, a visão da
hierarquia das potências mentais; em terceiro, a visão da composição dos seres
[visíveis]; em quarto, a visão da condescendência do Verbo que nos observa; em quinto,
a visão da ressurreição universal; em sexto, a visão do segundo e terrível Advento de
Cristo; em sétimo, a visão do tormento eterno; em oitavo, a visão do Reino de Deus, que
é sem fim”. Tendo apresentado isso, falarei, segundo a pobreza de minha razão enferma,
o modo como a atividade e a visão devem ser realizadas.

É preciso saber que todo labor monástico (falo àqueles que são simples como eu), pelo
qual qualquer um pode ter passado, com a ajuda de Deus, o amor ao próximo e a Deus,
na doçura, na humildade e na paciência, e em todos os demais mandamentos de Deus e
dos Santos Padres, em perfeita submissão de corpo e alma segundo Deus, em jejuns,
vigílias, lágrimas, prosternações e outros métodos para constranger o corpo, no
cumprimento fervoroso das regras da Igreja e do monarquismo, no exercício secreto da
prece mental, em lamentações e reflexões sobre a morte – tal labor, na medida em que o
espírito seja ainda guiado por sua própria atividade humana e sua vontade própria, pode
ser chamado precisamente de atividade; mas, de modo algum, pode ser chamado de
visão. E se tal labor mental de oração pode ser chamado de visão nos escritos dos
Santos Padres, é apenas num modo de falar, da mesma forma como o intelecto,
enquanto olho da alma, é chamado de visão.

Mas quando, com a ajuda de Deus e do labor já mencionado, e acima de tudo por uma
profunda humildade, o homem purifica sua alma e seu coração de toda sujeira das
paixões da alma e do corpo, então a graça de Deus, mãe comum a todos, toma a alma
purificada como se toma uma criança pela mão, e a conduz segundo seu grau de
purificação por etapas às visões espirituais já assinaladas, revelando a ela os indizíveis
mistérios Divinos aos quais o intelecto não tem acesso.

E, em verdade, é isso que pode ser chamado de verdadeira visão espiritual, que é a prece
da visão, ou, segundo Santo Isaac, a prece pura da qual surgem a visão e um temor
mesclado de admiração. Mas a ninguém é possível atingir esse ponto apenas pelo
trabalho da vontade, se Deus não intervir e não conduzir a ele pela Graça. Se alguém
tentar chegar a tais visões sem a Luz da Graça de Deus, como disse São Gregório o
Sinaíta[20], saiba que estará forjando para si imagens e não visões, imaginando-as, e
que essas imagens são apresentadas a ele por um espírito imaginativo. E agora que
apresentamos uma ideia clara da prece ativa e contemplativa, é tempo de indicar a
origem da divina prece mental.

***
É preciso saber que, segundo o testemunho de nosso divinamente sábio e Santo Padre
Teóforo Nilo, o jejuador do Sinai, a divina prece que convém aos perfeitos, foi dada
pelo próprio Deus ao primeiro homem criado, ainda no Paraíso. Pois São Nilo disse, aos
que oram com fervor, a fim de que possam corajosamente preservar o fruto da prece, e
para que ser trabalho não seja em vão: “Tendo orado segundo a regra, estejam prontos
para essas coisas que não são segundo a regra e permaneçam corajosamente firmes para
preservar o seu fruto. Pois isso lhes foi assinalado desde o princípio: façam e preservem,
para que o que foi feito seja preservado; caso contrário, não haverá benefício algum
para vocês na prece[21]”.

Interpretando essas palavras, São Nilo, o luminar da Rússia, que, conforme aparece em
seu livro divinamente sábio, brilhou como um sol sobre a Rússia pelo labor mental da
prece, disse: “Esse Santo remete à antiguidade o fato de que o homem deve fazer e
preservar; pois a Escritura Santa diz que Deus criou Adão e o colocou no Paraíso a fim
de que ele fizesse (trabalhasse) e preservasse o Paraíso”. Aqui, São Nilo chama a prece
de modelagem (o trabalho) do Paraíso, e a guarda contra os pensamentos ímpios após a
prece, ele chama de preservação. Da mesma forma, São Doroteu diz que o primeiro
homem criado, tendo sido colocado por Deus no Paraíso, permaneceu em oração,
conforme ele afirma em sua Primeira Instrução. Desses testemunhos, fica claro que
Deus, tendo criado o homem à Sua imagem e semelhança, o conduziu a um Paraíso de
doçura para que nele ele trabalhasse em jardins imortais, ou seja, nos mais puros, mais
exaltados e mais perfeitos pensamentos divinos, segundo São Gregório o Teólogo. E
isso não quer dizer outra coisa senão que ele permaneceu, puro de alma e corpo, em
estado de prece contemplativa, cheio de graça, e que ele a preservou corajosamente,
como a pupila de seus olhos – sendo ela o labor no Paraíso – para que ela não
decrescesse algum dia em sua alma e seu coração. Por isso, grande é a glória da santa e
divina prece mental, cujos bordo e cume, ou seja, o começo e a perfeição, foram dados
ao homem por Deus já no Paraíso, e foi aí que ela teve seu princípio.

Mas ela adquiriu uma glória ainda maior, incomparavelmente maior, quando aquela que
foi mais Santa do que todos os Santos, mais honorável do que os Querubins e mais
gloriosa do que os Serafins, a Santíssima Virgem Mãe de Deus, habitando no Santo dos
Santos, alcançou o próprio cume da visão divina, por maio da prece mental, e foi
considerada digna de ser o receptáculo magnífico de Deus o Verbo, Ele a quem toda a
criação não é capaz de conter, mas que nela foi contido por hipóstase e que nasceu dela
sem semente por amor à salvação de todos os homens. O testemunho disso é dado pelo
pilar invencível da Ortodoxia, nosso Pai entre os Santos Gregório Palamas, Arcebispo
de Tessalônica, em sua Homilia sobre a Entrada no Templo de nossa Santíssima
Senhora, Mãe de Deus e sempre Virgem Maria; pois ele afirma que a Santíssima
Virgem Mãe de Deus, vivendo no Santo dos Santos e tendo chegado a compreender
perfeitamente a partir das Santas Escrituras, que eram lidas a cada Sabbat, que a raça
humana estava em risco de perecer devido à sua desobediência, sentiu uma extrema
piedade e aceitou a prece mental a Deus, a fim de que ele tivesse piedade da raça
humana e a salvasse. Devo citar aqui as próprias palavras de São Gregório, dentre as
muitas que ele disse, e que são dignas de um espírito angélico: “Pois essa divina Jovem,
a Virgem, ouvindo e vendo isso, sentiu piedade pela raça comum e buscou um modo de
obter a cura e um tratamento equivalentes a tal sofrimento. Ela descobriu que deveria
voltar imediatamente todo o seu intelecto para Deus, e tomou sobre si essa prece por
nós, a fim de forçar Aquele a quem ninguém pode forçar e atraí-lo para mais perto de
nós, de tal maneira a que ele próprio pudesse desenraizar a maldição desde sua origem,
e que pudesse fazer cessar o fogo que devorava o campo da alma, e de ligar a Si a Sua
criatura, depois de curá-la de sua enfermidade. Depois disso, a Virgem cheia de graça,
tendo examinado aquilo que, segundo ela, melhor convinha a cada natureza, colocou a
prece mental acima de tudo, e considerou-a melhor do que qualquer outra palavra
devido ao seu caráter maravilhoso e glorioso. E, buscando um modo de conversar com
Deus se modo apropriado e hábil, ela se dirigiu a Ele como intercessora voluntária, ou
melhor, como a intercessora escolhida por Deus”.

