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revista

contextoo número0 jul-dez2010

Quanto
custa a
exclusividade?
O mercado de luxo em Riberão Preto,
em São Paulo e no Brasil.

+
Nas urnas
Conheça a história do sistema eleitoral brasileiro

Made in Brazil
Produção e consumo do azeite extra-virgem de Minas Gerais
ctxt jul/dez2010 1
wj
Saiba o que acontece na região, no Brasil e no mundo.

webjornal, o portal de notícias do Mundo Digital.


Primeiros passos
Todo fim tem um começo. Para nós, a edi-
ção 0 é o começo do fim. Um ciclo se fecha com
o final da faculdade, mas a REVISTA CONTEX-
TO almeja marcar o início de um novo projeto
para o futuro do curso de jornalismo da Unesp.
Todo o conteúdo desta revista foi pensado e
repensado antes de estampar essas 64 pági-
nas. No entanto, mesmo depois de muito re-
fletir, fomos pegos de surpresa na hora de es-
crever este editorial. Escolha, início, novidade,
surpresa, estréia, passos... uma temática invi-
sível que, sem querer, permeou esta publicação.
Que este texto lhe instigue a apreciar o que expe-
rimentamos para esta edição: O luxo de Ribeirão
Preto, a onda geek que virou moda, os encantos
de Boston, as aventuras na Amazônia, a musicali-
dade e a vivência do Festival SWU, e muito mais.
Contamos com a sua companhia nos primeiros
– e nos seguintes – passos deste longo caminho.

Expediente
A REVISTA CONTEXTO é uma produção realizada como Trabalho de Conclusão de Curso, sob
www.mundodigital.unesp.br/webjornal orientação do Prof. Dr. Luciano Guimarães, na FAAC – Faculdade de Arquitetura, Artes e Comu-
nicação / Unesp – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho.”

Reportagem: Davi Rocha, Fábio Figueiredo, Felipe Ibrahim, Gabriela Contieri, Julia Giglio, Julia-
na Heiffig, Karen Barbarini, Leonardo Valle, Tamirys Seno
Edição: Fábio Figueiredo, Gabriela Contieri, Julia Giglio
Projeto gráfico: Fábio Figueiredo, Gabriela Contieri, Julia Giglio
Impressão: Gráfica Avalon

Julho/Dezembro de 2010
2 ctxt jul/dez2010 ctxt jul/dez2010 3
vidas.50
o mundo dos homens e o mundo de Deus,
dica.42
os caminhos que as mulheres podem tomar

cc
por onde andei.56 comportamento.12
as nerds também tem vez

as peripécias de uma turista de primeira viagem em Boston City

hobby.30 novo ou antigo - a filatelia sem barreiras


especial.34
luz, lux, luxo.
o brilho do mercado ribeirão-pretano

três tempos.14
o voto no Brasil
ensaio.58
Brasil abre caminho
na produção de azeite

calendário.8 agronegócio.20

educação.10 meio ambiente.25 um mês vivendo em uma comunidade ribeirinha

vivência.43
um guia das atrações do SWU pelos olhos do público cara a cara.6
4 ctxt jul/dez2010
zoom.28 mais.49 ctxt jul/dez2010 5
caraacara

“Em uma época, quando eu fazia corrida curta de 100 km,


fiz 30 treinos de mais 40 km. Ou seja 30 maratonas em um mês”

“O pessoal fala: vejo você e lembro de Forrest Gump.


Forrest Gump é ficção ingênua, já corri muito mais de 100 mil km”

“Isso chama corrida estacionária”. Ao me dizer isso, lidade do movimento porque na escola bom aluno é
percebi que deveria repetir seus movimentos de cor- aquele que fica quieto. Na casa de um parente, toma-
rer sem sair do lugar – quase saltitando levemente mos bronca se corremos. Os animais, por exemplo,
– no quintal molhado pela chuva. Após um tempo não perderam seu movimento natural”, explica.
nesse exercício para encontrar meu ritmo, mais lento Em 1999, Losada participou da primeira ultra-
que uma caminhada apressada, começamos a correr maratona de 24 horas realizada no Brasil. Após 157
naquele espaço de sua casa. Somente essa nossa con- quilômetros correndo sem interrupções, com direito
versa pós-entrevista tinha menos pressa que meu rit- a piruetas a cada volta completada, estava inteiro e
mo recém descoberto. pronto para correr mais no dia seguinte. Toda essa vi-
Não era a primeira vez que corria com o Professor talidade fez com que criasse a “Turma da Tartaruga”,
Roberto Losada, mas era a primeira vez que tive fô- grupo que, após terminar as provas, volta para ajudar
lego para conversar com ele. Figura conhecida por e incentivar os que ainda estão no meio do caminho.
muitos paulistanos, ele pode ser encontrado corren- Correr tanto parece fácil para quem chama a São
do por diversos pontos de São Paulo, por vezes junto Silvestre (prova de quinze quilômetros) de corridi-
de outras pessoas. Certa vez o acompanhei no Parque nha e conta como ‘brincadeirinha’ ir de São Paulo
da Independência, próximo de sua casa no bairro do até Santos. Em 2007, o professor foi convidado
Ipiranga. Outra vez, ainda criança, estava com meu para carregar a tocha dos Jogos Panamericanos, em
primo em alguma das ruas da Vila Mariana e ele pas- Campinas, cidade do interior paulista. Ao receber
sou, cercado de pessoas, correndo e gritando “iuhu”. o convite, recusou, não vendo motivo para ir até lá
Foi praticamente uma convocação para segui-lo. levar a tocha por alguns metros. Após a insistência
Com 56 anos de idade, o professor universitário dos organizadores, disse que iria à cidade, mas ape-

Roberto Losada
de matemática é exemplo para qualquer um, desde nas se fosse correndo. E foi.
sedentários até pessoas que correm costumeiramente. Quem comemora até seu aniversário com corrida,
Adepto da filosofia de que corrida não é sinônimo de não poderia voltar para casa após o trabalho de outra
velocidade, deixou de ver as corridas como competi- forma. Passando por um precurso que chama de ‘te-
ção. O ultramaratonista e especialista em corridas de nebroso’ às onze horas da noite, Losada confessa que
24 horas, corre todo dia porque desenvolveu a sensi- é um dos momentos que deixa seu movimento na-
[por Fábio Figueiredo] um contador de corridas bilidade do movimento de seu corpo e readiquiriu a tural para correr com mais velocidade - vestido com
noção do movimento natural. “Perdemos a sensibi- roupa social e sapato. C

“Treino duas vezes por mês, nos dias pares e nos dias impares”

6 ctxt jul/dez2010 ctxt jul/dez2010 7


Calendário

D
ia das mães, dos pais, do selo, da árvore, da bandeira. Nosso calendário é recheado de datas comemorati-
vas ou emblemáticas, instituídas para homenagear pessoas, ações, objetos, entre outras coisas. A cada edi-
[por Julia Giglio] ção a REVISTA CONTEXTO traz cinco dias especiais, suas razões e sua história, para serem lembrados.

AGOSTO OUTUBRO
Dia do Sabruxas
4 NOVEMBRO
Dia do Inventor 25
OUTUBRO
Dia do Sapateiro 17
OU
Di

9
O Dia das Bruxas A história desse dia esbarra em contradições. Nada mais justo do que homenagear uma an- Há muitas e
(Halloween é o nome Para alguns, a data foi proclamada pelo inventor tiga profissão como a de sapateiro. A data é cações para
original na língua in- Gerhard Muthenthaler para incentivar as pessoas celebrada no mesmo dia dos santos padroeiros 1 de abril te
glesa) é um evento a terem suas próprias ideias e para homenagear da profissão: São Crispim e São Crispiniano. O transformad
tradicional e cultural, os inventores já renomados. Outros dizem que ofício de sapateiro surgiu no momento que o ho- Dia das Men
que ocorre nos países o dia foi escolhido para marcar o nascimento da mem percebeu a necessidade (e a importância) ou Dia dos B
anglo-saxônicos, com inventora e atriz austríaca Hedy Lamarr (1914- de proteger os pés. Mostra o ditado que para Uma delas d
especial relevância nos 2000). Lamarr foi muito famosa em Hollywood, ser sapateiro é preciso coragem e sabedoria, que a brinca
Estados Unidos, Cana- nas décadas de 30 e 40, e foi homenageada pelo já que o artista ‘mete as mãos onde os outros surgiu na Fr
dá, Irlanda e Reino Uni- Dia do Inventor, pois criou um aparelho capaz colocam os pés’. A profissão sobreviveu através Desde o com
do, tendo como base e de interferir em frequências radiofônicas. A pri- dos séculos, mas foi vítima da modificação dos do século X
origem as celebrações meira vista não parece aplicável ao nosso dia a sistemas de produção. Hoje, frente à indústria de o Ano Novo
dos antigos povos (não dia, mas a invenção – patenteada em 1942 – foi calçados, os sapateiros se tornaram artesãos e festejado no
existe referências de os primórdios da comunicação via satélite e da restauradores, ou fabricantes de sapatos exclu- 25 de Março
onde surgiram essas sivos - produtos diferenciados feitos para donos que marcari
Dia Internacional das Populações Indígenas tecnologia de telefones sem fio e celulares.
celebrações).seletos. seletos.
A data foi instituída pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 1994, através da
resolução 59/174. O objetivo do dia comemorativo é reconhecer as tradições e os
costumes dos indígenas do mundo todo. Além de mostrar ao mundo essa parcela im-
OUTUBRO
Dia do SapAids
25 SETEMBRO
Dia do Cadaver
´ Desconhecido
12 DEZEMBRO
Dia do Palhaço
25
OU
S
portante que constitui as civilizações, o dia 9 de agosto visa garantir os direitos desses
povos e dar a eles espaço e voz. A data tem abrangência internacional e o intuito da O dia 1 de dezembro O Dia do Palhaço foi instituído em 1981, por uma O Dia do S
ONU é reconhecer a contribuição indígena para a diversidade cultural do planeta, e A data é nacional, e foi fixada pelos cursos de companhia de teatro paulistana, e se espalhou do é ins
foi escolhido como Dia
Medicina e Anatomia das Universidades, para pelo resto do Brasil, celebrando o trabalho des- em homen
de homenagear a riqueza de suas tradições. A população indígena habita, hoje, mais Mundial de combate à
homenagear os cadáveres disponibilizados para ses artistas do picadeiro. Os profissionais das a Luís Alv
de 70 países, é representada por cerca de 300 milhões de indivíduos, falantes de mais AIDS, quando o mundo
serem estudados pelos médicos em formação. palhaçadas surgiram em meados do século XIX, Lima e Silv
de cinco mil línguas. O contingente do Brasil está em torno de 315 mil índios – 70% une forças para a cons-
Esses corpos contribuem no desenvolvimento de originários do pierrô francês e do bobo da corte trono do Ex
deles concentrados em terras amazônicas -, de 206 etnias, que vivem em 562 terras cientização sobre esta
pesquisas que resultam em enormes progressos inglês. Até a década de 1890 eles não tinham brasileiro,
indígenas. A cultura desses povos vem sendo suprimida na era da tecnologia, e o Dia doença. Desde o final
para a área da medicina e de ciências relaciona- falas, eram mímicos. As mímicas permaneceram cido em
Internacional das Populações Indígenas também tem a função de proteger esse legado dos anos 80, o Dia Mun-
das. Os cadáveres desconhecidos costumam ser no leque de habilidades dos palhaços e a ela agosto de
dial de combate à AIDS
e resguardar a identidade e memória culturais. de mendigos e de pessoas que morrem sem serem foram acrescentadas diversas outras palhaçadas que entr
vigora no calendário de
identificadas, eles são utilizados para disseca- e características - como a vestimenta colorida e História
ão Mundial da Saúde, ao
ção em matérias voltadas para conhecimento do espalhafatosa, a maquiagem carregada, o nariz “o pacific
final de 2007, 33 milhões
corpo humano. No Dia do Cadáver Desconhe- vermelho. O dia 12 de dezembro fica marcado e sufoca m
de pessoas conviviam
cido algumas Universidades promovem cultos para lembrar o ar atrapalhado dos palhaços, os rebeliões
com o vírus do HIV, sendo
ecumênicos em honra aos corpos que prestam artistas que encantam crianças e adultos (por o Império.
que, diariamente, surgem
serviço à produção de conhecimento científico. mais que, às vezes, os assustem).
7.500 novos casos.

ctxt jul/dez2010 OUTUBRO ctxt jul/dez2010 9


17
8
Foto: Sxc

8 20
OUTUBRO SETEMBRO SE
Dia do Sapatês Dia do Maquinista Dia do Internacional do D
educação

Caça-talentos da Matemática Brasil bem representado:


Marco Antônio Pedroso
[por Gabriela Contieri] Temida por nove conquista medalha
entre dez estudantes, na Olimpíada Internacional
de Matemática (IMO)
a)18x - 43 = 65 a palavra ‘matemática’
b) 23x - 16 = 14 - 17x costuma causar arrepios,
1
c) 10y - 5 (1 + y) = 3 (2y - 2) - 20 mas o intuito da Olimpíada
d) x(x + 4) + x(x + 2) = 2x2 + 12 é mexer com a maneira
e) (x - 5)/10 + (1 - 2x)/5 = (3-x)/4 com que os estudantes Olímpico e solidário
f) 4x (x + 6) - x2 = 5x2 veem a matéria “Quem pensa que ele só estuda
se engana, adora videogame, fute-

O
limpíadas e Paraolimpíadas, você já deve ter A escola pública também tem vez bol, atletismo e tudo que envolve
ouvido falar nesses grandes eventos esportivos. A Olimpíada Brasileira de Matemática das Esco- muita adrenalina”. Essa é uma das
Mas, você sabe que existem Olimpíadas volta- las Públicas (OBMEP) é um projeto que estimula o frases mais ditas por Terezinha
das para a educação, como a de matemática? estudo da Matemática entre alunos e professores do Pedroso, mãe de Marco Antonio
As Olimpíadas de Matemática são disputadas des- ensino público. “Suas atividades vêm mostrando a Pedroso, estudante que já ganhou
de 1894, na Hungria. Com o passar dos anos, even- importância da matemática para o futuro dos jovens mais de quinze medalhas em com-
tos parecidos foram se espalhando pelo leste europeu, e para o desenvolvimento do Brasil”, ressalta Cida petições de matemática, química,
resultando, em 1959, na organização da 1ª Olimpí- Neves, do Ministério de Ciência e Tecnologia. física e astronomia, tanto no Bra-
ada Internacional de Matemática, na Romênia. Ape- Desde sua primeira edição em 2005, a OBMEP sil como em outros países.
nas em 1979 a Sociedade Brasileira de Matemática vem crescendo a cada ano. “Em 2010, tivemos a Com apenas 19 anos, Marco 2

