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Talvez a característica mais peculiar da

economia de Ludwig von Mises seja sua


insistência em fazer uma abordagem apriorística
— ou seja, dedutiva. Para Mises, as "leis"
econômicas devem ser logicamente deduzidas de
axiomas anteriores, de modo que — assumindo
que as suposições iniciais sejam verdadeiras — as
conclusões alcançadas sejam tão válidas quanto
qualquer resultado na geometria euclidiana.
Isso é totalmente contrário ao método dos
positivistas, um campo que inclui a maioria dos
economistas atuais. Na opinião deles, a
economia só pode ser científica se ela adotar os
procedimentos utilizados pelas ciências naturais.
Em termos gerais, os positivistas creem que os
economistas devem formular hipóteses cujas
deduções sejam testáveis, e então sair coletando
dados que meçam a acurácia de suas previsões.
Assim, aquelas tendências que obtêm maior êxito
nesse sentido passam a ser consideradas "leis"
melhores do que aquelas hipóteses que não
corresponderam muito bem aos dados.
Contra as impressionantes ferramentas
matemáticas utilizadas pela economia
convencional, bem como seu vasto orçamento
gasto com coleta de dados, os misesianos
humildemente insistem que a economia deve
partir da premissa de que os humanos agem.
Esse axioma da ação é o núcleo da "praxeologia"
(praxis = ação; logia = ciência), o termo utilizado
por Mises para a ciência da ação humana. Os
misesianos argumentam que todas as verdadeiras
leis econômicas podem ser derivadas desse
simples axioma (algumas vezes com suposições
adicionais sobre o mundo, como o fato de que a
mão-de-obra impõe custos).
Devo confessar que costumava sentir-me
desconcertado com esse aparente dogmatismo da
parte dos misesianos. É óbvio que os seres
humanos agem — mas e daí? Será que os
misesianos realmente pensam que têm o
monopólio dessa constatação? Será que eles
realmente acreditam que os economistas
convencionais negariam que os seres humanos
agem?
Entretanto, quanto mais estudava economia
austríaca e suas áreas relacionadas, mais percebia
o quão genial havia sido a manobra de Mises.
Quando realmente estudamos o axioma da ação,
percebemos que ele sintetiza um fato
incrivelmente complicado, e tremendamente
importante, do mundo. Se quisermos ter êxito no
atual ambiente, é simplesmente indispensável
que cada um de nós
atribua intenções e razões aos outros seres.
Falando mais simplificadamente, se você quer
chegar a algum lugar na vida, você tem de
assumir que os outros humanos agem.
Ao dizer que um homem age, o misesiano
não está simplesmente sugerindo que o corpo do
homem se comporta de uma determinada
maneira. Se um homem cai de uma ponte, sua
trajetória descendente não é uma ação no sentido
austríaco. Se um homem está em perigo, seu
batimento cardíaco acelerado também não é
(para a maioria das pessoas) uma ação. A ação
humana é o esforço proposital para se atingir fins
desejados. É o esforço intencional de um ser
racional para atingir um grau maior de satisfação,
de seu ponto de vista subjetivo.
Admito que, a princípio, essas reflexões
parecem muito triviais para serem mencionadas.
Mas é somente porque aceitamos essas
constatações como algo certo e natural, que não
percebemos o quão crucial elas são. A
abordagem do cientista natural iria funcionar
perfeitamente bem para um homem em uma ilha
deserta. Quando estivesse fazendo uma fogueira,
ele não precisaria pensar: "As fagulhas querem
ficar dentro das pedras, portanto tenho de bater
uma pedra na outra para convencer essas faíscas
a pularem para os gravetos".
Porém, quando introduzimos uma outra
pessoa no cenário, a situação muda
dramaticamente. Agora passa a ser essencial que
nosso homem original atribua preferências e
razões a esse novo "ser", caso ele tenha alguma
esperança de entender o comportamento dele.
Sem nos aprofundarmos muito em argumentos
filosóficos, podemos defender a tese de um modo
bem pragmático: se o homem original tentar lidar
com esse novo "ser" (ou seja, a segunda pessoa da
ilha) utilizando o mesmo aparato mental que ele
utilizava quando lidava com pedras e árvores, ele
não será tão bem sucedido (de seu próprio ponto
de vista) quanto seria se adotasse o axioma da
ação.
Os austríacos argumentam que o método
das ciências naturais "não funcionaria" nas
ciências sociais por dois motivos. Primeiro, não
há constantes básicas no comportamento
humano, ao contrário das constantes naturais
(como a carga de um elétron) que podem ser
observadas, por exemplo, na física. Segundo, é
absolutamente impossível conduzir um
experimento verdadeiramente controlado nas
ciências sociais. Por exemplo, dois economistas