Mais adiante, ele prossegue: “Por isso, quando ela viu que nada havia melhor para o
homem, dentre as coisas existente, ela própria se dirigiu, com temor, à prece, e renovou
a grandeza e a perfeição da natureza humana. Ela fez uma descoberta e agiu em
consequência, e, por tudo isso, ela fez da ação uma ascensão suprema, em direção à
visão; mas a visão é maior do que as coisas que foram mencionadas, assim como a
verdade é maior do que a imaginação. Quanto a vocês, concentrando-se sobre si
mesmos, e tendo purificado seus intelectos, escutem agora a grandeza do mistério...
Pois, tomando a ocasião fornecida por essa assembleia reunida em nome de Cristo, eu
quero dizer algumas palavras antes de tudo, àqueles que renunciaram ao mundo. Aquele
que, pelo espírito de renúncia, já experimentou as delícias futuras, que está com os
Anjos e que obteve uma morada no Paraíso, tenha ele o desejo de imitar, segundo sua
força, aquela que foi a primeira e a única a renunciar ao mundo desde a infância e por
amor à paz: a Esposa Sempre Virgem”.

A seguir, São Gregório diz: “A partir daí, buscando o que seria mais necessário a um
intercessor para conversar (com Deus) – é nisso que consiste a prece – a Virgem chegou
a obter o silêncio sagrado, o silêncio do intelecto, a separação do mundo, o
esquecimento das coisas aqui de baixo, e o Conhecimento exaltado de uma ouvinte das
coisas secretas, até a transformação do ser naquilo que pode existir de melhor. Essa
atividade, na verdade uma ascensão em direção Daquele que É em Verdade, ou, mais
exatamente, em direção à visão Divina, é uma breve indicação para a alma que obteve
essa atividade em Verdade. Todas as demais virtudes são como um tratamento médico
aplicável às enfermidades da alma e às más paixões que se enraízam devido à acídia;
mas a visão Divina é o fruto de uma alma sã, enquanto perfeição última e imagem da
atividade Divina. Assim é que um homem se torna ‘participante de Deus’, não em
palavras ou numa moderação judiciosa em relação às coisas visíveis, pois tudo isso é
terrestre, baixo e humano, mas antes permanecendo em silêncio, pois é assim que nos
separamos e nos libertamos das coisas aqui de baixo, e que assim subimos para Deus”.

“E assim, passando dia e noite em preces e súplicas na câmara superior de uma vida de
silêncio, caminharemos de algum modo para essa Natureza inacessível e Santa, e dela
nos aproximaremos em certa medida. E aqueles que perseverarem nisso, e que se
dissolverem na Luz que existe de maneira inefável para além dos sentimentos e do
pensamento, verão a Deus em si mesmos, como num espelho, porque já purificaram
seus corações pelo silêncio sagrado. E assim o silêncio constitui um guia rápido e curto,
coroado de sucesso, que une o homem a Deus, desde que nos apliquemos inteiramente a
ele. E a Virgem, que aí se manteve desde a infância – o que foi dela? Ela viveu no
silêncio de uma maneira sobrenatural desde sua infância, e, por causa disso, somente ela
dentre todas as mulheres, deu nascimento – sem esposo – ao Homem Deus, o Verbo”.

Mais adiante, ele diz: “Também por isso, a Puríssima, renunciou, de certo modo, às
moradas e às palavras terrestres, se afastou das pessoas e se colocou à parte de uma vida
cheia de reprovação. Ela escolheu uma vida invisível e sem comunicação com qualquer
pessoa, vivendo num lugar onde ninguém podia entrar. Lá, livre de todo laço material, e
renunciando a todo contato e todo amor por seja lá o que for, e não demonstrando
nenhuma piedade pelo corpo, ela concentrou todo o seu espírito Nele, nessa divina
prece incessante, permanecendo Nele com atenção. E por esse meio, dobrada sobre si
mesma e se colocando acima de todo tumulto, acima de todo pensamento e
simplesmente acima de todas as aparências e de todas as coisas, ela abriu esse novo
acesso inefável para o Céu, que é, afirmo eu, o silêncio do s pensamentos. E, aplicando-
se com coragem a isso, e nisso esforçando seu intelecto, ela se elevou acima de todas as
criaturas e viu melhor do que Moisés a glória de Deus, e também viu que a glória de
Deus não estava de modo algum ligada ao poder dos sentidos – santa e feliz visão das
almas e dos intelectos puros – e assim ela, conforme os cânticos Divinos, partilhou uma
verdadeira nuvem de água viva, a aurora do dia do intelecto e o carro de fogo do
Verbo”.

Com essas palavras do divino Gregório Palamas, que tiver inteligência pode
compreender, tão claramente quanto o sol que brilha, a que a Puríssima Virgem Mãe de
Deus, vivendo no Santo dos Santos, vivendo por intermédio da prece mental, alcançou
os cumes supremos da visão Divina. E, renunciando ao mundo por amor à paz, pelo
silêncio sagrado do intelecto e dos pensamentos, e concentrando seu intelecto na
incessante Divina prece e atenção e atingindo por meio da atividade a visão Divina, ela
se ofereceu à Divina e Angélica ordem monástica como exemplo de vida atenta ao ser
interior, de tal maneira que, tendo renunciado ao mundo e considerando sua fervorosa
luta, segundo suas forças e suas preces, eles possam imitá-la durante os labores e tarefas
da vida monástica já mencionados. Mas, quem poderia ainda de um modo digno louvar
a divina prece do coração, da qual a própria Mãe de Deus, instruída pelo Espírito Santo,
foi artesã, para o benefício e o progresso espiritual dos monges?

Para confirmar (aquilo que eu coloquei) e para das uma indubitável certeza aos que
ainda tenham alguma dúvida a esse respeito, como se se tratasse de algo desconhecido e
do qual ninguém testemunhara, é tempo agora de mostrar quais testemunhos são
apresentados pela Escritura Santa, segundo as obras dos Santos Padres que escreveram
sobre a iluminação da Graça.

A Divina prece mental tem seu indestrutível fundamento nas palavras de nosso Senhor
Jesus Cristo: “Mas tu, quando orares, entra em teu quarto e, depois de fechar a porta, ore
a teu Pai no secreto; e teu Pai, que te vê secretamente, te recompensará
abertamente[22]”. Essas palavras, como já dissemos no primeiro capítulo, são
interpretadas com a ajuda de Deus pelo farol do mundo, São João Crisóstomo, como
uma alusão à prece não vocal, secreta, pronunciada desde as profundezas do coração, e
trazendo como testemunhos da Santa Escritura, Moisés o teópto, Santa Ana, mãe do
profeta Samuel, e o Justo Abel, e seu sangue que clamava das profundezas da terra, os
quais, dizendo suas preces sem palavras, foram ouvidos por Deus. Esse grande Mestre
do Universo, esses lábios de Cristo – falo de São João Crisóstomo – também deu um
ensinamento em separado em três homilias referentes a essa Divina prece, como está
indicado no testemunho sincero do bem-aventurado Arcebispo de Tessalônica, no
capítulo 294 de seu livro, que toda a Igreja Católica do Oriente tem com veneração
como um pilar e uma confirmação da verdade.