(SBM) organizou a 1ª Olimpíada Brasileira de Ma- participação de mais de 19 milhões de alunos de Antonio já participou da OBMEP,
temática (OBM), “a ideia central é a de estimular 44.717 escolas municipais, estaduais e federais, de conquistando medalha de ouro, e Através das competições sur-
res; já a mãe Terezinha é responsá-
o estudo, desenvolver e aperfeiçoar a capacitação quase todos os municípios brasileiros”, completa na OBM participa desde a sexta giu a ideia para montar um curso
vel pela administração do grupo,
dos professores, influenciar na melhoria do ensino, Neves. Os sucessivos recordes de participação fa- série. “Mesmo com boas notas em preparatório para Olimpíadas de
chamado ‘Olímpicos de Santa
além de descobrir jovens talentos”, ressalta Aparecida zem da OBMEP a maior Olimpíada de Matemá- matemática eu achei a prova mui- Matemática em sua cidade natal,
Isabel’. A participação é gratuita
Francisco da Silva, professora do Departamento de tica do mundo. to difícil, não conseguia ter ideias Santa Isabel, São Paulo. Marco
e aberta a qualquer aluno, sendo
Matemática da Unesp de São José do Rio Preto. Cada Estado possui várias Coordenadorias Re- preciso passar por
A Olimpíada Brasileira de Matemática acontece to- gionais responsáveis pelo Programa de Iniciação
Em 1959, foi criada a Olimpíada Internacional de Matemática. um processo seletivo
dos os anos e podem participar alunos desde a 5ª sé- Científica, bem como pelo acompanhamento da Hoje a competição reúne alunos por causa do reduzi-
rie até a Universidade, de escolas públicas e privadas OBMEP. “Organizam a logística de aplicação das do ensino médio de mais de 100 países. do número de vagas.
do Brasil. Os vencedores da OBM são selecionados provas, incentivam a inscrição das escolas, organi- “Hoje o grupo cres-
para compor as equipes brasileiras que irão disputar zam cerimônias de premiação”, explica Aparecida pra resolver as questões”, comple- Antonio afirma que o objetivo do ceu muito, é respeitado por mui-
Olimpíadas Internacionais, realizadas anualmente, Francisco da Silva, também coordenadora da OB- ta o estudante. Em 2009, Mar- projeto foi expor os alunos da ci- tas escolas da região e tornou-se
em diversos países. MEP de São José do Rio Preto. co foi medalha de bronze na 50ª dade a provas e desafios, tentando conhecido em diversas localidades
Olimpíada Internacional de Ma- motivá-los a sonhar mais alto. no país, servindo de referência
3 temática (Bremen – Alemanha) e O curso foi fundado por Marco acadêmica a muitos. Os Olímpi-
conquistou a prata na Olimpíada em junho de 2008 com a ajuda cos de Santa Isabel estão valori-
Ibero-Americana de Matemática do irmão Álvaro e do pai Antônio zando o ensino para um país me-
(Querétaro – México). Carlos, que atuam como professo- lhor”, ressalta Teresinha. C

10 ctxt jul/dez2010 ctxt jul/dez2010 11


1 Foto: Sxc 2 Arquivo Pessoal 3 Reprodução
Comportamento

estilo
geek V
ocê já deve ter conhecido algum nerd. Aquele
mesmo, com os óculos de aro grosso, remenda-
dos com esparadrapo, usando aparelho nos den-
tes e as roupas do seu avô. O estereótipo que antes nin-
guém queria pra si, hoje é visto com bons olhos pela
sociedade: esses são os geeks, os novos nerds.
Talvez não tão estereotipadas quanto os meninos
nerds, mas você também deve se lembrar de algu-
ma garota nerd. Aquela que sempre fazia as lições de
casa para os amigos, mas que nunca tinha par para
dançar. Essas meninas que tiveram uma adolescência
sem muito, ou nenhum, glamour, passaram boa par-
A expressão geek teve seu primeiro registro em 1876, te do tempo lendo, jogando videogame e se interes-
como sinônimo de fool (em inglês, bobo) e posterior- sando por um mundo nem tão feminino assim.
mente passou a designar artistas ambulantes que ganha- O mundo geek ainda é parte de um universo pre-
vam a vida exibindo-se nas ruas, em performances que dominantemente masculino. Mas isso não significa E se você pensa que garotas só gostam de jogos fo-
incluíam arrancar a cabeça de uma galinha viva com os que mulheres não se interessem pelo assunto. Muitofinhos e casuais, está muito enganado. Tem menina
dentes ou comer insetos (em inglês, bugs). Por analogia, pelo contrário. Dados da The Entertainment Softwa-que curte, e muito, matar zumbi no Left for Dead
passou-se a designar como computer geek aquele que ga- 2. A estudante de audiovisual Bárbara Silva é um
re Association, empresa responsável pela organização
[por Tamirys Seno] nha a vida ‘comendo’ bugs de computador. bom exemplo disso. Jogadora de videogame desde os
da E3 – mais importante feira dedicada a jogos ele-
A expressão geek só adquiriu características positivas 6 anos, ela começou com o clássico Supernintendo.
trônicos – e por pesquisas relacionadas a games, 40%
depois da explosão ‘.com’ dos anos 90, quando a tec- do público gamer dos Estados Unidos é mulher. Elas“Sou filha única. Meu pai e minha mãe não me dei-
nologia ganhou status de poder. Ainda naquela década, também são responsáveis por 46% das aquisições de xavam sair muito na rua, então o videogame era uma
o Jargon File, um vocabulário criado pelos pioneiros da jogos e são 42% do público de games online. forma de distração pra mim”, explica a garota geek.
internet, definiu geek como “uma pessoa que escolheu a As garotas geeks vêm ganhando espaço nesse uni- Bárbara conta que seus jogos favoritos são os de
concentração no lugar da conformidade, alguém com plataforma - como Super Mario
interesse por tecnologia e talento criativo, que não busca A expressão geek só adquiriu características e Sonic -, jogos no estilo tower
adequação social padronizada. Geeks em geral sofrem de defense - como Plants vs Zom-
neofilia - atração por tudo aquilo que é novidade - e são positivas depois da explosão ‘.com’ dos anos 90, bies -, jogos online e até games
adeptos de computadores”. quando a tecnologia ganhou status de poder em flash - como os do facebook.
Para o psicólogo Erick Itakura, do Núcleo de Pesqui- Para ela, o universo gamer é es-
sa em Psicologia e Informática da Clínica da Pontifícia verso tecnológico, e nem sempre se enquadram no tereotipado como ‘coisa de menino’, por conta da
Universidade Católica (PUC) de São Paulo, geek e nerd estereótipo acima do peso, com óculos fundos de predominância de garotos e pelo vício de muitos.
são a mesma coisa, o que mudou foi a aceitação social. garrafa e espinhas pelo rosto. Conhecimentos so- “Acredito que a maioria das meninas que jogam gos-
Já para o sociólogo Massimo Di Felice, professor da bre jogos como Street Figther e World of Warcraft tam tanto quanto os garotos. Acho que o número
Universidade de São Paulo (USP), não se trata de geek deixaram de ser coisa só de meninos. A garota geek de meninas gostando de videogames aumentou pelo
estar na moda e sim de esse ser um estilo de vida da tem 90% do grupo de amigos constituído por avanço da própria indústria de games, impulsio-
nossa época, a diferença é que uns têm mais consci- homens – que a consideram um dos caras –, faz nada pelo cinema e pela TV”, afirma a estudante.
ência disso. “A moda está cada vez mais ligada a uma layout de blog em códigos de programação, como Ser uma geek hoje em dia se tornou um diferencial. A
identidade pessoal, o indivíduo cria um estilo de ser XHTML e PHP, e sabe que pra dar um Hadouken garota geek lê muito, é interada em todos os assuntos,
para se diferenciar dos demais e se reconhece no gru- é meia-lua pra frente e soco. independente e vaidosa. Elas vieram pra mostrar que o
po”, completa. Ainda segundo o sociólogo, os jovens, estereótipo nerd ‘Velma do Scooby Doo’ já era. Garo-
independentemente da época, costumam manifestar tas podem sim entender de computadores, tecnologia,
desejos de auto-afirmação. “Assim como antigamente games, e ao mesmo tempo usar salto alto, maquiagem
era tradição o uso de camisetas do Che Guevara, hoje a e saber dançar a nova música da Britney Spears. C
auto-afirmação passa pela tecnologia”, explica.

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Foto: Sxc

Montagem: Divulgação e Arquivo Pessoal


O exercício da cidadania
em terras Tupiniquins [por Gabriela Contieri]

“A soberania popular é exercida por sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com
valor igual para todos, nos termos desta Lei e das normas constitucionais pertinentes,
mediante: plebiscito, referendo e iniciativa popular”. Artigo 1º da Lei Nº 9.709, de 18
de Novembro de 1998, que regulamenta a execução do disposto nos incisos I, II e III
do artigo 14 da Constituição Federal.

Quando tudo começou...


O livre exercício do voto surgiu em solos brasileiros com os primeiros núcleos de povoadores, os portugueses recém
chegados ao país. Os colonizadores realizavam votações para eleger quem iria governar as vilas e cidades que fundavam.
A primeira votação de que se tem conhecimento foi realizada no dia 23 de janeiro de 1532, onde moradores da primeira
vila fundada na colônia - São Vicente, em São Paulo - foram às urnas para eleger o Conselho Municipal. A votação foi
indireta: o povo elegeu seis representantes que, em seguida, escolheram os oficiais do Conselho.
Já o período do Império brasileiro (1822-1889) foi marcado pelo chamado voto censitário e por episódios frequentes
de fraudes eleitorais. “Para o voto censitário era necessária uma determinada renda anual para que a pessoa pudesse ser
candidato ou eleitor. A quantidade de dinheiro necessária era tanto maior quanto maior fosse a importância do cargo
Elza Fiúza/ABr

pleiteado”, explica a professora de História, Maria de Fátima Narciso. Mulheres, índios e nem mesmo assalariados podiam
14 ctxt jul/dez2010 ctxt jul/dez2010
escolher representantes e governantes, não existia título de eleitor e as pessoas eram identificadas pelos integrantes da mesa 15
apuradora e por testemunhas.
trêstempos

O
título de eleitor só foi instituí- ção para ser eleitor, ela não previa a A força das massas No dia 10 de novembro de 1937, escolaridade, pois se tivesse a foto di- Arena (a partir de partidos do gover-
do em 1881, por meio da cha- obrigatoriedade do Estado em pro- Em outubro de 1930, encerra-se sustentado por setores sociais con- minuiria o risco de confusão”. no) e o MDB (unindo as oposições).
mada Lei Saraiva, que também mover a educação, criando assim um a Primeira República ou República servadores, Getúlio Vargas institui O Código Eleitoral de 1945, que Na tentativa de amenizar a oposição,
instituiu, pela primeira vez, eleições mecanismo que mantinha o número Velha, por meio da deposição do Pre- o Estado Novo, uma ditadura que trouxe a exclusividade dos partidos o governo baixou em 1976 o decreto
diretas para a maioria dos cargos do de eleitores sempre baixo”. sidente Washington Luís em meio a se prolongou até 1945. Outorgada políticos na apresentação dos candi- apelidado de Lei Falcão: as propagan-
Império. Mas o novo documento não O primeiro governante eleito dessa um golpe de Estado. Subiria ao poder nesse mesmo dia, a Constituição de datos, vigorou até o advento do Códi- das eleitorais passam a usar fotos dos
adiantou muito, os casos de fraude forma foi Prudente de Morais. Nesse o grupo de Getúlio Vargas, que se po- 1937, mais conhecida como ‘Po- go Eleitoral de 1950. O novo Código políticos e a serem narradas por um
continuaram a acontecer porque o período se instalou a chamada ‘po- sicionava contra a transparência nas laca’, extinguiu a Justiça Eleitoral, cria a folha individual de votação, fi- locutor que anunciava o currículo do
título não possuía a foto do eleitor. lítica do café-com-leite’, em que o eleições e na administração pública, aboliu os partidos políticos existen- xando o eleitor na mesma seção elei- candidato.
“Sem dúvida alguma, era um pro- governo era ocupado alternadamen- além de lutar para manter o poder tes, suspendeu as eleições livres e es- toral e encarrega a Justiça Eleitoral de Para evitar novo fracasso nas elei-
cesso eleitoral direcionado, que não te por representantes de São Paulo e nas elites estaduais. tabeleceu eleição indireta para pre- produzir as cédulas, e, para diminuir ções de 1978 para o Senado, o go-
revelava um nível sequer razoável Minas Gerais. De acordo com Maria Um dos primeiros atos do governo sidente da república, com mandato as fraudes, começa a ser exigida a foto verno editou o que ficou conhecido
de exercício de democracia”, afirma de Fátima, o principal instrumen- provisório foi a criação do primeiro de seis anos. Período marcado pelo no título de eleitor. “De 1945 a 1964 como Pacote de Abril, como explica

.
a Doutora em Sociologia Marcia de
Souza. [ ]
Com a Proclamação da Repúbli-
to desse governo era o coronelismo,
que se baseava no controle dos votos
locais pelos grandes proprietários de
Código Eleitoral Brasileiro. O Códi-
go de 1932 criou a Justiça Eleitoral,
que passou a ser responsável por todos
centralismo político, historicamente
ficou conhecido pela oposição dos
intelectuais, estudantes, religiosos e
o Brasil vive a primeira experiência
de democracia de massas, ou seja, há
um alargamento da participação elei-
Marcia de Souza: “cada estado tem
três senadores, e, na eleição de 78,
eram apenas dois senadores, um elei-
ca, em 1889, o governo provisório terras, os coronéis. os trabalhos eleitorais e introduziu o empresários. toral”, ressalta o Professor de Ciência to diretamente e outro, indiretamen-
anuncia a Constituição de 1891. A Este período, conhecido como Re- voto secreto, o voto feminino e o siste- Depois da Segunda Guerra Mun- Política, Gustavo Müller. te. De que maneira? Eleito pela As-
primeira Constituição Republicana pública Velha (1889-1930), foi mar- ma de representação proporcional, em dial (1939-1945) a forte pressão pela O golpe militar de 1964 impediu a sembléia Legislativa de cada estado.
determinou que o presidente e seu cado por fraudes e pelo voto de ca- dois turnos simultâneos. Pela primeira volta à democracia era grande, o que manifestação mais legítima de cida- Como a Arena era o partido majori-
vice deveriam ser eleitos pela popu- bresto, característico do coronelismo. vez, a Legislação Eleitoral fez referên- levou Vargas a permitir a reorganiza- dania, ao proibir o voto direto para tário, seus senadores foram eleitos em
lação. O voto ainda não era direito A ‘política dos governadores’ foi prá- cia aos partidos políticos, mas ainda ção partidária e a convocar eleições. presidente da república, governador, praticamente todos os estados”.
do de todos, apenas tica comum nestes anos: o presidente era admitida a candidatura avulsa. Em dezembro de 1945, o general prefeito e senador. Apenas deputados Mesmo com todas essas manipu-
ã o e n tre Esta a homens alfabe- da república apoiava os candidatos A presença feminina, cada vez mais Dutra foi eleito com a utilização de federais, estaduais e vereadores eram lações, o MDB saiu vitorioso nas
A relaç era tamanh
ão am tizados e com indicados pelos governadores nas elei- marcante, chega às urnas. “Esse fato cédulas eleitorais impressas com o escolhidos pelas urnas. O regime que eleições de 1978. Um ano depois,
e religi s eleições er s. mais de 21
uma greja ções estaduais e estes davam suporte marca a emancipação política das nome de apenas um candidato, que destituiu o presidente João Goulart o governo extinguiu E
que alg dentro das i nte anos podiam m 198
5
planta começa a im
ao indicado pelo presidente nas elei- mulheres no Brasil. Estas passavam eram distribuídas pelos próprios par- fechou emissoras de rádio e televisão, o bipartidarismo e o
das me
realiza ão cessou so votar. Segun- ções presidenciais. O coronel tinha o a ser cidadãs com direitos plenos, ao tidos. Segundo a Professora de Histó- e a censura tornou-se prática comum. ano de 1982 sinali- ção do -
g a ç d a samen p
l i a to elet roces-
.
s a c i
Es vigên do Maria de papel de controlar o eleitorado, fazer menos no nível político, conquis- ria, “as cédulas de papel eram apenas Os chamados anos de chumbo zava o fim do auto-
com a de 1891, que Fátima, “ou- propaganda dos candidatos, fiscalizar tando o direito de votar e também escritas, não tra- (1968-1974) desgastaram a ima- ritarismo. [ ] dados rôn
eleitor ico de
tuição ção igo Eleitoral zendo a imagem Em 1984, mi- sibilitando
Consti nou a separa o. tro aspecto o voto não secreto e a apuração. “Com de se candidatar a cargos eletivos. Críticas ao Cód gem dos governos militares. Com a ais, po
s-
i
determ reja e o Esta
d m, em 1935, do candidato, lhares de pessoas recadastr
, e m
importante o Golpe de 1930, os grandes proprie- Por outro lado, representa também de 1932 levara implantação do Ato Institucional 1986,
o
ig o segundo isso dificultava foram às ruas todo o te
ament
entre a da Constituição de tários foram derrubados do poder e as a expansão do eleitorado, princi- à publicação d número 5, o Congresso foi fechado,
rritório
o, em
bstituiu o para os elei-
1891 era o fato de que, embora ela
estabelecesse o critério da alfabetiza-
massas urbanas ganharam força polí-
tica”, ressalta Maria de Fátima. Maria de Fátima. [ ].
palmente nos centros urbanos”, diz Código, que su
primeiro sem a
lterar as tores de baixa
até então.
políticos foram cassados, partidos
políticos extintos e foram criados a
exigir a volta das nal, de 6
eleições diretas e
9,3 mi nacio-
leitore
s.
lhões
d
e
conquistas de
1

