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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Curso de Psicologia – Aprendizagem e Memória

Débora Magnavita Amorim Silva


Ingrid Alessa Soares
Lívia Machado Brasil

A PRODUÇÃO DE FALSAS MEMÓRIAS SEGUNDO O MODELO CONEXIONISTA

Niterói
2018
Débora Magnavita Amorim Silva
Ingrid Alessa Soares
Lívia Machado Brasil

A PRODUÇÃO DE FALSAS MEMÓRIAS SEGUNDO O MODELO CONEXIONISTA

Relatório apresentado às monitoras da disciplina de


Aprendizagem e Memória, para a aquisição da
segunda nota que irá compor a avaliação.
Professores: Elton Hiroshi Matsushima e Stallone
Pereira Abrantes

Niterói
2018
Resumo
Esse relatório tem como finalidade discutir acerca dos resultados de um experimento
realizado, relacionado à memória humana. Embora se trate de um assunto complexo, pois
ainda não se entende completamente como estímulos neurais e bioquímicos configuram
representações mentais, ainda nesse campo, surgiram vários estudos que classificaram a
memória em diversos tipos. A partir disso, muitos modelos foram criados para entender esse
processo cognitivo que possui grande importância na formação da identidade pessoal de cada
indivíduo. Um dos modelos é o chamado conexionista. Ele aborda a memória como uma rede
constituída por vários nós interligados, no qual a chave da representação do conhecimento
encontra-se nas conexões entre os vários nodos e não em cada nodo. Dessa forma, há o
chamado efeito priming que efetua a ativação de determinados nódulos. Assim, o vigente
trabalho visa testar a produção de um fenômeno que ocorre através de um priming semântico:
a falsa memória, isto é, a lembrança da ocorrência de eventos que não aconteceram na
realidade. Quinze sujeitos participaram do seguinte procedimento: após ouvirem uma lista de
quinze palavras associadas semanticamente a uma outra palavra encoberta, eles deveriam
escrever os termos recordados em uma folha de resposta e dar um valor numérico a cada um
deles de acordo com o grau de confiança em tê-los ouvido realmente. Após as entrevistas, e a
análise dos dados observou-se que, apesar de ter existido ocorrência do priming semântico, a
amostra atual não atingiu tais resultados pelo viés estatístico.

Palavras-chave: memória; modelo conexionista; efeito priming; falsa memória.


Sumário

1 Introdução.............................................................................................................................5
2 Método...................................................................................................................................8
2.1 Participantes........................................................................................................................8
2.2 Material................................................................................................................................8
2.3 Procedimentos.....................................................................................................................8
3 Resultados..........................................................................................................................10
4 Discussão............................................................................................................................11
5 Conclusão...........................................................................................................................13
Referências...............................................................................................................................14
Anexos......................................................................................................................................15
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1 Introdução