O pilar e os lábios de fogo do Espírito Santo, olho da Igreja, Basílio o Grande,


explicando essa passagem da Santa Escritura: “Eu o bendirei em todos os tempos, seu
louvor estará sempre nos meus lábios[23]”, nos ensina de maneira excelente o que são
os lábios espirituais e as atividades do intelecto, vale dizer, a prece mental, trazendo os
testemunhos da Escritura Santa, e aqui eu apresento suas próprias palavras, cheias de
Sabedoria Divina: “Seu louvor estará sempre nos meus lábios. Parece que o Profeta fala
de alguma coisa impossível: como pode o louvor a Deus estar sempre nos lábios
humanos? Quando um homem fala, no decurso de conversas terrestres ordinárias, ele
não tem nos lábios o louvor a Deus; quando ele dorme, ele está totalmente silencioso;
também quando ele come e bebe, como poderão seus lábios pronunciar um louvor? A
isso nós respondemos que existem lábios espirituais do homem interior por meio dos
quais ele se alimenta, participando da vida do Verbo, que é o ‘pão descido do céu[24]’.
É precisamente desses lábios que fala o Profeta: ‘Eu abri meus lábios e invoquei o
Espírito[25]’. É para isso que nos desperta o Senhor, a fim de que tenhamos esses lábios
abertos para receber o alimento verdadeiro, aquele do qual Ele disse: ‘Abra seus lábios e
eu os encherei[26]’. Daí que o pensamento de Deus, uma vez gravado sobre esses lábios
e confirmado pelo entendimento da alma, pode ser chamado de louvor de Deus, o qual
está sempre na alma. E, segundo a palavra dos Apóstolos, aquele que vigia pode tudo
fazer pela glória de Deus, de tal sorte que toda ação, toda palavra e toda atividade do
intelecto pode ser assimilada por seu significado ao louvor. Quer coma ou beba, ou o
que quer que faça o homem virtuoso, ele o faz inteiramente para a glória de Deus[27].
Assim, mesmo que ele durma, seu coração permanece vigilante”. Assim falou São
Basílio. E por suas palavras fica claro que além dos lábios do corpo, existem os lábios
do intelecto, e que existe aí um trabalho e um louvor mentais incessantes do homem
interior.

O igualmente bem-aventurado, o sol egípcio – ou antes, o universal – que brilhou com


toda intensidade com os dons do Espírito Santo, o homem celeste – falo de Macário –
em suas palavras celeste referentes à santa prece, falou assim: “Um cristão deve sempre
se lembrar de Deus, pois está escrito que ‘Tu amarás o Senhor teu Deus com teu
coração[28]’. Ele deve amar a Deus não somente quando entra no templo das orações,
mas também quando caminha, quando fala, quando come ou bebe, ele deve se lembrar
de Deus, do amor e da prece; pois foi dito que ‘onde estiver seu tesouro, ali estará seu
coração’[29]”.

O Santo Padre Teóforo de antigamente, o eremita Isaías, a propósito desse ensinamento


oculto, ou seja, o da Prece de Jesus, traz esse testemunho tirado das palavras da Santa
Escritura: “Meu coração queimava dentro de mim e em minha meditação surgiu uma
chama[30]”.

São Simeão, de que se trata no livro já mencionado do bem-aventurado Simeão de


Tessalônica, e que, no meio da cidade imperial (Constantinopla), brilhou como um sol
pela prece mental nos dons inefáveis do Santíssimo Espírito, e que por isso foi chamado
pela Igreja de Novo Teólogo, em sua Homilia sobre as Três Formas de Prece, escreveu
a respeito da prece mental e da vigilância: “Nossos Santos Padres, tendo ouvido o
Senhor dizer que ‘do coração provêm os maus pensamentos, os assassinatos, os
adultérios, as fornicações, os roubos, os falsos testemunhos, as blasfêmias e todas as
coisas que mancham o homem[31]’, e ouvindo-O também ensinar que é preciso
purificar o que está no interior do cálice e do prato, para que também o exterior fique
limpo[32], abandonaram todas as outras tarefas e se abriram apenas à essa guarda do
coração, sabendo de maneira indubitável que, por meio dessa prática, eles guardariam
igualmente todas as demais virtudes sem dificuldade. Pois seria impossível que
houvesse uma só virtude”. Essas palavras do Santo indicam que os Santos Padres já
consideravam as mencionadas palavras do Senhor como um testemunho e um
fundamento para eles sobre a guarda do coração, que é a invocação mental de Jesus
[com o intelecto dentro do coração]. Esse Santo coloca ainda outras palavras da Santa
Escritura como testemunhos em favor dessa Divina prece mental, dizendo: “O
Eclesiastes fala assim: ‘Ó jovem, regozija-te em tua juventude e segue sem manchas em
teu coração, extirpando toda cólera de teu coração[33]’, e: ‘Se o Espírito do Senhor vier
sobre ti, não abandona seu lugar[34]’. Como ‘lugar’ ele entende o coração, conforme
disse o Senhor (‘Do coração procedem os maus pensamentos[35]’). E também: ‘Não
seja presunçoso[36]’ (ou seja, não dissipe seu espírito). E também: ‘Estreita é a porta, e
apertado o caminho que conduz à vida[37]’. Mais: ‘Bem-aventurados os corações
puros[38]’, ou seja, os que não possuem um único pensamento terrestre. E o Apóstolo
Pedro disse: ‘Sede sóbrios, sede vigilantes, porque vosso adversário, o demônio, como
um leão que ruge, caminha ao redor, buscando a quem devorar[39]’. E também o
Apóstolo Paulo escreve claramente aos Efésios sobre a guarda do coração: ‘Não
lutamos contra a carne e o sangue, mas contra os principados, os poderes, contra os
dirigentes das trevas desse mundo, contra os espíritos malignos das regiões
celestes’[40]”.

Santo Hesíquio o Presbítero, teólogo e mestre da Igreja de Jerusalém, amigo e íntimo de


nosso Padre Teóforo Eutímio o Grande, que dissertou com sabedoria a respeito da
iluminação da graça divina, num livro de duzentos capítulos sobre essa invocação
mental sagrada de Jesus do intelecto no coração, ou seja, a propósito da prece mental,
coloca ainda a respeito os seguintes testemunhos da Santa Escritura: “Bem-aventurados
os corações puros, pois eles verão a Deus[41]”, e também: “Cuide para que não haja em
teu coração uma única palavra iníqua escondida[42]”. Também: “Pela manhã eu me
colocarei diante de Ti, e Tu me verás[43]”. Também: “Bem-aventurado o que agarrar e
esmagar seus recém-nascidos contra o rochedo[44]”. Do mesmo modo: “A cada manhã
eu destruirei os malfeitores do país para defender a cidade do Senhor contra todos os
que cometem iniquidades[45]”. E: “Esteja preparado, ó Israel, para pronunciar o Nome
do Senhor teu Deus[46]”. E o Apóstolo: “Orai sem cessar[47]”. E o próprio Senhor:
“Sem Mim, nada podeis fazer. Aquele que permanece em Mim, e Eu nele, esse dará
muitos frutos. Se alguém não permanece em Mim, será rejeitado como a palha[48]”. E:
“do coração procedem os maus pensamentos, os assassinatos, os adultérios (...) coisas
que mancham o homem[49]”. Enfim: “Eu me regozijo por cumprir a Tua vontade, meu
Deus, sim, Tua lei está no meu coração[50]”. E muitas outras citações, que vou omitir
por causa da sua quantidade.

Nosso divino Padre Teóforo João Clímaco traz, ele também, o testemunho da Escritura
Santa referente a essa prece sagrada e o silêncio verdadeiro do intelecto: “O grande
praticante dessa prece magnífica e perfeita disse: ‘Eu prefiro dizer cinco palavras com
meu intelecto, etc.’[51]”; e também: “Meu coração está pronto, ó meu Deus, meu
coração está pronto[52]”; Da mesma forma: “Eu durmo, mas meu coração vigia[53]”; e
também “Eu clamei de todo meu coração[54]”, ou seja, de corpo e alma, etc.