16 ctxt jul/dez2010 ctxt jul/dez2010 17


1. Imagens: Museu Virtual TSE
ade
F u tu ro , d e responsabilid
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O projeto Ele d e li n e ado para est
do TSE e TR E, fo i entes
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no processo
eleit
ra s, c o n c u rs os, gincanas
palest rio.
como aulas, ã o s d o Poder Judiciá
ó rg
e visitação a
para presidente, evento que ficou co- eleito ganhou poderes constitucio- O debate sobre amplas reformas Com o objetivo de garantir um sis- se torne viável em muitos outros países, nos deparamos com as propagandas
nhecido como ‘Diretas Já’. Apesar da nais e, sob a presidência de Ulysses econômicas e sociais eram constantes tema de votação democrático e seguro, com sistemas mais eficientes de envio políticas. Passou-se a época em que a
pressão popular, a proposta de emen- Guimarães, começou a elaborar a nas campanhas eleitorais de 1994, várias tecnologias têm sido desenvolvi- de dados e quem sabe com um maior propaganda era marcada apenas pelos
da à Constituição que restituía o voto nova Constituição. ano em que foi aprovada a emenda das pela Justiça Eleitoral Brasileira, me- conforto para os eleitores”. A Professora discursos junto às entidades sociais,
direto, do deputado Dante de Olivei- que reduziu o mandato presidencial recendo destaque o desenvolvimento de História ressalta que a maior mu- clubes, maçonaria, na forma de panfle-
ra, foi rejeitada. Das bolas de cera à urna eletrônica de cinco para quatro anos. Fernando das urnas com leitor biométrico, que dança para o futuro das eleições possa tagem e nas rádios. Nos dias de hoje,
No ano seguinte, o primeiro pre- É promulgada em 1988 uma nova Henrique Cardoso (FHC) participou possibilitam que o eleitor registre seu vir do eleitorado. “Nesse aspecto a edu- a tecnologia também tomou conta da
sidente civil após o Golpe de 64 foi Constituição. “A Constituição de da disputa eleitoral como idealizador cação é um instrumento decisivo para a publicidade. Além do já conhecido
eleito: Tancredo Neves. Apesar de 1988 foi redigida num momento de do Plano Real e ainda como defensor conscientização do eleitor. Os partidos horário eleitoral televisivo e dos car-
indireta, sua escolha entusiasmou a ampla mobilização social e deman- de reformas constitucionais. Acabou vão ser obrigados a indicar candidatos tazes espalhados pelas ruas, encontra-
Detentos aguardam em fila para
maioria dos brasileiros, marcando o
fim do Regime Militar e o início da
redemocratização do país. Mas, com
da por mudanças políticas e sociais.
Embora não totalmente, a Consti-
tuição ampliou os direitos de cidada-
vencendo em primeiro turno e derro-
tando inúmeros candidatos, inclusive
Luiz Inácio Lula da Silva. Em 1997,
votação
um eleitor mais crítico”. [ ] .
mais sérios e confiáveis para conquistar mos propagandas na internet: nos sites
dos políticos; nas redes sociais, como
Twitter e Orkut; e até mesmo através
1
a morte de Tancredo logo após sua nia, assegurou o voto aos analfabetos foi inserida uma nova emenda consti- dos e-mails.
eleição, o vice José Sarney assumiu. e previu meios de reduzir o abismo tucional que possibilitou a reeleição, Com todo esse merchandising polí-
Ironicamente, era um dos principais social entre ricos e pobres”, assegura o que levou o presidente FHC nova- tico há uma preocupação muito grande
líderes da Arena, partido que apoiava Maria de Fátima. Além dessas altera- mente ao poder. com relação à influência e as interpre-
o Regime Militar. ções, a Constituição estabeleceu elei- A década de 90 trouxe uma gran- tações que podem provocar. Gustavo
O período conhecido como Nova ções diretas com dois turnos para a de novidade na história do voto no Müller fala que existem interpretações
República também trouxe avanços presidência, mandato de cinco anos Brasil: as urnas eletrônicas. Nas pri- positivas e negativas quanto a propa-
importantes: restabelecimento das para presidente e direito de voto aos meiras eleições, os votos eram depo- ganda eleitoral. “As posições positivas
eleições diretas para a presidência e jovens a partir dos 16 anos. sitados em bolas de cera chamadas de afirmam que a publicidade tem o papel
para as prefeituras das cidades, con- No ano seguinte, após 29 anos com ‘pelouros’. Depois vieram as urnas de de informar os eleitores para que estes
sideradas como área de segurança eleições presidenciais indiretas, o bra- madeira, as de ferro e as de lona, até voto por meio das impressões digitais. Acredita-se que na medida em que decidam seu voto de modo puramente
nacional, direito de voto aos maiores sileiro voltou a escolher pelo voto que começou a serem utilizadas pela A nova tecnologia já foi utilizada com houver uma conscientização da im- racional, baseado numa expectativa de
de 16 anos e, pela primeira vez na direto o presidente da república. De primeira vez nas eleições municipais sucesso nas eleições de 2008, nos mu- portância do voto, pode existir uma custos e benefícios. As interpretações
história republicana, os analfabetos acordo com a Professora de História, de 1996 e introduzidas em todo o nicípios de politização maior nas propostas dos negativas, geralmente veiculadas pela
também passaram a votar. “depois de 25 anos de ditadura, havia país em 2000, o voto informatizado, ca re al iz a Colorado do candidatos, acontecendo debates imprensa, afirmam que a propaganda
Também em 1985, o brasileiro uma grande expectativa por mudan- realizado em urnas eletrônicas que A urna eletrôni o
to’ in te rn Oeste/Ron- mais bem formulados sobre proje- serve apenas para ludibriar os eleito-
voltou às urnas. Foi uma vitória ar- ças e um anseio generalizado por par- possibilitam a apuração das eleições um ‘embaralhamen res”, explica.
ecendo dônia, Fáti- tos públicos para o país. “Devemos
rasadora do PMDB, que elegeu 22 ticipação política. As eleições foram quase que de forma imediata. Mar- dos votos, não ofer Além de todas essas possíveis mu-
dade de se ma do Sul/ lembrar que existe um grande desin-
governadores, 77% dos senadores e uma grande festa da democracia, mas cia de Souza acredita que essa nova nenhuma possibili Mato Grosso teresse pela política, seja porque a de- danças, tanto na tecnologia quanto na
candidatos
53% dos deputados federais. Ain- ainda eram marcadas pelos vícios do experiência trouxe mais confiabili- verificar em quais do Sul e São mocracia já se tornou rotineira, seja reeducação do eleitorado, ainda é pos-
O govern da em 1986, o Congresso sistema político brasileiro: candidatos dade ao processo eleitoral, agilizou a um eleitor votou. João Batista/ porque a classe política se comporta sível prever que daqui alguns anos ha-
confisco
de poupa
o de Coll
do saldo
nça e das
or foi ma
das cade
rcado pe
rnetas
lo
cômicos, ameaças, acusações, dossiês,
escândalos iminentes, denúncias”.
A eleição presidencial de 1989
.
apuração, e reduziu ou praticamente
eliminou as fraudes. [ ]
Santa Catarina, e será usada nas
eleições de 2010 em 23 estados, totali-
de forma a propagar o seu próprio
descrédito. Contudo, mesmo nas de-
verá mudanças nos partidos políticos.
“Uma questão que se pode colocar é
zando mais de um milhão de eleitores. mocracias avançadas, a apatia é algo que daqui uns vinte anos haverá um
Além do contas-co contou com 24 candidatos, entre O futuro já começou
desconte rrente Por meio desse sistema, o país terá não natural, mas existe sim ‘cidadão cons- esgotamento da polarização entre PT
da popula ntamento s. eles, Ulysses Guimarães, Paulo Ma- São 25 anos ininterruptos em que só a votação mais informatizada como ciente’”, declara o Professor de Ciên- e PSDB, e surgirá uma terceira via”,
ç
foi abalad ão, o Governo luf, Mário Covas, Fernando Collor o eleitor escolhe seus representan- também a mais segura do mundo. cia Política, Gustavo Müller. destaca Müller. Marcia de Souza com-
escândalo o p or uma sé de Mello e Luiz Inácio Lula da Silva. tes por meio do voto. Nas eleições
s e denún rie de Maria de Fátima acredita que o sis- Ainda falando sobre a conscien- pleta: “mais do que mudanças em ter-
envolven cias de co Collor venceu o segundo turno das presidenciais de 2010, mais de 119 tema de votação tende a se tornar mais tização do voto, melhor divulgação mos de tecnologia, educação e cons-
do o próp rrupção
que prov
processo
ocaram a
de Impea
rio presid
abertura
ente,
de um
.
eleições contra Lula, com mais de 35
milhões de votos. [ ]
milhões de eleitores exerceram esse
legítimo direito.
sofisticado, “talvez com o avanço de no-
vas tecnologias a nossa urna eletrônica
das propostas políticas e dos esclare-
cimentos por parte dos candidatos,
cientização, precisamos é reinventar a
política e isto é mais o mais difícil”. C
chment, e
m 1992.
18 ctxt jul/dez2010 ctxt jul/dez2010 19
1. Marcello Casal/ABr
agronegócio

Da oliveira selvagem Para desenvolver essa cultura no presária Rebeca Couto afirma: “o

ao azeite extra-virgem
Brasil foi preciso alocá-la em uma cuidado que está se tendo com a
[por Julia Giglio] região de características agronô- produção de oliveiras no Brasil é
micas muito específicas. A cidade o mesmo de qualquer parte do

A
de Maria da Fé está localizada na mundo, isso mostra que pode-
romático e aveludado. Para os lei- sessões de degustação e eventos. “A EPAMIG tem Serra da Mantiqueira, a cerca de mos produzir azeites muito bons.
gos essas terminologias podem não pesquisas com olivicultura desde 1955, em 2004 mil metros de altitude, e tem tem- A primeira análise provou que o
dizer muita coisa mas, diante da as primeiras mudas e técnicas foram passadas aos peratura média anual de 17ºC. fruto é bom, a metodologia de
análise dos especialistas e oleólogos, o produtores e só em 2005 surgiram os primeiros A pesquisa da EPAMIG com oli- cultivo da arvore é boa, a colhei-
azeite de oliva produzido no Brasil atinge plantios comerciais. Atualmente são 400 hectares veiras, azeitonas e azeite tem como ta foi feita no momento certo e a
a qualidade das produções milenares do de oliveira plantados e seriam necessários seis mil objetivo abrir caminho para um extração foi correta”.
Mediterrâneo. hectares de plena produção para suprir a demanda mercado em que o Brasil depen- Apesar dos entraves, os prós- Mas as opiniões são divergen-
O azeite brasileiro vem do Sul de 100% do produto importado. peros resultados das pesquisas e tes. Para a degustadora de azeites
do Estado de Minas Gerais, de “É a oliveira prateada que alimenta nossos meninos; “Somos o quinto maior importa- dos cultivos devem dar um novo Patrícia Galasini “o produto da
cerca de 50 municípios, sendo Nem a juventude nem a velhice destroem dor mundial de azeite e o terceiro fôlego para a produção brasileira. EPAMIG ainda está em fase ex-
de azeitonas, o que representa um A área plantada com oliveiras, em perimental, então não tem con-
o principal deles Maria da Fé. A planta de que o olivicultor cuida e
gasto anual de 600 milhões de re- Minas Gerais, cresce 50% ao ano dições de concorrer com nenhum
A cidade possui em torno de A própria Atena defende.” – Édipo Rei, Sófocles. ais”, ressalta Nilton Caetano. e “as quantidades devem ser mais outro azeite já existente no mer-
14 mil habitantes e é a sede do
A dependência do mercado ex- significativas à partir do ano que cado brasileiro”. Maurício Lima
Núcleo Tecnológico de Azeitona e Azeite brasileira”, conta Nilton Caetano de Oliveira, ge-
terno está relacionada às condições vem (2011)”, garante o coordena- Verde Guimarães, vice-presidente
da EPAMIG (Empresa de Pesquisa Agro- rente da EPAMIG de Maria da Fé e coordenador de cultivo – estranhas ao Brasil - e dor. “Em 2010 foram produzidos da Federação de Agricultura e
pecuária de Minas Gerais). do Núcleo Tecnológico de Azeitona de Azeite. à falta de investimento específico mil litros de azeite extra-virgem, e Pecuária do Estado de São Paulo
O óleo mineiro se enquadra no padrão Pela fazenda experimental já passaram mais de do governo no setor. Nilton afirma a quantidade deve subir para 20 (Faesp), concorda “o azeite bra-
extra-virgem, com 0,4% de acidez – o cem variedades da planta. Atualmente existem oito que “não existem financiamentos mil toneladas em 2012. Precisare- sileiro vai ficar muito mais caro

.
que é considerado excelente, uma vez que adaptadas e indicadas para a região, sendo a Arde- e programas governamentais para mos até investir em novos equipa- que o importado, devido à produ-
a legislação determina que o tipo extra- quina e a Grappolo as mais conhecidas. Segundo dar força à olivicultura, a olivei- mentos para o processo de produ- tividade, os projetos do governo
-virgem tenha acidez até 0,8%. “É o pro- Nilton Caetano, as pesquisas realizadas consegui- ra se enquadra no financiamento ção, já que hoje trabalhamos com só podem fazer testes”. Segundo

o azeite brasileiro
duto que obtém melhor valor no merca- ram chegar a um padrão ideal de oliveira para o para fruticultura, com as mesmas apenas uma máquina italiana, que ele, para produzir em larga escala

.
do”, garante Rebeca Couto, proprietária Brasil, “as plantas já dão fruto a partir do quarto carências e prazos”. tem capacidade para esmagar cem “ainda está muito longe”.
da filial paulistana da boutique de azeite ano e atingem o auge de sua produtividade aos quilos de azeitona por hora”.
Oliviers&CO. seis, a média de rendimento em azeitona das nos- Na tônica que vemos, muito
Porém ‘mercado’ ainda é uma perspec- sas árvores está em 18% [contra 15-16% da média em breve os supermercados terão
tiva futura para a produção nacional de mundial], e a produção por hectare chega a 10 to- que abrir espaço para o produto
azeite que, por enquanto, só é vendido neladas, acima da produção de outros países [de 8 brasileiro nas prateleiras. A em-
em pequenas quantidades e exibido em a 9 toneladas] onde a olivicultura é tradicional”.
Imagens: Sxc