Um dos fenômenos mais importantes e complexos para a existência humana é a


memória. Ainda não se entende completamente, por exemplo, como estímulos neurais e
bioquímicos configuram representações mentais (Mourão Júnior & Faria, 2015). Sabe-se
também que a memória é está relacionada com o self cognitivo, ou seja, a identidade pessoal
de cada indivíduo. Segundo Howe e Courage (1997), o self começa após o fim do que eles
conceituaram como amnésia infantil e, a partir disso, começa a memória autobiográfica, que é
um compilado de representações mentais de experiências vividas.
Observa-se que, ao longo do tempo, surgiram vários estudos que classificaram a
memória com o intuito de facilitar seu entendimento, como a memória ecoica, icônica, de
curto prazo, longo prazo, memória de trabalho, entre outras. Muitos modelos também foram
criados para entender esse processo cognitivo. Muitos deles fazem um comparativo
da memória com uma máquina de computador, no sentido de que as informações e sensações
que chegam ao indivíduo são o input, o armazenamento metal seria o disco rígido e, depois de
serem processadas, certas memórias podem ser liberadas, de acordo com a necessidade, o que
seria o output. Todavia, essa comparação é muito simplista para entender toda a complexidade
do sistema de memória.
De forma abrangente, diz-se que existem „‟três operações usuais de memória:
codificação, armazenamento e recuperação‟‟ (Baddeley, 1998, 1999 e 2000b; Brown, Craik,
2000 apud Sternberg, 2008, p.156). A codificação ou aquisição consiste em receber os
estímulos sensoriais, configurando-os em uma representação mental; o armazenamento ou
consolidação é a manutenção do que foi adquirido na memória; por último, a recuperação ou
evocação é a liberação de certas memórias, de acordo com as necessidades, podendo ser de
caráter voluntário ou involuntário.
Nessa perspectiva, deve-se pontuar o modelo proposto por Atkinson e Shiffrin (1968),
considerado como o modelo tradicional e que serviu de base para discussões mais
aprofundadas no assunto. Segundo esses autores, o processamento da memória perpassa,
primeiramente, o armazenamento sensorial, que está associada com as sensações que chegam,
as mais importantes seriam auditivas e visuais. Essas informações se organizam em memórias
de curto e memórias de longo prazo. De forma resumida, as de curto prazo tem uma
capacidade limitada de retenção, podendo sofrer um deslocamento para as de longo prazo ou
ser esquecidas rapidamente. As de longo prazo também podem deslocar-se para as de curto
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prazo, de acordo com as necessidades, e, como características gerais, tem um caráter ilimitado
de armazenamento e possuem uma longa capacidade temporal de retenção.
Embora esse modelo seja de suma importância para desvendar o processo de memória,
ele se mostra limitado em alguns aspectos. Sua maior limitação é ter uma visão muito
simplificada ao dividir as memórias de curto e longo prazo, como se fossem opostas e
isoladas uma da outra. Nesse enquadre, outros modelos alternativos surgiram, evidenciando
que esses sistemas trabalham simultaneamente e interagem, o que traz maior organicidade ao
estudar-se esse processo cognitivo.
Dessa forma, deve-se pontuar que a memória de trabalho consiste em um dos modelos
mais utilizados atualmente, no qual não considera a memória de curto prazo, apenas as de
longo prazo ativada. Baddeley e Hitch (1974) propuseram uma sintetização desse modelo,
dividindo-o em quatro componentes: alça fonológica, esboço visuo-espacial, sistema
executivo central e anteparo episódico. O primeiro diz respeito a fala interna, ou seja, a
transformação dos estímulos recebidos em códigos fonológicos. O segundo trabalha na parte
de armazenamento em imagens mentais. O terceiro é um sistema atencional muito importante
na seleção de informações necessárias para o momento. O quarto faz a ligação entre as novas
informações que são percebidas com as memórias de longo prazo, podendo também ativas as
de longo prazo, o que seria inconcebível para o Atkinson e Shiffrin. Em geral, deve-se dizer
que esse modelo é um sistema integrativo, no qual todos os componentes trabalham juntos,
sem hierarquização.
Este trabalho tem como objetivo testar a produção de falsas memórias através do
priming semântico, seguindo o modelo dos conexionistas. Para explicar melhor esse modelo,
precisa-se ter uma visão geral do que é conhecimento declarativo e conhecimento procedural.
O primeiro diz respeito ao significado do que é aprendido, ou seja, uma conceitualização do
que são as coisas. O segundo se trata do aprendizado das etapas de determinados
procedimentos até que ocorra a “procedurização” dos mesmos, ou seja, até que os processos
sejam feitos de forma automática, sem uma preocupação prévia de cada etapa, como ocorre
no processo de dirigir ou aprender um instrumento musical, por exemplo. Nessa perspectiva,
os conexionistas integram esses dois tipos de conhecimento, ao afirmar que eles trabalham
paralelamente. Além disso, os conexionistas abordam que o cérebro é composto por uma rede
neural composta por nós, todavia „‟a chave da representação do conhecimento encontra-se nas
conexões entre os vários nodos e não em cada nodo individual‟‟ (Feldman & Shastri, 2003
apud Sternberg, 2008, p. 176). Dessa forma, a rede é composta por conexões que possuem
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potências excitatórias ou inibitória entre os nós que podem ser ativadas ou não por
neurotransmissores.
Com esses conceitos em mente, pode-se entender como as falsas memórias acontecem.
Deve-se pontuar, primeiramente, que a ocorrência de falsas memórias é a “lembranças de
eventos que não ocorreram, de situações não presenciadas, de lugares jamais vistos, ou então,
de lembranças distorcidas de algum evento” (Roediger & McDermott, 2000; Stein & Pergher,
2001 apud Alves & Lopes, 2007, p. 46). Nessa perspectiva, o atual experimento testará a
criação de falsas memórias por priming semântico, no qual a recordação das palavras será
facilitada pela apresentação de palavras semanticamente parecidas. (Eysenck & Keane, 2017).
Dessa forma, o objetivo deste trabalho é analisar como a leitura das listas de palavras
ativa toda a rede neural do indivíduo, dependendo da atribuição semântica de cada lista, e
como os estímulos dos neurotransmissores ativam caminhos neuronais indiretos, no qual o
sujeito do experimento crie as falsas memórias.
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2 Método

2.1 Participante

Os sujeitos consistem em 15 indivíduos com faixa etária entre 17 e 27 anos, em que 4


são do sexo masculino e 11 são do sexo feminino. A escolaridade dos sujeitos varia entre:
ensino médio incompleto, ensino médio completo, ensino superior incompleto e ensino
superior completo. Os locais em que se dão as relações dos sujeitos com as experimentadoras
também são diversificados entre: família, igreja e faculdade.