Nosso divino Pai Filoteu, higoumeno do Mosteiro da Sarça Ardente da Santíssima Mãe
de Deus no Monte Sinai, e que compilou um pequeno livro de capítulos sobre a guarda
mental do coração, pérolas inestimáveis de sabedoria divina cheias da doçura inefável e
celeste do Espírito Santo, indica como fundamento indestrutível de suas palavras, as
próprias palavras da Santa Escritura: “Pela manhã eu destruirei todos os malfeitores da
terra[55]”. E, da mesma forma: “O Reino de Deus está em vós[56]”; e: “O Reino de
Deus é comparável a um grão de mostarda, a uma pérola e ao fermento[57]”; e ainda:
“Guarde teu coração com grande vigilância[58]”; e: “Purifique primeiro o interior do
cálice e do prato, para que também o exterior fique limpo[59]”. E: “Não lutamos contra
a carne e o sangue, mas contra os principados, os poderes, contra os dirigentes das
trevas desse mundo, contra os espíritos malignos das regiões celestes[60]”. Da mesma
forma: “Sede sóbrios, sede vigilantes, porque vosso adversário, o demônio, como um
leão que ruge, caminha ao redor, buscando a quem devorar; resisti a ele com uma fé
firme[61]”; Finalmente: “Eu me regozijo com a lei de Deus sobre o homem interior,
mas vejo uma outra lei, em meus membros, que combate a lei de meu espírito e busca
me tornar cativo[62]”.
Nosso divino Padre Diádoco, bispo de Foticeia, cujo testemunho está no livro do já
mencionado hierarca de Cristo, Simeão de Tessalônica, coloca a fundação da prece de
Jesus, realizada de maneira santa no coração, na Santa Escritura: “Ninguém pode dizer
‘Senhor Jesus’ se não for pelo Espírito Santo[63]”, e, a partir da parábola
neotestamentária do comerciante que procurava pérolas, ele deduz: “É uma pérola de
grande valor essa que só pode ser obtida por alguém que vende sua propriedade e que
sentirá uma alegria inexprimível por obtê-la”.

Nosso Santo Padre Nicéforo o Jejuador, que por meio dessa oração alcançou os cumes
da visão divina, e que, resplendendo como um sol com os dons do Espírito Santo sobre
a Montanha de Athos e outros lugares (ele compôs hinos à Santa Trindade que são
cantados nas Vésperas da Santa Igreja Católica Oriental por todo o mundo, e compôs
também o Cânone da Cruz Vivificante) , e tendo assimilado os escritos de todos os
Padres Teóforos, redigiu um livro cheio de benefícios espirituais, no qual ele ensina
com detalhes, mais do que os outros Santos, o que se refere a essa divina prece realizada
de maneira secreta pelo intelecto dentro do coração, e ele sustenta seus dizeres por meio
das seguintes passagens das Santas Escrituras: “Lembrai-vos sempre de Deus[64]”, e
também: “Pela manhã lança sua semente, e que tua mão não se detenha até o
ocaso[65]”. Também: “Se eu oro com a língua – ou seja, com os lábios – meu espírito
ora – ou seja, minha voz, porque os lábios e a língua, e o espírito e a voz, são a mesma
coisa – mas meu intelecto não rende frutos. Eu orarei com o espírito e também com a
inteligência, e farei melhor em dizer cinco palavras com minha inteligência, etc.[66]”.
Ele cita igualmente o testemunho de São João Clímaco que assimila essas cinco
palavras à prece (do coração). Da mesma forma, “O Reino dos Céus sofre violência e os
violentos o tomam pela força[67]”; e: ““Ninguém pode dizer ‘Senhor Jesus’ se não for
pelo Espírito Santo[68]”

Aquele segue os passos dos Apóstolos, que é o invencível pilar da Fé Ortodoxa, ele, que
pela espada intransigente do Espírito e da Verdade dos dogmas Ortodoxos aniquilou as
heresias dos Latinos pneumatomáquicos (que lutavam contra o Espírito) como se
fossem teias de aranha no Concílio de Florença – falo de Marcos, o bem-aventurado,
sábio e eloquente metropolita de Éfeso, no começo de seu comentário sobre os ofícios
religiosos da Igreja, escreveu sobre a Divina Prece cumprida secretamente no coração
pelo intelecto, utilizando-se do testemunho da Santa Escritura. Suas palavras,
divinamente sábias, são as seguinte: “Deveríamos, de acordo com o mandamento, orar
sem cessar e oferecer louvores a Deus em Espírito e Verdade; mas a atenção para com
os pensamentos terrestres e os entraves causados pelas ligações com o corpo podem
desviar a muitos e afastá-los do Reino de Deus que existe em nós, como o proclama a
palavra de Deus, e tudo isso nos impede de permanecer no altar espiritual e de oferecer
por nós mesmos os sacrifícios racionais e espirituais a Deus, segundo o divino Apóstolo
que disse que nós somos o templo de Deus que em nós habita juntamente com o
Espírito Santo. E não é de espantar que tal coisa aconteça àqueles que vivem segundo a
carne, quando vemos que alguns monges que renunciaram às coisas terrestres, em razão
da agitação mental empregada em dominar as paixões e a grande perturbação que
decorre disso, e que ensombrece a parte racional da alma, eles não conseguem atingir a
prece pura, embora o desejem fortemente. Doce é a lembrança pura e incessante de
Jesus no coração, e a inefável iluminação que daí advém!”.
Nosso Santo Padre Russo, Nilo de Sora, que compôs seu livro sobre a guarda do
coração segundo os ensinamentos dos Padres Teóforos, e em particular de Gregório o
Sinaíta, utilizou os seguintes testemunhos retirados das Santas Escrituras: “Do coração
procedem todos os maus pensamentos e são essas coisas que maculam o homem[69]”,
e: “Purifique o que está no interior do cálice e do prato[70]”; também: “É justo adorar a
Deus em Espírito e Verdade[71]”; também: “Se eu orar com a língua, etc.”, e “melhor é
dizer cinco palavras com a inteligência do que dez mil com a língua, etc.[72]”.

Da mesma forma o luminar Russo, o hierarca de Cristo Dimitri, Metropolita de Rostov,


que, com a espada espiritual do Verbo, aniquilou como se fossem teias de aranha os
erros dos sectários e seu entendimento corrompido e resistente a Deus (o que é contrário
à Santa Escritura), e que escreveu para o benefício da santa Igreja muitos ensinamentos
cheios da sabedoria do Espírito Santo, e que compôs uma homilia sobre a realização
interior da prece mental que ultrapassa o benefício espiritual, usou os seguintes
testemunhos da Escritura Santa: “Quando orares, entra no teu quarto, etc.” e “Meu
coração diz: eu buscarei o Senhor – meu olhar Te buscou; eu buscarei Tua face, ó
Senhor; assim como a corça tem sede de fontes vivas, também minha alma tem sede de
Ti, ó Deus”; e também: “Orando sempre e suplicando pelo Espírito[73]”, e “Se eu oro
com a língua, meu espírito ora, mas minha inteligência permanece estéril”; e também:
“Orarei com a minha inteligência, etc.”. Essas palavras, de acordo com São João
Clímaco, Gregório o Sinaíta e Nilo de Sora, devem ser entendidas como se referindo à
prece do coração.

Com efeito, o próprio Typicon da Igreja, que foi impresso na grande cidade imperial de
Moscou, e que apresenta a lei da Igreja referente às prosternações e à prece, coloca
essas passagens da Santa Escritura: “Deus é espírito e aqueles que o adoram devem
adorá-lo em Espírito e em Verdade[74]”; também: “Se eu oro com a língua, meu
espírito ora, mas minha inteligência permanece estéril. Que devo fazer, então? Orarei
com o espírito, e com a inteligência também[75]”; e: À Igreja vale mais que eu diga
cinco palavras com meu intelecto do que dez mil com a língua[76]”. E ele coloca ainda
o testemunho dos Santos Padres, São João Clímaco, o divino Gregório o Sinaíta e Santo
Antioquio, e diz: “E assim, nós cumprimos nosso propósito sobre essa prece mental
sagrada e para sempre memorável”. E mais adiante ele fala também da santa prece
comum a todos que se realiza durante os ofícios religiosos da Igreja.