20 ctxt jul/dez2010 ctxt jul/dez2010 21


.
..
agronegócio
História Produção e consumo Usos e abusos Mas o que determina as caracte- determinados tipos de azeitona na
A mitologia grega conta que na época do surgi- A produção mundial de azeite estimada para a A palavra azeite vem do vocá- rísticas de um azeite? Da mesma composição do azeite”.
mento das primeiras cidades os deuses entravam campanha 2009/2010 foi de cerca de 2,8 milhões bulo árabe Az-zait que significa forma que o vinho: a variedade Outro aspecto que deve ser con-

.
em conflito para resolver quem seria o protetor de de toneladas. A bacia do Mar Mediterrâneo é a prin- sumo de azeitona. Através da his- da matéria prima e o processo de siderado é o ponto de amadureci-
cada uma. No confronto com Possêidon, Atena fez cipal área produtora. Além de Portugal, Espanha e tória esse óleo foi utilizado com produção. “Os diferentes tipos de mento do fruto quando é colhido
brotar uma oliveira, árvore cujos frutos alimenta- Itália, outros países que produzem na região são: Tu- diversos fins: na medicina, em oliva trazem características nutri- para se tornar azeite. De acordo
riam a população e o óleo suavizaria a dor dos fe- nísia, Turquia, Síria, Marrocos, Argélia, Líbano, Isra- oferendas religiosas, como com- cionais e de sabor completamente com Galasini, “o amadurecimento
ridos pela guerra. Assim, Zeus concedeu a vitória a el, Palestina, Líbia e Croácia. Fora do Mediterrâneo bustível; símbolo da paz e da sa- diferentes”, reitera Rebeca Couto, das olivas passa por uma transição
Atena e, em homenagem à deusa, a cidade passou o maior produtor é a Argentina. Além dela, Chile, bedoria, na Grécia a planta foi até da Oliviers&CO. de cores: verde, violeta, roxo escu-
a chamar-se Atenas. Estados Unidos, Austrália, Japão, África do Sul e Irã, protegida pela legislação. Mas foi Por mais estranho que pareça, ro e negro. Olivas verdes produ-
Resgatando a história real por trás da mitologia, também produzem. na gastronomia que o azeite en- o azeite também segue tendên- zem azeite mais frutado, amargo,
registros indicam que as primeiras oliveiras aparece- O Brasil importa a totalidade das 35 mil tonela- controu seu refúgio. cias. Atualmente estão na moda picante e esverdeado. Olivas ne-
ram entre o sul do Cáucaso (região onde hoje estão das de azeite que consome, a maior parte dele vem
a Turquia, Armênia, Geórgia, Rússia, entre outros de Portugal e da Espanha. A quantia representa um
países) e as encostas do planalto iraniano. A extração crescimento de 90% no mercado de azeite, em seis
do azeite é feita desde 4000 a.C, quando as oliveiras anos. Apesar do sensível aumento, o brasileiro con-
ainda eram selvagens (e levavam o nome de zambu- some apenas 200 gramas de azeite per capta por
jeiras). O cultivo data de mais de cinco mil anos, no ano, enquanto os gregos consomem 23 quilos, e
Mediterrâneo e na Ásia Menor, sendo fenícios, sírios os espanhóis e italianos 12 quilos por habitante,
e armênios os primeiros povos a consumir o azeite. anualmente.
A expansão do cultivo coube aos romanos, que le- A trilha é longa até atingirmos os níveis europeus

.
varam a planta para toda a Europa e para o Ocidente. de consumo. Para Maurício Lima Verde, “o consumo
Só depois de estabelecida nas áreas Mediterrâneas a cresceu, mas o azeite ainda é um produto seleciona-
oliveira chegou à América. Os espanhois e portugue- do, inacessível (e às vezes desconhecido) para grande
ses trouxeram a planta na época das grandes navega- parte da população brasileira”. A situação do con-
ções e da descoberta do novo continente. sumo recai sobre dois aspectos: a cultura e o preço.
As oliveiras chegaram ao Brasil no período colo- “O preço é mais que o dobro dos óleos tradicionais.
nial. Havia espécimes da árvore próximos a igrejas Além disso, é uma questão de costume, no Brasil não
e capelas. Quando se iniciou uma pequena produ- existe o hábito de consumo, ninguém frita um ovo Destaque entre importadores
ção de azeite, Portugal ordenou que fossem cortadas com azeite, os óleos tradicionais são muito mais uti- mundiais, Brasil busca aumento de
O azeite pode ser utilizado em os azeites monovarietais, ou seja,
todas as árvores, temendo que a produção interna lizados”, explana Lima Verde. produção de azeitonas
uma infinidade de pratos e deve aqueles produzidos a partir de um
concorresse com o produto da metrópole. Depois Mas isso não é o que mostram as projeções do
ser escolhido com o mesmo único tipo de azeitona. No entan-
disso, a introdução da oliveira se deu por volta dos Conselho Oleícola Internacional (COI) - entidade
cuidado que um vinho, combi- to, os clássicos nunca são deixa- gras, muito maduras, produzem
anos de 1800. Os primeiro olivais foram desenvol- que representa os países produtores. Dados indicam
nando suas características com dos de lado. Couto revela que “é azeite dourado, suave e doce”.
vidos nas regiões Sul e Sudeste (onde ainda reside a que o consumo de azeite no Brasil deverá duplicar
o alimento preparado. “Azeites muito comum misturar tipos de O líquido resultante é sumo
prematura produção brasileira), mas a falta de co- até 2015. O país já é o quinto maior importador
mais leves e doces são mais apro- oliva. Quando você vê um sabor de oliva puro, azeite virgem. De-
nhecimentos sobre a planta e o clima inóspito para mundial do produto (44 mil toneladas em 2009), e
priados para saladas, legumes e normal do azeite significa que ele pendendo da acidez ele pode ser
o desenvolvimento da árvore não permitiram a con- vem apresentando crescimento médio anual de 15%
carnes brancas; já os mais acen- foi produzido a partir de uma oli- classificado em: extra-virgem (até
solidação do cultivo no país. no consumo do óleo.
tuados são melhores para carnes va com determinadas caracterís- 0,8%), virgem fino (de 0,8% a
vermelhas e cozidos”, explica a ticas, então a mistura é feita para 2%) e lampante (acima de 2%) –
A oliva é um fruto delicado que exige cuidado com as pequenas elipses degustadora Patrícia Galasini. acrescentar sabores clássicos de não utilizado para consumo.
desde o processo de colheita até a maceração
22 ctxt jul/dez2010 Foto: Sxc ctxt jul/dez2010 23
2

agronegócio
1

Escolha e saúde
Encontrar azeite nos supermercados é
fácil, a parte difícil fica por conta da esco-
lha. O consumidor, que muitas vezes não
é profundo conhecedor do assunto, pode
depositar sua confiança no rótulo, “a An-
visa [Agência Nacional de Vigilância Sani-
tária] é muito rígida no controle de qua-
lidade e de informações da embalagem”,
tranqüiliza Rebeca Couto.
Diante disso, então, cabe ao consumidor Aprenda a degustar
se ater aos detalhes indicados por Couto:
um azeite
“quanto menor a acidez maior a qualidade
do produto, abaixo 0,8% é excelente, mas
um pouco acima disso ainda é muito bom;
com a especialista
Patrícia Galasini
Amazônia, Rio Madeira
e outras histórias
fique atento à data de fabricação e valida-
de, procure sempre os azeites mais novos
- o produto não ganha atributos com o
tempo, apenas perde qualidade -; prefira
embalagens escuras, o contato com a luz
acelera o processo de oxidação do azeite”. 1. Coloque cerca de 20 ml do azeite de oliva em um
Depois de escolhido, basta aplicar. O copo pequeno, de preferência opaco - assim a cor
azeite é um óleo rico em ácidos graxos, do produto não irá afetar o julgamento.
a maior parte deles monoinsaturados – o 2. Com uma das mãos, tampe o copo. Coloque a ou-
que significa que aumentam o colesterol tra mão por baixo do copo, para aquecê-lo. Perma-
bom e controlam o colesterol ruim. As neça assim por 30 segundos. Esse procedimento
substâncias presentes em sua composição irá concentrar os aromas do azeite de oliva, aju-
inibem a oxidação e produção de radicais dando em sua identificação.
livres, além de conter vitamina E, que é 3. Aspire os aromas do copo, procurando identificar
um poderoso antioxidante. a natureza de cada um. Dependendo da variedade,
Luciano Percussi, autor do livro ‘Azeite: podem lembrar ervas recém-cortadas, maçãs verdes,
História, Produtores, Receitas’ afirma que frutos secos, abacate, notas cítricas, entre outros.
4. Em seguida, sorva vigorosamente um pouco do
o alimento “é anti-cancerígeno, faz bem
ao coração, não cria colesterol, é anti- azeite - o barulho é desagradável, mas ajuda a per- Relato das experiências vividas
-inflamatório, dentre outros benefícios”. ceber melhor todos os sabores do azeite de oliva.
5. Você vai notar, em graus diferentes, uma sensa- pela equipe da ONG NAPRA,
Os únicos cuidados necessários estão na
conservação – sempre manter fechado e ção doce na ponta da língua, uma amarga na parte
superior e outra picante na base da língua, perto
durante as atividades de campo
protegido da luz e evitar submetê-lo a al-
tas temperaturas para que não perca suas da garganta. Dependendo da intensidade de cada na região do Baixo Rio Madeira,
propriedades e características organolép- uma dessas sensações e de suas transições, uma
história sensorial será contada. Pode agradar ou em Porto Velho, Rondônia [por Felipe Ibrahim]
ticas (sabor, textura, aparência e odor). C
não, mas um azeite de oliva que proporciona essas
sensações tem algo a dizer e merece respeito.
24 ctxt jul/dez2010 ctxt jul/dez2010 25

1 Foto: Sxc 2 Agência Brasil


meioambiente
1

O
O trabalho
Núcleo de Apoio à População Ribeirinha da Amazônia Dividíamos nosso tempo entre as atividades progra- tornou-se um grande amigo. Nazaré é formada por gente
(NAPRA) é uma entidade privada, sem fins lucrativos, madas: oficinas de saúde, de circo, visitas domiciliares, pequena, grande, mais velhos, jovens – todos grandiosos.
que trabalha no estado de São Paulo, mas seus projetos atividades com mulheres, com jovens, manutenção do
são desenvolvidos na atuação de campo no estado de Rondô- filtro comunitário, entre tantas outras. O tempo restan- A vermelha
nia, que fica logo ali. Encontrou o Mato Grosso? Um pou- te era destinado aos afazeres domésticos – do qual todos Logo que chegamos em Nazaré, a fisioterapeuta de nos-
co mais para a esquerda, isso, um pouco mais acima, pronto, participavam ativamente de um jeito ou de outro – e à sa equipe, Daniele Busato, torceu o pé e passou quase
achou. Seja bem vindo. convivência com a equipe e com a comunidade. Muito uma semana sendo carregada de carriola para lá e para
Tudo começa nove meses antes - não à toa é o tempo de uma prazerosas eram as conversas sob a luz da lua, ou um cafe- cá. A união do grupo nos fez enfrentar o problema com
gestação humana – quando cerca de 60 estudantes de diferentes zinho para ouvir causos da Amazônia. muita alegria. Na segunda semana, o contundido da vez
faculdades do estado de São Paulo são selecionados pelo NAPRA Às seis da manhã a comunidade já está toda em ati- fui eu. Amanheci com duas manchas vermelhas nas costas
para a atuação em seus projetos. Durante estes nove meses, os vidade. Isso nos incluía porque somos também, durante das duas mãos. O que seria? Uma queimadura foi a nossa
alunos vão fecundar os projetos que serão apresentados, executa- esta pequena parte do ano, membros da comunidade. O primeira opção. A equipe de saúde prontamente me aju-
dos e com empenho trarão bons resultados às populações ribeiri- horário amazônico vai das seis até umas dez, ou onze, da dou. Ouvindo a opinião de moradores de Nazaré muitos
nhas do Baixo Rio Madeira, em Porto Velho, Rondônia. manhã. Depois há uma relativa pausa para afazeres como disseram que o sol não tinha feito aquilo não. Ou era
o almoço, descanso, conversas e outros que evitem sair bicho. Ou era alguma planta que me queimou. Mas o sol
A viagem no sol, que entre onze da manhã e três da tarde está em não faz isso. Até que detectaram que eu podia estar com a
O tempo voa e num instante já estamos em julho de 2010, às máxima atividade. É bastante quente, embora tenhamos ‘vermelha’, uma doença da floresta que consiste em uma
vésperas da esperada viagem até Rondônia. enfrentado uns três dias de muito frio. mancha vermelha em alguma parte do corpo. A mancha
Campinas, uma parada em São Carlos, outra em Catanduva. queima muito, e no meu caso rendeu até umas bolhas. A
Todos estão prontos? Dois dias e meio viajando em um ônibus Os moradores de Nazaré solução? Só com benzimento. No mesmo dia vários mo-
tão animado quanto desconfortável, com um se sobressaindo ao Dona Margarida é uma senhora encantadora. Ela e a fa- radores já se mobilizaram para me trazer ervas medicinais,
outro – a felicidade. Segunda-feira, 5 de julho de 2010. Che- mília somam vários que vivem em Nazaré. Durante nosso e com urgência procuraram o Senhor Vicente pra dizer
gamos a Porto Velho. Ônibus carregado, ônibus descarregado. mês na comunidade, ela nos acolheu como a mais amável que “tem um menino precisando de reza”.
Barco descarregado, barco carregado. O Madeira nos recebe com das mães. Preparou com esmero nossa alimentação diária, As doenças têm histórias bem contadas. Origens fabu-
imensidão e calor. Embarcamos no ‘Deus é amor’, que nos aju- além de sempre estar disposta a uma boa conversa, junto lescas e soluções da terra. Minha mão dentro de alguns
dou a adentrar o grande Rio Madeira. do querido marido, Seu Getúlio. dias voltou ao normal, sobrou-me apenas uma manchi-
Outra moradora é Jaqueline, ela vive em Nazaré com nha que trouxe de lembrança.
O Madeira que nos leva à Nazaré o marido Betinho. O filho deles, João Pedro, mora na
O NAPRA realiza suas atividades em quatro diferentes comu- capital Porto Velho. Jaque, como é chamada por todos, é Hora da despedida
nidades do Baixo Rio Madeira. São Carlos do Jamari, Cuniã, Ca- facilmente reconhecida pelo seu jeito despojado e língua O tempo também passa depressa. Logo chegamos ao
lama e Nazaré, esta última é a comunidade onde minha equipe afiada para um bom comentário. Graças a sua facilidade fim do mês. Era hora de voltar para o estado de São Paulo.
ficou por cerca de vinte dias. para se comunicar, Jaque se tornou um elo com as me- A saudade já apertava no peito, as despedidas eram algo
Nazaré é uma comunidade pequena, com cerca de 600 mora- ninas de Nazaré que se sentem a vontade com ela para doloroso. O afeto que nos invadiu durante o tempo que
dores. Possui escola, posto de saúde e gente hospitaleira. Aspec- esclarecer os desafios da adolescência. moramos em Nazaré, agora nos trazia dificuldades para
to fundamental que marcará a nossa estadia em Nazaré são os Anauá pode ser identificado pelos versos do ‘Minhas partir. Nossa sementinha estava plantada e regada – como
moradores da comunidade. Sempre solícitos, amorosos e parti- Raízes’ - o talentoso grupo musical da comunidade, co- vem sendo feito pelo NAPRA nos sete anos de trabalho. A
cipando de todas as ações do NAPRA durante o mês. A comu- mandado pelo incansável Timaia – do que pode-se ouvir comunidade de Nazaré se mostrava preparada para dar se-
nidade é organizada e os moradores têm consciência crítica da “Quem é que conta em Nazaré? É o Anauá!”. quência a tudo o que aprendemos juntos durante o mês.
realidade em que vivem. Prezam diuturnamente pelo bem estar Seu Artemis, um dos mais velhos moradores da comu- Nós, da equipe do NAPRA, voltávamos carregados – com
de toda a Nazaré. Durante o mês, a equipe se hospedou em uma nidade, é professor aposentado, com disposição e genero- menos bagagens nas costas – mas com a cabeça e o cora-
pequena casa de madeira, metade do pessoal armou suas redes sidade constantes. Auana é a filha de Anauá, uma garota ção cheios de muita história, aprendizado e trocas. Nazaré
do lado de dentro, e a outra parte ajeitou as redes nas árvores ao esperta e responsável, de apenas 11 anos. Dona Nazaré, que deixa saudades e alimenta a esperança de que poderemos
lado da casinha. Poucos dias em Nazaré e já chamávamos nosso supriu a saudade da minha mãe com carinho inesquecível. voltar no próximo ano. Logo um barco chega à beira do
espaço de ‘lá em casa’. Sidonis, garoto inteligente e sempre carinhoso com todos, Madeira, é preciso voltar – e continuar. C