2.2 Material

Para realizar os experimentos, é necessário inicialmente a elaboração, por parte dos


experimentadores, de 6 listas com 15 palavras cada uma, onde essas palavras devem ser
semanticamente relacionadas a cada uma das 6 palavras encobertas: costurar, sono, doce,
cadeira, triste, montanha. É preciso, ainda, cautela na preparação das listas para que sejam de
diversas categorias sintáticas, não sejam derivadas, e tenham bastante proximidade semântica.
Ademais, é requerido folhas de resposta para cada participante do experimento, referente às
seis listas, e canetas para a elaboração das listas por eles. Além disso, faz-se necessário a
utilização de um cronômetro para o controle do tempo.

2.3 Procedimentos

O procedimento consiste, inicialmente, no fornecimento da caneta e da folha de


respostas ao sujeito e na apresentação da duração do experimento a ele, que é
aproximadamente 25 minutos. Logo após é explicado ao participante como a experiência
ocorrerá.
Primeiro, o experimentador anunciará ao sujeito o início da leitura da primeira lista
previamente preparada. Assim, ele lerá em voz alta as 15 palavras associadas, nunca a palavra
encoberta, com uma taxa de uma palavra a cada 2 segundos. Depois da leitura, o participante
terá 2 minutos pra recordar o máximo de palavras possível escrevendo-as com uma caneta na
folha de respostas. Após isso, ele deve julgar o nível de confiança na recordação de cada uma
delas: atribuindo um valor de 1 a 4, onde 1 é quase nenhuma confiança e 4 é plena confiança.
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Feito isso com a primeira lista, repete-se o mesmo procedimento com a segunda, a terceira e
assim por diante.
Ainda que tenha sido realizado em locais diferentes, foi estabelecido que o
experimento ocorreria em lugares silenciosos e privados, para que se evitasse ao máximo
dispersão ou outras reações emocionais adversas por parte do participante, que pudessem
interferir nos resultados.
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3 Resultados

Figura 1. Média de confiança das palavras associadas e encobertas.

Figura 2.Média de recordação das palavras associadas e encobertas.