E assim, com a graça de Deus, ele demonstrou que os Padres Teóforos, tornados sábios
pela iluminação do Espírito Santo, colocaram a fundação de seus ensinamentos relativos
a essa atividade sagrada da prece secretamente realizado pelo homem interior, sobre o
rochedo indestrutível da Santa Escritura, do Antigo e do Novo Testamentos,
encontrando aí uma fonte inexaurível, uma multitude de testemunhos.

E quem, dentre os Cristãos Ortodoxos, vendo isso, poderia conceber a menor dúvida?
Somente alguém que se submeta ao espírito da insensibilidade, que ouve e vê, mas que
não deseja compreender e saber, somente esse poderia ter alguma dúvida. Mas os que
temem a Deus e possuem um espírito são, vendo tais testemunhos, confessarão
unanimemente que isso é coisa divina, mais natural e mais adaptada à vida monástica
angélica do que todas as outras obras monásticas. A propósito dessa obra, os divinos
Padres já mencionados e outros mais ofereceram em seus escritos muitas palavras
dignas de interesse, que são mais doces do que o mel e cheias de sabedoria espiritual,
dando instruções a propósito dos labores da oração contra os inimigos interiores
invisíveis; eles indicaram como devemos nos servir, contra esses inimigos, dessa espada
espiritual e dessa arma invencível e flamejante do Nome de Jesus que guarda as portas
do coração; vale dizer, eles indicam como essa divina prece de Jesus deve ser realizada
com o intelecto no coração.

A propósito da realização dessa prece sagrada, e mais especialmente de seu início e da


maneira como os iniciantes devem aprender a praticá-la, eu, o menor dos homens, na
medida em que me permita o poder de meu espírito enfermo, e apoiando-me sobre os
ensinamentos dos Santos Padres de Deus que me fortalecem, escreverei algumas linhas
sobre o assunto.

E, em primeiro lugar, devemos mencionar que essa divina prece é uma arte espiritual, e
qual deve ser a preparação para sua prática, segundo o ensinamento dos Santos Padres.

CAPÍTULO III

Essa santa prece do coração é uma arte espiritual

É preciso saber que nossos divinos Padres chamavam essa atividade sagrada da prece
mental de arte. São João Clímaco, em seu Vigésimo Sétimo Degrau sobre o Silêncio,
ensinando o mistério da prece mental, diz: “Se vocês estudaram bem essa arte, não
poderão ignorar aquilo de que eu falo. Sentados num lugar elevado, observem, se forem
capazes, e então verão de que maneira, quando, de onde e como surgem bandidos de
toda espécie para roubar as uvas de sua colheita. Esse guardião, quando se cansa, deve
se levantar e orar; depois pode assentar-se novamente e retomar resolutamente aquilo
que fazia antes[77]”.

Santo Hesíquio, Presbítero de Jerusalém, disse a propósito dessa santa prece, que “a
sobriedade é uma arte espiritual que, com a ajuda de Deus, liberta completamente o
homem dos pensamentos e das palavras passionais e das más ações[78]”.

São Nicéforo o Jejuador, ensinando a respeito do mesmo tema, disse: “Venham e eu


lhes ensinarei uma arte, ou antes uma ciência situada na eternidade, ou nas moradas
celestes, que conduz quem a ela se dedica, sem canseiras e sem perigo, ao porto da
ausência de paixão”.

Os Santos Padres já mencionados, conforme indiquei, chamam a essa santa prece de


arte, penso eu, pela seguinte razão: assim como um homem não pode aprender uma arte
por si mesmo, sem ter um artista experiente para ensiná-lo, também é impossível
aprender essa atividade mental da prece sem um instrutor experiente. Mas isso é o que
acontece com a maioria, ou praticamente com todos os que aprendem por instrução,
segundo São Nicéforo. Raríssimos são os que recebem a prece de Deus, sem instrução,
apenas se esforçando com penas e fé ardente.

A regra da prece da Igreja, segundo o Typicon e os livros da Santa Igreja, que os


Cristãos Ortodoxos, monges e leigos, devem oferecer a cada dia como um tributo ao Rei
dos Céus, pode ser realizada e lida oralmente por qualquer um que saiba ler e escrever,
sem instrução. Mas oferecer a Deus o sacrifício místico da prece com o intelecto no
coração, por ser uma arte espiritual, é impossível sem instrução, conforme indicamos
mais acima.

Sendo uma arte espiritual, ela compreende também o trabalho incessante dos monges,
de tal modo que, não apenas pela renúncia do mundo e de tudo o que se encontra nele,
pela mudança de nome depois da tonsura, pelas vestes distintas de todas as outras, pela
vida de celibato virginal, uma vida pura de pobreza voluntária, por uma alimentação
própria e uma moradia distinta das outras – mas também por sua vigilância do intelecto
e do espírito segundo o home interior e pela prece, os monges possam realizar uma
tarefa distinta de todas as outras e que ultrapassa aquelas das pessoas do mundo.

CAPÍTULO IV

Qual é a preparação necessária aos que querem empreender essa obra divina

Assim como essa divina prece é maior que todos os demais labores monásticos, e sendo
ela, segundo os Santos Padres, o pináculo dos trabalhos de purificação, a fonte das
virtudes, o mais refinado e mais invisível dos trabalhos nas profundezas do coração,
também o Inimigo invisível de nossa salvação, estende contra ela as redes invisíveis
mais refinadas de suas ilusões e imaginações diversas, que dificilmente são
compreensíveis ao espírito humano.

Por esse motivo, quem é zeloso em aprender esse labor divino deve, segundo São
Simeão o Novo Teólogo, se entregar de corpo e alma à obediência segundo a divina
Escritura; vale dizer, se entregar, cortando totalmente sua vontade própria e sua própria
compreensão das coisas, entregando-as a um homem temente a Deus, um guardião
fervoroso dos Seus divinos Mandamentos, e experimentado nesse divino labor, ou a
alguém que possa, segundo os escritos dos Santos Padres, mostrar àquele que se
submete um caminho reto para a salvação, o caminho da atividade mental da prece,
realizada secretamente pelo intelecto no coração. Isso é essencial, a fim de que, por
meio da obediência verdadeira segundo a razão, ele possa se tornar livre de todos os
ruídos e de todos os cuidados e ligações com o mundo e com o corpo. Pois, como
poderia alguém não ser livre, se colocar todos os cuidados por sua alma e seu corpo nem
Deus, e depois de Deus, em seu pai espiritual? Pela humildade que nasce da obediência,
segundo o testemunho de São João Clímaco e de muitos outros Santos Padres, ele pode
escapar de todas as ilusões e de todas as redes do demônio, calma e pacificamente, sem
mal, e pode, sem cessar, se dedicar a esse labor da oração hesiquiastas, com grande
prosperidade para sua alma.

Mas se alguém se coloca sob obediência, mas não encontrou seu pai espiritual, um
instrutor profundo e experiente, para essa divina prece mental (nesses tempos, aliás, os
instrutores experientes infelizmente estão desaparecendo por completo), ele não deve se
entristecer nem se desencorajar por causa disso: mas, permanecendo sob a verdadeira
obediência, segundo os mandamentos de Deus (e não por sua própria vontade e
separado dos outros sem obediência, pois a isso normalmente se segue o erro), e tendo
colocado toda sua esperança em Deus, que ele se submeta, ademais da submissão a seu
pai, e para substituir um instrutor verdadeiro, às instruções de nossos Santos Padres, que
enunciaram em detalhe o ensinamento dessa divina atividade, pela iluminação da divina
Graça. Que ele extraia dessa fonte as instruções referentes a essa prece. Em todo caso. A
graça de Deus, pelas preces dos Santos Padres, o ajudará e iluminará, para que, sem
dúvida alguma, ele possa aprender esse divino labor.