não poderiam testar teorias rivais de tributação
sobre a "mesma" população, pois a simples
ocorrência do primeiro experimento (por
exemplo, um aumento nos impostos) já iria
alterar o ponto de partida inicial do experimento
seguinte. A dificuldade mais óbvia para essa
abordagem é que o objeto de estudo do
experimento — as pessoas na economia — estão
cientes dos experimentos e reagem de acordo.
Não há como manter "fixas" as idéias dessas
pessoas durante dois testes seguidos.
Contra esses argumentos, já vi positivistas
retrucarem dizendo (corretamente, creio) que
tais observações também "provariam" que a
meteorologia ou a astronomia não são ciência.
Afinal, dois astrônomos obviamente não
poderiam recorrer a um experimento controlado
para resolver suas divergências em relação a
uma estrela binária. Ainda assim os austríacos
presumivelmente não teriam objeções ao método
das ciências naturais na astronomia. Com base
nesse raciocínio, o positivista poderia argumentar
que sua abordagem funcionaria tão bem na
economia quanto funciona na astronomia ou na
meteorologia.
Mas é aí que eu viro o jogo: concedo
totalmente que o método das ciências naturais
funcionaria no estudo dos seres humanos tão
bem quanto funciona na astronomia ou na
meteorologia. Em particular, se você quer prever
a posição do corpo de Barack Obama no próximo
solstício de inverno, com uma acurácia de alguns
bilhões de quilômetros, então você certamente
poderá fazê-lo sem levar em conta os prováveis
"desejos" que ele possa ter. Escolhendo um
exemplo mais justo, se você quer prever o nível
dos preços das ações tão "bem" quanto os
meteorologistas preveem o tempo, então, sem
dúvida alguma, você poderá utilizar várias séries
temporais para calibrar seus modelos
econométricos.
O vislumbre de Mises foi constatar que nós
seres humanos temos uma ferramenta
muito melhor com a qual compreender os
eventos do campo social: temos a praxeologia.
Se, ao invés da posição ou da luminosidade do
corpo de Obama, você queira prever sua política
externa para os próximos meses, você não
chegará a lugar algum a menos que atribua
preferências a Obama[*]. Para essa tarefa, a
física, a química e a biologia são relativamente
inúteis, pois (sem tomar qualquer posição
referente ao materialismo) uma mudança, por
mais mínima que seja, no arranjo das células no
sistema nervoso de Obama poderá gerar ações
amplamente divergentes de sua parte.
Em resumo, não se está dizendo que o
método das ciências naturais não funciona
quando se trata da ação humana; mas seu uso
estaria negligenciando um instrumental
incrivelmente melhor que todos nós possuímos.
Ninguém realmente sabe por que os objetos
caem; por isso o melhor que podemos fazer é
inventar "leis" físicas que descrevam as
observações empíricas o mais fielmente possível.
Sabemos que a gravidade existe e podemos até
descrevê-la. Mas não sabemos o motivo de sua
existência.
Mas quando se trata da ação de outros seres
humanos, certamente sabemos alguma coisa
sobre sua causa, porque cada um de nós tem
preferências subjetivas, e cada um de nós utiliza
certos meios para se chegar a determinados fins.
Em um contexto diferente, C.S. Lewis fez uma
observação similar:
Há uma coisa, e apenas uma, em todo o
universo, que sabemos mais do poderíamos saber
por meio de observações externas. Essa coisa
única é o Homem. Não apenas observamos os
homens; nós somos os homens. Nesse caso temos,
por assim dizer, informação privilegiada; estamos
por dentro do assunto. . . . Observe o seguinte
ponto. Qualquer um que estude o Homem por
meio de observações externas, assim como
estudamos a eletricidade ou os vegetais, que não
conheça nossa linguagem e consequentemente não
fosse capaz de coletar qualquer conhecimento
interno que possuímos, mas que fosse apenas
capaz de observar o que fazemos, jamais obteria a
menor evidência de que temos uma lei moral. E
como poderia? Suas observações apenas
mostrariam o que fazemos, enquanto que a lei
moral é sobre o que devemos fazer. Da mesma
forma, se houvesse algo acima ou além dos fatos
observados no caso das pedras ou da
meteorologia, nós, por estudarmo-los de fora,
jamais poderíamos ter esperanças de descobri-lo.
(Mere Christianity, Touchstone, 1996, p. 33).
Concluindo: Ludwig von Mises estava certo
ao fundar todo seu sistema praxeológico sobre a
suposição — ou melhor, a constatação — de que
os humanos agem. Rechaçar esse método em
prol de uma abordagem mais "científica" significa
jogar fora a mais fértil fonte de conhecimento
sobre as relações sociais — e isso não seria uma
atitude científica.

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