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Sobre a dimensão ética das teorias Linguísticas

Objetivo
- questão ética está necessariamente presente no nível dito “propriamente teórico” (na
escolha no objeto de estudo, no ato inaugural de definir o objeto de estudo).
- a aceitação desta hipótese tem um preço alto: revisão radical de uma série de coisas se
acredita acerca da lingüística, a “ciência” da linguagem.

1. A Ética na Linguística: A Elaboração de uma Nova Hipótese


a questão ética se faz presente na própria escolha do objeto de estudo(gesto inaugural
dos empreendimentos científicos);
“definir” é um ato de fala (Austin, 1962, p. 162) .
expositives... porém é mais commissives: tem por finalidade “comprometer o locutor
com um certo modo de ação no futuro” (p. 50).
Definir Linguagem: “Algo que existe como uma potencialidade, uma capacidade, na
mente humana ? Ou existe, contrariamente, como algo que está materialmente presente
– na qualidade de enteléquia, para usar o termo aristotélico – no dia-a-dia de cada um
de nós ? Quem tem a posse da linguagem ? Um indivíduo concebido idealmente, dotado
de atributos que o distinguam dos seus primos distantes de carne e osso ? Ou será que só
faz sentido falar da linguagem em relação a uma comunidade de indivíduos, cujas
identidades se revelariam atravessadas pelas marcas da rede de relações sociais da qual
participam efetiva e inescapavelmente? A habilidade lingüística é algo igualmente
distribuído entre todos numa comunidade ? Ou será que há diferenças entre subgrupos
de uma mesma comunidade ? Todas as línguas estão em pé de igualdade do ponto de
vista funcional ? Ou algumas seriam mais bem dotadas que outras para desempenhar as
mesmas funções ?”(p. 50)
A escolha entre as diferentes respostas possíveis para cada uma das questões é
determinadas pela filiação teórica a essa ou aquela ideologia (algo que é ignorado...)
O sujeito da linguagem – indivíduo dotado de livre-abítrio e de uma potencialidade que
lhe é geneticamente assegurada , é a marca registrada do pensamento liberal.

Homo loquens: ser solitário porém auto-suficiente.


questão social: vem tardiamente pois a sociedade nada mais é do que um agrupamento
voluntário de indivíduos auto-suficientes, ou seja, um estilo de vida inteiramente
dispensável.

Concepção: Tarzan: individuo que nada sofre por falta de convivência social. O fato de
pertencerem a raça humana garante-lhes plenas condições de se integrarem a sociedade
humana.

Várias teorias lingüísticas postulam o sujeito da linguagem nesses moldes. A


comunicação, neste caso, é entendida “como um esforço cooperativo entre indivíduos
constituídos em termos autônomos, com regras pré-estabelecidas de comum acordo, em
prol de interesses comuns”(p. 51). Falhas na comunicação seriam as exceções, sempre
passíveis de ser corrigidas. Sendo os sujeitos da linguagem seres racionais por
definição, em pleno controle de si e seus pensamentos, processo de comunicação:
explicável! Em termos racionais, com a ajuda da chamada game theory.

Homem como ser social: o social é visto como atributo essencial do homem, à sua
própria natureza. Por esta via, a linguagem torna-se algo pertencente á comunidade, e
não a indivíduos concebidos isolada e independentemente. Em vez de o conceito de
linguagem entrar como um primitivo na teoria da comunicação, esta sim é que serve de
base para pensar a própria linguagem. A linguagem não é vista como instrumento de
comunicação mas sim, mais que isso, a função comunicativa passa a ser encarada como
a razão de ser da linguagem (p. 51)

*no lugar de posições ideológicas nitidamente delineadas, encontramos no cenário


político posturas mistas (comunismo, absolutismo, capitalismo). Cada vez mais está se
tornando difícil encontrar quem se identifique com apenas uma.
novas ideologias híbridas: não invalida a hipótese levantada no início do trabalho mas
torna difícil a caracterização precisa de cada um delas e torna mais complicada a tarefa
de detectar as implicações ideológicas das teorias lingüísticas que estão sendo
veiculadas.

pq a questão ética não tem sido devidamente enfocada na literatura pertinente. Algumas
das principais tendências da ciência desautorizam essa hipótese.