CAPÍTULO V

O caráter e os efeitos dessa santa Prece de Jesus

Tendo estabelecido como firme e indestrutível fundamento dessa divina prece, essa
preparação, ou seja, a divina obediência, é agora tempo de mostrar segundo os
ensinamentos dos Santos Padres, no que consiste essa santa prece, seu caráter e seus
efeitos. E isso, a fim de que aquele que deseja ser instruído nesse labor espiritual posse
ver a quão grande e inefável progresso em todas as virtudes ele conduz o asceta, e a fim
de que ele deseje com grande fervor e selo divino, se dedicar ao santíssimo
cumprimento dessa prece mental.

São João Clímaco, em seu Vigésimo Oitavo Degrau sobre a Prece, diz no início: “A
prece é, intrinsecamente, a comunhão e a união do homem com Deus; e seus efeitos são
a confirmação da paz, a reconciliação com Deus, a mãe e a filha das lágrimas, a
purificação dos pecados, uma ponte que conduz através das tentações, um muro contra
as aflições, a aniquilação dos combates, uma ação angélica, o alimento de todos os seres
incorpóreos, a alegria futura, a ação sem limites, a fonte das virtudes, a causa dos dons,
o invisível progresso, o alimento da alma, a iluminação do intelecto, um machado para
quebrar o desespero, a prova da esperança, a cessação da aflição, a prosperidade dos
monges, o tesouro dos que guardam o silêncio, a diminuição da cólera, o espelho do
progresso espiritual, a manifestação da paz, a descoberta de sua própria condição, o
arauto das coisas futuras, o sinal da glória. A prece, para aquele que ora
verdadeiramente, é um tribunal e o julgamento, o trono do Julgamento do Senhor, antes
do Julgamento futuro”.

São Gregório o Sinaíta, em seu Centésimo Décimo Terceiro Capítulo, diz: “A prece,
entre os iniciantes, é como um fogo de alegria que se levanta no coração, enquanto que,
entre os perfeitos, ela é como uma luz ativa que espalha sua fragrância”. E também: “A
prece é a predicação dos Apóstolos, o ato de fé, ou antes, a fé sem misturas, a
confirmação das coisas esperadas, o amor em ação, o movimento angélico, a força dos
incorpóreos, o trabalho e sua alegria, as boas novas de Deus, a confirmação do coração,
a esperança da salvação, o sinal da santificação, a formação da santidade, o
conhecimento de Deus, a manifestação do Batismo, a purificação das fontes batismais, o
noivado do Espírito Santo, o regozijo de Jesus, a alegria da alma, a piedade de Deus, o
signo da reconciliação, o selo de Cristo, o raio de sol espiritual, a estrela matinal do
coração, a confirmação do Cristianismo, a manifestação da reconciliação divina, a graça
de Deus, a sabedoria de Deus, ou antes, o começo do conhecimento de si, uma
manifestação divina, o labor dos monges, a morada daqueles que guardam o silêncio, ou
antes a causa do silêncio, um sinal da moradia angélica”.

E o bem-aventurado Macário o Grande diz: “O cume de todo bom esforço, e o pináculo


de todas as perfeições consiste em perseverar na prece, por maio da qual podemos obter
de uma vez por todas, com súplicas a Deus, todas as demais virtudes igualmente. Pela
prece, aqueles que são dignos participam da santidade de Deus e da atividade espiritual
e da união do intelecto com o Senhor num amor inefável. Aquele que se esforça
constantemente para permanecer em prece é elevado pelo amor espiritual a um fervor
divino e a um desejo inflamado para Deus, e recebe, segundo sua medida, a graça da
perfeição espiritual e santificante[79]”.

Santo Hesíquio, o Presbítero de Jerusalém, diz: “A guarda do espírito pode ser correta e
propriamente chamada de portadora da luz e do brilho, geradora da luz e portadora do
fogo. Pois na verdade ela ultrapassa as multitude incomensuráveis das virtudes do
corpo. Portanto, essa virtude deveria ser chamada pelos mais honoráveis nomes, em
razão da luz brilhante que ela engendra. Se chegarem a amá-la, os pecadores, os
indignos, os que são vis e irracionais, os insensatos e os injustos podem se tornar justos,
úteis, puros, santos e sábios, por Jesus Cristo. E ademais, eles poderão ainda contemplar
os mistérios divinos, e desenvolver a teologia. E, tornando-se contemplativos, poderão
chegar até essa luz pura e sem limites, e alcançaram contatos inefáveis, e viverão e se
conformarão a Ele. Tendo experimentado que o Senhor é bom[80], assim se cumprirão
manifestamente as palavras de Davi: ‘Certamente os justos confessarão Teu Nome e os
homens direitos habitarão diante de Tua Face[81]’. Em verdade, apenas esses terão feito
um verdadeiro chamado a Deus, e terão confessado Deus, com quem amam falar, e O
amam também[82]”.

E São Simeão, Arcebispo de Tessalônica, diz dessa prece: “Essa divina prece, essa
invocação de nosso Salvador: ‘Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de
mim’, é ao mesmo tempo uma prece e uma súplica, uma confissão de fé, um
dispensador do Espírito Santo, uma consagração da graça divina, uma purificação do
coração, o banimento dos demônios, a morada de Jesus Cristo, uma fonte de
pensamentos espirituais e de reflexões divinas, a libertação dos pecados, a cura das
almas e dos corpos, um dispensador da iluminação divina, uma fonte da misericórdia
divina, um dispensador de revelações e de mistérios divinos, e a própria salvação, pois
essa traz em si o Nome Salvador de nosso Deus. Esse é o chamado em nós do próprio
Nome de Jesus Cristo, o Filho de Deus[83]”.

Outros Santos Padres falam da mesma forma quando dissertam sobre essa prece
sagrada, em seus ensinamentos cheios de sabedoria divina, quando declaram a propósito
de sua ação, do benefício inefável que dela resulta e do progresso que essa prece traz
pelos dons divinos do Santo Espírito.

E quem, vendo que essa prece sagrada conduz os ascetas a tamanhos tesouros celestes
de virtude, não será inflamado com zelo divino pelo cumprimento constante da prece, a
fim de guardar sempre na alma e no coração o dulcíssimo Jesus, lembrando-se sempre
de seu Nome adorado, enchendo-se assim do fogo de Seu amor inefável? Só não fará
isso aquele que se fixar nos pensamentos terrestres, e permanecer ligado pelos entraves
dos cuidados do corpo. Essas coisas conduzem muitos a se perder e a se desligar do
Reino de Deus que está em nós. Somente aquele que não se dedicar com fervor ao
cumprimento da prece mental, que não houver em verdade praticado essa prece, que não
tenha provado no fundo da alma a inefável doçura dessa prática tão benéfica, são saberá
qual benefício espiritual está oculto nessa prece. Mas os que desejam se unir em amor
com o dulcíssimo Jesus, tendo vomitado sobre todas as belezas desse mundo, sobre
todas as alegrias e facilidades do corpo, desejarão não fazer outra coisa nessa vida do
que se dedicar constantemente ao cumprimento paradisíaco dessa prece.
CAPÍTULO VI

O começo da aprendizagem da divina prece do intelecto no coração

Desde os tempos antigos essa santa atividade da prece mental, brilhou nos numerosos
lugares onde os Santos Padres tinham suas moradas. Por esse motivo, naqueles tempos,
também existiam inúmeros mestres experientes nessa atividade espiritual. Também por
essa razão, nossos Santos Padres, quando escreviam a respeito, não falavam mais do
que do benefício espiritual inexprimível que dela advinha, não tendo necessidade
alguma, penso eu, de dissertar sobre a experiência dessa atividade que convém aos
iniciantes. E. mesmo que alguns tenham escrito a esse respeito alguma vez, foi,
compreensivelmente, apenas para aqueles que já tinham a experiência dessa atividade,
porque, para os que não a tinham, isso tudo era absolutamente incompreensível. Mas
alguns desses Santos Padres, vendo que os instrutores verdadeiros e confirmados dessa
atividade começavam a se tornar pouco numerosos, e, temendo que os primeiros passos
dessa prece mental fossem perdidos, descreveram tanto o começo como a experiência
dessa prece, bem como o modo pelo qual um iniciante deveria aprendê-la, como ele
deveria penetrar com seu intelecto no país do coração e aí conformar essa prece com o
intelecto em verdade e sem erro. O divino ensinamento dos Padres, referente a esse
tema, será exposto aqui.