26 ctxt jul/dez2010 1 Fotos: Felipe Ibrahim ctxt jul/dez2010 27


zoom
O que é diabete? Diabete Gestacional
De acordo com o endocrinologista, Dr. Simão Augusto Lottenberg, A gravidez é uma situação em que a mãe precisa de uma ação maior da insulina e algumas mulheres genetica-
diabete é uma doença crônica que se caracteriza pela elevação dos mente predispostas podem apresentar o diabete gestacional. O problema afeta cerca de 7% das gestantes e, na
níveis de açúcar na circulação sanguínea. Ocorre quando o organis- maior parte dos casos, aparece depois do segundo trimestre e persiste até o fim da gestação. Os sintomas podem
mo produz pouca ou nenhuma insulina (tipo 1 da doença) ou ainda ser confundidos com sensações comuns das grávidas: fadiga, apetite elevado, frequentes idas ao banheiro, sede
quando as células oferecem resistência a ação dela (tipo 2). Sem o exagerada e perda ou aumento de peso de forma descontrolada. O crescimento acelerado do bebê ou o aumento
hormônio, a glicose não entra nas células, que morrem por falta de do líquido amniótico, diagnosticados por meio do ultrassom, também podem indicar a presença do excesso de
açúcar e energia. Enquanto isso o sangue se transforma em melado açúcar no sangue. Mulheres portadoras de ovário policístico e com histórico de diabete na família estão mais
e o corpo inteiro adoece. propensas a doença.
Tratamento
As taxas elevadas de açúcar no sangue
podem ser controladas apenas com die-
ta e, se não houver contra-indicação,
com a prática de uma atividade física.
“Em alguns casos a aplicação de insuli-
na é recomendada”, completa Dr. Lot-
tenberg. Os níveis de açúcar costumam
2. A glicose que sobra no sangue é conduzida se normalizar de três dias a uma semana
1. A gestante diabética não produz pelo cordão umbilical até a placenta e atravessa suas após o nascimento do bebê.
insulina (em azul) suficiente paredes, ao contrário da insulina, que não consegue
para querar as moléculas ultrapassar essa barreira. Problemas para o bebê
de glicose (em amarelo) O excesso de glicose no sangue materno
no sangue, que acabam faz o bebê engordar demais, e o recém-
se acumulando na circulação.
3. O pâncreas do bebê, que fabrica -nascido pode ter distúrbios respirató-

iabete
a insulina em quantidades normais, rios, hipoglicemia, icterícia e deficiên-
é obrigado a produzir mais desse cia de cálcio. A criança ainda tem mais
hormônio para dar conta do excesso chances de ser obesa e de desenvolver o
de açúcar que não para de cair na diabete tipo 2 quando crescer.
circulação do bebê. Essa produção

gestacional adicional serve de combustível extra


para suas células.
United for diabetes
A Federação Internacional de Diabete
lidera uma campanha global chamada
“Unite for Diabetes”, com a finalidade
[por Gabriela Contieri] de promover na Resolução da Organi-
zação das Nações Unidas (ONU) o dia
Mundial do Diabetes, 14 de novembro.
5. Ao nascer, o pâncreas continua na 4. O bebê então aproveita ape- “O objetivo é combater a epidemia de
diabete que assola o mundo, incentivar
expectativa de ter de lidar com muito nas parte da glicose abundante.
O excedente se acumula o tratamento da doença e implementar
açúcar e continua produzindo mais
insulina do que o normal. O hormônio e, em vez de se transformar estratégias para prevenir suas complica-
então pode fazer a taxa de glicose em energia vira gordura. ções, principalmente através da educa-
despencar, levando a hipoglicemia. Por isso o bebê ultrapassa ção”, explica Dr. Lottenberg.
os quatro quilos ainda no útero.

28 ctxt jul/dez2010 ctxt jul/dez2010 29


Imagens: Reprodução
ctxt jul/dez2010 31

O costume humano de acumular objetos remonta milhares de anos.


Um dos hobbies mais antigos do mundo, o colecionismo de selos não
tem data de nascimento, mas é possível precisar o nome mais impor-
tante do começo dessa história: Holland Hills.
“O selo postal surgiu na Inglaterra em 1840, no contexto de uma
grande reforma postal. Naquela época, quem pagava ao receber uma
carta era o destinatário. Muitas pessoas se recusavam a pagar pelo
recebimento da correspondência, e os Correios retornavam para a
plataforma com um grande prejuízo. Para mudar esse cenário o admi-
nistrador dos Correios da Inglaterra, Holland Hills, criou o selo, como
forma de comprovante de franquiamento”, relata Maria de Lurdes
Fonseca, Chefe do Departamento de Filatelia e Produtos dos Cor-
reios.
O ano de 1840 foi a data do Golpe da Maioridade, em que Dom
Pedro II assumiu o trono do Brasil – com apenas quatorze anos.
Apesar da pouca idade, “ele era um visionário, tudo o que tinha de
bom fora do país ele trazia para cá”, afirma Miguel Rodrigues de
Magalhães, presidente da Sociedade Philatélica Paulista (SPP). E
assim, no ano de 1843, o Brasil tornou-se o segundo país do mundo
a implantar o selo postal [até hoje há um desacordo entre Brasil e
Suiça por essa medalha de prata].
O primeiro selo brasileiro foi emitido dia 1 de agosto de 1843 –
data em que comemora-se o Dia Nacional do Selo -, e foi apelidado
de ‘Olho-de-boi’, por sua semelhança com os olhos do animal. Na
sequência da história postal lançou-se a série chamada de ‘Inclinados’,
em 1844, e depois o ‘Olho-de-cabra’, em 1850.
Na comparação peso-valor,
um selo é mais valioso
que um diamante.
Uma peça de 1 grama
já chegou a ser vendida
por 2 milhões de dólares

30 ctxt jul/dez2010
O colecionismo de selos na era digital
[por Julia Giglio]
Imagens: Sxc
hobby
1
Mas os esforços não cessaram. dia, ele tem a finalidade de ser pro- Tecnologia
João A Lei Rouanet (Lei nº. 8.313 de pagador da cultura nacional”. Vari- O desafio que a filatelia enfrenta
O colecionador Roberto 1991), de incentivo à cultura, in- no concorda, “eu acho que o selo é nos dias de hoje não é provar seu
Colecionar “é um hobby, um passatempo” para Miguel de Baylongue, uma boa fonte cultural, alguns têm
cluiu a filatelia entre os muitos seg- valor cultural, mas garantir espaço
Magalhães, que começou seu acervo como um ‘juntador’. Para filatelista mentos artísticos (teatro, artesana- significados importantes, e você entre as muitas manifestações ar-
Reinaldo Basile, diretor administrativo da SPP, “quando era to, cinema, música, folclore, etc.) ainda tem prazer de ver e estudar”. tísticas existentes e, especialmente,
criança comecei uma coleção como investimento, e acabei me responsáveis por “estimular a pro- “Se adquire cultura e conhecimento encontrar uma maneira de conviver
tornando um estudioso”. O pesquisador filatélico João Rober- dução, a distribuição e o acesso aos histórico com a filatelia, é possível com a tecnologia.
to Baylongue, conta que “comecei a colecionar quando ganhei contar a his- Com a internet dominando as
um ‘Inclinado’”. Já para o jovem colecionador, de 11 anos, Para um filatelista estudar um determinado selo tória do Brasil formas de correspondência, o en-
Henrique Varino, “a coleção começou quando eu achei um é necessário ter mais de 10 mil unidades dele através dos se- vio postal está sendo cada vez me-
selo do milésimo gol do Pelé, me interessei pelo assunto, e fui los, e de qual- nos usado, e o selo deixa de ser
procurando mais selos e matérias do correio”, conta. produtos culturais (...); proteger e quer país”, afirma Reinaldo Basile. gênero de primeira necessidade nas
Por mais diversa que seja a maneira de se iniciar uma coleção, conservar o patrimônio histórico e Já foram focalizados em selos: comunicações. Os filatelistas não
é consenso entre todos os colecionadores de selos que a paixão artístico; estimular a difusão da cul- acontecimentos históricos, perso- acreditam que o selo vá ser extin-
pela filatelia supera qualquer motivação inicial. Uma vez mer- tura brasileira e a diversidade (...)”, nalidades relevantes no contexto to, “nós temos um novo caminho
gulhado nesse universo, a tendência é se aprofundar cada vez segundo trecho retirado do site do histórico, político, sócio-cultural, a pela frente, um caminho que nos
mais. Ciente de sua ampla variedade de artigos, a filatelia se Ministério da Cultura. literatura e os grandes poetas brasi- desafia, já que a filatelia está sen-
especializou, e existem hoje quatro modalidades de coleções: A escola filatélica De acordo com Maria de Lurdes leiros, os heróis da pátria, a bandeira do renovada justamente para que-
tradicional, temática, especializada e de classes experimentais. João Roberto Baylongue é pesquisador filaté- Fonseca, dos Correios, “tudo o que nacional, o patrimônio arquitetôni- brar a frieza que se nota nos meios
A tradicional envolve selos de determinado país ou época. lico, realiza pesquisas com materiais postais, e é importante na história de um país, co e ambiental, os animais, dentre da tecnologia”, confessa Maria de
A temática desenvolve um tema ou uma ideia a partir de se- desenvolve o projeto ‘Filatelia – fonte do saber’ se ainda não foi um selo, vai ser um muitas outras temáticas. Lurdes Fonseca.
los, documentos postais ou filatélicos. A especializada envolve com crianças do ensino fundamental. Assim E os esforços se convertem em
apenas um determinado tipo de documento postal filatélico como ele, outros membros da SPP também novidades de todos os tipos para
2
(inteiros postais, aerofilia, selos fiscais, etc.). E, por último, as ministram palestras e promovem eventos com Coleções de atrair o interesse do colecionador.
classes experimentais que estão em processo de aprovação pela a finalidade de divulgar a filatelia, especialmen- selos podem Inscrição em Braile, aroma, textu-
Federação Internacional de Filatelia. te entre os mais jovens. contar ra, holografia, verniz. “Já passaram
“Tenho uma pequena coleção de selos da Bélgica, do dese- “Quando a gente dá palestra em algum lu- histórias pelas minhas mãos selos de tecido,
nho do Tintin”, revela Henrique Varino. Reinaldo Basile tem gar as crianças se interessam. Há interesse, de toda bordados, com pérolas, com cris-
coleções temáticas sobre vinhos e maratonas; a coleção de Mi- mas falta apoio institucional por parte dos uma época tais, de madeira, cortiça, plástico e
guel de Magalhães conta a história da colaboração e da resis- Correios e de empresas ligadas”, lamenta Mi- até tinta magnética – que gruda em
tência na 2ª Guerra Mundial; e João Roberto Baylongue, em guel de Magalhães. imã”, conta Júlio Castro.
seus longos anos como colecionador, já abordou muitos temas. O comerciante Júlio Castro comenta que “a Além dos variados artifícios usa-
Mas o colecionismo de artigos filatélicos não é apenas reunir filatelia está envelhecendo, tem muito mais dos para criar selos, por trás de cada
peças e ter, assim, uma história. Segundo Júlio Castro, comer- gente deixando de colecionar ou falecendo, do peça produzida existe um artista,
ciante filatélico, “existe uma série de materiais que o coleciona- que jovens entrando no colecionismo”. Esse que precisa reunir muitas informa-
dor precisa ter: pinça pra pegar os selos, lupa para verificar de- ramo do conhecimento está se distanciando ções sobre um assunto e transmitir
talhes, classificadores para encaixar e organizar peças, álbuns, dos mais novos, muito devido à tecnologia. tudo em um espaço extremamente
catálogos e muitas outras coisas”, explica. “Os mais antigos diziam que a filatelia abria o reduzido. Por isso, o selo também
Relatando os muitos pormenores da prática de colecionar se- mundo para a pessoa: hábitos, costumes, regi- deve ser considerado uma obra de
los, ela pode parecer uma atividade de acumulação e organização ões. Só que toda essa carga de informações que arte, nas palavras de Maria de Lur-
de materiais, mas Basile afirma que “é um hobby com propósito, ela trazia para os colecionadores hoje tem na des Fonseca “a arte que sintetiza o
a filatelia tem função cultural e educativa muito importantes”. internet”, comenta Júlio Castro. conhecimento”. C

32 ctxt jul/dez2010 1 Fotos: Arquivo Pessoal 2 Sxc ctxt jul/dez2010 33


Ribeirão
deluxe
O capital
gerado pelo
agronegócio
da região
é convertido
em consumo
na cidade
de Ribeirão Preto
[por Julia Giglio]
Imagens: Sxc

34 ctxt jul/dez2010 ctxt jul/dez2010 35


Á rea de 650 km². Pouco menos de 580 mil habitantes. A 313 km da capital
paulista... a ‘Califórnia brasileira’. Mesmo sem as belas praias, Ribeirão Preto,
recebeu este título graças à agricultura, às industrias e à variedade econômica
dos 24 municípios que compõem sua região administrativa.
A macro-região “é a maior produtora de com-
modities agrícolas da América Latina, sempre es-
teve focada na produção de artigos de sobremesa:
no passado era o café, hoje é o açúcar, o suco de
laranja e os doces, com destaque também para o
“Brasil é um país muito colonizado.
O fato de um produto ser estrangeiro
já começa a sensibilizar
o consumidor antes mesmo
Jóias e cosméticos estão
entre os produtos mais
etanol”, conta Antônio Vicente Golfeto, professor de ele conhecer o produto” vendidos do mercado
de economia.
de produtos luxuosos.
Apesar de inserida nessa realidade, a economia Sílvio Passarelli,
da cidade de Ribeirão Preto destoa do fervor agrí- a respeito do maior sucesso de marcas
cola que a circunda. Sem área disponível para agri- estrangeiras do que nacionais do Brasil.
cultura, “Ribeirão é um polo que catalisa os re-
cursos produzidos no seu entorno e o ponto forte Pires revela que a pujança econômica da cida-
da sua economia é o setor de comércio e serviços” de é “a qualidade de vida, as diferenças sociais
afirma Renato Pires, diretor do departamento de não tão acentuadas – em comparação com ou-
desenvolvimento socioeconômico da Secretaria da tras cidades do mesmo porte - e o custo de vida
Fazenda de Ribeirão Preto. relativamente baixo”. Tudo isso culmina em um
O município de Ribeirão Preto é produto da contingente populacional de alto poder aqui-
economia de toda a sua região. O que é produ- sitivo, com elevado potencial para consumir e
zido fora da cidade é consumido dentro dela, o bom nível cultural.
dinheiro gerado nas ativi-
dades agrícolas é aplicado
no comércio e nos serviços Localize-se
ribeirão-pretanos, e ela é Região de Ribeirão Preto
residência para empresá-
rios e profissionais liberais
de cidades próximas. Essas
características, aliadas à lo-
calização privilegiada, tor-
naram Ribeirão o mais rico
município paulista – em
uma avaliação per capita –
e o quarto do estado – em
renda geral -, de acordo
com Vicente Golfeto.