2. A ciência e a questão ética: três corrente distintas

Situar o texto na filosofia da ciência: distinguir três posturas em relação à ciência e à


ética (racionalista, pragmatista e marxista). Apenas rótulos, não definem claramente. Há
variantes internas.

2.1. A corrente racionalista

Constatação: toda postura cientifica pode ter conseqüências éticas. Uma teoria
cientifica bem concebida e elaborada poderá provocar certos efeitos concretos,
porem, esses efeitos vão ser benéficos ou maléficos dependendo não da teoria em si,
mas do USO que dela se faz. A teoria em si é neutra e indiferente em relação a suas
aplicações. Ou seja, “não há ética em nível teórico, só na hora de aplicar a teoria é que
se pode levantar a questão ética”.
Cientistas Los Alamos, projeto Manhattan: tendo comprovado a possibilidade de fissão
nuclear(liberação repentina de uma quantidade enorme de energia), nada teriam a ver
com o uso militar que se fez dela.
Uma teoria lingüística e suas concepções não podem ser responsáveis pelas
conseqüências desastrosas de um plano de ação pratico (um programa de ensino, por
exemplo). O físico nuclear e o linguista teórico estariam isentos de qualquer obrigação
moral no uso efetivo que porventura possa vir a ser feito de suas descobertas
cientificas; descobertas essas que tem o intuito de desvendar as verdades e não de
transformar o mundo (p. 53).

Assim, a postura racionalista: uma racionalidade que não é voltada a interesses


práticos, inocenta a razão de qualquer conseqüência.

2. A resposta pragmatista

Teoria nenhuma tem conseqüências; a ideia de que teoria possa moldar os


acontecimentos “jamais passou de um sonho, e o sonho já acabou”. Acabou o sonho,
também, de fundar uma ética com base na metafísica.

A corrente de pensamento pragmatista, basicamente e a grosso modo, coloca como


ênfase do conhecimento a utilidade e a prática. A pesquisa científica, pela perspectiva
pragmatista, seria um processo de ordenação de dados da experiência para, a partir
deles, formular hipóteses submetidas ao critério de verificabilidade.
No entanto, a seguinte formulação de um livro – sobre a teoria pragmatista - diz:
“seguindo a corrente pragmatista, teoria científica nenhuma tem conseqüências; a
ideia de que uma teoria possa moldar os acontecimentos “jamais passou de um sonho,
e o sonho já acabou. Com isso, a nossa tradição filosófica está com os dias contados”.

Como, então, pela perspectiva pragmatista é possível dizer que uma teoria cientifica
não tem conseqüências sendo que ela é tão utilizada e enviezada para o viés prático.

Para ele, a pesquisa científica seria, antes de tudo, um processo de avaliação e


ordenação dos dados da experiência para, a partir deles, formular hipóteses
submetidas ao critério de verificabilidade.

Conhecimento e ação se convertem em termos equivalentes. O eixo central da


teoria pragmatista é a ênfase na utilidade "prática" da filosofia.

2.3. A Alternativa Marxista

Obra de Marx ‘A miséria da filosofia’ (1847) revela que Marx se identifica contra a
corrente ‘racionalista’. Para Marx, a razão se constitui através da história (isso vai
contra a ideia de que a razão é atemporal, supra-histórico e da ordem de um
pensamento incorpóreo).
Marx foi insistente na ideia de que uma teoria não voltada para a práxis, que não se
interessava em transformar o mundo não teria nenhuma serventia.
Eu gostaria que, marxistas ou não, sejamos capazes de frustrar, em nosso domínio de
investigação e de reflexão, a irresistível tendência ao narcisismo teórico que pode tomar
diversas formas integrativas, entre a a-historicidade antropológica e a historicidade
homogênea de um simbolismo coletivo que parece ter dificuldades em suportar a categoria da
contradição (PÊCHEUX, ―Metáfora e Interdiscurso‖ ([1984] 2011)).