São Simeão o Novo Teólogo fala assim a propósito do começo dessa atividade: “A
atenção verdadeira, a que não se engana, e a prece, consistem em que durante o tempo
da prece o intelecto guarda o coração e permanece sempre nele, ou seja, desde as
profundezas do coração esse deve enviar uma prece ao Senhor. E, quando ele provar
com o coração que ‘o Senhor é bom[84]’ e se regozijar com doçura, o intelecto não
mais deixará o lugar do coração. E, com o Apóstolo, ele dirá: ‘É bom para nós estarmos
aqui[85]’. E, examinado sem cessar os lugares do coração, ele irá adquirir um certo
modo de expulsar todos os pensamentos do Inimigo que foram aí semeados”. Mais
adiante ele fala ainda mais claramente de tudo isso: “sentado em sua cela silenciosa,
num canto escolhido, faça da maneira como eu digo: feche a porta e eleve seu intelecto
acima de todos os cuidados, pressione o queixo contra o peito, movendo os olhos dos
sentidos em harmonia como intelecto. Retenha a inspiração pelo nariz a fim de não
expirar com força, e se esforce para encontrar mentalmente o lugar do coração em você,
onde é natural que todos os poderes da alma estejam situados. De início, você
encontrará lá apenas trevas e uma rude grosseria. Mas, se você continuar a fazê-lo noite
e dia, você obterá – ó maravilha! – a alegria incessante[86]”.

Mais adiante, ele fala mais claramente sobre isso, conforme segue: “Logo que a alma
encontra o lugar do coração, imediatamente ela vê aquilo q eu jamais vira antes: ela vê
um espaço no meio do coração e esse é inteiramente brilhante e cheio de discernimento.
A partir desse momento, pouco importa de onde vem um pensamento, antes que ele
penetre e tome forma, ele é imediatamente banido e destruído pela invocação de Jesus
Cristo. Daí, o intelecto, lembrando-se do mal feito pelos demônios, eleva contra eles
uma cólera natural, os persegue e atira por terra os adversários espirituais. E vocês
aprenderão ainda outras coisas com a ajuda de Deus, guardando o intelecto e guardando
Jesus no coração[87]”.

São Nicéforo o Jejuador, ensinando ainda com mais clareza a entrada do intelecto no
coração, diz: “Primeiro, que sua vida seja uma vida de silêncio, sem cuidados, e em paz
com todos. Depois, entrando em sua cela, tranque-se, sente-se num canto, e faça o que
eu lhe digo: você sabe que o que inspiramos não passa de ar; e nós o expiramos pelo
coração. Aí reside a causa da vida e do calor do corpo. O coração drena o ar, a fim de
deixar partir seu calor pela respiração e de receber o frescor. A causa dessa atividade, ou
antes seu servidor, é algo de sutil, que, criado ínfimo pelo Criador, como uma espécie
de soprador, aspira facilmente e expira aquilo que o cerca, ou seja, o ar. Dessa maneira,
o coração, atraindo para si o frescor com a ajuda do ar, e deixando sair o calor, realiza
sem descontinuar a função para a qual foi estabelecido no seio da vida. Então, sentado e
concentrando seu intelecto, force-o a entrar no coração com a respiração. E, quando ele
entrar lá, tudo o que se seguirá não deixará de ter alegria e felicidade”.

Mais adiante, ele prossegue: “Por isso, irmão, treine seu intelecto a não sair
apressadamente de lá; pois ele poderá achar que lá é prejudicial, por causa do
enclausuramento e do confinamento interior. Mas quando ele se habituar ele já não
suportará mais se aventurar pelo exterior, pois o Reino dos Céus está em nós, e quando
o examinamos e o encontramos por meio da prece pura, então tudo o que é exterior se
torna detestável. Se então, como eu disse, você puder entrar com o intelecto no lugar do
coração como eu indiquei, agradeça a Deus e glorifique-O, regozije-se e continue com
essa atividade sem descontinuar, e você então aprenderá aquilo que não sabe. E você
deve saber também que o intelecto não deve permanecer silencioso e ocioso, mas deve
ter como atividade e labor incessante essas palavras: “Senhor Jesus Cristo, Filho de
Deus, tem piedade de mim”; ele não deve jamais cessar essa atividade. Isso impede o
intelecto de ser sufocado e o preserva de ser tocado e dos pensamentos do Inimigo, e o
elevará a cada dia no amor e no desejo divinos. Pois, irmão, se depois de ter trabalhado
por muito tempo, você ainda não puder penetrar no país do coração, como ordenamos,
faça o que eu lhe digo e você obterá o que procura”.

“Você sabe que a parte racional do homem se encontra em seu interior? Pois é em seu
seio, que, ainda que os lábios estejam silenciosos, falamos e percebemos, e dizemos as
preces e os salmos, etc. Então, que diga essa parte racional, depois de se separar de todo
pensamento (pode você pode, se o quiser): “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem
piedade de mim”; e obrigue-a a dizer, independentemente de qualquer outra coisa, essas
palavras no seu interior. E depois que você guardar essa prática durante algum tempo,
por meio dela se abrirá também a entrada de seu coração, indubitavelmente, como eu
lhe escrevo, pois sabemos disso por experiência. E a você virá, com a vigilância tão
doce e desejada, o coro de todas as virtudes: o amor, a alegria, a paz, etc.”.

O divino Gregório o Sinaíta, ensinando também esse método do intelecto no coração,


essa salutar invocação do Senhor, diz: “Sentado desde a manhã numa cadeira baixa,
desça seu intelecto desde a cabeça até o coração, e guarde-o lá. E inclinando-se com
dificuldade e sentindo uma dor aguda no peito, nas espáduas e no pescoço, clame sem
cessar com o intelecto ou a alma: “Senhor Jesus Cristo, tem piedade de mim”. Depois,
se em decorrência do confinamento ou da dor, ou das frequentes invocações, isso se
torne desagradável (o que não acontecerá se o Alimento de Três Nomes for
frequentemente ingerido, porque foi dito que “aqueles que me comem ainda terão
fome[88]”), então transfira seu intelecto à outra metade da prece, e diga: “Filho de
Deus, tem piedade de mim”. E pronunciando essa segunda parte numerosas vezes, não
mude muitas vezes as duas metades da prece, por preguiça ou aborrecimento, pois as
plantas transplantadas muitas vezes não fixam raízes. Mantenha sua respiração leve
também, a fim de não respirar com muita força, pois o movimento do ar proveniente do
coração dispersa o pensamento e ensombrece o intelecto; ao retornar daí ele arrasta o
cativo ao esquecimento, ou o obriga a ir a um lugar ao invés de outro. E assim ele se
torna insensível àquilo ao que não deveria ser. Se você ver a sujeira dos espíritos
impuros, ou seja, os pensamentos que se levantam ou formam imagens no seu espírito,
não tema nem se surpreenda; e da mesma forma, se aparecerem bons pensamentos
relativos a algumas coisas, não lhes preste atenção, mas, retendo o sopro tanto quanto
possível e, encerrando o intelecto no coração e fazendo com constância e muitas vezes a
invocação do Senhor Jesus, você destruirá e desenraizará esses pensamentos, ferindo-os
invisivelmente com o Nome Divino, como disse São João Clímaco: ‘Bata nos inimigos
com o Nome de Jesus, pois não existe arma mais forte no céu ou na terra’[89]”.