36 ctxt jul/dez2010 ctxt jul/dez2010 37


Foto: Sxc
especial
No tapete vermelho
O recente crescimento da renda per capita na cidade (e na região, como um contabilidade, ainda representam gastos
todo) atrai empreendimentos e resulta em desenvolvimento comercial. “Devido inferiores aos de investimento e manuten-
ao desenvolvimento da economia, a população de Ribeirão Preto tem um padrão ção de um helicóptero particular). Nelson
de vida mais alto, o que permite o consumo de produtos de luxo”, ressalta Golfeto. Mattos, diretor de operações da ABC He-
De acordo com a pesquisa ‘Mercado de Luxo no Brasil’, da MCF Consultoria e licópteros, comenta que, “a procura pelo
GfK Brasil, deixando de lado São Paulo e Rio de Janeiro, as cidades mais promis- serviço de taxi aéreo [em Ribeirão Preto]
soras para expansão do mercado de luxo são Brasília (53%), Porto Alegre (7%), caiu, porque muitos dos meus clientes ad-
Curitiba (7%), Salvador (6%), Recife (4%), Belo Horizonte (4%) e Ribeirão Pre- quiriram helicópteros; a compra do meio
to (3%). Entre as dez cidades colocadas no topo da lista, Ribeirão Preto é a única de transporte é para suprir demandas pes-
que não é capital estadual e está localizada no interior. soais, sendo mais por vaidade do que por
“Projeções e estimativas de potencial de consumo estão sempre baseadas em tabu- necessidade”, esclarece.
lações avançadas do censo que permitem quantificar quantas pessoas devidamente Para aqueles que preferem seguir por
estimuladas por informações poderiam se tornar demandadoras de produtos de luxo”, terra firme, os automóveis AAA são uma
detalha Sílvio Passarelli, diretor do programa de MBA em Gestão do Luxo da Funda- alternativa sedutora. A revendedora Euro-
ção Armando Álvares Penteado – FAAP. Ele complementa, dizendo que “Ribeirão é bike fornece carros das marcas Audi, Mini,
uma cidade de porte médio, porém muito rica, que esta vivendo em função do etanol Volvo, Porshe, BMW e Land Rover aos
uma espécie de eldorado da cana; então há uma concentração de renda, uma popu- clientes de Ribeirão Preto e região. Segun-
lação muito cosmopolita que viaja com frequência e isso faz com que essa elite tenha do Juliana Borges, responsável pela área de
um índice de consumo maior do que a média”. marketing da loja, “os preços são mais ou
O potencial de consumo de Ribeirão Preto também está ligado aos salários menos os mesmos [variando de 115 a 700
altos (fruto da mão-de-obra qualificada que se forma nas Universidades locais) mil reais], vai do cliente escolher a marca
e à rede de educação e cultura. “Porque luxo é cultura. Cidades com baixa fre- que mais tem a ver com ele”.
quência de atividades culturais tendem a demandar menos produtos de luxo do Apesar de os veículos custarem pequenas
que outras”, analisa Passarelli. fortunas, Juliana garante que “faltam carros
mas não faltam clientes”. A Eurobike ven-
Setorização de em torno de 35 carros por mês, e existe
O mercado de luxo é comumente focalizado como o universo da moda. Essa ver- lista de espera para adquirir os modelos. A
tente contribui com o maior percentual dentre os produtos chamados Premium, demora na entrega dos automóveis é ex-
26%, mas ela não é a única. A escala de produtos luxuosos é seguida por calçados plicável pelos detalhes. “Se o cliente gostar
(19%), confecção e vestuário (18%), e perfumaria (17%). Contudo, o luxo pode de um carro do showroom ele pode levar
estar também em “materiais de construção importados, torneiras, banheiras, avi- mas, na maior parte dos casos, quem inves-
ões, helicópteros, bebidas finas – vinhos de todo o mundo -, alimentos – caviar, te dinheiro em um carro de luxo procura
tartufos, trufas brancas e negras, funguis especiais, alcachofras -, joalherias de grife exclusividade, e quer escolher cada detalhe
– Tiffany & Co., Bulgari -, etc.”, frisa Sílvio Passarelli. da máquina para ter um produto persona-
Cristiane Nogueira, vendedora da loja de presentes e joalheria Casa Affonso, lizado. Quem procura um carro premium
cita as canetas Mont Blanc e os relógios Rolex como os artigos mais luxuosos que busca luxo, conforto, prazer e status. É a
vende. “As canetas da loja chegam a três mil reais [existindo modelos mais caros] realização de um sonho”, destaca Juliana.
e os relógios estão na faixa de vinto mil. Ribeirão é uma cidade em que esses pro- Além dessas alternativas, Ribeirão Preto
dutos têm giro, a procura pelo Rolex, por exemplo, é tanto para presente quanto conta ainda com restaurantes refinados,
para uso pessoal”, comenta Cristiane. cafés e bistrôs cheios de estilo, clube de
golf, boutiques de luxo, shoppings com
“Já tivemos que transformar o considerado supérfluo em essencial”, O serviço de taxi aéreo é outra alternativa diferenciada que a cidade de Ribei-
rão oferece. A recorrência aos veículos aéreos é uma questão de custo-benefício, lojas para todos os gostos e planos futu-
Vicente Golfeto, sobre o desenvolvimento econômico de Ribeirão Preto através da história. para uma pessoa que voa menos de 30 horas por mês não compensa adquirir um ros para conquistar ainda mais o mercado
helicóptero (as tarifas por hora de voo variam de 1.600 a seis mil reais que, na consumidor potencial.

38 ctxt jul/dez2010 ctxt jul/dez2010 39


Fotos: Sxc
especial

Consumo a céu fechado Por trás das cifras diretor presidente da MCF Consultoria, “os
Longe do glamour das famosas galerias Qualidade, glamour, vaidade, status, ex- brasileiros são impulsivos no consumo, atua-
européias, o reduto das grifes de luxo no clusividade, valor agregado, individualidade, lizados e contemporâneos, e apreciam trata-
Brasil ainda é o shopping center. Cada vez desempenho. São inumeráveis as ambições mento especial e diferenciado”.
mais sofisticados, esses centros comerciais que sustentam o mercado de luxo.
se multiplicam dentro dos municípios, Os produtos chamados AAA são obje- O novo luxo
agarrados ao potencial de consumo das to de desejo de toda a massa consumidora, Há duas décadas o mercado brasileiro e o
populações locais. no entanto, apenas um grupo muito seleto cenário mundial viviam momentos diferen-
O município de Ribeirão Preto conta de clientes tem acesso a esses artigos. Sílvio tes na história da economia de luxo. Vinte
hoje com três estabelecimentos do tipo: Passarelli traça o perfil desse consumidor de anos atrás “o consumo de luxo foi pautado
Ribeirão Shopping, Shopping Santa Úr- luxo: “homem ou mulher, das classes A e B, na democratização e expansão do mercado
sula e Novo Shopping, e Ricardo Pires, com renda pessoal disponível acima de 25 consumidor”, expõe Ferreirinha. No Brasil,
conta que há outros centros em projeto. mil reais, ou renda familiar acima de 40 mil, só passou a haver uma entrada mais sensível
“Existe uma tendência não só de implan- dotado de cultura material dos bens que de- das grifes mundiais nos últimos três anos,
tação quantitativa mas de especialização seja adquirir, que acredita na qualidade e no devido “não só à estabilidade e ao cresci-
de áreas, shoppings que tendem a explo- desempenho superiores desses artigos e toma mento da classe média, mas com destaque
rar nichos de consumo típicos, até então, a decisão de comprá-los para agregar mais va- de novas cidades como pólo de consumo”,
das capitais estão vindo aproveitar o po- lor ao consumo e ao uso do produto”. complementa ele.
tencial de renda de Ribeirão”, explica. Alguns estudiosos da área acreditam que Sílvio Passarelli atribui essa onda de artigos
Os empreendimentos prometem trazer não existe mais o apego ao status do pro- e serviços premium à situação da economia
franquias de grandes grifes para o interior duto, outros consideram a idade um fator brasileira. “A economia do Brasil tem passado
do estado de São Paulo. Enquanto esses determinante para essa preocupação. Edson pela última crise mundial de maneira melhor
espaços de requinte não são finalizados, a Joaquim, presidente do portal Web Luxo, que as principais economias da Europa e da
classe consumidora alimenta os cartões de afirma que “pessoas com mais de 45 anos América, as marcas de luxo são, em sua maio-
créditos com os produtos e serviços dis- dão mais valor à qualidade, já o glamour ria, europeias, e começam a pensar uma ex-
poníveis, ou se aventura em viagens à ca- atrai principalmente jovens de até 25 anos”. pansão geográfica visando manter o negócio
pital e aos grandes centros internacionais O consumidor Arthur Medeiros confirma, à margem da crise”, explica o professor.
onde as lojas de grife já têm lugar cativo. “eu compro esses produtos por acreditar na As marcas estrangeiras que mais fazem su-
Os lojistas estão na expectativa para ver quase exclusividade que ele vende, por vaida- cesso entre os brasileiros são: Louis Vitton,
o espaço dos novos shoppings e as mar- de, status e até insegurança”. Hermès, Chanel, Giorgio Armani, Gucci,
cas que devem chegar com eles. A ameaça O individualismo, a necessidade de ter o Tiffany & Co., Cartier e Dior. Enquanto as
das grifes não intimida lojas de padrão único e exclusivo é o moto de propulsão des- marcas nacionais de maior destaque são a Fa-
intermediário como CORI, Calvin Klein se mercado. “A Chanel e a Christian Dior sano, a Osklen e a H. Stern.
Jeans, Animale, Forum, entre outras. E da Galeria Lafayette, em Paris, admitem a De acordo com o estudo ‘Mercado de Luxo
a opinião é unânime, “os moradores de presença de um número limitado de pessoas no Brasil’, o setor de luxo faturou 6,2 bilhões
Ribeirão Preto junto com a população na loja, mas não deixam de ter fila”, relata de dólares, em 2009, no país. Projeções indi-
da região têm alto poder aquisitivo, têm Gustavo Stevanato, observador e apreciador cam que, em 2010, o crescimento mundial
bom gosto, são exigentes e procuram pro- do mercado de luxo. Apesar da locação fran- do setor deve ser de 2%, enquanto no Brasil
duto e atendimento de qualidade. Não cesa, as necessidades não mudam abaixo dos o faturamento deve ampliar 22%, chegando
vai faltar cliente para ninguém”. trópicos. De acordo com Carlos Ferreirinha, a quase 7,6 bilhões de dólares. C

40 ctxt jul/dez2010 ctxt jul/dez2010 41


Fotos: Sxc
dica

Móveis Coloniais de quê?

swu
[por Davi Rocha]

D
ez músicos no palco, muita interação com a plateia,
uma música e um clipe novo por mês, dois CDs, um
DVD e música na novela. Algumas das características
da banda brasiliense Móveis Coloniais de Acaju.
O grupo começou em 1998, quando nem todo mundo sustentabilidade,
rock and roll,
acreditava neles, “ninguém apostava no Móveis, todo mun-
do achava que era difícil, nome estranho, som esquisito,
nove pessoas, tá fora do mercado, esquece”, Fabio Pedrosa,
baixista, conta que essa era umas das frases ouvidas pela ‘mo-
bília’ no começo da carreira. Hoje, eles são uma das maiores
megalomania
bandas do rock independente brasileiro, tanto no número de
integrantes quanto na importância musical.
“A gente queria fazer parte de uma cena de ska que es-
tava fervilhando em Brasília no final dos anos 90”, explica
o vocalista André Gonzales. A base permanece a mesma,
mas definir a sonoridade do Móveis é uma tarefa difícil: A experiência única de passar
uma mistura de referências e sonoridades que vão de brega e um fim de semana em um mega
mpb ao puro rock and roll, definida por eles mesmos como
‘feijoada búlgara’. festival de música no Brasil
A seu ritmo nonsense unem-se as letras de própria autoria,
que tratam de temas como o estresse cotidiano, amor, fama, Influências
tempo, etc.. São dois CDs, ‘Idem’ (2007), tendendo ao ska Rush, Beatles, Skatalites, Babau do Pandeiro, Sonny
experimental, e “C_mpl_te” (2010), com pegada mais pop. Rollins, Trio Mocotó, Squirrel Nut Zippers, Emir [por Davi Rocha]
O Móveis Coloniais faz parte da terceira onda do rock de Kusturica e The No Smoking Band, Pato Fu, Chico
Brasília, que sucedeu a Legião Urbana dos anos 80 e Rai- Buarque e Portishead. Entre os dez integrantes, nada
mundos, dos anos 90. disso é unanimidade, apenas o gosto por Os Paralamas
A banda desenvolve o projeto ‘Adoro Couve’. Todo mês, o do Sucesso, a maior influência da ‘mobília’.
Móveis grava um clipe e uma música cover que agrade pelo
menos aos dez integrantes. O projeto começou em feverei- Influentes
ro de 2010, com uma cover da música própria ‘Adeus’ em Em vez de nome grande e composto, pequeno e sim-
versão de carnaval. De lá pra cá, já tocaram Flaming Lips, ples, apenas Gloom. Em vez de dez integrantes, ape-
Talking Heads, Cartola, Trio Esperança, Ultraje a Rigor, Ba- nas cinco. No lugar de um vocalista homem com voz
ckstreet Boys e Novos Baianos. grossa e forte, uma vocalista menina com voz delicada.
Em 2010, o Móveis venceu a categoria Experimente do Tiradas as devidas diferenças, eles têm guitarra, bai-
Prêmio Multishow, lançou um DVD, gravado Ao Vivo no xo, bateria, trombone, trompete e músicas que usam e
Auditório do Ibirapuera e a música ‘O Tempo’ entrou para a abusam da sonoridade e poesia do estilo Móveis de ser.
trilha sonora da novela das seis, ‘Araguaia’. Tudo isso e mais a A banda goiana começa a despontar no cenário inde-
receptividade de grandes públicos é resultado “de doze anos pendente, percorrendo os festivais do circuito Fora do
de trabalho, que está dando frutos agora, aí você pega esses Eixo e a da Abrafin (Associação Brasileira de Festivais
frutos e divide por dez, dá um pedacinho para cada um”, Independentes), enquanto prepara o primeiro disco,
explica Paulo Rogério, saxofonista. que deve ser lançado ainda este ano. C

Foto: Flickr
42 ctxt jul/dez2010 Foto: Arquivo Pessoal
ctxt jul/dez2010 43
vivência