3. Comentários Sobre as Três Correntes

Teorias Pragmatistas e Racionalistas são unânimes em rechaçar qualquer vinculação


entre ciência e ética (ou ideologia). Para a mente racionalista, nenhuma teoria terá
implicações éticas diretas já que a ciência lida com fatos ao passo que na ética estamos
lidando com os “valores”.
Para a pragmatista, por outro lado, nenhuma teoria terá conseqüências éticas pois o
próprio conceitos de teoria acha-se despojado de todo o brilho de outrora.
Marxista: é diferente pois acredita que a teoria deve estar voltada para fins práticos,
que incluem a transformação da própria realidade com a qual trabalha. É a única que
nos permite pensar o compromisso ético de uma teoria lingüística qualquer. Mas ela
também prevê a possibilidade de existência de teorias descompromissadas.

Assim: “é possível que exista uma teoria lingüística que seja eticamente neutra e
torná-la eticamente sensível seria uma questão de opção metateórica”.

A hipótese de Rajagopalan: “prevê que todas as teorias sobre a linguagem


NECESSARIAMENTE contem marcas de algum posicionamento ideológico ou outro por
parte de quem as constrói e, por conseguinte, terão necessariamente implicações
éticas” (p. 55-56). A escolha, portanto, estaria sempre entre teorias, TODAS elas com
claras implicações éticas. “em nenhum momento estaríamos pensando a linguagem
em termos ético-ideologicamente neutros”.
posicionamento ético envolve a defesa de certos valores: hierarquização de valores.
ASSIM, todas as distinções são no fundo hierarquias (que podem ser disfarçadas ou
maquiadas).
Linguas x dialeto; língua x fala; fala x escrita; locutor x destinatário.
Finalizando:

Sobre o tempo
Sobre a dimensão ética das teorias Linguísticas (Kanavillil
Rajagopalan)
Questões Iniciais
- a questão ética está necessariamente presente no nível dito “propriamente teórico”
(na escolha no objeto de estudo, no ato inaugural de definir o objeto de estudo).

Ética do Cientista, pela Fapesp:


“(....)ao exercer suas atividades científicas, um pesquisador deve sempre visar a
contribuir para a construção coletiva da ciência como um patrimônio coletivo, deve
abster-se de agir, intencionalmente ou por negligência, de modo a impedir ou
prejudicar o trabalho coletivo de construção da ciência e a apropriação coletiva de
seus resultados.”

Peter Spink (Ética e Ciência, FGV):


A argumentação predominante é a que cada investigador deve ter liberdade de seguir
seu próprio interesse. Porém, nem sempre isso ocorre. Em tempos de guerra, quando
as ciências se envolvem ativamente nas questões de defesa nacional, esse princípio é
frequentemente suspenso. Por outro lado, quando os pesquisadores têm liberdade e
usam-na para o avanço da sociedade, o resultado é uma contribuição significativa.
Como ocorreu na década de 1980, com a mobilização em torno do HIV/AIDS, uma
demonstração, segundo Spink, de que “é possível articular a competência e o
protagonismo das ciências e dos demais saberes de maneira democrática para assumir
a responsabilidade moral de atender os interesses coletivos”.

Em suma, afirma o pesquisador, a ética na pesquisa científica não pode se reduzir ao


“como fazer”, “como comunicar” e “aos limites do que dizer”. A questão primordial é
estar atento ao que será investigado e para quem. “Se não, corremos o risco de ter
uma ciência corretíssima – com procedimentos auditados, códigos de publicação e
manuais de melhores práticas –, mas moralmente irresponsável.”

Eu não sei se é implicância boba minha, mas me incomoda bastante quando chega
época de festa junina por conta do retrato que a gente faz do caipira. Eu pensava mais
nisso linguísticamente mesmo: “entonce”, “ocê”, “sô”, o R retroflexo, etc. só pode
nesse contexto, num tom quase sempre jocoso, como se fosse o erro, o risível, o
inadequado. Além de preconceito lingüístico, parece recuperar uma imagem
esteriotipada desse homem do campo, estagnada no Jeca Tatu.
O modo “típico” de se vestir também

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