Ensinando como se deve sentar em silêncio, esse mesmo santo ensina: “Algumas vezes,
devemos nos sentar sobre um banco para esse labor, outras vezes sobre um leito para o
repouso. Você deve se sentar com paciência, por amor Àquele que disse que devemos
ser pacientes na oração[90]”. Não devemos nos levantar com frequência, para não nos
dispersarmos, por causa da dificuldade, da pena, da aflição, da invocação ou da tensão
frequente do intelecto. Assim também o declara o Profeta: “As aflições se apoderaram
de mim como de uma gestante[91]”. E assim, penetrando e concentrando o intelecto no
coração, para que seu coração se abra, peça ajuda ao Senhor Jesus. Se suas espáduas
doerem ou se tiver frequentes dores de cabeça, suporte essas coisas firmemente e com o
máximo de zelo, buscando o Senhor em seu coração: ‘pois o Reino dos Céus pertence
àqueles que usam a força, e os violentos os tomam pela força’[92]”.

Ele comenta ainda, a respeito daquilo que deve ser dito durante a prece: “Os Padres
falaram assim: alguns dizem toda a prece ‘Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem
piedade de mim’, outros a dizem pela metade, ‘Jesus Filho de Deus, tem piedade de
mim’ – e isso pode ser mais apropriado em razão da enfermidade e do caráter infantil do
intelecto. Mas ninguém pode, por si mesmo, se não for pelo Espírito, nomear secreta,
pura e perfeitamente o Senhor Jesus[93], mas, como uma criança muda, só pode
pronunciá-lo com a língua. E não se deve, por preguiça, mudar muitas vezes a
invocação do Nome, mas apenas raramente”. Ele diz mais: “Alguns ensinam que
devemos pronunciar com os lábios, outros com o intelecto, mas eu permito as duas
coisas. Algumas vezes o intelecto está preguiçoso e se aborrece falando, e o mesmo
acontece com os lábios. Por isso podemos orar dos dois modos, tanto com os lábios
como com o intelecto; porém devemos invocar em voz baixa e sem ruído (para que a
voz, perturbando a sensação e a atenção do intelecto, não o entrave), até que o intelecto,
tendo se habituado, avance e receba o poder do Espírito para orar forte e plenamente.
Então já não será mais necessário orar com os lábios, e mesmo, não será possível, pois o
indivíduo estará apto a efetuar essa atividade apenas com seu intelecto[94]”.

Sendo assim, prestem atenção no modo como os Santos Padres – conforme indiquei –
apresentam esse ensinamento tão claro e essa prática da atividade mental para os
iniciantes. E, a partir desse ensinamento, vocês poderão compreender também os
ensinamentos dos outros Santos sobre essa atividade, que foi aqui apresentada de
maneira direta.

Fim dos seis capítulos.

***
Ao Deus Misericordioso a glória, a honra, o louvor a as graças, pelos séculos dos
séculos. Amém.

[1] Salmo 57: 4.


[2] Mateus 17: 5.
[3] I Tessalonicenses 5: 18.
[4] I Coríntios 14: 15.
[5] Colossenses 3: 16.
[6] Gálatas 4: 6.
[7] I Coríntios 14: 19.
[8] Mateus 16: 16.
[9] João 15: 16.
[10] Marcos 16: 17.
[11] João 17: 3.
[12] João 20: 31.
[13] I Coríntios 12: 3.
[14] Hebreus 10: 31.
[15] Mateus 6: 6.
[16] São João Crisóstomo, 19ª. Homilia sobre o Evangelho de São Mateus.
[17] Teópto: que viu a Deus.
[18] Êxodo 14: 15.
[19] Salmo 129: 1.
[20] São Gregório o Sinaíta, 130ª. Homilia.
[21] São Nilo de Sora, 49ª. Homilia.
[22] Mateus 6: 6.
[23] Salmo 33: 1.
[24] João 6: 33.
[25] Salmo 118: 131.
[26] Salmo 80: 11.
[27] I Coríntios 10: 31.
[28] Mateus 22: 37.
[29] Mateus 6: 21.
[30] Salmo 38: 4.
[31] Mateus 15: 19-20.
[32] Mateus 23: 26.
[33] Eclesiastes 11: 9-10.
[34] Eclesiastes 10: 4.
[35] Mateus 15: 19.
[36] Lucas 12: 19.
[37] Mateus 7: 14.
[38] Mateus 5: 8.
[39] I Pedro 5: 8.
[40] Efésios 6: 12.
[41] Mateus 5: 8.
[42] Deuteronômio 15: 9.
[43] Salmo 5: 4.
[44] Salmo 136: 9.
[45] Salmo 100: 8.
[46] Amós 4: 12.
[47] I Tessalonicenses 5: 17.
[48] João 15: 5-6.
[49] Mateus 15: 19.
[50] Salmo 39: 9.
[51] I Coríntios 14: 19.
[52] Salmo 56: 8.
[53] Cântico dos Cânticos 5: 2.
[54] Salmo 118: 145.
[55] Salmo 100: 8.
[56] Lucas 17: 21.
[57] Marcos 4: 31-32; Mateus 15: 45-46; Lucas 13: 21.
[58] Provérbios 4: 23.
[59] Mateus 23: 26.
[60] Efésios 6: 12.
[61] I Pedro 5: 8-9.
[62] Romanos 7: 22-23.
[63] I Coríntios 12: 3.
[64] Deuteronômio 8: 18.
[65] Eclesiastes 11: 6.
[66] I Coríntios 14: 14-15, 19.
[67] Mateis 11: 12.
[68] I Coríntios 12: 3.
[69] Mateus 15: 19-20.
[70] Mateus 23: 36.
[71] João 4: 23.
[72] I Coríntios 14: 14, 19.
[73] Efésios 6: 18.
[74] João 4: 24.
[75] I Coríntios 14: 14-15.
[76] I Coríntios 14: 19.
[77] São João Clímaco, A Escada Santa, 27: 21-23.
[78] Primeira Centúria, Capítulo 1.
[79] Macário o Grande, Homilia 40, Capítulo 2.
[80] Salmo 33: 8.
[81] Salmo 139: 14.
[82] Segunda Centúria, Capítulo 71,
[83] Capítulo 296.
[84] Salmo 33: 8.
[85] Mateus 17: 4.
[86] Na tradução russa das Homilias de São Simeão o Novo Teólogo, o Santo Bispo
Teófano o Recluso faz nesse ponto uma ressalva sob forma de nota, prevenindo o leitor
de que essas técnicas, devido à falta de guias espirituais, podem gerar graves
consequências. Deve ficar claro que a prática das técnicas expostas no Capítulo VI não
deve ser destacada das condições indispensáveis expostas no Capítulo IV: no mínimo, é
preciso estar sob a direção espiritual de um pai espiritual no mosteiro. Para os leigos,
essas técnicas podem ser reduzidas a uma prática simples que o Bispo Teófano expõe
assim: “Trata-se sobretudo de adquirir o hábito de guardar o intelecto no coração.
Devemos fazer o intelecto descer desde a cabeça até o coração e o plantar lá, ou seja,
adquirir o hábito de uma prece sem distração que pode ser adquirida comodamente
caminhando na Via de Deus pelo labor da prece, e sobretudo pela frequentação da
Igreja”.
[87] Homilia 68: Sobre as três formas de atenção e a prece.
[88] Eclesiástico 24: 23.
[89] A Escada Santa, Vigésimo Primeiro Degrau.
[90] Cf. Lucas 18: 1.
[91] Jeremias 8: 21.
[92] Mateus 11: 12.
[93] II Coríntios 12: 3.
[94] Primeiro e segundo dos sete últimos Capítulos.

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