Teste t da média de recordação das palavras associadas e encobertas: 0.04049

Teste t da média dos graus de confiança das palavras associadas e encobertas: 0.00135034725
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4 Discussão
No experimento realizado, inicialmente, foram escolhidas entre as pesquisadoras as 15
palavras de cada uma das 6 listas (Anexo A), levando em conta os procedimentos necessários
para tal.
Logo após, iniciou-se o processo de recrutamento dos participantes, em que cada uma
das experimentadoras ficou responsável por entrevistar 5 pessoas. Todas as entrevistas foram
feitas individualmente, entretanto, os ambientes em que se deram foram distintos, dadas as
diferentes ligações entre cada grupo de sujeitos e suas pesquisadoras. É necessário apontar
que, ao receberem o convite para a entrevista, não houve resistência em nenhum dos casos,
embora muitos sujeitos, mesmo com as medidas tomadas já citadas, não demonstraram foco,
concentração e interesse satisfatórios para a realização eficaz da pesquisa.
No momento da realização do teste foram observados e considerados fatores como:
emocional dos participantes, o barulho presente no ambiente, assim como interferências
passíveis de gerarem distração no participante.
Durante a coleta de dados, percebeu-se que os sujeitos tinham receio de escrever as
palavras que não estavam na lista, até mesmo as encobertas, por isso acabaram atribuindo
níveis de confiança menores para tais. A maioria das palavras associadas recordadas tinham
um grau de confiança 4. É válido relatar também que a quantidade de palavras recordadas
variou e apenas em três listas os quinze itens foram preenchidos.
Ademais, foi observado dois extremos no comportamento dos participantes durante as
entrevistas: em alguns casos, os sujeitos iniciavam de maneira distraída e descompromissada,
entretanto, com o decorrer da pesquisa, foram reconhecendo a seriedade do experimento e se
interessando mais por ele; em outros, os indivíduos iniciaram animados e focados, mas
conforme o andamento da pesquisa foram se cansando queixando-se pela quantidade
exacerbada de palavras, ainda que não pedissem para que o experimento fosse encerrado antes
do tempo.
Ao observar os dados obtidos, é interessante notar também que a maioria das palavras
recordadas pelos participantes relacionavam-se com sua posição na lista lida, no qual as
primeiras e as últimas palavras eram lembradas primeiramente. Pode-se falar sobre a
ocorrência de dois efeitos: ''o efeito de primazia se refere à melhor memória das pessoas para
os itens apresentados primeiro, enquanto o efeito de recentidade se refere à melhor memória
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para os itens mais recentes'' (Heatherton & Gazzaniga, 2005, p. 222). As técnicas de
memorização também variam, mas não se pode afirmar como foi o procedimento mental de
cada participante. Contudo, observou-se que alguns indivíduos tinham facilidade de recordar
em pequenas sequências, de acordo com o que foi lido, como, por exemplo, da palavra de
posição número 12 até a de posição número 15.
Percebe-se que a taxa de recordação dos participantes foi maior para as palavras
associadas do que para as palavras encobertas, o que é percebido na Figura 2. Evidencia-se
também que a recordação, em geral, ultrapassa apenas metade do número de palavras
pronunciadas durante o experimento. Da mesma forma, o número de confiança para as
palavras associadas foi maior do que para as palavras encobertas, sendo pontuado como plena
confiança (4), na maioria dos casos, conforme pontuado na Figura 2.
Ao realizar o cálculo do “teste t”, baseado nos valores das proporções de palavras
associadas recordadas e proporções de palavras encobertas recordadas (Figura 2), verifica-se
o valor de 0,04049, considerado estatisticamente significante, de acordo com o valor de
significância de 0,05 que foi pré-estabelecido. Com esse resultado, é possível observar que,
apesar de ter existido ocorrência do priming semântico, ao analisar os dados de forma bruta, a
amostra atual não atingiu tais resultados pelo viés estatístico. A causa disso é indeterminada,
mas hipóteses podem ser formuladas para explicar o fato.
A inexperiência das experimentadoras pode ter sido, sem dúvidas, um fator crucial
para o resultado do teste. A boa escolha de palavras na elaboração das listas era fundamental
para o sucesso do experimento e, nesse caso, as pesquisadoras podem ter selecionado
vocábulos demasiadamente distantes das palavras encobertas, impossibilitando, assim, que as
devidas associações fossem feitas e as falsas memórias concretizadas. Da mesma maneira, é
necessário considerar o tamanho muito reduzido da amostra, que torna o cálculo impreciso e
impede a visualização da eficácia real do experimento.
O valor do teste t da média dos graus de confiança das amostras é de 0.00135034725,
mas não é considerado relevante nesse caso, já que o priming semântico não foi
estatisticamente comprovado.
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5 Conclusão
É evidente, portanto, que mesmo não havendo a comprovação estatística acerca do
priming semântico, houve a ocorrência de falsas memórias durante o experimento. Desse
modo, os participantes tiveram lembranças de diversas palavras que não foram ditas pelas
pesquisadoras, e assim, houve, de acordo com o modelo conexionista, o efeito priming.
Dessa forma, observa-se que a inexperiência das pesquisadoras, o distanciamento
semântico entre as palavras encobertas e o tamanho reduzido da amostra interferiram nos
resultados estatísticos da pesquisa. Tendo em vista tais fatores, conclui-se que, embora os
dados estatísticos não corroborem com a hipótese levantada, pode-se dizer que
conceitualmente ela pôde ser testada: houve a produção de falsas memórias.
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Referências

Alves, C. M. & Lopes, E. J. (2007). Falsas memórias: questões teórico-metodológicas.


Paidéia, 17(36), 45-56

Eysenck, M. W., & Keaner, M. T. (2017). Manual da psicologia cognitiva. Porto

Alegre: Artmed.

Gazzaniga, M. S., & Heatherton, T. F. (2005). Ciência psicológica: mente, cérebro e


comportamento. Porto Alegre: Artmed.

Mourão Júnior, C. A. & Faria, N. C. (2015). Memória. Psicologia: Reflexão e Crítica,


28(4), 780-788

Sternberg, Robert J. (2008). Psicologia cognitiva. (4a ed.). Porto Alegre: Artmed.
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Anexos

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