N
os primeiros momentos na fazenda Maeda era As pessoas do Brasil inteiro da empolgou o público, só quem Confusão e a fila para o dia onze
possível ter ideia do que 150 mil pessoas pode- transformavam toda a visão do estava presente na arena sabe o Terminado o show do Rage
riam esperar daquele fim de semana prolonga- local num grande mar de gente, que é ver 50 mil pessoas pulando Against, a maior parte do públi-
do, dedicado à música e à causa da sustentabilidade no dia que prometia ser muito quando o vocalista gritou “Now co se encaminhou para deixar o
no SWU Music and Arts Festival. O evento prometia frio, com ventos ganhando força Testify!”, como se aquela fosse a local, mas foi uma luta sair da fa-
ser histórico e colocar o Brasil na rota dos principais zenda Maeda. Um dos problemas
festivais de música do mundo. O público podia espe- 74 atrações musicais, 700 músicos nos palcos do evento foram os funcionários
rar tudo isso: música, sustentabilidade, muita areia, e mais de 50 horas de música despreparados, grande parte não
longas caminhadas e um frio de rachar. Valeria a pena? tinha ideia de quais eram suas
Dentro da arena do festival tudo era de encher os ao entardecer. O que não impediu apresentação mais emocionante e funções - pelo menos era o que
olhos. Um espaço imenso com parede de escalada, a plateia de esquentar para cantar empolgante de toda sua vida. Não parecia a quem buscasse qualquer
roda gigante, estande para carregar celular, espaço todos os clássicos dos Mutantes, houve frio e vento congelante tipo de informação. O que resul-
para troca de camisetas, exposições, grandes cataven- em uma das apresentações mais que esfriasse os ânimos. Salvo al- tou em um verdadeiro caos na
tos, um labirinto de lixo reciclável. Os palcos gigan- esperadas do dia no palco Água guns problemas técnicos no som hora em que 50 mil pessoas pre-
tescos eram novos e só esperavam o desfile de aclama- (que, ao lado do palco Ar, era um e uma confusão que levou à queda cisaram sair do evento ao mesmo
dos nomes do rock, DJs de todo o mundo na tenda dos principais do evento). da barreira que dividia o público tempo. Foram horas de desinfor-
eletrônica e as mais importantes bandas do cenário Na sequência, a apresentação comum da pista premium, o show mação e confusão.
independente brasileiro. Tudo isso para fazer daquele do Los Hermanos, que ficou dois foi o melhor do festival. A banda Enquanto isso, próximo a entra-
fim de semana “uma experiência única”. Na declara- anos longe dos palcos, fez com que foi impecável no palco e provou a da do evento, um grupo de pes-
ção de Milkon Chriesle, diretor-geral do SWU, “você milhares de fãs cantassem a plenos força e atitude que uma banda de soas instaladas em barracas esta-
vai precisar estar presente para poder acreditar”. pulmões as músicas dos rapazes, já rock de verdade possui. vam próximas à fila principal do
clássicos do rock contemporâneo. evento. Elas vestiam camisetas do
Now Testify! O palco principal seguia com Linkin Park e colado na lona lia-se
A primeira apresentação musical do SWU come- The Mars Volta, conceituada “fila para o dia 11/10”.
çou no palco amarelo e roxo, montado pela Oi FM, banda de rock instrumental, res-
com espaço para bandas independentes brasileiras. ponsável por fazer o show que
Quem abriu as atividades aquele dia foram os cario- antecederia a mais esperada apre-
cas do Letuce e qinhO, às 14h40, horário em que as sentação da noite: Rage Against
filas para entrar no SWU eram quilométricas. Pes- The Machine. A entrada da ban-
soas dos quatro cantos do Brasil, e de países como
Peru, Chile, Argentina e Uruguai esperavam para
adentrar a fazenda Maeda.
Ao conversar com qualquer pessoa não era difí-
cil ouvir “eu sai de casa ontem três da tarde, foram
dezesseis horas de ônibus até São Paulo, mais um
metrô, duas horas de ônibus até Itu e outro ônibus
da rodoviária até aqui, mas vai valer a pena”, conta
Renato Oliveira, 22, estudante, que saiu de Porto
Velho na quinta-feira à tarde, para chegar sexta na
Fazenda Maeda.

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Fotos: Flickr
mais mais

Músicas para agradar o domingo banheiros, não foi o caso de Nathália, “achei ótimo, Espaço de arena: 233 mil metros quadrados,
A maior parte das pessoas foi embora em meio à con- não vi problema algum com o banheiro aqui, pelo
onde foram construídos 70 mil metros quadrados de área coberta,
fusão, enquanto outras ficaram na fazenda, mais pre- contrário, tomei um ótimo banho”.
cisamente no camping do SWU. Como acontece nos Quem ficava no campim tinha a vantagem de che- entre áreas de alimentação, palcos, tendas e camarotes
maiores festivais do mundo, parte do local do evento gar cedo e assistir ao primeiro show que, naquele
é separado aos que se dispõem a acampar para viver as sábado, começou pontualmente às 14h40, com a As atrações principais daquele dia parecem ter sido SWU. Tanta luz nem era necessária para que aque-
24 horas do dia no festival . No SWU foram dispo- banda Volver. pensadas para agradar ao público num domingo à tar- le fosse um dos melhores shows do festival, com
nibilizados sete mil vagas para barracas. Os primeiros A grande expectativa do dia ficou por conta da de, com Teatro Mágico, Jota Quest e Capital Inicial o público cantando em alto e bom som todas as
campistas chegaram sexta-feira por volta de meio dia. banda Kings of Leon. Os reis do dia trouxeram ao nos primeiros shows. Na sequência, as bandas inter- principais músicas da carreira da banda. Com os
Os campistas enfrentavam a falta de conforto e as Brasil todo o material de palco de sua turnê ofi- nacionais começaram com Sublime with Rome; tra- clássicos ‘Molly’s Chambers’ e ‘Use Somebody’ o mar
barracas ao ar livre, mas tinham o intuito de intera- cial. Isso porque em festivais, os grupos apresentam zendo o melhor do ska dos anos 90, a cantora Joss de gente fechava mais uma maratona de shows pu-
gir mais com as pessoas. Antes do inicio do festival shows em versões reduzidas, com palcos que preci- Stone apresenta seu vozeirão e um estilo mais pop, en- lando e com energia e empolgação.
eles trocavam ideias no refeitório, enquanto toma- sam ser montados e desmontados rapidamente para quanto a russa Regina Spektor, tocou piano, guitarra Enquanto a noite terminava para o público, era
vam um sol fora das barracas ou mesmo na fila do dar conta de muitas atrações. Quando o Kings of e até uma cadeira numa das mais intimistas e charmo- hora de começar o trabalho para a ONG Reci-
banho. Um detalhe sustentável do acampamento era Leon soube do que se tratava o SWU, quis trazer sas apresentações do SWU. Depois os caras da Dave cleiros, responsável pela reciclagem de todo o lixo
que cada pessoa tinha direito a tomar um banho por ao Brasil toda a estrutura de um show convencio- Mattews Band, um dos shows mais esperados daquela consumido no festival. Havia um espaço gigante
dia com tempo limitado de sete minutos. “Pelo me- nal. Dez carretas levaram três toneladas de material segunda noite, com público cativo cantando seu rock no meio da arena feito para que os catadores da
nos o banho era quente”, lembra Nathália de Souza, para Itu. O quer seria tudo isso? Acompanhando os com pitadas de jazz e vários solos de violão e violinos. cooperativa trabalhassem madrugada a dentro, à
23, estudante, que chegou sexta à noite no campim. outros shows, as muitas luzes levadas pela banda já Para fechar a noite, os dez caminhões de luzes do vista de todos. Foram 30 toneladas de lixos sepa-
Houve quem reclamasse da fila ou da quantidade de eram vistas desde cedo no palco Água. Kings of Leon brilharam como nunca no palco do radas durante os três dias.

46 ctxt jul/dez2010 Fotos: Flickr ctxt jul/dez2010 47


vivência Mais

A moda das camisetas excelente forma, empolgadíssimo sem sal e sem graça - para o públi-
Um pouco antes de começar o com a volta aos palcos brasileiros, co com menor média de idade -,
terceiro dia, era possível ver que cantando as melhores músicas de com destaque para as músicas mais

Nxset
a ideia da sustentabilidade não seus dois álbuns e com a vocalis- recentes da carreira, que primam
foi completamente levada a sério ta Lovefoxxx pulando na galera, pelo hip-hop e batidas eletrônicas
pelo público. Logo cedo, toda a gritando, correndo e fazendo um ao rock pesado e gritado. Nem os A grande novidade dos aparelhos
arena do SWU estava tomada por verdadeiro carnaval indie. fãs mais fãs pareciam estar gostan-
copos plásticos e latas de cerveja Enquanto isso, quem optou por do muito do show.
estéreos pessoais é este fone de
consumidas no dia anterior. Ao ficar em frente ao palco Ar espe- Das camisetas, foi o dia mais ouvido em formato de colar
que parecia, muita gente ignorava rando o Queens of the Stone Age equilibrado, muitas camisetas
o lema ‘começa com você’ (Starts se deparou com o primeiro atra- pretas para ver o rock pauleira do [por Gabriela Contieri]
with You – SWU). so do SWU e os rapazes subindo Avenged Sevenfold, outras ver-
Naquele dia ainda havia a ex- ao palco 50 minutos depois do melhas dos fãs de Pixies e Queens
pectativa para saber qual banda programado, exatamente o tem- of the Stone Age e mais algumas
ganharia no quesi-
to camisetas. Parte 3 mil pessoas participaram do Fórum Global de Sustentabilidade, Formato Qualidade do som
da moda do SWU Um fone de ouvido em forma de colar, à primeira vista O fone de ouvido em formato de colar se conecta ao
que apresentou 29 palestras de convidados nacionais pode parecer estranho, mas seu formato se justifica. tocador digital por meio de fio e possui um som de boa
se resumia às ca-
misetas de ban- e internacionais, aplaudidos de pé ao final do evento Segundo o fabricante S1 audio, o aparelho não encos- qualidade, onde é possível manter uma conversa como
das . No primeiro ta na orelha e oferece um som bem distribuído. Para se houvesse música de fundo. Ieda Russo comenta que
a Prof. Drª Ieda Russo, Ex-Presidente da Internatio- no caso dos fones de ouvido, o correto é usar menos
dia, os fãs de Rage Against The po de duração do show do CSS. pretas do Linkin Park. Estas últi-
nal Society of Audiology, os fones que não entram em da metade da potência do aparelho e não ultrapassar o
Machine carregaram o grupo es- Quem saiu da tenda Oi pode ver mas, usadas por um público teen
contato com a parte interna da orelha são os menos tempo de duas horas contínuas de exposição. Segun-
tampado no peito. No segundo uma das mais matadoras apresen- que ignorava a existência das de-
prejudiciais. “Os fones de inserção estão situados a do a Organização Mundial de Saúde (OMS), 10% da
dia, Kings of Leon era de longe tações do final de semana, mos- mais bandas e se interessava ape- menos de um centímetro do tímpano e alcançam uma população mundial tem algum tipo de perda auditiva,
o campeão das camisetas. Parece trando para muita gente o que é nas nos gritos do vocalista Ches- intensidade acima do volume médio (100 decibéis), sendo que a maior causadora dessa perda é a exposição
que as bandas principais levavam fazer rock de verdade. ter Bennington, que fecharia o constituindo um risco para a destruição das células a música amplificada.
mais camisetas ao SWU. Seria as- A noite podia acabar por ali, rock and roll do SWU com um sensoriais auditivas em uma região decisiva para a in-
sim no terceiro dia? mas ainda tinha mais seis horas de show morno às 2h00, já no feria- teligibilidade de fala”, afirma Ieda Russo. Cuide da saúde
A programação do festival apre- música na madrugada de segunda do de 12 de outubro. A Drª Ieda Russo revela preocupação com relação ao
sentava um grande problema para terça-feira, na Fazenda Mae- A noite acabaria com o DJ Ties- Efeito uso inadequado dos fones de ouvido. “De acordo com
para o público indie presente, o da. Os Pixies, já senhores, apresen- to transformando a arena SWU O Nxset cria uma espécie de bolha acústica em volta da uma pesquisa realizada em 2006, com 908 estudantes
que assistir às 20h50? Queens taram um dos shows com maior numa grande pista de dança. Ao cabeça do usuário, sendo possível ouvir música e também de São Paulo, 64% deles usavam fones de ouvido e 18%
of the Stone Age, no palco Ar, média de idade de toda a plateia, final, depois de duas horas e meia tudo o que está acontecendo em volta da pessoa. Segun- recorriam exclusivamente a esse tipo de fonte sonora
ou a volta do Cansei de Ser Sexy que cantou todo o repertório, com de música eletrônica, estampado do Ieda Russo, o aparelho cria um campo magnético em para ouvir música. Desses 18%, 9,4% já apresentavam
(CSS), no Oi Novo Som? Quem direito a bis nos clássicos ‘Where nos rostos de Tiesto e de todos os volta da cabeça do usuário e, portanto, reduz o nível de algum comprometimento auditivo”, completa a douto-
optou pela segunda opção se deu Is My Mind’ e ‘Gigantic’. Depois, presentes a sensação de que, sim, pressão sonora que atinge o ouvido humano. “Normal- ra. É preciso conscientizar os jovens sobre a importân-
mente, por causa dos fones se perde primeiro a sensibi- cia de reduzirem o volume de tais equipamentos, por
muito bem, assistiu ao CSS em Linkin Park apresentou um show “valeu a pena esse SWU”. C
lidade ao som agudo, depois aos graves. O mais comum isso aqui vão algumas dicas: prefira os fones de ouvido
é a perda temporária da audição, que se caracteriza por grandes, que recobrem a orelha; nunca ouça no volume
um zunido no ouvido, que geralmente volta ao normal máximo; controle o tempo que fica com o fone; quando
depois de aproximadamente 24 horas”, explica a doutora. possível, dê preferência às caixas de som. C

48 ctxt jul/dez2010 Fotomontagem: Sxc e Divulgação ctxt jul/dez2010 49

Fotos: Flickr
“Eu sou pau prá toda obra
Deus dá asas à minha cobra
Hum! Hum!
Minha força não é bruta
Não sou freira
Nem sou puta...” – Maria Rita, Pagu

Toda mulher é múltipla, com potencial para


se tornar quem quizer. Assim, são muitos os aspectos
que podem conduzi-la pelo caminho
da realização espiritual ou da satisfação carnal.

escolhas
de uma vida
Imagens: Sxc

50 ctxt jul/dez2010 ctxt jul/dez2010 51


vidas

Mulheres
não encontraremos uma resposta definitiva, mas sim deslocamento do ‘desvio’ da meretriz, que abandona

da vida
inúmeras considerações”, sugere o profissional. o plano social para virar referencial de anormalidade,
Um bom ponto de partida é tentar desmitificar os também no plano biológico. “Coloca-se como hipó-
estereótipos da prostituta que circulam na nossa so- tese provável que, não existindo a priori a determina-
ciedade. Quando um fenômeno esbarra em questões ção econômica, elas gostem de se prostituir”, comple-
culturais plurais é comum o homem lançar mão de menta a antropóloga Maria Dulce Gaspar, autora do
[por Leonardo Valle] fórmulas prontas para tentar explicá-lo. Essas cria- livro ‘Garotas de Programa’.
ções, entretanto, não são mentirosas, mas simplifica- Se os estereótipos econômicos e biológicos são comuns
Para tentar compreender ções da realidade. quando o assunto são as causas da prostituição, as justi-
Entre os diversos estereótipos da prostituta pre- ficativas comportamentais também não ficam atrás. Ge-
as causas da prostituição, sentes no senso comum, o mais popular é o da ralmente, ouve-se nos discursos populares que a mulher
é preciso desmitificar mulher que decide ‘vender o corpo’ por falta de se torna meretriz devido a sua incapacidade de constituir
condições financeiras. O contra-argumento é dado família ou orientação para a promiscuidade. Quanto ao
o olhar sobre a prostituta pela pesquisadora Aparecida Fonseca Moraes, no li-

O
primeiro argumento, o cientista social Jeferson Bacelar
vro ‘Mulheres da Vila’, que entrevistou prostitutas demonstrou no livro ‘A Família da Prostituta’ que as
do baixo meretrício carioca, mais precisamente da meretrizes das zonas pobres de Salvador, Bahia, não se
zona conhecida como ‘Mangue’. “Causas ligadas à desviavam completamente dos modelos que constituem

O
pobreza e à miséria não se apresentam como fator a família brasileira: boa parte eram chefes de família e
exclusivo para a entrada na prostituição”, conta a possuíam filhos e marido. Já em relação à promiscuida-
socióloga. “A necessidade de sobrevivência, por si de, a pesquisadora Aparecida Fonseca Moraes relata que
só, coincide com a situação de outras milhões de a profissional do sexo utiliza-se de critérios para selecio-
mulheres que nem por isso escolheram a prostitui- nar seus clientes, quebrando o mito da prostituta que
ção. Como um considerável contingente de prosti- ‘deita-se com qualquer um’. “O uso da camisinha não é
“O que leva uma mulher a se prosti- tutas é oriundo de outras experiências profissionais escolha do freguês, e sim um critério para o atendimen-
tuir?” Apesar da pergunta parecer simples a primeira ou ainda desenvolve atividades paralelas à prosti- to”, exemplifica a autora em sua publicação.
vista, é difícil pensar em uma resposta sem cair no tuição, elas sabem, por experiência, que de alguma Com uma gama de considerações tão abrangentes
senso comum. De um lado encontra-se o sexo, ato forma a sobrevivência poderia se realizar através de contornando o tema, podemos supor que os caminhos
considerado íntimo por envolver a escolha do par- outras ocupações”, lembra. que levam à prostituição não são únicos e nem isola-
ceiro e troca de fluídos. Do outro lado está o modo dos. Por ser a prostituição praticada por mulheres de
nada liberal como a sociedade encara a sexualidade Ninfomania idades, culturas, etnias e classes sociais plurais, não é de
feminina, criminalizada quando não exercida dentro A presença de prostitutas vindas de famílias ricas se estranhar que as causas do seu ingresso na prostitui-
de uma relação monogâmica. Acrescente aí o desme- ou de classe média também faz um contraponto ao ção sejam igualmente diversificadas. Qualquer justifi-
recimento do corpo nas relações de trabalho e pronto, reducionismo da prostituição como um fenômeno cativa diferente disso acaba soando pouco convincente,
temos um tema no mínimo espinhoso. “A Psicanáli- econômico. Um exemplo é o caso da ex-prostituta inclusive para as próprias profissionais do sexo. “Entre
se, a Sociologia e a Antropologia já tentaram respon- Bruna Surfistinha, que estudou em colégios paulis- as prostitutas, a articulação da necessidade econômica
der a essa questão, todas sem sucesso”, destaca Walter tanos tradicionais antes de adentrar no mundo da com diferentes fatores, sejam culturais, afetivos, psico-
José Martins Migliorini, psicanalista e professor da prostituição. Em compensação, um segundo este- lógicos, sociais, para explicar o ingresso, parece se cons-
Universidade Estadual Paulista (Unesp-Araraquara). reótipo assombra as mulheres de classes elevadas tituir como um valor reconhecido pelo coletivo. Valor
“Entretanto, podemos lançar um olhar para os di- que decidem trocar sexo por dinheiro: o da nin- que empresta maior credibilidade para a compreensão
versos temas que cercam o assunto. Provavelmente fomania. Nesse caso, o que chama a atenção é o da situação”, afirma Moraes. C

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Fotomontagem: Wikimedia Commons
vidas

Um pacto Atualmente, com a perda de prestígio da religião Ca- A maior parte das freiras trabalha: resolvendo buro-

de fé
tólica por todo o mundo e o leque de opções que se cracias das paróquias, administrando Hospitais e Co-
abre para as meninas, o número de freiras no Brasil légios que costumam financiar as obras sociais e só
vem caindo vertiginosamente. De acordo com o Anu- algumas são missionárias de fato. Irmã Mirlene, por
ário Católico do Brasil de 2008, na década de 70, es- exemplo, ajuda no Hospital Lar da cidade de Jaci, São
tima-se que residiam no país 41 mil freiras. Hoje, elas Paulo, como auxiliar de enfermagem. “Enfermagem é
[por Karen Barbarini] somam apenas 33 mil, uma queda sensível, sabendo minha segunda vocação, escolhi minha congregação
que a população brasileira dobrou no mesmo período. porque trabalhava com saúde e não me vejo trabalhan-
Mulheres não se tornam freiras, Vários fatores influenciam na diminuição do número do em outra área”.

aa
de mulheres que desejam se tornar religiosas. Um deles Apesar da taxa de formação ser assustadora - somente
a vocação é algo é o fato de que para ajudar o próximo, hoje em dia, 50% das poucas meninas que entram para as congrega-
que nasce com elas é possível tornar-se assistente social, enfermeira, entre ções concluem o noviciado e se tornam freiras de fato - a
outras profissões, e atender aos necessitados gratuita- religião não se importa, por que é mais interessante ter
e acompanha por toda a vida mente, sem ter que estar diretamente ligada à religião freiras certas de sua vocação e que se dediquem ao traba-
que tanto tolhe a liberdade. lho nas paróquias e nas obras sociais.
Outro fator que explica essa redução é o aumento de E a maioria das noviças que completa o processo de
critérios no noviciado - nome que se dá o processo de formação não se arrepende. Porque a vocação é algo ina-
formação como religiosa. Esse ‘curso’, que pode durar to. Quem entra na religião sem ter vontade de se doar de
mais de dez anos, é responsável pela formação teológica fato, se frustra. E é igualmente frustrante ter a vocação e
e profissional das freiras, e existe para que elas definam, tentar ignorá-la para ter uma vida comum.
com certeza, que este é o caminho que querem seguir.
Antigamente as meninas entravam nos conventos a Um exemplo de dedicação
mando dos pais, por volta dos doze anos, e lá perma- A história da Irmã Ana Cristina, da congregação Irmãs
neciam pelo resto de suas vidas. Era uma opção que Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus, é um exemplo
Aprender a se doar. Abrir mão de uma garantia que as jovens viveriam bem e teriam uma boa de que ser freia é algo que vai além de uma escolha. Ela
vida com conforto, do livre arbítrio, de estabelecer o formação, algo inacessível para muitas mulheres no descobriu sua vocação por volta dos 15 anos, mas só
matrimônio, ter filhos e muitas vezes, abrir mão até passado. Hoje, para tentar se tornar freira é necessário conseguiu se tornar freira depois dos 25, ao terminar a
da vivência familiar. Entrar na vida consagrada das ter dezoito anos e ensino médio completos. Essa medi- faculdade de Odontologia. Foram dez anos de luta in-
freiras exige muito mais do que ter fé, é necessário da foi tomada para evitar que garotas tentassem entrar tensa consigo mesma, tentando decidir se essa era mes-
estar disposta a abdicar de si. na vida religiosa sem ter o mínimo de discernimento mo a vida que queria. Entrou na congregação, teve de
O que leva uma pessoa a desistir de uma vida co- sobre o mundo ao seu redor. abdicar da carreira que tanto adorava, mas fez o que seu
mum para se tornar freira? A resposta pode não ser Mesmo assim, ainda existem muitas meninas que coração mandou. Hoje, se sente realizada. Aprendeu que
simples para quem observa, mas está muito clara para tentam entrar nas congregações e acabam desistindo também gostava de fazer coisas diferentes, que fossem
quem vive. Irmã Jesualda afirma, “Eu nunca vivi algo no caminho. Algumas dessas desistentes o fazem nem um desafio. Para ela, a vocação e a ajuda divina garantem
marcante que me fez querer ser freira, a pessoa nasce tanto pela falta de vontade de seguir os votos de pobre- que tudo vai dar certo no final, que qualquer experiência
com o jeito”. Para Irmã Roseli, “eu ouvia minhas ami- za, obediência e castidade, mas por não se adequar à é valida para aprendizado e, é claro, que para Deus nada
gas dizendo que iam casar e ter filhos, eu queria algo rigidez da vida religiosa. Algumas se desapontam tam- é impossível. “Quando eu quero, até aquilo que eu não
maior pra minha vida”. Já Irmã Mariza, conta que “já bém com a realidade do trabalho como freira. Apenas sei fazer eu posso aprender e fazer bem. E fazer de modo
sonhava em ser freira desde criança, pelo simples fato uma minoria das religiosas de todo o mundo se de- que contribua realmente para o bem e para a felicidade
de ver as religiosas e achar bonito”. dica à vida monástica, isolada dentro dos conventos. de outras pessoas”, afirma Irmã Ana Cristina. C

54 ctxt jul/dez2010 ctxt jul/dez2010 55


porondeandei
Charles River
Public Garden

lado pude ver os brilhantes olhos de um garotinho que grita-


va “awesome!” (incrível, na tradução). Me arrepiei e me senti
norte-americana por alguns segundos.
O Charles River é um dos lugares mais encantadores que já
vi, de lá se enxerga uma vista diferente da cidade. Em uma
das margens estão os grandes prédios, como o Prudencial,
um dos mais altos da cidade, de onde é possível ver Boston
por completo; do outro lado estão Harvard e o MIT (Mas-
sachusetts Institute of Technology), sonho de consumo de mui-
tos. Caminhar perto do Charles River é maravilhoso. Uma
bela vista, o vento batendo no rosto, um lindo pôr-do-sol.
Cenário que não se descreve por completo com palavras, um
lugar que eu recomendo visitar.

Boston
Assim como visitar Cambridge e conhecer Harvard. Uma
mensagem em um dos impetuosos portões já adverte: “Entre
e cresça em sabedoria”. O campus é gigante, e mais parece
outra cidade. Uns estudantes sentados na grama, outros pra-
ticando esporte pelo campus, salas de aulas parecidas com
A cidade dos sonhos [por Juliana Heiffig]
anfiteatros. Uma foto com a estatua de John Harvard não
pode faltar (dizem que dá sorte). Charles River

A
Mas Boston também é diversão, e neste sentido a escolha
eroporto de Guarulhos, 2 de julho, embarque pelo ria da cidade. O trajeto começa no Boston Common, um só depende do seu estilo. A NewBurry Street é o lugar mais
portão 22, 21h30. Quinze horas de viagem e um parque perfeito para um piquenique e para ver os esquilos indicado para algumas comprinhas. Victoria’s Secret, Nike,
único destino: Boston, Estados Unidos. Assim que correndo, segue entre ruelas antigas com casinhas de até Chanel, Abercrombie. Mais parece um cenário de ‘Patrici-
o avião aterrissou, meu corpo foi tomado pela ansiedade. quatro séculos atrás, e chega ao museu da Constituição, nhas de Beverly Hills’. O Quincy Market é uma área da cida-
A primeira viagem internacional, um mês na terra do Tio onde está ancorado o mais antigo navio, o ‘Old Ironsides’. de perfeita para sair com os amigos ou com a família. Cons-
Sam praticando meu inglês, conhecendo pessoas do mun- Ao todo são dezesseis pontos que te conduzem por uma truído em estilo grego, é composto de vários restaurantes e
do inteiro. “Taxi!”... ali começava a minha jornada. jornada histórica. pubs onde, depois, das 18h as pessoas se reúnem para um
A primeira vista, Boston me pareceu apenas uma cidade A arquitetura da cidade é uma charmosa – e muito har- happy-hour. Um ambiente descontraído e divertido.
antiga, cheia de marcos históricos, mas aos poucos pude mônica - mistura de prédios antigos e modernos. As casas O Cheers, mais famoso pub de Boston, é o melhor exem-
perceber que a capital de Massachusetts é muito mais que são exemplos típicos do que vemos nos filmes: feitas de plo disso. O slogan já diz tudo ‘where everybody knows your
isso: uma cidade cosmopolitana, uma mistura perfeita de madeira, com grandes quintais, uma cerquinha branca e name!’ (‘onde todo mundo sabe o seu nome!’). A atmosfera
história combinada com uma dose de metrópole moder- uma bandeira, símbolo de muito patriotismo. Em todos do lugar te coloca em um set de TV dos anos 80, com mú-
na, onde existe uma bela arquitetura, noites badaladas, os lugares, não importa se é um pub (barzinho) ou uma sica ao vivo e atendimento personalizado. Tem até um espa-
South Station
esportes, cultura e muito mais. estação de metrô, lá está a bandeira dos Estados Unidos cinho reservado para quem gosta de karaokê.
Boston foi fundada pelos ingleses em 1630 e tem gran- tremulando com orgulho. O Fenway Park é outro lugar sensacional da cidade. A casa 1
de importância na história dos Estados Unidos, pois mar- O orgulho dos bostonianos por seu país e por sua his- dos Red Sox, time de baseball de Boston, me fez sentir (mais Charles River
ca a luta pela Independência do país - quando, em 1773, tória é incrível, e ainda mais marcante no feriado de 4 de uma vez) como cidadã americana. Nas ruas, no metrô, em
os colonos jogaram ao mar o carregamento de chá vindo julho, Dia da Independência dos Estados Unidos. Pesso- restaurantes, todos usam algum símbolo da equipe, e assistir
da Inglaterra, deflagrando a guerra. A parte histórica da as abraçadas a bandeiras, crianças com os rostos pintados, a uma partida é emocionante - mesmo não entendendo as
cidade é rica e o mais legal é que não está confinada em famílias reunidas para comemorar, todos cantando o hino regras do jogo.
museus. A chamada Freedom Trail é uma trilha de quatro com a mão no peito. Na hora da queima dos fogos, ponto Um mês na terra no Tio Sam foi suficiente para me apai-
quilômetros que permite aos turistas reconstituir a histó- alto da noite, eu estava à beira do Charles River. Ao meu xonar por Boston, pelas pessoas e lugares maravilhosos. C

56 ctxt jul/dez2010 Fotos: Juliana Penteado e 1 Sxc ctxt jul/dez2010 57


Bodas de Sangue
por Cláudia Versiani

“Enquanto estava processando o modo de trabalhar com os atores, acompanhando


e estimulando seus processos criativos, Cláudia Versiani, quase que anonimamente,
58 ctxt jul/dez2010 ctxt jul/dez2010 59
educada e sensivelmente flagrava instantes desses momentos” – Amir Haddad, diretor da peça
Atriz, cantora, jornalista, mochileira e fotógrafa. Cláudia Versiani acompanhou por cinco meses os
ensaios e apresentações da peça ‘Bodas de Sangue’, no Espaço Tom Jobim (Rio de Janeiro). A artista
capturou as palavras de Federico Garcia Lorca se transformando em espetáculo através do trabalho
de dezenas de profissionais. 30 atores se revezavam para tirar as personagens do papel e encenar a
história de uma noiva que foge com seu amor do passado no dia do casamento, sob as penas da
perseguição e do sofrimento.
60 ctxt jul/dez2010 ctxt jul/dez2010 61
o clique da diversidade

“Procurei captar as expressões, os movimentos, e a originalidade do processo criativo”


Cláudia Versiani

Programação eclética, músicas,


comentários, debates, entrevistas, informações.
Tudo o que você quer ouvir, com espaço para você participar.

62 ctxt jul/dez2010 ctxt jul/dez2010 63


64 ctxt jul/dez2010

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